GT 36. Espiritualidades, pluralismo e saúde

Coordenador(es):
Carlos Alberto Steil (UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo)
Fátima Regina Gomes Tavares (UFBA - Universidade Federal da Bahia)

Sessão 1
Debatedor/a: Carlos Alberto Steil (UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo)

Sessão 2
Debatedor/a: Fátima Regina Gomes Tavares (UFBA - Universidade Federal da Bahia)

Sessão 3
Debatedor/a: Nicolas Viotti (CONICET)

A relação entre espiritualidade e saúde é recorrente nas práticas e experiências das mais diversas cosmologias e tradições religiosas. Discutir esta relação, a partir de aportes teóricos e de contextos empíricos diferenciados, é o objetivo do GT aqui proposto. Neste sentido, esperamos reunir trabalhos que abordem as imbricações entre estes dois campos, tendo como foco as mediações rituais, simbólicas e materiais que concorrem para a produção da experiência do sagrado e os agenciamentos terapêuticos que visam alcançar a cura e o bem-estar físico e mental dos praticantes. Ao centrar nosso olhar nos processos de cura, queremos enfatizar as dimensões materiais e corporais da espiritualidade para além da especificidade das tradições ou cosmologias religiosas em que estes processos acontecem. Ao mesmo tempo, queremos compreender o agenciamento terapêutico como indexador da eficácia da espiritualidade e como referência para a sua legitimação social e sua institucionalização em contextos não religiosos. Ou ainda, como ancoragem para a adesão dos praticantes aos coletivos de práticas de espiritualidade e produção de subjetividades específicas no contexto diversificado do pluralismo religioso. Por fim, entendemos que a realidade plural das terapias associadas à espiritualidade requer uma pluralidade de perspectivas analíticas.

Palavras chave: Espiritualiade; Saúde; Cura
Resumos submetidos
A Brasilidade na Saúde - Ciências e Curas Espirituais: Controvérsias e Afinidades
Autoria: Tânia Cristina de Oliveira Valente (UNIRIO - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro)
Autoria: Uma das principais características da identidade brasileira é o destaque dado às relações entre religiosidade e saúde. A maior parte da nossa população acredita que o transcendente interfira na evolução e na cura de enfermidades e valoriza tratamentos religiosos/espirituais para a solução de problemas de saúde, sendo que as questões relacionadas às doenças estão entre as principais razões que levam as pessoas a procurar ajuda religiosa no Brasil. Diante da polaridade existente entre a valorização e o uso deste recurso pela população brasileira e da ambiguidade demonstrada por docentes e de pesquisadores da área da saúde em relação ao tema, surgiu a motivação para pensar a relação entre a cura espiritual e a medicina, onde ambos os lados se manifestassem, gerando outras possibilidades de entendimento desta questão, desvendada através de como esta realidade é “atuada” pelos atores envolvidos. No intuito de identificar elementos controversos que revelem a aparente falta de articulação entre esses dois grandes conjuntos de saberes-práticas, tal como apurados em campos etnográficos circunscritos e exaustivamente pesquisados, se recusou a postura do experimentalismo positivista, na busca de verificar se a cura “realmente” acontecia (do ponto de vista médico) ou se os espíritos existiam de fato ou a abordagem da crença nas curas espirituais; uma vez que estes elementos não eram considerados capazes de encaminhar um sentido para o problema em foco. Para esta discussão utilizou-se como referencial o pensamento de Isabelle Stengers, no que diz respeito às relações entre ciências, poderes e interesses culturais sociais e políticos e no que diz respeito à relação entre médicos, pacientes e curadores e o pensamento de Tobie Nathan Bruno Latour para a análise de um caso de cura espiritual de um carcinoma epidermoide em uma paciente de 43 anos , ocorrido no Rio de Janeiro e de uma visita à Casa de Dom Inácio (antes dos escândalos), onde o médium João de Deus realizava suas curas. Concluiu-se a partir dos relatos apresentados que não se trata de abordar a oposição ciência e não ciência como um embate entre ambas, uma vez que isto apenas perpetua elementos já conhecidos, mas da possibilidade de emancipação de saberes, científicos e não científicos sem a necessidade de recorrer única e exclusivamente à racionalidade científica para possam ter validade. Além disso tornou-se claro que a brasilidade na (da) saúde reside na possibilidade de considerar estratégias de conexão, sensibilidade e existência de outras epistemologias, outras lógicas explicativas eficazes e valorosas não só para os pacientes como para a sociedade como um todo, que não são visualizadas ordinariamente, porque estão nos entres dos entes que habitam tanto a (s) natureza (s) quanto a(s) cultura (s).
