GT 09. Antropologia das Mobilidades

Coordenador(es): 
André Dumans Guedes (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Candice Vidal e Souza (PUC MINAS - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais)

Sessão 1
Debatedor/a: 
John Cunha Comerford (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)

Sessão 2
Debatedor/a: 
Cristina Patriota de Moura (UNB - Universidade de Brasília)

Este grupo de trabalho pretende abrigar e pôr em relação pesquisas que tenham as mobilidades como objeto etnográfico. É nossa pretensão dialogar com trabalhos que abordem as formas, significados, experiências, narrativas e práticas de mobilidade em contextos os mais diversos: nas grandes metrópoles ou nas roças, nas matas ou águas, em aldeias ou instituições modernas, nas estradas e caminhos conectando ou localizando-se “entre” lugares como esses. Buscaremos assim aproximar trabalhos oriundos de distintos subcampos da antropologia: a etnologia indígena; a antropologia urbana ou feita nas cidades; os estudos do campesinato e dos povos e comunidades tradicionais; a antropologia da economia, da política, do estado ou da ciência. Inspirados por certas abordagens pioneiras surgidas nos estudos sobre o campesinato brasileiro, iremos privilegiar investigações onde a análise dessas múltiplas formas e modalidades de movimento esteja orientada pelas reflexões, linguagens e formas expressivas de que se servem aqueles (ou aquilo) que se encontra em movimento. Sugerimos igualmente que os trabalhos apresentados contemplem questões referentes à articulação das mobilidades com a organização de coletivos, identidades e institucionalidades; às desigualdades nas capacidades diferenciais dos sujeitos de se mover (ou não se mover) decorrentes de diferenças de classe, gênero, geração, etnia ou filiação religiosa; ou às inovações e problemas metodológicos associados ao estudo das mobilidades.

Palavras chave: mobilidades; movimentos; deslocamentos espaciais
Resumos submetidos
"Quadrados burros", "espinhas de peixe" e outros caminhos no meio rural amazônico
Autoria: Manuela Souza Siqueira Cordeiro (UFRR - Universidade Federal de Roraima)
Autoria: Conforme as diretrizes do INCRA (1984), a colonização da Amazônia funcionou como ocupação de “vazio demográfico”, “pilar de integração da Amazônia ao território nacional”. Os funcionários do INCRA que trabalharam em Rondônia, à época, utilizam a expressão “quadrado burro” para denominar as áreas de ocupação. Os lotes eram recortados em forma de retângulos que não obedeciam limites de relevo ou hídricos, tornando, muitas vezes, a produção inviável. No caso de Roraima, utilizava-se a expressão “espinha de peixe”, a terra também era vista a partir da prancheta da administração estatal, organizada a partir de uma vicinal que recebia a denominação de tronco, de onde partiam outras - as “espinhas”, recortando os lotes. O objetivo desse artigo é compreender as trajetórias e narrativas dos deslocamentos de famílias beneficiárias das políticas públicas militares de acesso à terra entre as décadas de 1970 e 1980. Os dados etnográficos foram construídos a partir de pesquisas realizadas em dois estados da Amazônia brasileira: Rondônia e Roraima, centrando na apreensão nativa das categorias terra, família e deslocamento. Essas noções descrevem não somente esta história de colonização, mas também um modo de existência próprio dos chamados “pioneiros” e de suas famílias, profundamente articulado ao movimento. Mais do que simplesmente descartar a noção de migrante, o intuito foi problematizá-lo como um processo social ou um “fato social total”, para utilizar os termos maussianos citados por Sayad (1998, p. 16). O contexto de estudo em Rondônia são os PAD (Projetos de Assentamento Dirigidos) Burareiro e Marechal Dutra, criados respectivamente em 1974 e 1978, em Ariquemes, nordeste do estado. Já em Roraima, o contexto de pesquisa é a vicinal 15, localizada no município de Caroebe, no sudeste do estado, parte do Projeto de Assentamento Rápido (PAR) Jatapu criado em 1983. Assim como o estado do Amapá, Roraima era anteriormente território federal e só recentemente está sendo concluído o processo de regularização fundiária. O fato de mais de 20 por cento das terras ainda serem passíveis de regularização favorece o uso indiscriminado dessas para grilagem e agronegócio, também em áreas de ocupação antiga como os projetos de colonização. Verifica-se que as movimentações de família são responsáveis, em última medida, por criar mais família, tornando a ruptura parte constitutiva, portanto, não disruptiva, da dinâmica familiar. Trata-se de estratégias não “oficiais” que são também contadas por outras famílias que se deslocaram para a Amazônia em 1970 e 1980. Estão em jogo, portanto, a política em outros termos, especificamente no que tange à compreensão dos modos de ser e de pertencer, ligados à gestão da terra na Amazônia.
