GT 60. No elã das palavras: contribuições da escrita criativa à etnografia

Coordenador(es):
Juliane Bazzo (UFGD - Fundação Universidade Federal da Grande Dourados)
Victoria Irisarri (IDAES-UNSAM/CONICET)

Sessão 1
Debatedor/a: Aline Lopes Rochedo (UFRGS)

Sessão 2
Debatedor/a: Talita Jabs Eger (..)

A despeito das possibilidades imagéticas de representação etnográfica, a escrita ocupa papel valioso no fazer antropológico, em tarefas como registrar vivências de campo, analisar dados e construir a narrativa dos estudos da disciplina. Diante dessa imprescindibilidade e, sobretudo, da crescente exploração de formatos inovadores de relatos etnográficos, este grupo de trabalho almeja discutir alternativas de redação que ofereçam, no âmbito da escrita criativa, a possibilidade de produzir textos capazes de potencializar a complexidade da empreitada antropológica. O debate pretendido pressupõe problematizar implicações êmicas, teóricas, éticas e políticas de tais escolhas no processo de reflexividade. Acredita-se que o despertar dessa consciência textual oportuniza às experiências vividas por pesquisadores e interlocutores a chance de serem melhor representadas e apreendidas pelos leitores. Nesse contexto, o grupo espera receber trabalhos: (i) que revisem bibliograficamente o uso de recursos de escrita criativa em etnografias clássicas ou contemporâneas; (ii) que contemplem a elaboração de diários de campo ou cadernos de notas; (iii) que abranjam relatos etnográficos em formatos não tradicionais, com o emprego de ferramentas literárias e artísticas; (iv) que apresentem criticamente usos da escrita criativa em práticas de ensino de etnografia em cursos de Antropologia; (v) e que dissertem sobre processos e desafios da elaboração textual nas investigações da disciplina.

Palavras chave: Etnografia; Escrita Criativa; Reflexividade.
Resumos submetidos
A crise da autoridade etnográfica e os novos caminhos da Antropologia
Autoria: Juliette Scarlet Galvão Aires Santos (UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Autoria: O objetivo deste artigo é analisar de forma crítica como o “giro pós-moderno” e as mudanças nas relações culturais e sociais dentro da nova ordem global, produziu novas formas de fazer etnografia, a partir do questionamento dos modelos clássicos da Antropologia. Desse modo, busco também construir uma reflexão sobre as vozes subalternizadas nas etnografias e discutir sobre as relações de poder e dominação consolidadas no fazer etnográfico clássico. Além de discutir sobre os novos caminhos percorridos, na Antropologia, em busca de um novo fazer etnográfico.
A elegância da etnografia
Autoria: Leonardo Carbonieri Campoy (PUCPR - Pontifícia Universidade Católica do Paraná)
Autoria: Em A câmara clara, Barthes afirma não só que a escrita é fatalmente ficcional, mas também que, ao tentar imprimir algum realismo ao texto, é preciso mobilizar recursos tais como a lógica e o juramento para, de algum modo, autenticá-lo. As palavras de Barthes ressoam o que se pode nomear como um paradoxo da escrita etnográfica: ao mesmo tempo em que se reconhece abertamente a dimensão ficcional, criativa e inventiva da etnografia, é preciso procurar dispositivos de linguagem para autenticar o texto, isto é, para conferir-lhe algum grau de veracidade, uma vez que, no fim de contas, trata-se de antropologia, um saber baseado em observação e que almeja algum grau de realidade. O paradoxo está justamente no imperativo de gerar efeitos de realidade por meio de uma linguagem ficcional. Como se constroem esses efeitos de realidade no texto etnográfico? Como essa capacidade de adequação ao real da etnografia é elaborada – isto é, ficcionalizada – na escrita? Como o texto etnográfico é autenticado? Como ele consegue convencer o leitor que não é uma ficção, ou ainda, que sua ficção pode ser lida como se fosse real? Em minha apresentação, sugiro considerar esses questionamentos para refletir acerca do paradoxo da escrita etnográfica. Como o próprio significado da expressão indica, um paradoxo não é solucionável. Todavia, explorando seus