Aos cuidados da Terra: medidas para prorrogar os fins.
Autoria: Laryssa Owsiany Ferreira (UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)
Autoria: A crescente sacralização da natureza, a floresta entendida como um território espiritual e uma antropologia de mundos possíveis são inquietações que acompanham minhas pesquisas desde o mestrado. A produção de um imaginário social de natureza passível de ser protegida muitas vezes é capaz de acionar ideias de conservação para fins econômicos e políticos e de nutrir um ativismo engajado a partir da lógica dos cuidados paliativos. Os cuidados Paliativos são oferecidos para todo paciente que tenha uma doença fora de possibilidades de cura visando melhor qualidade de vida através da prevenção e alívio do sofrimento físico e psicológico imposto pela doença. Rachel Aisengart Menezes (2004) ao etnografar de forma magistral a busca pela boa morte ‘humana’ argumenta que o paliativista deve aderir ao ideário do morrer bem, visando um cuidado da totalidade “bio-psico-social-espiritual” de seus pacientes. Neste caso, a Terra é um paciente mais-que-humano e a doença se inicia no momento em que “os humanos deixam de apenas temer a catástrofe para se tornar a catástrofe”. Partindo do que meus interlocutores chamam de responsabilidades intelectuais e afetivas, me encontro no emaranhado de quatro grandes imersões realizadas em 2019. Três delas organizadas por membros do "GESTURING TOWARDS DECOLONIAL FUTURES" e a outra intitulada "Selvagem: ciclo de estudos sobre a vida" mediada pro Ailton Krenak no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Uma frase do filósofo Slavoj Zizek é constantemente repetida nos espaços por onde circulei em 2019 - “a verdadeira coragem é admitir que a luz no fim do túnel é provavelmente o farol de um trem vindo de encontro a nós.” A recente pandemia de corona vírus oferece para meus interlocutores uma perfeita analogia com as mudanças climáticas. Utilizam de tal argumentação para afirmar que o momento em que se torna óbvio que as pessoas precisam tomar ações efetivas é o momento em que já é tarde demais para se tomar tais ações. É necessário aceitar a irreversibilidade dos e trabalhar com o que Walter Benjamin (1986) chamou de “organização do pessimismo” para amenizar a consternação no corpo, na mente e na alma do ser Terra. Sendo assim, o objetivo é apresentar as inquietações que surgiram ao longo desse meu primeiro ano de doutorado, dialogando a partir de conceitos como regeneração, cura planetária, futuros decoloniais, práticas (espi)rituais capazes de prorrogar os fins.
Corpo, emoção e saúde mental de praticantes de yoga e meditação
Autoria: Cecilia dos Guimarães Bastos (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: O objetivo desta apresentação é discutir as dimensões da espiritualidade relacionadas à emoção e à saúde mental de praticantes de yoga e meditação. Entendo que a transformação por que passam seus corpos, através de técnicas físicas e mentais, envolve a adoção de um específico estilo de vida, "orientalizado" em sua visão de mundo ou maneira de pensar. Ao observar a maneira como técnicas de yoga e meditação se tornaram populares no Ocidente, discuto os processos de reflexividade e racionalidade inerentes a essas práticas com a intenção de compreender as distinções entre holismo e individualismo presentes em seus discursos. Praticantes de yoga e meditação tendem a ritualizar a vida como um todo, não apenas por atribuírem novos sentidos a suas múltiplas experiências, mas por se percebem como continuamente conectados à consciência ou o cosmo. Busco perceber de que maneira, através da investigação fenomenológica da mente e sua transcendência, os praticantes constroem uma identidade baseada no entendimento de sua natureza como o cosmo. Se essas técnicas se constituem de uma variedade individual, privada e introspectiva, nos mesmos termos do individualismo qualitativo de Simmel e Elias, foi buscando entender as contradições envolvidas em suas percepções de self que observo uma noção de comunhão cósmica baseada na inerente articulação entre saúde, corpo e emoção. A proposta é discutir mais precisamente como uma possível convergência é desenvolvida entre esse holismo e algo que podemos chamar de individualismo, entrando no debate de como essas técnicas se propõem "conscientizar" e "expandir" a mente.
Doença e cura entre mulheres pentecostais no município de Raposa – MA
Autoria: Valquíria Sousa dos Santos (UFMA - Universidade Federal do Maranhão)
Autoria: O descontentamento com o sistema de saúde tem levado grande parte da população à procura de formas alternativas para o restabelecimento do seu bem estar físico e mental. O presente artigo visa analisar narrativas de mulheres de uma denominação da Igreja Evangélica Assembleia de Deus (IEAD) no município de Raposa - MA que afirmam terem sido curadas através de intervenção divina. Através de pesquisa de campo etnográfica nos cultos da referida igreja e no grupo de oração denominado Campanha das Causas Impossíveis, realização de entrevistas semi-estruturadas e conversas informais com as mulheres que compõem o grupo de oração foi possível identificar que o discurso da igreja como um todo e do grupo especificamente relaciona os problemas de saúde à ação maligna, portanto, o grupo fornece sentido, orienta e auxilia essas mulheres a alcançar cura de doenças.
