GT 75. Retomadas e re-existências indígenas e negras

Coordenador(es): 
Cauê Fraga Machado (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Sandro José da Silva (UFES - Universidade Federal do Espírito Santo)

Sessão 1
Debatedor/a: 
João Daniel Dorneles Ramos (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Sessão 2
Debatedor/a: 
Luiza Dias Flores (UFAM - Universidade Federal do Amazonas)

Sessão 3
Debatedor/a: 
Sonia Regina Lourenço (Universidade Federal de Mato Grosso)

A antropologia vem tradicionalmente tratando territorialidades negras, quilombolas e indígenas – especialmente do Nordeste – nas chaves analíticas da invenção da tradição, da etnogênese, da fricção interétnica, da reminiscência e da plasticidade identitária. Esses conceitos, além de estarem, na maioria das vezes, atrelados a relação desses coletivos com o Estado-nação, privilegiam apenas as relações políticas entre agentes humanos. Etnografias mais contemporâneas, vêm apresentando dados nos quais categorias nativas como as de retomada e resistência – não apenas como reagente, mas como re-existir – territorial e existencial, quando tomadas como conceitos descrevem diferentes vínculos entre actantes dos mais diversos modos de existência. Esses entes produzem reflexões cosmopolíticas e modos de agir com (ou contra) o Estado-nação de modos antes insuspeitos. Não pela via da memória ou da prova, mas pela cosmologia e relacionalidade estendida a todos existentes, recupera-se algo dado como perdido, inexistente. São “identidades” e territorialidades que sempre existiram, mas estavam aguardando momento propício para se realizar, retomando terras, práticas, contato com seres, objetos, linguagens sem que essas nunca tenham sido perdidas de fato. Nesse GT, privilegiaremos trabalhos etnográficos e reflexões teóricas acerca desse novo cenário no qual indígenas e coletivos negros reclamam sua existência.

Palavras chave: quilombos; indígenas; retomada;
Resumos submetidos
"Por uma etnografia em um terreno familiar": territórios negros em Bagé RS.
Autoria: Rafael Rosa da Silva (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Autoria: Este work tem como objetivo discutir acerca da formação de territórios negros na fronteira sul-rio-grandense. Tendo como eixo analítico o período momesco na cidade de Bagé, interior do estado do Rio Grande do Sul, busca-se empreender uma analise da formação destes territórios negros na construção das práticas ligadas ao carnaval de rua local. O período dos festejos carnavalescos está diretamente ligado com as comunidades negras de Bagé, espaços no qual não somente emergem as agremiações, como também forjam práticas de sociabilidade negra. Este work, para além de apresentar uma prática invisibilizada pela historiografia local, procura contribuir para o debate acerca dos conceitos de territórios em diferentes perspectivas, como também procura apresentar as dinâmicas e práticas ligadas ao carnaval de rua na cidade de Bagé.
A alegria como regência do chão afro-brasileiro da Acadêmicos do Salgueiro
Autoria: Vítor Gonçalves Pimenta (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Autoria: Neste work, busco pensar esteticamente e politicamente a performance do chão afro-brasileiro nos desfiles da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro na cidade do Rio de Janeiro. A proposta é investigar o saber corporal da comunidade, tratando principalmente de analisar a “alegria” dos/as componentes no dia do desfile. O chão da escola corresponde à comunidade do Salgueiro, ou seja, um grande grupo de corpos, que se subdividem nas diversas alas que compõem a agremiação, responsável pelo assentamento da escola. A comunidade é formada pela ala das baianas, a ala da Velha Guarda, os três casais de mestre-sala e porta-bandeira, a ala dos/as passistas, a ala da bateria, as alas que contam o enredo da escola e, ainda, os componentes das alegorias, a equipe do carro de som, formada por músicos e intérpretes e os diretores de harmonia. Assim, partindo de uma observação participante e dançante e da utilização de entrevista semiestruturada, o objetivo é refletir sobre a comunidade que faz o carnaval, focando na sua produção identitária, através dos corpos afro-brasileiros em movimento. De uma maneira ampla, dialogando com a cultura iorubana, compreende-se a “alegria” da comunidade como fundamento da existência nagô. A “alegria” é percebida como sentimento positivo diante do mundo, ou seja, ela é um recurso para enfrentar a vida. Nesse sentido, a alegria vista como regência nos permite investigar como os corpos em movimento se constroem a partir dessa orientação de existir no mundo.
A Grande Assembleia Terena como movimento insurgente de poder autônomo
Autoria: Arielly de Oliveira Amarilla (UFMS - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)
Autoria: O work se propõe a apresentar, através da ótica da etnopolítica e de observações dos significados deste evento, uma análise da Grande Assembleia do Povo Terena HÁNAITI HO'ÚNEVO TÊRENOE (MS). Diante da invisibilização social, econômico e cultural indígena, problemas ainda marcantes no período posterior à constituição federal de 1988, surgira dentre os povos indígenas diversas organizações etnopolíticas próprias, estruturadas em entidades de base, conselhos e lideranças. O Movimento Indígena Brasileiro-MIB, enquanto “movimento organizado” é bastante recente no Brasil. Esses grupos, mobilizados, articulados e conscientes da necessidade da construção de ações e estratégias de lutas conjuntas, emergiram com acirradas críticas referente ao Estado e seu regime de tutela elaborado pelas políticas indigenistas. A Grande Assembleia Terena surge então em 2012 no contexto de reconfiguração das organizações étnicas emergentes nos últimos anos no Brasil. Como contraponto às políticas indigenistas que não estavam sendo aplicadas de modo satisfatório pelo grupo étnico, a assembleia como uma organização etnopolítica passou a ser o espaço de reivindicação dos problemas concretos (invasão da terra indígena, matança de lideranças, precarização da saúde, subordinação econômica, insustentabilidade das reservas), traçando ações e estratégias de luta. No âmbito sociocultural, o acumulo dos ganhos políticos construídos na assembleia fortalecem o grupo enquanto etnia, enquanto sujeitos independentes do Estado e que podem se expressar culturalmente da maneira que o grupo avalia ser o ideal, inclusive resgatando práticas culturais do passado que fora extirpada pelas políticas indigenistas. Dessa forma, para além de um espaço político visando concretizar as demandas do grupo, a assembleia também surge como uma organização de um novo tipo de poder; um poder não mais centralizado no Estado, mas sim um poder paralelo a ele, rompendo com os mecanismos de legalidade das políticas estatais. Esse novo tipo poder, construído pelos próprios Terena, fortaleceria a autonomia desses sujeitos, levando-os a buscarem outras vias de luta que não fossem por dentro da estrutura jurídica política do Estado.