mecanismos, entendo que é possível aprofundar o investimento reflexivo sobre os meandros da dimensão ficcional da escrita etnográfica que, se são reconhecidos ao menos desde Malinowski, têm recebido atenção crescente e mais consistente a partir das críticas à autoridade etnográfica. Para escrutinizar a ficção na produção textual de etnografias, quero lançar mão de um substantivo que não é propriamente uma figura de linguagem, tampouco um conceito linguístico ou de crítica literária talhado para pensar o texto, mas, antes, uma espécie de convenção adotada para avaliar a qualidade da escrita: a elegância. Vez ou outra, lança-se a palavra elegância para se referir a um texto não só formalmente leve e harmônico, proporcional em suas partes, que frui, mas, de modo geral e genérico, como medida de uma boa produção textual. Quero apostar no rendimento analítico da ideia de elegância para pensar o texto etnográfico. Para tanto, me debruço sobre duas etnografias lançadas recentemente, ambas de forte verve imaginativa, procurando delinear o que se pode entender como a elegância desses textos: Life besides itself, de Lisa Stevenson, de 2014, e The blind man: a phantasmography, de Robert Desjarlais, de 2019. Por meio da leitura dessas duas produções, argumento que a elegância na etnografia pode ser tomada como uma estratégia estilística que, bem articulada, atualiza o paradoxo etnográfico ao gerar efeitos de real em uma escrita inventiva.
Arte e cidade, arte e escrita: por uma etnografia das gestualidades de escrita.
Autoria: Jose Luis Abalos Junior (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: O muro e o livro historicamente são dois espaços de escrita nos quais o humano desenvolveu sua humanidade com ferramentas como lápis, pinceis, sprays, canetas, etc. Essa proposta de work visa relacionar os temas das intervenções artísticas urbanas e da escrita etnográfica. No que a experiência estética, pictórica, sensorial, de artistas urbanos pode ajuda antropólogos e antropólogas nas suas produções escrita e intelectuais? Para responder tal questão conceituo como “etnografia das gestualidades” um caminho possível para o a relação entre a arte da cidade e a escrita etnográfica. Os gestos da arte urbana vão desde um momento inicial no qual artistas escritores imaginam suas expressões até a divulgação digital das obras. Uma etnografia que dê conta destes processos precisa ter uma educação atenta às gestualidades representadas em mãos performáticas, em sons, na relação do sujeito com a estrutura em que intervém, etc. Trazendo referências teóricas que pensam o gesto, recorro a autores que abordam uma fenomenologia da experiência, uma ontologia política e uma perspectiva ecológica dos fluxos vitais. Concluo refletindo sobre as gestualidades de escrita e como elas operam uma “partilha do sensível”: dimensão artística, estética e política de expressões visuais na cidade e na escrita etnográfica.
Autoetnografia andarilha: fragmentos e entrelugares
Autoria: Luisa Godoy Pitanga (Circular Filmes)
Autoria: A presente comunicação é fruto da pesquisa desenvolvida para a dissertação de mestrado Ambientalização, audiovisual e desenvolvimento: percursos etnobiográficos (2015) onde apresento uma autoetnografia “andarilha” de meus percursos na universidade e no mercado de work e vivencio os desafios de um relato etnográfico em primeira pessoa por meio de fragmentos e reminiscências. Inspirada pelas enunciações pedestres de Michel de Certeau, que compara cada percurso do pedestre na cidade a um relato de suas táticas para lidar com as tentativas de fixação e coerção do sistema, assumo diferentes pessoas-personagens etnobiográficas: a estudante na iniciação científica que acompanhou a transição tecnológica do audiovisual analógico para o digital, a consultora ambiental, a educadora audiovisual e a etnógrafa que acompanha pequenas situações vividas em pesquisas de campo para estudos ambientais, em oficinas participativas para produção de documentários e em reuniões em empresas no contexto do licenciamento ambiental de grandes empreendimentos.