A cidade dos que caminham: imagens e metodologias de deslocamento
Autoria: Camila Braz da Silva (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Fabricio Barreto
Autoria: O presente work propõe debater a mobilidade no contexto urbano a partir da caminhada. Entendendo a caminhada como prática de insurgência contra o empobrecimento da vivência na cidade, partimos da perspectiva que o caminhar na cidade permite a experiência e o encontro com as alteridades urbanas. Considerando a interface da Antropologia urbana e Antropologia da imagem, visamos, com isso, refletir sobre os usos da caminhada enquanto procedimento metodológico e a sua importância como formação subjetiva do habitante/pesquisador/a na urbe. Ao trazer para debate os processos de resistência do caminhar na urbe, no qual habitantes/caminhantes e pesquisadoras/es são tomados cotidianamente, nosso objetivo se afirma diante da potencialidade dos passos atentos. Neste sentido, assumimos como metodologia fundante da nossa investigação a etnografia de rua, cuja prática pressupõe a "câmera na mão", como preconizado pelas antropólogas Cornelia Eckert e Ana Luiza Carvalho da Rocha (2013). Entretanto, aderimos também a outras técnicas que se aliam a esta metodologia, como errâncias, derivas e nomadismos urbanos, temática abordada recentemente na publicação que organizamos pela revista digital Fotocronografias: Vol. 05 num.10–2019, no qual tivemos como objetivo reunir works, em um âmbito interdisciplinar, que fizessem o uso da caminhada e de fotografias como prática investigativa para pensar as cidades. Caminhantes inventam outras possibilidades narrativas, outras formas de compartilhar experiências. Certeau (1998) nos diz que: caminhar ao mesmo tempo é leitura e escrita do território. Assim, provocados por categorias como transformações urbanas, ritmos temporais e paisagens urbanas, nos propomos a relatar nossas experiências enquanto etnógrafa e etnógrafo de rua. Aliados ao uso de imagens e apropriados de diferentes procedimentos de deslocamento a pé, buscamos contribuir com o debate do grupo a partir de pesquisas em cidades do Rio Grande do Sul, estabelecendo uma reflexão com fotografias produzidas durante caminhadas realizadas em nas nossas investigações.
A vida em movimento: gênero, raça e sexualidade no cotidiano móvel das mulheres periféricas de SP
Autoria: Bruna dos Santos Galicho (USP - Universidade de São Paulo)
Autoria: Este work tem por objetivo apresentar questões suscitadas na pesquisa realizada junto a mulheres moradoras da periferia sul de São Paulo. A partir do método etnográfico, acompanhei as mulheres em seus trajetos cotidianos, desde a porta de suas casas até a entrada em seus locais de work. Os percursos incluíram trechos feitos a pé ou utilizando ônibus, lotação, Metrô e trem e variaram em distância de treze a vinte e três quilômetros e em tempo de quarenta e oito minutos a uma hora e vinte. Durante os trajetos, procurei observar gestos e maneiras de se movimentar pela cidade, além de situar esse espaço-tempo não como um mero cenário ou cronômetro vazios e inertes, mas como agentes que produzem interações e subjetividades. Tendo como espaço-tempo de diálogo o percurso, busquei conversar informalmente sobre suas vidas, mobilizando assuntos como rotina, transporte, religião, família, work, lazer, maternidade, mudança, afeto, expectativas e sonhos. Os temas ganham corpo através de análises que buscam discutir a produção da alteridade nas interações diárias de movimento, seja dentro do transporte coletivo urbano, nas pequenas circulações pelo território de entorno da moradia ou em outras situações contadas pelas mulheres no work, com a família ou em locais de lazer, por exemplo. Considerando-me como parte do campo, enquanto mulher moradora da periferia sul de São Paulo e que se movimenta por diversos territórios da cidade, realizei também etnografias das minhas experiências de mobilidade, procurando observar percepções e (re)ações dos outros, além das camadas de sentido que me conformam como sujeito. Assim, as experiências de trânsito são tomadas enquanto camadas de produção de sujeitos, de modos de interação e de ver o mundo. Dessa maneira, os corpos das mulheres aparecem não como simples veículo da experiência ou veículo para a verdade e sim como encarnação que articula classificações raciais, significados de feminilidades e masculinidades, concepções de moral, de tempo e, principalmente, de alteridade. Do mesmo modo, a produção de sentimentos de pertença, distância e proximidade são atrelados aos sentidos das experiências e não contingenciais ou aleatórios. Trazendo à tona as categorias de gênero, raça, classe e sexualidade, o território por onde se transita, assim como o tempo das mobilidades – é transformado ora em objeto, ora em agente em relação com os sujeitos e com os mesmos marcadores que os atravessam.