A ocupação kilombola: “receita de resistência” do Território de Mãe Preta
Autoria: Luiza Dias Flores (UFAM - Universidade Federal do Amazonas)
Autoria: O intuito dessa apresentação é recuperar parte do material que derivou minha tese de doutorado junto à Comunidade Kilombola Morada da Paz, também conhecida como Território de Mãe Preta, situado na zona rural do município de Triunfo/RS. A Morada da Paz é uma comunidade kilombola, tal como se autodefine, composta majoritariamente por mulheres negras e regida e orientada por uma série de entidades espirituais, com principal destaque à mãe e ao pai da comunidade: uma preta-velha, Mãe Preta, e um exu, Seu Sete. Surgida no início dos anos 2000, foi fundada por um grupo de amigas e amigos, moradores de Porto Alegre e da região metropolitana, através da orientação das entidades, sobretudo de Mãe Preta. O objetivo dessa apresentação é trazer o potente conceito de ocupação criado pela comunidade, na encruzilhada entre os conceitos de ocupação dos movimentos sociais – sobretudo territoriais e de reivindicações políticas - e de ocupação elaborado pelo Batuque do Rio Grande do Sul – quando o Orixá se manifesta na filha-de-santo, ou seja, quando “o Orixá ocupa seu cavalo”. O conceito de ocupação apresentou-se para mim no contexto em que a comunidade abrigava em seu território um antigo coletivo negro de Porto Alegre, que, em uma conversa, estabelecia uma diferenciação entre os modos de vida dos grupos em diálogo. Para o grupo visitante, a Morada era um coletivo "espiritual", enquanto eles consideravam-se um coletivo "político". Foi neste momento que uma das mais velhas da comunidade afirmou serem também um coletivo político, pois "trabalham com a ocupação". A partir disso, coloco em diálogo a criação deste conceito com os conceitos de “reclaim” (traduzido como reativar), desenvolvido pelas bruxas neo-pagãs estadunidenses, e o conceito de “retomada”, elaborado pelos Tupinambá da Serra do Padeiro. Argumento que ocupar, reativar e retomar são “receitas de resistência” e, por isso mesmo, são impossíveis de serem englobadas por alguma teoria generalizante. Contudo, apresentam entre si algumas conexões (parciais) e fornecem potentes proposições cosmopolíticas.
A retomada linguística como ação cosmopolítica: o caso dos Kiriri
Autoria: Evandro de Sousa Bonfim (Pesquisador)
Autoria: O objetivo da apresentação é discutir o lugar da retomada da língua nativa dentro das iniciativas mais amplas de lutas por territórios e demais direitos pelos povos indígenas. Destaca-se o caso particular dos indígenas do Nordeste, que sofreram grande perda linguística devido ao impacto inicial da colonização portuguesa ter ocorrido na região. Tais processos históricos influenciaram as concepções e usos da língua, que em muitas situações, como a dos Kiriri do sertão baiano, continua sendo falada no contexto ritual e na comunicações com encantados, fazendo parte, portanto, do conjunto de ações cosmopolítica do coletivo, mas não se enquadrando nas exigências de confirmação identitária nem nas diretrizes científicas acerca do fenômeno linguístico. Diante das condições diferenciadas, a apresentação vai destacar como as relações cosmopolíticas precisam ser levadas em conta nos projetos de revitalização linguística, de forma a contribuir para a elaboração de gramáticas cosmopolítica que efetivamente incluam a língua como parte importante dos processos de retomada.
Ancestrais e Antepassados entre associações políticas e culturais afroguadalupenses no Caribe
Autoria: Mariana Vitor Renou (CEFET/RJ - Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca)
Autoria: Essa comunicação apresenta parte da pesquisa que realizei no doutorado acompanhando associações de Guadalupe, no Caribe, entre 2013 e 2015, que resultou na tese defendida em 2017. Durante a pesquisa, estive próxima do CIPN (Comité International des Peuples Noir), o MIR (Mouvement International Pour les Réparations), associação Nwar Dea 8, a Associação Moose Art e do Voukoum (um dos mais importante 'group a po' de Guadalupe, grupos carnavalescos que se denominam como ‘movimentos culturais'). Os membros desses coletivos identificam-se como ‘afrodescendentes’, qualificam o work que desenvolvem como político e/ou cultural e estão inseridos em uma rede de associações em permanente interlocução. Boa parte do work que realizam pode ser definido pelos conceitos nativos de Reparações e Autoreparações, que partem do passado de tráfico e escravização de africanos (seus antepassados) e da contínua história de violências, racismo, intolerância, assimilação e mortes (de todos os tipos) que vivenciam até o presente enquanto afroguadalupenses. Na tese abordo as diferentes maneiras pelas quais os membros dessas associações buscam por um lado observar, perceber e redescobrir de fato quem são profundamente, diante de uma “história de assimilação”, e, sobretudo, buscam recriar-se, reconstruir-se de modo fundamental, enquanto guadeloupéen et guadeloupéenne afrodescendentes, bem como o arquipélago que habitam. Nesse processo de autoreparar-se uma série de procedimentos e performances são realizados, que pressupõem restaurar, recuperar, valorizar, criar o que há de mais profundo e original e que foi perdido, destruído, apagado e negligenciado. De maneira importante, está a redescoberta e conexão com os ancestrais e antepassados, que não são os gauleses, ainda que durante toda a infância e juventude tivessem aprendido isso repetidamente na escola e mesmo no seio familiar. Assim, nesta comunicação privilegio os movimentos que meus interlocutores faziam de maneira a presentificar e se reconectarem de diversos modos com seus ancestrais e antepassados. Nos seus processos de autoreparações e nas ações em que exigiam reparações, meus interlocutores criaram um tipo de espiritualidade específica, que buscarei colocar em evidência. Os movimentos das associações reúnem, interagem com, produzem e concebem uma série de actantes que são os pontos de partidas e de base da constituição e concepção de si mesmos, e envolvem aqueles e outros grupos locais e de outras partes do Caribe, sobretudo o francês, o poder público, turistas, moradores, intelectuais, entre outros sujeitos. Desta maneira, ao refletir sobre como esses processos ocorrem, o que reúnem e produzem, os ancestrais surgem de modo importante, evidenciando cosmopolíticas, modos de existência e projetos de arquipélago.