Escritas precárias: antropólogas mães
Autoria: Dayana Zdebsky de Cordova (autônoma)
Autoria: Escrevo este resumo no celular tomando uma xícara de café de manhã, ainda sem escovar os dentes. Meu companheiro e as duas crianças que amamento observam/brincam/amassam uma gatinha filhote que adotamos há pouco mais de uma semana. É sobre o contexto precário (Butler) e criativo (Wagner) fragmentário (Deleuze) de estudo e de escrita etnográfica imposto pela maternidade (e outras situações) a que minha comunicação se refere. Parto de uma análise autoreflexiva, mas também de conversas e narrativas de colegas que passaram recentemente por tal experiência. A menina mais velha solta gritinhos empolgados, a mais nova resmunga de sono e cansaço, o companheiro liga uma música "sacode o rabo jacaré/eu sou jacaré poiô". Choro. Largo o celular onde escrevo e vou amamentar a neném de três meses. Pausa de uma semana. Digito com uma mão, segurando a bebê com a outra no meu peito: "A maternidade exige um outro método de escrita: não rigoroso, precário, fragmentário". Foi algo assim que me disse uma amiga enquanto escrevia minha tese estando recém parida. Como mãe, escrevo nas brechas da vida.
Etnografia e imagem, o texto antropológico como arquivo de afetos
Autoria: Rafael Franklin Almeida Bezzon (UNESP - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho)
Autoria: O objetivo dessa comunicação é refletir a respeito de alguns autores que mobilizam conceitos como afetos, efeitos, contexto, imagem e agência para pensarmos a relação entre a experiência etnográfica, ou seja, o work do pesquisador em campo com o(a)s interlocutore(a)s da pesquisa que se apresentam em diferentes formas. Por outro lado, o todo pesquisador que se dispõe a realizar uma etnografia se encontra com o desafio de produzir um texto que reflete e narra sua experiência e os resultados – conhecimento – produzidos, essa é outra camada dessa apresentação. Procuro refletir a respeito da relação vivenciada em campo através do afeto – a modalidade de ser afetado – como instrumento epistemológico para construção da reflexão e na construção do texto antropológico. Para tanto, me valho de minha experiência de pesquisa junto a um arquivo fotográfico, suas imagens, narrativas e pessoas que a ele estão relacionadas, e assim mobilizo os autores da chamada “Virada Ontológica” com o objetivo de refletir sobre os afetos e efeitos juntos ao texto antropológico.
Exercícios Etnográficos - Uma descrição Etnográfica de um Trajetória Disciplinar em um programa de Mestrado em Antropologia
Autoria: Oclécio Alves Cabral Filho (SED), Oclécio Alves Cabral Filho Tânia Milene Nugoli
Autoria: Nos currículos das Pós-Graduações Stricto Senso (nível mestrado) em Antropologia, uma das disciplinas obrigatórias invariavelmente deve discutir a temática “Etnografia”. Intencionando descrever uma trajetória disciplinar, especificamente no que tange à exercícios práticos propostos no decorrer da disciplina realizados pelos acadêmicos, acompanho a disciplina de “Métodos e Técnicas de pesquisa antropológica” no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, registrando etnograficamente, as impressões que tais experiências suscitaram. Os referidos exercícios constituíram em práticas que relacionavam-se com os textos teóricos propostos no Plano de Ensino, registrados em forma de um caderno de campo, e foram descritos da seguinte forma: 1) Descrição de um objeto ou situação, pensando na reconstituição das decisões e atividades anteriores que levaram à sua realização. 