Andarilho, Peão, Trabalhador, Pioneiro: Variações e Transformações nos Sentidos e Práticas Associados ao Correr o Trecho.
Autoria: André Dumans Guedes (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Autoria: Como inúmeros works vêm mostrando ao longo da última década, o vocabulário, os valores e as práticas associadas à ideia de “trecho” vêm se fazendo presente num vasto espectro de atividades, regiões e universos sociais, com pessoas e grupos os mais variados se servindo disso para significar e estruturar suas experiências de mobilidade, circulação, andança ou viagem. Pesquisando esse tema há mais de uma década, pretendemos agora explorar mais detidamente as relações entre os múltiplos usos possíveis desse código (aqui entendido como a articulação daqueles vocabulários, valores, práticas e ideias). Para isso, examinamos certos contextos onde pudemos presenciar o uso do código do trecho na expressão de experiências díspares, mas relacionadas. Num primeiro caso, consideremos como se relacionam e se articulam as vivências do “peão do trecho” – costumeiramente enfrentando precariedades de toda ordem, e frequentemente associado ao work em condições análogas à escravidão – com o que se passa com técnicos qualificados e engenheiros que se apresentam também como pessoas que “rodam o trecho”. Interessa-nos pensar como um certo processo de “elitização” desse código articula-se, por um lado, com transformações na economia brasileira ao longo da última década; por outro, o mesmo processo oferece pistas para pensarmos a perenidade de certos valores (como o “aventureirismo” ou o “pioneirismo”) presentes em certas atividades econômicas “extrativistas”. Num outro caso, focamos nos relatos e histórias de um rapaz, e nos diferentes modos como ele recorre ao código em questão para descrever experiências vividas por ele que, a seus próprios olhos, são distintas (mas também relacionáveis): em primeiro lugar, o período em que passou longe de casa, trabalhando na construção de uma estrada no interior de Minas Gerais; em segundo, a época em que viveu como andarilho, perambulando por diversas cidades de Minas Gerais e Espírito Santo na companhia de um colega, recorrendo a “mangueios” para sobreviver. Aqui, buscaremos examinar como certas concepções e práticas “populares” a respeito da mobilidade oferecem-nos pistas a respeito de sentidos e transformações no mundo do work.