Entre o metal e a taquara: narrativas sobre interculturalidade na saúde dos Mbyá-Guarani em São Miguel das Missões-RS
Autoria: Karina Lilith Moreira Sanchez (UFSM - Universidade Federal de Santa Maria)
Autoria: Este work é parte da pesquisa de mestrado em andamento, a qual compreende a situação de intermedicalidade presente entre os Mbyá-Guarani da aldeia Tekoa Ko'enju – a partir de oralidades dos moradores da comunidade e dos profissionais de saúde da SESAI (Secretária Especial de Saúde Indígena) - na cidade de São Miguel das Missões Rio Grande do sul. Propomos contextualizar o impacto das transformações dos itinerários terapêuticos – como a expansão da medicina e dos hospitais, a relação entre o saber científico e o saber tradicional. A investigação é qualitativa, de caráter etnográfico, e ao analisar relatos de experiência de parto e falas de profissionais de saúde, visa explicitar o elo entre dois discursos de conhecimentos, vislumbrando a construção de medicinas hibridas. O objetivo é compreender como a interculturalidade no campo da saúde é narrada pelos interlocutores. Assim, foi contemplado uma compreensão das cosmologias particulares dos Mbyá, retratando de que modo sucede a construção do corpo, da saúde e da doença para os interlocutores. Facilitando o intercâmbio de conhecimentos entre a comunidade e os profissionais de saúde, ao se direcionar para uma avaliação mais crítica sobre possíveis episódios de velamento, apropriação, mudança ou incorporação.
Epistemologia das Garrafadas: Experiências e Habilidades
Autoria: Giovanna Luiza Santos Vale (UFPB - Universidade Federal da Paraíba), Gisela Macambira Villacorta
Autoria: Este artigo é um recorte de minha monografia desenvolvida no final do curso de graduação em ciências sociais, partindo de uma abordagem antropológica. Nessa pesquisa realizei um work de campo nômade acerca da manifestação e produção das Garrafadas caseiras como práticas xamanísticas urbanas do município de Marabá no sudeste paraense. A proposta de análise se deu através do encontro e trocas com sete (7) mulheres, que tinham/tem uma relação de experiência com o uso ou com a produção da Garrafada caseira. Assim, o work tem por objetivo descrever/etnografar a Garrafada enquanto uma Epistemologia construída, sobretudo a partir de experiências concretas com o ambiente.
Espiritualidade e Saúde Mental: apontamentos iniciais de uma pesquisa em contexto de fronteira
Autoria: Anaxsuell Fernando da Silva (UNILA - Universidade Federal da Integração Latino-Americana)
Autoria: Este work se propõe a discutir as possíveis relações entre vivências religiosas, práticas de espiritualidade e saúde mental em contexto de fronteira. De maneira específica, nos debruçamos numa análise a partir das recomendações de líderes religiosos em torno da efetividade do modelo de cuidado adotado em Comunidades Terapeuticas na Tríplice-Fronteira latino-americana. Partiremos de um conjunto de entrevistas realizadas com os referidos líderes, as quais permitem analisar a multiplicidade de discursos e práticas de espiritualidade que coexiste em torno das representações de consumo de substâncias psicoativas. Nossa abordagem associa estes discursos a um apanhado teórico-analítico das principais questões expressas na literatura especializada concernente à temática proposta, no intento de configurar o contexto religioso na região da região fronteiriça (Brasil/Paraguai/Argentina) e as percepções acerca dos usos em torno dessas substâncias, seja quando definida como drogas ou medicamentos. Em seguida, compartilharemos as questões iniciais em torno de uma investigação empírica que se dá na interface entre a antropologia e a saúde mental. Nesta apresentação, daremos ênfase aos discursos religiosos em torno da forma como a religião engendra experiências coletivas de espiritualidades para compreender o processo de saúde-adoecimento. A reflexão possibilitará explicitar os seguintes eixos de análise: a dimensão religiosa como fator desencadeante e explicativo das formas de saúde-doença mental e, consecutivamente, uma apreciação dos espaços religiosos destinados ao engendramento de uma espiritualidade necessária enfrentamento da adicção e tessitura de uma estratégias de controle sobre as experiências de uso a e, por fim, suas implicações sócio-política – especialmente no que tange aos Direitos Humanos.