2) Descrição de um lugar ou situação buscando ser o mais impessoal possível, e outra sendo o mais autoral possível. 3) Descrição de um lugar ou situação, levando em conta o “esqueleto”, estrutura social, a “carne e o sangue” , o fluxo da vida cotidiana ,e o “espírito” ,as opiniões, e os modos de sentir. 3) Descrição de um Som e de um Cheiro. 4) Descrição de algo que possa ser acessado pela internet. 5) Descrição dos afetos e pensamentos que surgirem na mente do acadêmico enquanto este está com os olhos fechados, em um espaço calmo e sem estímulos. 6) Descrição de uma situação em que o acadêmico sentiu-se afetado de forma inesperada por algum acontecimento, narrativa, ou objeto. 7) Descrição de uma narrativa biográfica sobre alguém, privilegiando algum aspecto de vida deste alguém. 8) Escolher uma das descrições anteriores, e realizar um desenho que a represente. 9) Escolher uma imagem (fotografia ou objeto), e descrever os afetos, memórias e sensações que ela evoca. Os exercícios descritos resultaram em um certo aprimoramento das habilidades de percepção dos futuros etnógrafos. Por meio deles, treinaram o ouvir e o olhar antropológico, assim como a habilidade da escrita de forma criativa e inventiva. Na medida em que cada exercício foi relacionado com uma temática, aliada à um texto teórico, a trajetória disciplinar demonstrou-se profícua e muito satisfatória, resultando em modelos de cadernos de campo experimentais fundamentais para a prática etnográfica.
Experiências de escrita etnográfica a partir de porta-joias
Autoria: Aline Lopes Rochedo (UFRGS)
Autoria: O work que proponho resulta de esforços empreendidos na escrita da minha tese de doutorado sobre transmissão de joias de família. Partindo de narrativas iniciadas em adereços corporais repassados entre gerações, arrisquei paralelos com gêneros literários como método autoral para evidenciar sutilezas de dinâmicas e tensões familiares, atentando para ascensão e descenso social, percepções múltiplas sobre o sagrado, fluxos de sensibilidades e estratégias de pertencimento e individualização. Colhi a maioria dos relatos em interações espontâneas ou entrevistas não dirigidas com guardiãs, herdeiras e reclamantes desses adereços. Minha escrita, portanto, privilegia o uso de substantivos e adjetivos femininos ao se referir à maioria dos sujeitos de interlocução – a concordância nominal masculina é empregada quando necessária. No processo, constatei cadeias de vozes, elementos empíricos, impressões e certezas se rompendo e escapando por pontas desamarradas. A redação construída resulta de peças que encontrei, rearranjei e combinei à margem da confluência cronológica. Trilhar diferentes temporalidades, afetos e desafetos salientou o desafio se produzir uma composição ética atravessada por passado e futuro, vivos e mortos, valores “econômico” e “sentimental”, disputas e alianças que não cabe em porta-joias. Faltam encaixes, algumas combinações se repetem, há inúmeras lacunas. Não é uma escrita definitiva. É uma experiência dentre tantas possíveis.