Aquilo ‘que sempre existiu’: quilombo como re-existência
Autoria: Cauê Fraga Machado (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: Em contraposição à ideia proeminente de que a ‘reminiscência quilombola’ está atrelada à diferentes grupos envolvendo interesses por recursos, o Povo do Evaristo se vale de outros equacionamentos para reativar a noção de quilombo como re-existência. Assim, os quilombolas da Serra do Evaristo/CE, definem e defendem sua existência a partir do que chamam de ‘provas’: i) o território que ocupam é um cemitério indígena e, ii) a permanência de tradições católicas ligadas a conformação da paisagem específica do quilombo – especialmente a novena à Imaculada Conceição e a Dança de São Gonçalo. Participar do ser católico local, e remeter-se à descendência de indígenas, são, portanto, ‘prova que são quilombolas mesmo’. Essa articulação, pode ser feita a partir da noção nativa de que ‘tudo sempre existiu’, esse tudo fica por vezes ‘adormecido’ e pode ser ‘reacendido’ de acordo com diferentes acontecimentos que fazem lembrar do ‘tudo sempre existente’. Nessa comunicação, pretendo, a partir de material etnográfico, estender tais ideias para além do contexto local, propondo um modo mais geral de pensar os chamados ‘quilombos contemporâneos’, mediante noções como re-existência e reativação, deixando em aberto as possibilidades de equacionamentos existenciais que o termo pode carregar diante de cada caso etnográfico. Assim, ser quilombola, pode significar ancestralidade africana, indígenas, de santos, de escravos negros e índios, ou do que mais cada coletivo considerar e mobilizar como ‘prova’ do quilombola sempre foram.
Cosmopolíticas quilombolas: a relação afroindígena, a terra e os territórios em Mato Grosso
Autoria: Sonia Regina Lourenço (Universidade Federal de Mato Grosso)
Autoria: A reflexão focaliza a perspectiva e as relações que os quilombolas estabelecem entre os seres humanos e não-humanos que conferem à vida nos quilombos, os sentidos do habitar, do viver e da extensão do sentido de humanidade para além dos seres humanos, incorporando plantas, animais e seres sobrenaturais como sujeitos que coabitam o mundo. A pesquisa analisa como a cosmologia destes coletivos negros se constitui de fluxos e pertencimentos, composições e criações que apontam para teorias locais sobre a natureza, o território e a vida, delineando, assim, os contornos e os modos de existência afroindígenas. Os encontros entre a população africana e os povos indígenas no estado de Mato Grosso presentes tanto nas narrativas de viajantes quanto nas narrativas de quilombolas e indígenas contemporâneos, apontam para a existência de composições e criações ético-estéticas no sentido cosmopolítico de outros mundos possíveis.
Encantaria e territorialidades no quilombo Santa Rosa Dos Pretos
Autoria: Jefferson Yuri da Silva Lima (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: Narrativas em que os encantados estão relacionados a ambientes como matas, lagoas, árvores e igarapés são frequentes entre os moradores do território quilombola Santa Rosa dos Pretos, localizado no município de Itapecuru-Mirim/MA. Outros espaços como os locais escolhidos para fazer roça e cavar poços também compõem essas relações. Esses ambientes são conhecidos como lugares de encantaria; morada de determinados encantados ou locais de passagem entre o nosso mundo e o das entidades espirituais. São espaços considerados sagrados e tratados com respeito, o que se produz numa relação ética de cuidado e zelo. Desde a década de 1950, uma série de infraestruturas logísticas - como a rodovia BR-135 e a Estrada de Ferro Carajás - cortaram e interditaram territórios negros no estado do Maranhão; deixando um legado de violência e injustiça em prol de uma política desenvolvimentista, geradora de riquezas “nacionais” escoadas para as mãos de poucos. Nesse contexto, em que os quilombolas são atingidos por grandes projetos de desenvolvimento, proponho pensar como a produção de desastres sobre os ambientes também apresenta transformações nas relações entre pessoas, encantados e território. Dimensões diversas são alteradas na relação entre comunidades quilombolas e empreendimentos capitalistas. Uma proposição cosmopolítica presente nos saberes e práticas das religiões afro-brasileiras, como o Tambor de Mina no quilombo Santa Rosa dos Pretos, sugere leituras na composição de outros mundos possíveis, sobre o que se compreende por natureza e o reconhecimento de diferentes territorialidades que se insurgem contra a externalidade de concepções hegemônicas sobre o território.
Movimento Feminista Negro: Da Invisibilidade ao Protagonismo
Autoria: Clerislânia de Albuquerque Sousa (TV Jangadeiro)
Autoria: O racismo é uma mancha existente na história do nosso país. Tal fato não pode ser negado, muito menos silenciado. Associado a isso, a condição de ser mulher e negra intensifica os níveis de desigualdades para esse grupo tão marcado por estigmas do passado que permanecem vivos no presente. Nesse contexto de desigualdade o qual muitas mulheres viveram ao longo das décadas, o grito de liberdade seria uma questão de tempo, daí surge o feminismo negro. O feminismo negro vem com pautas próprias, a fim de que mulheres negras conquistem seu espaço e ganhem, de fato, o protagonismo que merecem. Nesse sentido, surge este estudo, o qual pretende fazer uma abordagem histórica do feminismo negro em nosso país e como o movimento veio expandindo-se ao longo dos anos. O estudo relevou que o movimento feminista negro ganhou bastante expressividade e representatividade, através da expansão do movimento em si e da própria conscientização e empoderamento das mulheres negras, no entanto, o racismo estrutural existente na sociedade acaba sendo um dos entraves para que possamos viver em uma sociedade mais justa e com as mesmas oportunidades para todos.
Mulatos, pardos, "afrobeges": negros de pele clara ou "afroconvenientes"?