Espiritualidade e saúde no meio holístico
Autoria: Thaís Silva de Assis (USP - Universidade de São Paulo)
Autoria: Esta comunicação apresenta uma análise sociológica sobre terapias holísticas, designadas na área de saúde pública como práticas integrativas e complementares. Para tratar do tema, serão apresentados alguns dados preliminares de uma pesquisa sobre a formação de terapeutas holísticos e a oferta de terapias integrativas no Sistema Único de Saúde (SUS). As evidências empíricas são frutos de um work etnográfico que está sendo realizado na Humaniversidade, um centro holístico paulistano, e no ambulatório de práticas integrativas do Hospital São Paulo. Ressaltando as interfaces entre espiritualidade e saúde, o work irá analisar em que medida e em quais circunstâncias os discursos dos terapeutas e pacientes se apropriam de argumentos de origem religiosa ou de ideais e valores alinhados à Nova Era, assim como de narrativas científicas. O objetivo é refletir sobre como terapeutas formados e em formação, pacientes e profissionais das equipes médicas concebem o processo terapêutico e entendem as relações entre a busca por bem-estar, desenvolvimento espiritual e saúde. Igualmente, será feita a investigação de como as categorias mobilizadas nesses contextos são utilizadas para justificar e enquadrar as terapias holísticas no âmbito da prevenção de doenças, promoção de saúde e cura. A proposta é identificar como, no meio holístico, as noções de saúde e bem-estar se afastam ou se aproximam da ideia de uma “gestão espiritualizada” da cura. Nesse sentido, o presente work se propõe interpretar os processos sociais de legitimação da cura no âmbito das práticas holísticas e das tensões ou disputas com os domínios da ciência e das práticas biomédicas convencionais.
Mindfulness: entre ciência, religião, saúde e espiritualidade
Autoria: Isabel Cristina de Moura Carvalho (UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo)
Autoria: Este work discute a circulação das práticas de Mindfulness em contextos terapêuticos, associado à educação emocional e à saude complementar. A questão que nos interessa é observar o deslocamento de um conjunto de práticas corporais de atenção, originariamente associado às espiritualidades orientais, para um ambiente terapêutico voltado para a redução do stress. Esta operação passa pela supressão ou, pelo menos, mitigação, do aspecto “religioso” que está na origem histórica destas práticas, para converte-las em técnicas terapêuticas e/ou associadas a uma espiritualidade laica. Desta forma, procedimentos como relaxamento, visualização, respiração e desfusão cognitiva, são aplicados no contexto nos protocolos de mindfulness, para o controle da ansiedade e promoção de bem-estar. Estas propostas terapêuticas ocorrem tanto na esfera das práticas alternativas de saúde quanto no campo médico e psicológico. Esta afirmação tem como base empírica os serviços oferecidos sob a forma de cursos e workshops de grupos de Mindfulness temos observado presencialmente e os serviços continuados oferecidos através de aplicativos na WEB e de blogs de mindfulness dos quais é possível participar à distância. Nestes espaços, tanto presenciais quanto à distância, são acionados valores como contemplação, compaixão, perdão, gratidão, presença no aqui e agora, paz interior, como caminhos não religiosos para se alcançar um estado de bem-estar e redução do sofrimento. Este movimento parece indicar, ao mesmo tempo, numa psicologização de tradições religiosas e uma espiritualização do campo psi que se dá através de muitas mediações, conversões e deslocamentos entre as esferas da ciência, da religião, da saúde e da espiritualidade. Afinal, interessa-nos compreender os modos de ressignficação ou reinvenção de técnicas tradicionais como aquelas relacionadas à meditação quando, destituídas ou afastadas da ascese religiosa de suas tradições antigas originárias, ressurgem em protocolos terapêuticos e espirituais de autogoverno e de gestão da própria saúde, situando o sujeito frente a novas formas de autoridade e obrigações morais no contexto da sociedade moderna individualista.