Fissuras Epistêmicas: Ilustrações e Pensamentos Feministas Negros
Autoria: Katianne de Sousa Almeida (ALEGO)
Autoria: Nesta pesquisa se explora as potencialidades das ilustrações com o objetivo de oferecer maior detalhamento sobre o tema abordado, neste caso específico, os conceitos criativos e críticos dos pensamentos feministas negros. Tais epistemologias trazem para a superfície o debate sobre as intersecções entre gênero e raça e como estas alicerçam de maneira desigual as relações de poder. As imagens nesta produção acadêmica assumem o lugar de um recurso criativo de diálogo com feministas negras, especificamente as pensadoras Sueli Carneiro, Patrícia Hill Collins, Audre Lord, Neusa Santos e Lélia Gonzalez, que promovem uma relação dialógica entre os conjuntos de pensamentos científicos e histórias silenciadas, originando fissuras nas abordagens hegemônicas brancas, europeias e masculinas da produção do conhecimento. Ao propósito pujante de se expressar, as possibilidades são tão infinitas, que um espírito inquieto sente a necessidade urgente de bradar as oportunidades criativas da aproximação com a ilustração e os pensamentos feministas negros, tendo como finalidade a ampliação dos horizontes epistêmicos. Sendo assim, a produção do conhecimento não deve ter seu alicerce ancorado apenas em um tipo de linguagem, pois as epistemes são também táteis e não exclusivamente abstratas. A contribuição do diálogo entre as ilustrações e os pensamentos feministas negros é exemplificar uma das formas de conexão entre a práxis e a teoria, porque não estamos obcecados em escrever sobre o que é o pensamento científico, na verdade, estamos a praticá-lo. Por isso, na contemporaneidade a Antropologia precisa ser um campo disciplinar de novas ideias e, consequentemente, das antropólogas e dos antropólogos exige-se o máximo das suas capacidades de criarem meios para a fissura das metodologias clássicas de pesquisa e das epistemologias tradicionais, ou seja, experimentar o seu potencial criativo para aguçar o olhar diante do contexto à sua volta e das possibilidades de expressões dos grupos sociais. As ilustrações nesta pesquisa são um convite ao mergulho profundo na investigação de outras linguagens para além da escrita, além de um olhar criativo para alguns conceitos dos pensamentos feministas negros, estes que tem como fundamento colocar-se em debate, em estado de alerta, em contínua fluidez. Não podemos nos esquivar de assumirmos riscos, porque ao final não é possível controlar os imponderáveis da vida cotidiana.
O patrimônio etnográfico como motor da escrita criativa: relato de uma experiência de ensino-aprendizagem em antropologia
Autoria: Juliane Bazzo (UFGD - Fundação Universidade Federal da Grande Dourados)
Autoria: Este work é um relato de experiência de ensino-aprendizagem em uma disciplina de antropologia que, embora não focada na escrita, norteou-se por desenvolver o potencial criativo da redação, fomentado pela leitura sistemática de narrativas etnográficas. As obras “Por uma pedagogia da pergunta” (Paulo Freire/Antonio Faundez) e “Ensinando a transgredir” (bell hooks), assim como minha jornada como etnógrafa em antropologia da educação, inspiraram-me enquanto docente no desenho da metodologia do curso. A dinâmica traçada previa que, a cada encontro, as/os estudantes trouxessem perguntas previamente preparadas, para mobilizar o debate da bibliografia prevista. A discussão entabulada engendrava então uma produção de texto individual em sala, ao final de todas as aulas. As/os discentes foram assim construindo um “diário de bordo” do curso, com comentários sequenciais que sintetizavam debates, enfocavam pontos de interesse ou traziam novas perguntas e eram subsequentemente partilhados com a turma. Instigou-se as/os participantes, todo o tempo, a desenvolverem a escrita autêntica e criativa, a partir do que lhes fosse, de fato, significativo. Desse esforço, surgiram textos dos mais variados, reunindo contribuições teórico-etnográficas, vivências e interpelações particulares, além de trechos literários e descrições fílmicas. Nesse espírito, a disciplina encerrou-se com uma peça textual batizada de “carta-comentário”, por meio da qual as/os estudantes consolidaram seus aprendizados.