De onde vêm e para onde vão as mulheres? Os tempos da vida contados no ônibus
Autoria: Nildamara Theodoro Torres (UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Carly Barboza Machado
Autoria: O presente artigo propõe um estudo da circulação das mulheres nos ônibus entre as cidades de Piraí e Barra Mansa - RJ, a partir da rota de um ônibus que atravessa esta região e mobiliza atores e situações. Busco analisar o cotidiano das mulheres a partir da dinâmica do tempo das cidades, regulado e regulamentado pelo transporte urbano. Através de uma Antropologia em movimento trago as narrativas e as cenas cotidianas que compõem as experiências de mulheres como as demandas reprodutivas e do work remunerado. No que tange a circulação das mulheres no espaço público das ruas e principalmente dos ônibus, foi possível perceber que todas as mulheres têm seus corpos atravessados por condutas morais e isso afeta seu comportamento dentro e fora dos ônibus. Estar em movimento me aproxima do work de Lenin Pires (2011), que descreve a precariedade dos trens junto à funcionalidade da convivência entre passageiros e comerciantes dos transportes coletivos. Vemos aparecer novos problemas investigativos associados a um pensar nômade. André Dumans Guedes (2013) segue o curso desta novidade no horizonte das disciplinas interessadas nos trânsitos pelo espaço e valoriza uma metodologia de microanálise da história. Dentre outras referências, a pesquisadora Janice Caiafa (2002) também mergulhou no universo do transporte urbano na cidade do Rio de Janeiro e com muita delicadeza e estudou as viagens de ônibus na cidade descrevendo aspectos importantes dos percursos. O “andar de ônibus”, representa mais do que o deslocamento e a mobilidade das pessoas de um lugar para o outro. Ele também acarreta um conhecimento da cidade em seu âmbito mais profundo. E dentro dele encontram-se mulheres que passeiam, estudam, trabalham, movimentam e articulam o território, estabelece-se regras e limites de convivências sociais, bem como proporciona o encontro de realidades distintas e idas e vindas dos seus atores nos espaços urbanos. Ao longo deste work apresentarei situações que evidenciam como pequenas escolhas condicionam a circulação das mulheres e seu deslocamento na cidade. Deste modo, as mulheres travam uma luta incessante contra o relógio, tentando administrar sua vida cotidiana e o uso da rua, do bairro e da cidade por elas, mesmo com o work “fora”, ainda hoje está muito ligado ao papel de gestora do lar, isto é, a utilização das estruturas de educação, saúde, alimentação e subsistência do grupo familiar. Por último, trago o resultado da minha própria transformação enquanto pesquisadora e passageira desses ônibus a partir da experiência vivida com essas mulheres diariamente, e também, deixo em aberto questões para serem trabalhadas no futuro.
Entre casas e movimento: sentidos e possibilidades de ação política da vigília Lulalivre
Autoria: João Vicente Marques Lagüéns (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: A reação à prisão do presidente Lula gerou um movimento sem precedentes que ocupou por quase dois anos a área vizinha ao prédio da polícia federal em que o presidente era mantido. Constituída inicialmente como um grande acampamento para o qual confluíram pessoas e movimentos sociais de todo o país, a Vigília Lulalivre encontrou expressão política construindo espaços para manifestações públicas e a permanência de uma centena de militantes na vizinhança, que permitiu manter atenção à causa e serviu de referência para mobilizações espalhadas pelo país. Elemento crucial para essa permanência foram diversos terrenos e casas mantidos por diferentes movimentos e coletivos na vizinhança, que serviam como alojamento, espaço para refeições, estudo e work. Nessas "casas”, a convivência cotidiana, conversas e fofocas, amizades e tensões construíram o tecido do que foi fazer política naquele lugar. Cada casa acabou assumindo uma dinâmica própria, associada ao “estilo de vida” de seus “moradores”, percebidas quase como se fossem pequenos movimentos ou organizações. Bem ao estilo Levi-straussiano, essas casas assumiram o sentido de “pessoas morais”, combinando diferentes mecanismos de incorporação de seus membros e também mecanismos para produzir sua reprodução, ou manutenção da sua existência para além da presença física das pessoas. Através da multiplicidade de conversas, encontros, e amizades estabelecidas no acampamento, militantes do Lulalivre estenderam redes de relações por todo o país. Quando suas casas não puderam mais se manter no acampamento, ou tiveram de inventar novas estratégias para continuar a fazer política, as relações ali estabelecidas permitiram que o acampamento Lulalivre se espalhasse pelo Brasil, estabelecendo uma rede que talvez se pareça a uma configuração de casas (Marcelin, 1999). A partir de tais experiências, o presente work pretende discutir como este e outros encontros, deslocamentos e reconfigurações da vida, provocados pela participação em movimentos sociais, configuram experiências e possibilidades de ação política.