Autoria: Gabriela Machado Bacelar Rodrigues (SEC BA)
Autoria: O “colorismo” é um conceito que aparece pela primeira vez no texto “If the Present Looks Like the Past, What Does the Future Look Like?”, parte do livro “In Search of Our Mothers’ Garden” (1983) de Alice Walker. Com o lapso temporal de mais de 30 anos, essa discussão só pode ser rastreada no Brasil a partir de 2015, com o artigo “Os perigos dos Negros Brancos: cultura mulata, classe e beleza eugênica no pós-emancipação (EUA, 1900-1920)” de Giovana Nascimento e, a partir do ano seguinte, pela multiplicidade de vídeos na plataforma do Youtube, e de textos do mesmo teor, em sites como Geledés e Blogueiras Negras (WESCHENFELDER&SILVA, 2018; DUARTE, 2015; SILVA, 2020). É notório para esse pensamento, que “In Search of Our Mothers’ Garden” ainda não está traduzido para o português. Essas referências produzem o significado de “colorismo” como um espectro de cor da população negra, que permitiria o benefício de determinadas prerrogativas raciais hegemônicas (brancas) para os indivíduos mais claros desse grupo, nomeando esse benefício como privilégio. Essa ideia engendra o surgimento de termos como “afrobege” ou “afroconveniente”, indicativos da suspeita criada sobre a legitimidade ou veracidade da identidade negra desses sujeitos pardos ou “negros de pele clara” (CARNEIRO, 2016), no mesmo contexto em que surgem, no cenário nacional, denúncias de fraudes no sistema de cotas para negros em concursos públicos - o que dá início a processos mais amplos de organizações de comissões de heteroidentificação étnico-racial para essas seleções (DIAS&TAVARES JUNIOR, 2018). Elencamos aqui três marcos para falar sobre a elaboração negra dessa categoria “pardos”: o surgimento do Movimento Negro Unificado em 1978, que desenvolverá campanha pelo "orgulho negro" (também) para essa população parda (MNU, 1988; SILVA, 2001); os estudos de Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva, que demonstraram a aproximação de pretos e pardos nos indicadores sociais, propondo metodologicamente a unificação das categorias enquanto "não-brancos" (ou negros) no final da década de 70 (CAMPOS, 2013; SCHWARTZMAN, 2009); e o Estatuto da Igualdade Racial, que em 2010 formaliza que pardos fazem parte da população negra do Brasil. Essa retomada nos mostra que, se não é nova a reivindicação da identidade negra para/pela população parda (nem os seus dilemas), essa proposição da negritude como soma (pretos+pardos=negros) é particularmente sensível no momento em que políticas públicas afirmativas estão sendo desenvolvidas. Esse artigo é parte de uma etnografia desenvolvida com a Comissão de aferição da veracidade da autodeclaração étnico-racial da Universidade Federal da Bahia durante um processo seletivo para estudantes, e com candidatos de pele clara que passaram pela heteroidentificação da Comissão.
Mulheres do Ganga: dança, canto, afirmação e persistência quilombola em Minas Gerais
Autoria: Jaqueline Cardoso Zeferino (UFV - Universidade Federal de Viçosa)
Autoria: Esta proposta tem como objetivo refletir sobre as práticas político-pedagógicas protagonizadas por mulheres da Comunidade Quilombola do Bairro de Fátima, situada em um contexto urbano, na cidade de Ponte Nova - Minas Gerais. Em 1988, dezesseis adolescentes orientadas por duas mulheres adultas fundaram um grupo de dança afro-brasileira inspiradas nas bandas de samba-reggae e nos blocos afro soteropolitanos com o objetivo de “afirmar a identidade e a cultura afro local”. Há mais de três décadas, o Grupo Afro Ganga Zumba - uma entidade sociocultural e educativa engajada na ampliação dos espaços de participação social, cultural e política da população negra e quilombola - dança e canta sua relação com a ancestralidade, com o território e com o racismo. Pelos espaços públicos e privados da cidade e região grafam seus corpos, vozes e saberes negros em resposta às políticas de exclusão e silenciamento a que são confrontadas/os cotidianamente. Assim, o quilombo e o ser quilombola enquanto uma questão racial e territorial vai se emaranhando às práticas de dança e canto das mulheres da Comunidade de Fátima que, representando uma coletividade, fundam um fazer político-pedagógico peculiar na Zona da Mata mineira um vez que enlaça concepções próprias de educação, poética, estética e política assentadas no feminino, na comunidade e no corpo, bem como no que nomeiam de “persistência”: uma maneira coletiva e criAtiva de afirmação e re-existência negra-quilombola.
Pretos carvoeiros, quilombolas, tapuios e outros etnônimos: singularidades na luta de comunidades tradicionais na Amazônia
Autoria: João Siqueira (INCRA)
Autoria: Este work tem como objetivo apresentar um cenário da produção de significados presentes em manifestações da etnicidade, associadas com processos organizativos e reivindicatórios, em que a constante interconexão entre os atores se configura numa miríade de agentes. O enfoque se dirige para o esclarecimento de uma situação etnográfica no contexto amazônico, na qual a história relativa à formação dos grupos se entrelaça com processos variados e, subsequentemente, emerge articulado à reivindicação de área de ocupação e de uso de recursos. Ressalta-se que na constituição desses agrupamentos, um léxico potencialmente comunicativo com base em reelaborações êmicas de topônimos, de atributos indicativos e de referência histórica é utilizado para efeito de singularidade e distinção dos atores envolvidos. De certo, o manejo de um repertório sociocultural significativo por esses povos pretende assegurar direitos e acesso a recursos tidos como indispensáveis à reprodução física, econômica e à sua própria identidade. Diversos estudos que abordam a questão da sociodiversidade e sua dinâmica no contexto fundiário da Amazônia mostram, sobretudo, que os corpos d’água e a questão terra, muito além da sua valoração alcançada em cálculos de cunho comercial, são fontes vitais para toda a base da produção alimentar e reprodução da vida. Todavia, os works apontam também que áreas situadas próximas de grandes empreendimentos, dos perímetros definidos como de expansão urbana e das fronteiras de expansão agrícola tornam-se rapidamente objetos de interesse e de forte disputa. E sendo o seu controle fonte de poder e influência sobre as decisões políticas de gestão territorial, a apropriação da terra por meio de dispositivos legais ou métodos extralegais tem se transformado não só em meta assaz perseguida, mas também em luta tenaz, cujo resultado tem implicação direta sobre existência de seus empreendedores. É no plano da relação entre a dinâmica dos usos territoriais e os obstáculos que impedem a efetiva aplicação da política de ordenamento fundiário relativa às comunidades tradicionais que se inscreve a situação etnográfica aqui abordada. A comunidade Lago de Serpa, em Itacoatiara no Amazonas, possui mais de setenta famílias que vivem em vários núcleos residenciais e nas faixas de ocupação às margens do lago de mesmo nome. Sobre o grupo e sua trajetória, cuja formação começou há mais de um século, salienta-se que a organização da comunidade apoia-se na historicidade das famílias de ocupação pioneira, e se estabelece a partir de três eixos centrais que sintetizam o repertório das práticas culturais, laborais e de ação política de seus moradores.