Para além das palavras: fotografar e desenhar como possibilidade e desafio para o fazer antropológico e a escrita etnográfica
Autoria: Ramon da Silva Teixeira (Museu Nacional/UFRJ)
Autoria: Entre erros e acertos, desde a graduação em Ciências Sociais me vejo em constante experimentação no que se refere à escrita científica, sobretudo, utilizando-me de imagens, desenhos e dobraduras para a composição de textos que versam sobre teoria antropológica, festas da religiosidade popular, reuniões, cursos e eventos de movimentos sociais e religiosos. No empreendimento de três anos de pesquisa de mestrado que culminou na escrita de uma dissertação sobre CEBs, work de base e reinvenções de saberes fazeres na Zona da Mata mineira, essa maneira de proceder se intensificou. Sinto que “me libertei” da escrita apenas com palavras. Durante o mestrado em Antropologia Social, fiz a escolha de me valer de outras linguagens para registrar e narrar. Nesse período, reuni e utilizei alguns aprendizados e técnicas gráficas e artísticas que aprendi em minha trajetória de estudante/pesquisador para potencializar minha capacidade de registro (durante o work de campo) e de sistematização, análise dos dados de campo e escrita do texto etnográfico (no “gabinete”). Durante a pesquisa de campo, participei mais que observei. Desenhei croquis, desenhos de observação, painéis de facilitação gráfica a pedido de movimentos sociais e religiosos; reproduzi e colecionei desenhos dos meus interlocutores; fotografei as mais diversas paisagens, cenas e objetos. Os desenhos compuseram o diário de campo e os blocos de anotações. As imagens, compuseram um rico acervo que me auxilia a “voltar ao campo” sempre que quiser. No “gabinete”, desenhar me possibilitou ver os dados por outros ângulos, comparar, sintetizar ideias e criar esquemas. Por fim, crendo que os desenhos e imagens são ferramentas com as quais se pode fazer etnografia, a dissertação foi composta por desenhos meus e dos outros, bem como imagens-textos que procuram melhor representar para os (as) leitores (as) as experiências vividas por mim e meus interlocutores. Do preâmbulo às considerações finais, fiz a escolha de escrever com palavras, desenhos, imagens, mapas, grafismos, quadrinhos e croquis. Dito isso, buscarei refletir sobre o processo de escrita etnográfica – no campo e no “gabinete” – em que me vali, sem abandonar a escrita com palavras, de outros modos de investigar, registrar e descrever. Isto é, procurarei indagar como foi utilizar do registro fotográfico e dos desenhos em suas diversas variantes nos distintos momentos da pesquisa. Perseguirei as questões: Como se deu esse processo? Como me preparei para a pesquisa de campo? O que levei e o que trouxe do campo? Quais foram as potencialidades e desafios dessa escolha? Quais os ganhos que o texto etnográfico (dissertação) teve com a inclusão dessas possibilidades imagéticas?
Reflexões sobre a escrita e a construção de um campo de pesquisa em dança
Autoria: Maria Pilar Cabanzo Chaparro (UNIRIO - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro)
Autoria: O work procura refletir sobre os desafios da escrita na pesquisa antropológica, especificamente a partir da descrição do empreendimento de grande fôlego que supôs delimitar e conformar o campo protagonista da minha tese de doutoramento em Antropologia. Na tese analiso, desde uma perspectiva etnográfica, aspectos da conformação de um mercado dedicado à dança caribenha de salsa na cidade do Rio de Janeiro. Começo chamando a atenção para posições da minha trajetória pessoal que considero foram definitivas para a construção do relato que envolve a pesquisa. Uma dessas posições se relaciona à minha origem estrangeira no Brasil. Fui criada em uma região que pode ser considerada periférica, se olharmos para as dominâncias geopolíticas globais, inclusive no que tange ao domínio na produção de conhecimento antropológico. Nesse sentido, busco fazer uma reflexão que entrecruza minhas origens com a constituição de perguntas de investigação sobre um tipo de dança cujos praticantes interrogam os nacionalismos ao tempo que procuram ressaltar aspectos que consideram particulares e idiossincráticos da salsa. Pergunto-me, também, sobre o uso e a pertinência de autores clássicos junto com uma rica produção