Formas de movimento, casas e corpos no Terecô em Codó (Maranhão)
Autoria: Martina Ahlert (UFMA - Universidade Federal do Maranhão)
Autoria: Este work tem como eixo as experiências vividas por uma mãe de santo de uma religião afro-brasileira do interior do Maranhão. Luiza é uma senhora de mais de oitenta anos que desde sua infância convive com os encantados – entidades recebidas no Terecô. Sua vida foi tecida, como relata, pela importância de sua família de sangue, mas, também, pelas relações com as entidades. É a partir dessas relações com seres diferentes que o texto pretende analisar diversas formas de movimento. Além do deslocamento geográfico que Luiza viveu de forma constante – marcado por questões fundiárias e familiares – o texto discorre sobre formas de mobilidade que surgem imbricadas com esferas normalmente consideradas fixas, como as casas, ou fechadas, como os corpos. O faz considerando a presença das entidades na vida das pessoas, uma vez que elas atravessam e ocupam corpos (pela incorporação ou por uma comunicação sensível); e abrem e conectam casas a outras dimensões da experiência. Igualmente, os encantados introduzem questões importantes sobre o acesso à terra, os constrangimentos ao deslocamento, a ideia de propriedade e relacionalidade – como as situações vividas por Luiza nos indicam. Por fim, o artigo pensa como esses movimentos podem questionar os enquadramentos e conceitos empregados em nossas pesquisas, na medida em que as transgressões que os encantados operam nos marcadores espaço-temporais podem trazer outras chaves de análise.
Os movimentos da comunidade de Paracatu de Baixo (MG) após o rompimento da barragem de Fundão
Autoria: Gabriela de Paula Marcurio (UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos)
Autoria: Pretendo apresentar minha pesquisa com a comunidade de Paracatu de Baixo, em Mariana, Minas Gerais. Meu objetivo é mostrar como os movimentos formam a noção de comunidade, tanto em suas variações semânticas, quanto em suas práticas. Esses movimentos abrangem tempos, deslocamentos, lugares e atividades que regem a vida social dos moradores. A comunidade foi devastada pelo rompimento da barragem de rejeitos minerais de Fundão, propriedade das mineradoras Samarco S.A., Vale S.A. e BHP Billiton Ltda., em 05 de novembro de 2015. As atingidas e os atingidos foram deslocados compulsoriamente para a sede municipal, onde vivem em casas alugadas pela Fundação Renova, representante das mineradoras. O work na roça, a relação de vizinhança, as trocas e circulações de gentes e alimentos oriundos dos quintais, a pesca no rio Gualaxo do Norte, as idas e vindas da cidade, bem como os rituais católicos foram interrompidos. A imposição dessa organização socioespacial reduziu os encontros dos moradores às reuniões da Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF), atividade que marca a rotina extraordinária, oximoro que utilizo em referência à vida de incertezas e inseguranças na cidade. Por outro lado, uso o pleonasmo cotidiano ordinário para me referir aos movimentos típicos da vida em Paracatu, conforme os moradores narraram, indicando a centralidade da noção de comunidade, marcada antes e depois do rompimento da barragem. A/os atingida/os criaram esse método comparativo que mobiliza o passado para falar do presente e do futuro. Dessa forma, remetem aos fluxos do rio; às mudanças dos terrenos de acordo com os casamentos dos filhos e os ciclos agrícolas; e, às festas do Padroeiro Santo Antônio, do Menino Jesus e da Folia de Reis ao reivindicarem seus modos de vida. Minha hipótese se estende para o processo de reassentamento, pois argumento que os esforços da/os atingida/os estão na combinação de movimentos, atualizando os do passado e desenhando novos trajetos, a exemplo do movimento social, para construir modos de vida dinâmicos. Assim, os moradores anunciam como a comunidade era, não para reproduzir suas formas, mas para afirmar o que “a comunidade quer”, em um embate constante com as formas estáticas utilizadas pelas mineradoras para a “reparação” do desastre.