O Centro Mente Aberta e a viabilização e promoção de políticas públicas baseadas em mindfulness
Autoria: Giovanna Paccillo dos Santos (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas)
Autoria: Este work tem como objetivo entender os processos que viabilizaram a promoção de políticas públicas baseadas em Mindfulness com base em um centro específico. O Centro “Mente Aberta”, segundo seu site, é um centro que tem como objetivo promover e divulgar as Intervenções baseadas em Mindfulness no Brasil, tanto através de práticas e programas, quanto na formação profissional e nas pesquisas científicas voltadas à promoção de saúde e qualidade de vida. O contato com esse grupo se iniciou através da pesquisa de campo que realizo em um curso online de 8 semanas de mindfulness promovido pelo centro. Durante as aulas, o Mente Aberta foi apresentado como um centro voltado para a promoção de políticas públicas baseadas em mindfulness. Foram divulgados achados das pesquisas científicas e afirmado que, por seu caráter laico, o mindfulness poderia ser facilmente utilizado para a promoção de saúde pública. Tendo em vista que o grupo conta com três iniciativas bem sucedidas - o ambulatório de mindfulness e promoção de saúde, mindfulness para a força policial, e o mindfulness no ibirapurera – este work visa entender os processos que viabilizaram a promoção dessas políticas públicas, e como o grupo desenvolve um papel central sendo ele mesmo o núcleo onde existe o financiamento de pesquisas, a formação de profissionais, a divulgação científica e a implementação dos programas. O estudo mais próximo deste grupo e as intenções deste texto compõem um movimento ainda mais abrangente de legitimação de terapias complementares e alternativas como fator de saúde.
O dilema da cura e o caso da desobsessão em Palmelo-GO
Autoria: Juarez Humberto Ferreira (PPGAS UFSCAR)
Autoria: A partir de dados etnográficos coletados em minha atual pesquisa de doutorado na "cidade espírita" de Palmelo, estado de Goiás, apresento a centralidade da categoria da cura no espiritismo kardecista a partir da chamada "sessão de desobsessão por corrente magnética". Esta perspectiva me leva a tematizar uma retomada contemporânea da questão da cura dentro do campo de estudos antropológico do espiritismo sob o ângulo da tensão entre carma e cura (CAMURÇA 2013, 2016). Ao mesmo tempo, articulo e assumo esta tensão constitutiva como uma expressão espírita do dilema sociológico brasileiro (DAMATTA 1979) que se tornou marcador consagrado da identidade kardecista desde a etnografia "O Mundo Invisível" (CAVALCANTI 1983), sendo reconhecido como "triângulo espírita" (LAPLANTINE & AUBRÉE 1989, LEWGOY 2004). Para além da triangulação categorial consagrada - ser espírita é fazer estudos, praticar caridade e experimentar mediunidade -, reafirmo a categoria da cura como quarta dimensão fundamental da experiência do sagrado entre os espíritas.
O ensino da saúde e espiritualidade e sua institucionalização em universidades do Brasil
Autoria: María Florencia Chapini (UNICAMP)
Autoria: O presente work se propõe apresentar análises iniciais sobre a institucionalização da formação de médicos, em particular, e profissionais da saúde em geral, sobre saúde e espiritualidade em universidades federais e estaduais do Brasil. Tal horizonte empírico diz respeito ao interesse da minha pesquisa de mestrado, que examina como vem se desenvolvendo os caminhos de institucionalização dessa expertise que vem crescendo em universidades brasileiras. Conforme dados preliminares com os quais estou me deparando, o caminho traçado na maioria das universidades estudadas para o ensino do tema da espiritualidade começa com as chamadas ligas acadêmicas de saúde e espiritualidade para logo estabelecer, em alguns casos, disciplinas optativas e obrigatórias. Essas ligas estão articuladas a nível regional e nacional através de uma Associação de Ligas Acadêmicas e Grupos de Estudo sobre Saúde e Espiritualidade (AALEGREES). O começo do meu work de campo ocorreu em paralelo com o início da pandemia gerada pela COVID-19, desse modo também pude observar como esse contexto suscitou o interesse dos profissionais da saúde pelo tema da espiritualidade. Assim, tenho acompanhado esse processo por meio de eventos virtuais promovidos pelas referidas ligas acadêmicas, departamentos de medicina ou enfermagem de universidades e associações científicas médicas dedicadas ao tema. Dentre esses eventos, venho identificando nos discursos uma certa “pedagogia” da pandemia, uma vez que a perspectiva dos médicos e profissionais de saúde entende o atual contexto como um “tempo difícil” vivido pela humanidade como um todo. Assim, parte das propostas deles é pensar a pandemia como uma oportunidade para repensar, nos ensinar e melhorar a relação com nós mesmos, com outras pessoas e com o mundo em geral. Por conseguinte, a pandemia é colocada como um momento para fortalecer a espiritualidade dos profissionais da saúde e com isso, melhorar a prática clínica nessa chave da relação da espiritualidade e saúde. A espiritualidade se apresenta como um meio para “saírmos melhores” tendo assim efeitos positivos na saúde das pessoas mediante diferentes práticas de cuidado de si. Através da sistematização desses dados produzidos em contextos digitais, o work se propõe discutir as seguintes questões: como a pandemia está sendo uma oportunidade para consolidar os caminhos da institucionalização da saúde e espiritualidade? Quais são as concepções de doença e cura e particularmente a doença suscitada pela COVID-19?