textual que desborda as fronteiras nacionais. Assim, reflito sobre a conformação de uma trajetória pessoal que, embora periférica, por vezes é narrada como “central” e “branca”. Finalizo a reflexão analisando a relação com os interlocutores da pesquisa e como isso derivou em dados de investigação e na escrita da tese. No decorrer da pesquisa, escolhi tornar-me, por alguns meses, aprendiz de dança de salsa, a qual é comumente dançada a dois e baseada numa clara distinção de papéis de gênero. Essa escolha implicou numa reflexão sobre a existência de uma condição ou perspectiva feminina na construção de uma narrativa escrita sobre a dança. Essa condição ou perspectiva também teve impacto na forma como passei a enxergar o campo de pesquisa, afetando, portanto, o registro das vivências em campo. Antes que almejar uma sorte de comunhão sensível com os praticantes da dança, busquei ficar mais próxima às interpretações destes sobre a dança, através das palavras e dos gestos. Ao procurar modos de construir o relato, os esquemas / desenhos de passos e coreografias surgiram como dados – trazendo, também, questões relativas às representações de gênero – e se entrelaçaram à escrita. Pergunto-me pelas possibilidades de criação de ambientes de imersão para os leitores do meu texto de pesquisa. Entendo, portanto, que as narrativas sobre a construção do campo assim como sobre a posição do pesquisador, são modos de produção de conhecimento antropológico, podendo, quiçá, contribuir para estimular escritas diversas e criativas.
Uma proposição de escritas: a escrita etnográfica vista por uma inspiração cinematográfica
Autoria: Alef de Oliveira Lima (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: O presente artigo parte de duas questões iniciais: 1) a etnografia se reduz ao escrever; 2) como pensar a etnografia enquanto uma escrita de “presenças” e não de “ausências”. Nesse sentido, recorro, de modo ensaístico, a uma reflexão sobre as maneiras que o conhecimento antropológico discorre acerca dos processos de inscrição da alteridade no plano dos fatos etnográficos. Ainda, para exemplificar formas criativas de pensar a escrita etnográfica me utilizo da obra cinematográfica do diretor japonês Hayao Miyazaki, ‘A viagem de Chihiro’ (2001). Argumento então, que ao aproximar a título metafórico, a análise fílmica dos procedimentos de exposição dos significados culturais feitos por Miyazaki aos processos de escrita antropológica, pode-se vislumbrar novas estratégias, que incluem pensar a etnografia mesma como uma experiência de múltiplos aspectos tanto estéticos quanto epistemológicos.
Zora Neale Hurston e a política da escrita da cultura afro-americana
Autoria: Felipe Neis Araujo (Independente)
Autoria: Neste artigo eu discuto algumas das contribuições pioneiras de Zora Neale Hurston (1891-1960) à etnografia da fala e à antropologia das populações afro-americanas. Autora de vasta e variada obra, que conta com etnografias, peças teatrais, ensaios de crítica social e teoria antropológica, contos, romances e autobiografia, Hurston buscou descrever o inglês e a cultura vernáculos das populações afro-americanas como artefatos políticos e culturais produzidos pela criatividade e engenhosidade daqueles atores sociais. Já na década de 1930, em suas etnografias, ela mobiliza a reflexividade em suas descrições sobre o work de campo, problematizando sua presença, sua história de vida, e seu domínio do inglês padrão e do vernáculo afro-americano para a coleta e descrição de dados. Sua obra é uma fonte privilegiada para pensar a etnografia como gênero literário criativo – uma abordagem teórica que surgiu com a revisão proposta pelos ensaios presentes em Writing Culture. Aqui eu me atenho a Mules and Man, obra publicada em 1935. Neste livro, que trata de folclore afro-americano, Hurston apresenta transcrições de falas de descendentes de africanos do Sul da Florida e de New Orleans que respeitam a poética da performance. Como conclusões, ofereço uma reflexão sobre o papel atribuído ao contexto da coleta de dados linguísticos no work de Hurston, e sobre sua política de transcrição e análise destes dados como uma intervenção fundamental para o desenvolvimento tanto do campo de Estudos Afro-americanos quanto da reflexividade na escrita etnográfica.