Os sentidos e a importância dos movimentos andamarquinos
Autoria: Indira Nahomi Viana Caballero (PPGAS-UFG)
Autoria: A mobilidade é uma característica dos povos andinos, seja por suas atividades laborais diárias, seja por razões cerimoniais, e em Andamarca, pequeno povoado andino ao sul do departamento de Ayacucho (Peru) de população "quechuahablante", não é diferente. Ainda que muitas vezes a imagem de povos agricultores seja associada à sedentariedade, este work trata de enfatizar a importância e os sentidos positivos da mobilidade para os andamarquinos que deslocam-se diariamente não apenas porque muitos também são pastores – atividade associada à mobilidade –, mas porque a própria atividade agrícola tal como é praticada requer certo movimento. Percorrer a paisagem a pé é algo ainda frequente nos dias de hoje, principalmente por conta do work, mas não apenas. É assim que se se aprende a caminhar sobre terrenos inclinados e arenosos, superfícies pedregosas e resvaladiças; desviar habilmente de espinhos; subir e descer de altos muros de pedras; cruzar terrenos alagadiços com peso nas costas; enfim, situações em que se desenvolve diversos sentidos e conhecimentos sobre matérias, superfícies e texturas do ambiente circundante e um corpo apto a percorrer tal paisagem. O próprio modo de pisar o chão já revela esse aprendizado: pisadas rápidas e certeiras, “sin miedo”, distribuindo bem o peso do corpo por todo o pé se a intenção é não afundar na lama. Deslocar-se na paisagem andamarquina envolve relações de intersubjetividade entre o caminhante e o solo por onde ele transita, entre ele e os animais e as plantas que encontra pelo caminho, além dos não-humanos poderosos, cuja proteção deve ser invocada se o que se deseja é ter uma viagem exitosa. Os lugares por onde se caminha podem apresentar-se mais ou menos perigos, conforme os andamarquinos tratam de alertar o caminhante inexperiente nas incursões naquele território. Mas há também outra forma de mobilidade que não se realiza a pé: é o fluxo contínuo de pessoas, coisas e animais para os grandes centros urbanos da costa peruana. Na paisagem urbana os deslocamentos, quando possíveis, são muito mais breves e menos intensos. Um dos grandes contrastes apresentados pelos andamarquinos sobre seu modo de ver o campo e a cidade é que nesta última não há a mesma paisagem (que em Andamarca) a ser percorrida, ou melhor, não há como “salir” para distrair-se quando se está “aburrido”, nem contemplar e interagir com a natureza. A vida na cidade, onde “todo es plata”, pode ser “fea” e “triste” não só por isso, mas porque enquanto o movimento – num sentido que ultrapassa a mobilidade espacial – é um princípio cosmológico estruturante do modo de vida andamarquino cujos efeitos tendem a ser positivos, como tratarei de explicitar neste work; outros princípios que se afastam muito desse tendem a vigorar na cidade.
Quem circula, o que circula: alguns apontamentos sobre práticas de mobilidade no agreste pernambucano
Autoria: Berlano Bênis França de Andrade (UFPE - Universidade Federal de Pernambuco)
Autoria: A presente comunicação procura refletir sobre as formas que historicamente foram constituídas na produção de circulações entre trabalhadores a partir – mas hoje não exclusivamente - dos territórios rurais na mesorregião do Agreste de Pernambuco. Tomando como fio algumas reflexões extraídas de nossa investigação (Andrade, 2017) sobre trabalhadores que articulam atividade agrícola e na confecção de vestuários, em um processo marcado pela circulação de pessoas e objetos, propomos argumentar: a) que as mobilidades constituídas nesse território se inserem num conjunto de práticas de longa duração que distinguem estes sujeitos; b) que no processo de circulação e fixação de pessoas cruza-se o de circulação de objetos, sejam dons como mercadorias. Assim, ao ato de circular, elemento extensamente debatido na literatura sobre o tema e que no caso dos pequenos proprietários rurais da região não pode ser compreendido como uma fuga, mas sim como uma resistência (Scott, 1986), deve-se articular o movimento de fazer circular os objetos de sua produção como outra possibilidade de fixação no território. Procuramos, para isso, incursionar nas trajetórias biográficas de homens e mulheres que, muitas vezes, executaram em diferentes momentos de suas vidas distintas formas de circulação como meio de reprodução social: migração pendular na plantation açucareira; ingresso no work urbano nas grandes metrópoles do país e; mais recentemente, as migrações intermunicipais na produção e comercialização de vestuários. Também nos atemos a como hoje uma mesma unidade familiar recorre a distintas práticas de mobilidade, pesando para isso fatores como gênero e geração, de forma a ampliar as possibilidades de reação as limitações impostas a eles. Com isso, procuramos destacar o processo múltiplo e articulado entre pessoas e objetos no tecer de formas de circulação.