Os devires de Paula na umbanda: espiritualidade, saúde e percepção
Autoria: Asher Grochowalski Brum Pereira (UFMS - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Rebeca de Azevedo (UFMS)
Autoria: Este é um exercício de Antropologia do Devir (termo usado por João Biehl e Peter Locke em Unfinished e em Deleuze and the Anthropology of Becoming). Em Mil Platôs, Deleuze e Guattari usam o termo “corpo sem órgãos” para se referir ao corpo desorganizado, aquele que rompe com as formas preestabelecidas do organismo. Por desorganizar o organismo, o corpo sem órgãos flui em um devir constante. É por meio dessa perspectiva teórica que olharemos para Paula, que conhecemos durante nossa pesquisa sobre espiritualidade e ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), projeto associado à UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). Ao se descobrir portadora de HPV (Human Papilloma Virus), Paula encontrou em um templo de umbanda, na cidade de Campo Grande (MS), uma alternativa ao acompanhamento protocolar realizado pelo CTA (Centro de Testagem e Aconselhamento). Conforme a consulta com as entidades tornaram-se frequentes, Paula foi levada a formas de perceber seu corpo diferentes daquelas orientadas pelas falas dos médicos que a atendiam no CTA. Com o passar do tempo, descobriu-se médium. Desse modo, nosso argumento é que, ao fluir entre o ambiente biomédico do CTA e o terreiro de umbanda, Paula partiu para um território desnaturalizado que a levou a construir novas formas de percepção sobre o próprio corpo. Se antes sua percepção sobre seu corpo era mediada pelo discurso biomédico, depois passou a ser mediada pela espiritualidade da umbanda, ora conversando sobre saúde com as entidades (e fazendo o que elas indicavam, como tomar chás, banhos de ervas, etc.), ora cedendo seu corpo para dar voz a elas. Além de conduzirmos entrevistas com Paula, também pudemos acompanhá-la no terreiro de umbanda que frequentava, onde realizamos nosso work etnográfico. Também desempenhamos pesquisa etnográfica no CTA frequentado por ela. Além de permitir que as entidades produzissem uma nova corporalidade para ela por meio de receitas, banhos de ervas e chás, Paula criou para si uma nova forma de percepção, um devir-entidade, por meio da mediunidade. Segundo sua narrativa, Paula experimentava um constante vir a ser entre entidades diversas. “Eu tenho uma entidade-criança”, dizia ela. “O meu Exu, eu ainda não sei qual é. Ele ainda não me disse seu nome”. Dizia também: “Tem uma das minhas entidades que é muito debochada, acho que é um malandro”. Portanto, pretendemos transcorrer sobre as narrativas e devires de Paula para refletir sobre a desorganização do seu próprio corpo - do corpo organizado pelo discurso biomédico - e a reorganização do mesmo, atribuindo novas funções aos seus órgãos e à sua consciência, construindo formas de experimentar a realidade por meio das entidades que assumiam o controle do seu corpo.
Religião e psiquiatria na Síndrome de Jerusalém
Autoria: Lucas Baccetto (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas)
Autoria: Neste work estou interessado nas relações estabelecidas atualmente entre a psiquiatria e experiências religiosas e/ou espirituais e, em particular, à chamada “Síndrome de Jerusalém” - que acomete cerca de cem pessoas todos os anos. Meu interesse geral se dá sobre experiências consideradas pelos psiquiatras como psicóticas ou dissociativas, isto é, que dizem respeito a alucinações visuais ou auditivas e a perda da identidade do paciente. Esse é o caso do transtorno ocorrido em Jerusalém, que designa aquelas pessoas que, ao viajarem à cidade, desenvolvem experiências psicóticas. Dentre elas, a literatura psiquiátrica descreve pessoas que passam a se identificar com personagens bíblicas – por vezes se caracterizando como o próprio Messias – e que escutam vozes ou veem imagens, associando-as a Deus. Tais pessoas são reconhecidas nas ruas da cidade devido às suas roupas e adereços tradicionais, além de sua constante pregação. A partir da análise da literatura psiquiátrica e de fontes diversas sobre casos ocorridos, me debruçarei sobre a construção desse diagnóstico, me atentando especialmente ao fato de sua adesão fora da psiquiatria ser maior do que no debate médico.