Resistências contemporâneas: Indígenas e quilombolas face ao Estado
Autoria: Carolina Tamayo Osorio (UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais), Diego de Matos Gondim
Autoria: Esta comunicação busca apresentar expressões de resistências indígenas e quilombolas na contemporaneidade. Para tanto, iremos operar com dados produzidos em duas pesquisas realizadas junto a duas comunidades indígenas e quilombolas, quais sejam: a comunidade indígena Gunadule, do Alto Caimán do Urabá antioquenho, Colômbia; e a Comunidade de Remanescentes Quilombolas do Mandira, do Vale do Ribeira, interior do Estado de São Paulo, Brasil (TAMAYO-OSORIO, 2017; GONDIM, 2018). O encontro destas duas pesquisas, para além de suas diferenças, tanto epistemológicas quanto étnicas, apresentam uma possibilidade de problematizar as resistências não apenas como reminiscências de um passado, mas como um processo inventivo e coletivo face às formas de colonização do Estado que são atualizadas em nosso século. Para isto, analisaremos duas situações distintas destas comunidades: 1) a luta pela formação de um currículo escolar constituído a partir de suas cosmologias (caso da comunidade indígena); e busca pela afirmação da escola dentro do quilombo (comunidade quilombola). No primeiro caso, Nasario Uribe apresenta uma "distinção" da forma de organização cosmológica dos Gunadule e dos Estados-nações; estes últimos, segundo o indígena, é composto por "estados dentro de outro estado". Essa compreensão para Uribe é necessária na medida em que possibilita pensar os efeitos dessa forma de organização nos processos de legitimação das ações políticas, necessárias para que seu povo possa re-existir. No segundo, os mandiranos reclamam a reabertura da escola, que permaneceu fechada por aproximadamente dois anos. Esse “manifesto” se dá através de um curta-metragem que engendra não só a cosmologia deste povo, mas também, a transgressão às relações unilaterais de poder que permeiam as políticas educacionais no Brasil. Ambas situações, que nesta proposta objetivamos problematizar, ajuda-nos a constituir uma hipótese que pensa a resistência não apenas como algo localizado nas reminiscências, mas que se atualizam junto às próprias formas de afirmação existencial. Em nossa análise, pensar essas resistências como movimento, como devir, significa considerá-las não apenas de um ponto de vista ético-estético (na constituição de uma ontologia), mas também político-jurídico (na constituição de um direito existencial). Desse modo, objetivamos pensar essas resistências como algo que cria em nossas cartografias contemporâneas, outras formas de existencia e sobrevivencia, que estão para além dos paradigmas temporais passado, presente e futuro, mas na emergência da contemporaneidade. A expressão de uma resistência enquanto acontecimento perturba o que se pensa como possível ou impossível, pois ela desestabiliza, de modos insuspeitos, as lógicas coloniais que imperam nas políticas atuais.
Retomada e Resistência: uma análise do enfrentamento ao avanço da fronteira agropecuária sobre os territórios Terena em Sidrolândia/MS e Akroá-Gamella em Viana/MA
Autoria: Marina de Barros Fonseca (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: A disputa por terras é uma constante que acompanha toda a história do Brasil pós chegada do colonizador europeu, tendo assumido diferentes formas ao longo dos anos. O colonialismo continua a avançar sobre as terras e corpos dos povos tradicionais, mas agora acompanhado dos interesses do grande capital nacional e internacional que se apresentam sob a forma principalmente de empresas dos ramos agropecuário e extrativista, que colocam a obtenção de lucro acima do bem estar (e do bem viver) dos povos que nessas terras vivem e da preservação de seus territórios, ultrapassando todos os limites da legalidade para atingir suas metas. A presente pesquisa se propõe a analisar os processos de resistência ao avanço da fronteira agropecuária sobre territórios de ocupação tradicional, mais especificamente os processos de retomada de terra realizados pelos Terena de Buriti no Mato Grosso do Sul e dos Akroá-Gamella da região de Viana no Maranhão, encarando as retomadas de terra como o atual processo de territorialização desses povos. Procuro compreender os significados da retomada de terra, como ela ocorre desde a entrada no território ocupado a como isso auxilia no resgate e (re)construção da identidade coletiva, como as dinâmicas de poder se configuram e redes de aliança entre povos (e povos e instituições) são criadas. Os dados que serão apresentados e discutidos são fruto de pesquisas etnográficas realizadas, durante minha graduação e mestrado, junto as duas comunidades. Escolhi trabalhar com os Terena e os Akroá-Gamella, pois os dois estados onde esses povos habitam vem sofrendo com um aumento substancial dos ataques violentos aos povos indígenas e seus direitos devido a importância das regiões para o setor agropecuário, vide a morte de Oziel Terena em 2013 e os ataques a facão sofridos pelos Akroá-Gamella em 2017 (ambos realizados em terras de retomada). Para compreender os diversos sentidos que a retomada de terra assume analisarei as diferentes formas de conceber e se relacionar com a terra e a forma a qual a comunidade e o ser se constroem em conjunto com ela. Busco entender como a retomada de terra ultrapassa seu significado de estratégia política de resistência e se torna um novo processo de territorialização desses povos, dando novos contornos a seus territórios, readaptando sua organização social, relações com o Estado e permitindo a (re)construção de suas comunidades em conjunto com a terra. A retomada de terra é um processo dirigido pelos próprios indígenas com base em suas demandas, em seu protagonismo étnico e em suas formas próprias de organização. É a resistência cotidiana e o enfrentamento guerreiro ao colonialismo feito de forma comunitária e por muitas vezes autônoma que vem a cada dia ganhando mais força apesar cenário cada vez mais adverso.