Tecnologia e agência humana no metrô de São Paulo
Autoria: Janice Caiafa (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: Desde os seu inícios, as cidades se construíram como trajetórias, atravessadas por fluxos vindos de fora. Mumford (The City in History) assinala que as funções urbanas se desenvolveram quando a cidade se tornou capaz de atrair desconhecidos, como viajantes, foragidos ou comerciantes. Embora o povoamento urbano envolva igualmente um processo de fixação, uma força de atração ("magnet") não cessa de abrir as cidades e produzi-las como espaço heterogêneo. O transporte coletivo é um grande agente das forças urbanas de diferenciação ao conduzir desconhecidos para longe de suas vizinhanças e fazê-los conviver durante essas viagens, produzindo uma "dessegregação" (Caiafa, Jornadas Urbanas), mesmo que provisória e local. Em São Paulo, grande metrópole brasileira, o metrô, inaugurado em 1974, assumiu grande centralidade, não só porque, como transporte de massa, consegue em alguma medida desafiar a concepção urbanística orientada para o transporte viário e particular, mas também porque tem preenchido a importante função de ordenamento do transporte em geral. Em 2010, iniciou-se a operação comercial da primeira linha totalmente automática (sem condutor humano) da rede paulista, a Linha 4-Amarela. Construída através de uma Parceria Público Privada, foi também a primeira linha concedida da rede. Tenho explorado, numa pesquisa etnográfica envolvendo observação participante e conversas com profissionais e usuários, as transformações que essas experimentações vêm produzindo no ambiente do metrô — que chamei, a partir de works de Deleuze e Guattari e de Latour, de "ambiente maquínico", aludindo à imbricação de componentes humanos e não humanos. Produz-se uma nova materialidade nesse meio sociotécnico quando, de várias maneiras, a agência humana é reconstruída, não só pela ênfase no componente tecnológico, mas também no contexto do novo regime de apropriação desse equipamento coletivo de transporte. Neste artigo abordo uma das figuras dessas transformações, o novo regime de gestão humana que acompanhou a implementação da automatização integral da condução na Linha 4-Amarela. As funções do metroviário — operação, segurança e manutenção — tendem a se combinar numa polivalência. Frequente nos fenômenos de automação na indústria, este aspecto está presente igualmente na experiência de automatização integral da condução no metrô de Paris, que também tive a oportunidade de estudar e que inspirou a implementação da Linha 4-Amarela. A partir sobretudo de conversas com interlocutores profissionais e de observação participante, exploro as controvérsias que se geram — com apoio em works como os de Callon e de Latour — no contexto da difusão dessas inovações, tecnológica e organizacional, na rede paulista.
‘Tem gente que pensa que pessoa com deficiência só pode andar para o hospital:’ Uma etnografia dos deslocamentos de uma de micro na Região Metropolitana do Recife.
Autoria: Thaiza Raiane Vasconcelos Canuto (UFPE - Universidade Federal de Pernambuco)
Autoria: A intensificação dos deslocamentos tem sido uma constante na vida das mulheres atravessadas pela microcefalia e pelo diagnóstico de Síndrome Congênita do Zika desde o período de emergência decretado em 2015. Para além das relações estabelecida entre a fragmentação e precariedade na oferta dos serviços de saúde e do acesso aos serviços de transporte disponíveis na Região Metropolitana do Recife, a pesquisa buscou por meio da observação participante e da descrição densa chamar atenção para o conjunto de práticas e escolhas empreendidas por uma “mãe de micro”, passíveis de serem ajustadas conforme as situações que lhes são apresentadas em seus caminhos. Com isso, tornou-se evidente que em diferentes momentos, a experiência do deslocar-se de uma mãe de micro, se encontra atravessada pelos imperativos de tempo advindos da sua prática de cuidado extensivo, das próprias contingências do corpo do filho e das diferentes manifestações de racionalização da vida com os horários de consultas, terapias e quadro de horários de viagens.