Rituais terapêuticos no candomblé: a produção da experiência do sagrado
Autoria: Daniela Calvo (UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Autoria: O quadro religioso brasileiro mostra grande diversidade e pluralismo, em um clima em que a oferta terapêutica e a solução de males e infortúnios (junta à valorização do corpo e da natureza, e o pertencimento a uma comunidade) têm um papel importante. O candomblé insere-se nesse cenário, através da oferta de meios diagnósticos, profiláticos e terapêuticos a doenças e infortúnios, e da possibilidade de construção (dialógica e interpessoal) de um sentido mais amplo da doença, ao inseri-la na teia das relações que conectam o ser humano ao cosmo e a seu meio social e ambiental. Oferece seus serviços a todos, independentemente de sua religião, embora a maioria das pessoas que pedem ajuda a um pai/uma mãe de santo pertença a ou frequente, de alguma forma, uma religião de matriz africana e chegue ao sacerdote através de suas redes sociais. Os tratamentos terapêuticos não preveem, necessariamente, o ingresso na comunidade religiosa ou a construção de laços e compromissos duradouros com os òrìsà ou o pai/a mãe de santo, embora a permanência e a adesão a longo prazo ao “work terapêutico” estejam ligadas ao compartilhamento mínimo de valores e sentidos. Esses são construídos ao longo do percurso terapêutico, a começar pelo diagnóstico do problema, em que o pai/a mãe de santo opera como tradutor das mensagens do oráculo e como mediador e negociador com os òrìsà, os antepassados e o orí (a cabeça da pessoa, entendida em sua dupla natureza, material e espiritual, e base do destino individual), orienta os procedimentos sucessivos e aconselha sobre a conduta apropriada e as interdições pessoais. Através da análise do borí (oferenda à cabeça), utilizado frequentemente para solucionar problemas de saúde, insucessos e infortúnios, exploro as formas em que o rito atua uma transformação concomitante da pessoa e do mundo, e opera como locus de transmissão de uma maneira de ser, uma visão de mundo e uma filosofia de vida através de palavras, ações, gestos, “agenciamentos eficazes”, contextos de interação e mediações simbólicas, culturais, políticas, morais, econômicas e ambientais, que modificam o corpo, despertam a emoção e produzem conhecimentos, hábitos, habilidades e sensibilidades, criam identidades e formas de resistência.
O PROJETO MINHA FOLHA, MINHA CURA :saberes, conhecimentos e díalogos.
Autoria: Nordman André Oliveira (UFMA - Universidade Federal do Maranhão), Marilande Martins Abreu
Autoria: O work discorre sobre a experiência de campo no Projeto Minha folha, Minha cura, que prioriza ações terapêuticas associadas aos remédios fitoterápicos e organiza espaços coletivos dessas práticas em terreiros de matriz afro-maranhense que segundo Abreu (2009) é considerado como um subcampo religioso com características próprias. Demonstra a diversidade da relação que as comunidades tradicionais de ancestralidade africana têm com as plantas. Minha Folha, Minha Cura é realizado em parceria com a Secretaria Extraordinária de Estado de Igualdade Racial do estado do Maranhão, incluídas oito casas de culto afro-brasileiro onde se realizam oficinas referentes à manipulação das ervas medicinais cultivadas nos terreiros. Busca fortalecer suas atividades culturais e tradicionais por meio do cultivo das plantas medicinais e litúrgicas, permitindo assim traçar uma relação com a comunidade para além do aspecto religioso. Por meio da observação participante este work teve como aporte teórico os estudos de Abreu (2009), Lévi-Strauss (1996), S. Ferretti (2009, 2013) e Mundicarmo Ferreti (1993, 2001, 2004).