Retomada Tupinambá em Olivença: reflexões acerca da indianidade e permanência indígena a partir de um mandado de segurança
Autoria: Mariana Vilas Bôas Mendes (UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais)
Autoria: Os Tupinambá de Olivença se encontram desde julho de 2009 aguardando a declaração dos limites de suas terras, a cargo do Ministro da Justiça. Nesse ínterim, os Tupinambá decidiram por retomar e “construir ativamente” seu território (VIEGAS, 2011), temendo que os invasores destruíssem de forma irreversível as matas e rios da região, morada dos espíritos encantados que são sua fonte de vida e proteção. Processo de destruição ao qual os Tupinambá se referem como o adoecimento da Terra. Este work versa sobre a controvérsia jurídica/sociotécnica em torno da demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, documentado em um Mandado de Segurança. O objetivo que busquei alcançar foi identificar e discutir os principais argumentos acionados por não indígenas a fim de impedir o reconhecimento do direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais e, por outro lado, compreender as práticas de resistência e territorialização indígena diante de um cenário de confronto e confinamento ao longo de 500 anos. Entre esses argumentos contra a demarcação, chamam a atenção a negação da etnicidade dos Tupinambá e o consequente questionamento sobre sua permanência e presença no território. Nesse sentido, eu experimentei ver por um outro prisma o “cadinho de culturas” de que fala Gilberto Freyre, buscando olhar não mais para um cadinho de culturas sob a égide dos brancos, mas sob a égide Tupinambá. Tal perspectiva vai ao encontro dos posicionamentos de lideranças Tupinambá sobre as condições de permanência de alguns não índios dentro da TI e também de acolhimento de não índios na escola da TI. Outra questão pertinente a este work foi compreender os efeitos da fricção/atrito [no sentido dado por Tsing (2005) a essa expressão] que se desenvolveram nessa disputa territorial entre povos que operam segundo premissas ontológicas diversas a respeito do que é a terra, o território e a natureza. Ao longo de cinco séculos de contato, fricção/atrito, os Tupinambá jamais abandonaram seu território ou se tornaram “integrados”, como acusam os brancos. Ao impor sua presença junto à justiça, os Tupinambá fazem do tribunal, uma arena cosmopolítica e impõem constrangimentos àqueles que pretendem agir em detrimento existência dos outros viventes, impedindo-os de fazê-lo em um ambiente asséptico. Este work é sobre a insistência de um povo em existir, ocupar um território e se fazer presente, e que diante das “alternativas infernais” (STENGERS, 2015) que tentam lhes impor os brancos em seus tribunais - aos problemas que são dos brancos - responde: “prefiro não”.
Socialidade e cotidiano entre mulheres e outros seres na aldeia Boca da Mata.
Autoria: Larissa Moreira Portugal (UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos)
Autoria: Os estudos etnológicos desempenhados entre os Pataxó no extremo sul da Bahia, desde os primeiros anos da década de 1970, ainda que tenham sido de grande contribuição na criação de políticas indigenistas junto a Funai – com o reconhecimento e demarcação de TI's, assim como ações de reconhecimento da identidade étnica Pataxó, corroboraram para construir uma narrativa assimilacionista e de aculturação sobre seus interlocutores. Seu escopo teórico esteve marcado pela chamada tradição contatualista, a qual tanto construiu uma narrativa sobre as populações indígenas no Nordeste brasileiro enquanto resíduos de grupos étnicos prestes a desaparecer pela assimilação já identificada no processo socioeconômico de colonização, quanto corroborou com o esvaziamento da complexidade existente nas dinâmicas de transformação e interação – com coletivos humanos e não humanos – dos povos ameríndios na mesma região, fazendo com que questões relacionadas à representação/identidade/etnicidade/indianidade se tornassem temas hegemônicos na literatura do contexto etnográfico em questão. Dessa forma, é diante da averiguação dessa lacuna que este work se localiza. A partir de uma pesquisa de campo em andamento na Aldeia Boca da Mata, localizada em Porto Seguro/BA, viso esboçar algumas considerações sobre os Pataxó e seus regimes de alteridade, tendo como principais interlocutoras, as mulheres da aldeia. Proponho uma reflexão sobre a economia de relações entre humanos e outros seres não humanos (plantas, espíritos, animais domésticos) com foco nas práticas sociais e assuntos cotidianos - analisando, dessa forma, o que sabem, dizem e fazem as mulheres nessa teia de relações interespecíficas e o que isso nos apresenta em termos de um regime Pataxó de alteridade. Argumento, primeiro, que o amplo campo no qual as mulheres operam, são incontornáveis na relação com a diferença e fundamentais na construção da sociabilidade, seja nos ritos de encabocamento das festas de santo, na articulação através da associação da aldeia ou na lógica de cuidado imbuída no curso da vida diária. Em segundo, argumento que humanos e não humanos não podem ser pensados separadamente, pois constituem mutuamente suas histórias e socialidades. A partir de um interface teórica e metodológica entre etnologia indígena e etnografia multiespécie, o intuito é aportar novos conhecimentos sobre os Pataxó em temas, aqui complementares, como relações de alteridade, gênero, territorialidade e política.