“A semente plantada brotou: Somos Irmã Dorothy”. Migrações, conflitos de terra e assassinatos em Anapu-PA
Autoria: Edimilson Rodrigues de Souza (UNIFESSPA - Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará)
Autoria: A proposta desta comunicação é problematizar a transformação ritual da missionária norte-americana Dorothy Stang em mártir da floresta, ocorrido após seu assassinato em fevereiro de 2005, numa área rural de Anapu, oeste do Pará. Meu objetivo é demonstrar como a celebração do martírio desta liderança através da realização da Romaria da Floresta é motivo para reunir ativistas políticos e membros de movimentos sociais em torno de temas como luta pela terra e direito aos usos sustentáveis de recursos naturais. Estes conflitos têm sua origem com a intensificação dos fluxos migratórios de camponeses oriundos do nordeste e centro-sul do Brasil, estimulados pelos órgãos do Governo Estadual e Federal, a partir da década de 1970, como uma das estratégias da Programa de Integração Nacional (PIN), que se acentuam com a abertura de grandes estradas, e com a implantação projetos agropecuários e de extração de madeira, na mesma região. Agravados nos últimos 10 anos, com o fim das obras de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira-PA. O principal critério de transformação do líder em mártir, “dar a vida pelas vidas”, significa também doar sua força, sua capacidade de articulação política, fabricando formas de resistência imprevistas pelos opositores e mediando a relação entre coletivos e luta pela terra, uma vez que as razões que provocaram os assassinatos da liderança ainda estão presentes. Esta gramática atualiza formas de resistência, diante de conflitos pungentes, ao transformar mártires da terra e da floresta em modelo de ação para novos enfrentamentos, seja com o Estado ou com grandes empreendimentos hidroelétricos e agropecuários. Um líder são muitos, uma vez que se replica em escala nos incontáveis caminhantes, que evocam sua presença durante a caminhada, e se reintegra em outros elementos vivos que compõem o cosmos, como árvores, plantas, água, terra e animais: a irmã Dorothy, por exemplo, já foi vista sob a forma duma onça próxima ao local do seu assassinato, no PDS Esperança.
“Minha história dá um livro”: família, casa e territorialidades nas mobilidades de mutirantes em São Paulo
Autoria: Carlos Filadelfo (UFPI)
Autoria: Esta apresentação tem como foco etnográfico a análise de narrativas de famílias pertencentes a um movimento de luta por moradia específico, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra Leste I. Esse movimento, desde a década de 1980, tem obtido atendimento para famílias militantes via mutirão autogestionário, mecanismo de construção de empreendimentos habitacionais que conta com a mão de obra das próprias famílias no controle e execução das obras, com recursos municipais, estaduais e federais. A expressão “Minha história dá um livro” foi muitas vezes utilizada por mutirantes que conheci ao longo do work de campo em resposta aos meus questionamentos sobre suas histórias de vida, suas trajetórias anteriores ao momento de ingresso no movimento e no mutirão. Essa formulação, via de regra, busca produzir uma trajetória linear, com muitos percalços, dramas, marcos temporais, que culmina na vitória do atendimento habitacional por meio da participação no movimento de moradia e no mutirão, que tem como desfecho a conquista da casa própria. A principal dimensão a ser explorada aqui é a acentuada mobilidade espacial encontrada entre as trajetórias das famílias pesquisadas. Mobilidades principalmente geográficas: entre seus locais de origem e São Paulo; internamente entre bairros da cidade de São Paulo, entre bairros e regiões; etc. Mobilidades que não ocorrem em um sentido linear e único, muito menos que se encerram após a chegada em São Paulo ou à obtenção definitiva da casa própria. São mobilidades, fluxos e circulações de pessoas, mas também de ideias, objetos, apoios mútuos, dentre outros aspectos, que podem ser percebidos a partir da apreensão de redes familiares e de parentesco e consequentemente de suas casas e regiões de moradia. Orientado por críticas já realizadas por Moacir Palmeira e Alfredo Almeida (1977), busquei pensar esses deslocamentos nos próprios termos utilizados pelos sujeitos, que não utilizam “migração” nem “migrantes”. Suas narrativas revelam movimentos constantes de idas e vindas entre vários locais de maneiras muito mais complexas e diversas do que aqueles termos sugerem, problematizando uma dicotomia estanque entre rural e urbano, como a maioria das pesquisas urbanas tendeu a mostrar. Portanto, pretendo lançar luz a essas mobilidades dos mutirantes anteriormente ao ingresso no mutirão, construídas em torno de ideias, pessoas, relações e realidades materiais, mas formuladas predominantemente em termos de família e parentesco, inseparáveis e articulados aos distintos arranjos habitacionais e às territorialidades onde se viveu e onde se worku.