Práticas Terapêuticas religiosas: A Busca pela Cura no Rio de Janeiro
Autoria: Adrielle Macêdo Fernandes da Silva (Fiocruz - Fundação Oswaldo Cruz), Márcio L. Mello (Fiocruz) Júlia Fleury (UFRJ)
Autoria: O work descreve uma pesquisa qualitativa com características etnográficasem que foram realizadas entrevistas com líderes e frequentadores de duas religiões afro-brasileiras (Umbanda e Candomblé), como uma forma de investigar de que maneiras os indivíduos vivenciam o processo saúde-doença nestes espaços religiosos localizados na cidade e região metropolitana do Rio de Janeiro. A medicina oficial é o método que os indivíduos mais confiam em relação ao tratamento de enfermidades, porém, mesmo com tanta hegemonia, esse modelo biomédico isoladamente não é capaz de atender atodas as necessidades de todas de saúde dapopulação. Com isso, os indivíduos buscam outras maneiras de tratar suas doenças. Essas práticas não-oficiais podem ser chamadas de terapêuticas populares e/ou religiosas. Ao pesquisar sobre essas práticas, é possível ter ênfase não só nos aspectos físicos relacionados ao processo saúde-doença mas também considerar os aspectos sociais, culturaise psicológicos que levam os enfermos e suas famílias a buscarem a cura para suas enfermidades nesses locais. Muitos procuram auxílio nas terapêuticas religiosas, principalmente no Brasil que possui uma ampla variedade cultural e religiosa. A partir dessa premissa, investigamos alguns rituais de cura da Umbanda e do Candomblé. Em ambas, os processos de cura são feitos a partir de muitas rezas e simbologias próprias, ervas medicinais, ingredientes alimentares específicos, além dos próprios rituais, dentre outros elementos. A metodologia envolveu revisão bibliográfica, observação participante, descrição etnográfica, transcrição e análise de entrevistas, estas gravadas por áudioe/ou vídeo. Com base nesses dados, foi possível ter acesso às histórias de vida de líderes e frequentadores que relataram que a cura para as doenças é um dos maiores motivos para a procura dessas religiões. Esse aspecto demonstra o quanto a cultura influencia no tratamento de enfermidades e em todo o processo de significação da saúde e doença. A partir disso, ressaltamos a importância da complementação da medicina oficial hegemônica com os aspectos sociais, culturais, psicológicos, enfatizando as religiões como uma forma de potencializar os tratamentos e curas. A reflexão sobre as relações entre os serviços de saúde, as diferentes formas de cultura, as variadas religiões, a sabedoria popular precisam ser aprofundadas. A valorização da sabedoria popular presente nas terapêuticas religiosas, sem dúvidas, pode vir a somar muito à medicina oficial e contribuir para melhorias nas políticas públicas de saúdedo país, sobretudo em nos tempos atuais.
“Desabrochar” do yoga: corpo e agenciamentos terapêuticos de vivências e práticas coletivas
Autoria: Alicia Cima Rodriguez (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Daniel Giordani Vasques
Autoria: Entre prana, asanas, mudras, isto é, respiração, postura e gesto, a “filosofia” do yoga pretende (re)ligar os corpos que constituem o ser. Assim, procura transpassar as dicotomias corpo-mente, possibilitando um potente diálogo entre essas práticas que agregam elementos corporais, espirituais, filosóficos e as novas ontologias antropológicas. A vivência em campo, enquanto instrutora e pesquisadora, constituiu o solo fértil onde tais aproximações puderam brotar. Constituímos práticas semanais de yoga gratuitas à comunidade local em um ginásio da prefeitura na Zona Sul de Porto Alegre. Um grupo com cerca de 15 pessoas, a maioria mulheres, frequentou durante dois meses as aulas. O objetivo desta pesquisa foi refletir as noções antropológicas de corpo e de saúde na prática do yoga, analisado a partir das reflexividades do campo. Para pensarmos o corpo e suas afetações, caminhamos pelas obras de Bruno Latour e Annemarie Mol. Entre o conceito de “tornar-se articulado” de Latour e a “ação incorporada” de Mol, os autores convergem ao analisarem o corpo e sua performance de forma indissociada do ambiente, das afetações, das múltiplas agências e da experiência vivida. Para nos aproximarmos do que toca o terapêutico, utilizamos do conceito de “agenciamento” no sentido de Fátima Tavares que, em recente work (2017), propôs a rediscussão de conceitos da antropologia da saúde, e sugeriu olhar para os “agenciamentos terapêuticos”, defendendo que, além de sujeitos, outros mediadores heterogêneos agenciam processos de saúde e cuidado. As aulas de yoga eram, assim, um dos agenciamentos terapêuticos elegidos por aqueles atores. Durante as aulas de yoga, os corpos eram instruídos a uma série de movimentos, assim corpos e práticas eram construídos: muitas vezes agitados, eram convidados a um momento inicial de conscientização; após, evocavam-se os ásanas, onde os corpos performavam a mobilidade, a extensão do corpo era tateada e o corpo ampliava seu espaço de existência. Depois, os corpos voltavam-se a sentar, então convidávamos o ar para articularmos com ele, as narinas conectavam o ambiente externo e interno ao corpo e tal separação dentro/fora era rompida. Para finalizar a aula, os corpos deitavam-se no solo, adquiriam uma posição horizontal, entregues, e percebiam as afetações ocorridas durante a aula. Nesse olhar, o corpo yogi era ensinado a ser afetado na prática, tornando-se sensível a mais diferenças, contrastes e mediações. Quiçá uma das mais potentes afetações do yoga, no processo de "desabrochar" dos corpos, seja aprender a ser afetado no sentido de observar-se, seus movimentos, seus corpos, suas espiritualidades, seus processos de saúde e doença, e ampliar, assim, as percepções e sensibilidades do corpo no mundo.