Umbigos enterrados e as memórias da Lagoa: explorando ontologia de território entre a população da Comunidade Quilombola Aldeia – SC
Autoria: Nathália Dothling Reis (Herkenhoff & Prates)
Autoria: Durante minha pesquisa de mestrado em Antropologia Social, tive a oportunidade de conhecer, através do work de campo, duas comunidades quilombolas em Santa Catarina. O tema central da pesquisa era investigar sobre as lideranças de mulheres nessas comunidades, mas outras questões, como o território, apareciam recorrentemente nas narrativas e práticas sociais locais. Na dissertação, acabei não trabalhando tão a fundo essa temática. No entanto, passados mais de um ano da defesa, comecei a revisitar os diários de campo e encarar as narrativas sobre território de outra maneira. Aqui, pretendo falar apenas de uma das comunidades com as quais trabalhei, a Comunidade Remanescente de Quilombo Aldeia, localizada em Imbituba, litoral de Santa Catarina, onde muitas narrativas e cenas etnográficas me chamaram a atenção para a concepção local de território. Sabemos que as populações das diversas comunidades indígenas e quilombolas enfrentam muitas dificuldades e são perseguidas desde o momento de invasão das terras hoje chamadas brasileiras. Com o governo atual de Jair Bolsonaro, essas populações estão sendo ainda mais perseguidas e tendo seus direitos fundamentais ameaçados. Essas ações do atual governo não são mera casualidade, pois têm a ver com um projeto que atende ao interesse do capital global nessas terras posicionando-se no que Arturo Escobar (2015) chamaria de ontologia moderna. De outro lado, temos as populações tradicionais – dentre as quais inclui-se as comunidades quilombolas – que expressam uma relação com o território muito distinta, localizando-se no que o autor chamaria de ontologia relacional, já que para esses grupos tudo o que existe no território está relacionado, de forma que nada - humanos ou não-humanos - pré-existem às relações. As lutas pelo território revelam que há um choque entre a concepção do que é a terra para os governos e empresas e o que é o território para os grupos indígenas, afrodescendentes e campesinos. De um lado, temos o interesse do capital global que entende a terra apenas como bem comerciável e de outro, temos as comunidades que lutam não só pelos territórios, mas por outra concepção de desenvolvimento, que envolve uma relação harmônica com a natureza e uma forma distinta de vida social. Dessa maneira – e para concordar com Escobar (2015) - esses povos antecipam uma luta ontológica contra o projeto de mundo capitalista, liberal e secular e contribuem para uma transição importante para um mundo onde caibam muitos mundos, um pluriverso.
Varinhas, Memória e Resistência afro-indígena na ilha de Mosqueiro
Autoria: Renato Vieira de Souza (PREFEITURA DE BELEM)
Autoria: Varinhas bordadas ou varinhas do amor é o nome de um símbolo da cultura material presente fortemente na memória dos moradores da ilha de Mosqueiro em Belém-Pará. Isso ainda permanece vivo como um artesanato desde um tempo em que as visitas à ilha só se davam de navio, precisamente até 1975, ano da inauguração da ponte que a liga ao continente. Ao buscar no tempo informações sobre essa tradição material, chega-se a uma gama de experiências que caracterizam um fenômeno local de massa, marcante para inúmeras famílias que viveram o tempo áureo desse souvenir produzido para venda no mês de julho e durante as festas de santo que permanece vivo na vivência de bordadeiras - mulheres que ainda produzem e vendem varinhas. O que à princípio poderia tratar-se de, tão somente, um fenômeno estético, ganhou contornos cada vez mais antropológicos devido a seu impacto na vida desses sujeitos. A análise de narrativas orais e memórias dos depoentes mais antigos constitui o itinerário investigativo cujos traços de resistência diante da ordem colonial pós-moderna, são bastante nítidos. A discussão tem apoio no pensamento pós-colonial e decolonial onde percebe-se tentativas de resistência cultural em experiências vivenciais.
YouTubers Negros nas tramas das representações de sujeitos negros nas mídias comunicacionais
Autoria: Victor Leitão de Paiva (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Autoria: A presente comunicação tem por objetivo discutir as produções de alguns criadores negros de conteúdo para a plataforma YouTube - “YouTubers negros”. Entendendendo enquanto “YouTubers negros” sujeitos negros engajados em agendas antirracistas e que produzem, ainda que não exclusivamente, conteúdos sobre suas experiências vividas de racismo e outras opressões estruturais em perspectiva interseccional. Amparado sobretudo no conceito de “contrapúblico subalterno” cunhado por Nancy Fraser, entende-se que os vídeos criados e publicizados por esses criadores são espaços em que se produzem formulações e representações sobre pessoas negras que dialogam criticamente com as representações “mainstream”, como por exemplo circulantes na/a partir de televisão, no cinema e em outras midias comunicacionais como a própria internet, sobretudo questionando “estereótipos”, conforme conceituados por Stuart Hall, que são produzidos em meio a dinâmicas de desigualdade e hierarquia de poder. Nesse sentido, desenvolvemos uma reflexão 1) sobre o lugar desses YouTubers negros na plataforma em termos da promoção de eventos por parte do próprio YouTube com esses criadores (como o Youtube Black Brasil, realizado no mês de novembro por ocasião da celebração da Consciência Negra) e em relação a outros criadores; 2) sobre o conteúdo dos vídeos em relação a essas representações sócio-históricas produzidas sobre pessoas negras (sobretudo no audiovisual). Analiso, por ocasião dessa comunicação, sobretudo uma série de vídeos produzidos em 2017 por criadores negros em parceira com a plataforma por ocasião do já mencionado “Youtube Black Brasil”. Estes fazem parte de uma campanha chamada “Eu Sou” em que cada criador (dentre eles prioritariamente para nossa análise Nataly Néri, do “Afros & Afins”; Murilo Araujo, do “Muro Pequeno” e Gabi Oliveira, do “Canal DePretas”, alguns dos mais populares) narram suas trajetórias de entendimento enquanto pessoas negras e a experiência de criação dos “canais” (como são chamados os “programas” apresentados por cada criador). Fornecem, portanto, rico material para entendimento da questão
“Tudo Cariri! Tem Cariri pra danar aí”: Apreendendo narrativas da retomada étnica dos Kariri de Poço Dantas na cidade Crato-CE.
Autoria: Miscilane Costa Silva (UFCG - Universidade Federal de Campina Grande)
Autoria: O presente work tem por objetivo realizar um estudo acerca dos processos de retomada étnica vivenciados por um conjunto de famílias que se reconhecem como indígenas e grupo étnico dos Kariri e que residem em Sítio Poço Dantas, zona rural da cidade de Crato-Ceará, uma localidade pequena que abriga a uma média de 19 residências familiares. No ano de 2007 o grupo emerge como um dos mais recentes grupos nordestinos a se afirmarem como indígenas e a localidade em que residem ganha destaque nos meios de comunicação radiofônicos e impressos como lugar de morada do único grupo indígena da região do Cariri cearense aflorando a questão sobre a persistência da população indígena em uma região que, embora tenha herdado seu nome da etnia Kariri, Região do Cariri, a ideia da existência deste grupo étnico aparecia apenas como uma referência histórica de um passado sem presente. Ciente de que os processos de retomada étnica, vivenciados por diferentes grupos indígenas do estado do Ceará, tem se dado por meio de um movimento de articulação e subjetivação coletiva em que a experiência vivida, de constituição de identidades, está intimamente ligada a uma nova percepção dos sujeitos sobre si que é possibilitada pelos seus trânsitos e pela atuação de diversos atores que aparecem como mobilizadores e agenciadores desse processo, o que proponho é realizar, lançando luz de uma mirada etnográfica, uma investigação acerca desse processo de produção e experimentação de uma narrativa sobre si diante de um movimento que coloca em interação: suas vivências cotidianas, os habitantes de Poço Dantas com outros atores; a produção de documentos e relatos (cartas, laudos, pesquisas acadêmicas) que desempenham função performativa sobre a realidade kariri; a circulação de pessoas no território dos Kariri e, por conseguinte, de Kariris por outros lugares, como eventos acadêmico-universitários, encontros com outras etnias e reivindicação públicas.
A (des)construção identitária negra na universidade e a colonialidade: Reflexões a partir de uma etnografia junto a um coletivo negro
Autoria: João Paulo Siqueira de Araújo (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: Este work se interessa pela associação entre os feitos das políticas de ações afirmativas nas universidades brasileiras, a (des)construção de identidades raciais e a colonialidade. Passados 500 anos da invasão promovida por embarcações europeias, as Américas e o Brasil carregam diversos sintomas similares fruto desta história, dentre os quais destaca-se a desigualdade estrutural entre brancos e não-brancos, o que é conhecido como racismo. Nestes contextos, os traços fenotípicos associados à população negra ou indígena determinam, de forma significativa, a experiência subjetiva e material desses indivíduos na realidade social. Historicamente, as universidades atuaram enquanto instituições capazes de determinar quais saberes eram válidos e legítimos nos contextos coloniais. Por terem sido pensadas por e para brancos, os conhecimentos transmitidos pelas universidades faziam parte de uma cosmogonia ocidental, com ideais de homogeneização e universalização do saberes. Dessa forma, os conhecimentos que não iam ao encontro dessas concepções foram destruídos e demonizados juntamente com os sujeitos filiados aos mesmos. A essa negação e apagamento de formas específicas de conhecimento e existência, Grosfoguel (2016) chamou de epistemicídio. No entanto, contemporaneamente, percebemos a (re)existência desses grupos que foram escravizados e marginalizados durante toda a história do Brasil, inclusive nas universidades. Após a implementação das políticas de ações afirmativas houve um aumento significativo no número de alunos negros nas universidades. A pesquisa foi realizada na Universidade de Brasília com a adoção do método etnográfico em um coletivo negro acadêmico. Operamos com a técnica de observação participante e naturalística das reuniões, projetos e atividades. E enfatizamos a construção interpretativa e coletiva do conhecimento. Os significados gerados pelas interações entre os sujeitos nesses espaços aponta para a confirmação de que o ingresso na universidade e a atuação em um coletivo potencializa a racialização da auto percepção entre estudantes negros. O ingresso na universidade simboliza tanto uma conquista coletiva quanto individual, mas que também traz inquietações existenciais a respeito de si e de seus pares. Para muitos desses estudantes negros, entrar na universidade se mostrou um marco no processo de construção de identidade, principalmente, no que tange ao auto reconhecimento enquanto pessoas negras e do enfrentamento ao racismo. Os coletivos negros desempenham um papel fundamental neste movimento, uma vez que há identificação e acolhimento vivencial entre os membros, promoção de diálogos e estratégias de resistência. Práticas essas que retomam uma prática tradicional de resistência negra no Brasil, o aquilombamento.
Diáspora negra na Amazônia: a Rua dos Pretos, um quilombo urbano em Belém do Pará?
Autoria: Carlos Henrique Reis Santos (UFPA - Universidade Federal do Pará), Gabriela Galvão Braga Furtado Emerson Silva Caldas
Autoria: Os quilombos urbanos quanto categoria social buscam superar as desigualdades impostas pelo estado sem abandonar sua etnicidade, são grupos que lutam para pertencer a um povo e a uma história, buscando assim reconhecimento da sua identidade e protagonismo para ser os próprios agentes da construção das suas narrativas. Desta forma, o presente work se propõe a discutir sobre os traços culturais e sociais da Rua dos Pretos, localizado no bairro do Guamá - PA, onde há uma presença significativa de negros e negras que migraram do Maranhão para Belém, neste sentido o work busca analisar quais os traços de quilombo urbano e de re-existência desses moradores enquanto população negra da diáspora africana em Belém do Pará.
Trajetória de ocupação dos kiriri no sul de minas gerais e os direitos indígenas em disputa.
Autoria: Igor Bogado Campanella (UNIFAL-MG - Universidade Federal de Alfenas), Carmem Lúcia Rodrigues
Autoria: Este work é resultado de uma iniciação científica (IC) sendo realizada na Universidade Federal de Alfenas, articulada ao projeto de extensão "Coletivo Direitos Humanos, Cinema e Afetos", e busca investigar determinadas questões relacionadas a um grupo de indígenas da etnia Kiriri que se instalou há cerca de três anos no município de Caldas, no sul de Minas Gerais. Desde que os indígenas deslocaram-se da Bahia (Muquém de São Francisco) e ocuparam uma área que pertence ao estado de MG, propusemos algumas questões a serem investigadas a partir da etnografia: O que levou parte da etnia dos Kiriri a se deslocar 1400 km do noroeste da aldeia-mãe na Bahia até Caldas? Como se deu o histórico de ocupação do grupo no bairro rural do Rio Verde? Como o grupo enfrentou o processo de reintegração de posse que os expulsou do sítio, em 2018, e o que determinou a “volta” dos indígenas às terras que atualmente ocupam? De que forma é desenhada a rede de articulação constituída por instituições e indivíduos que os apoiam? Quais são as atuais demandas e estratégias dos Kiriri em Caldas para o fortalecimento de seus direitos culturais e territoriais, garantidos da Constituição Federal de 1988 bem como pela Convenção 169 da OIT, mas sob forte ameaça no Brasil atualmente? Essas questões vêm sendo investigadas, através de conversas informais, desde abril de 2019 e os vínculos estabelecidos entre os Kiriri e as(os) pesquisadores envolvidas(os) na IC resultou em um convite para a nossa participação na produção de um pequeno livro sobre a etnia a ser adotado na escola da aldeia. O work de campo previsto no cronograma original da pesquisa não pode ser realizado integralmente em função do início da pandemia do coronavírus, o que nos impôs uma série de desafios e resultou em adequações da pesquisa que merecem discussão neste GT.