GT 71. Questões ético-metodológicas em pesquisas com crianças

Coordenador(es): 
Emilene Leite de Sousa (UFMA - Universidade Federal do Maranhão)
Flávia Ferreira Pires (UFPB - Universidade Federal da Paraíba)

Sessão 2
Debatedor/a:
Maria do Socorro Rayol Amoras (UFPA - Universidade Federal do Pará)

Este GT visa reunir trabalhos que contribuam na reflexão sobre questões ético-metodológicas na pesquisa com crianças com o intuito de mapear e problematizar os desafios epistemológicos que enfrentamos. Selecionaremos propostas sobre o método etnográfico e os usos das técnicas tradicionais da antropologia como entrevistas, conversas informais e observação em pesquisas de campo com crianças, mas também o uso de técnicas como os desenhos, redações, gravadores, máquinas fotográficas e câmeras; métodos combinados, as crianças como co-investigadoras. Do ponto de vista ético, quais procedimentos éticos temos tomado e como lidamos com a singularidade de pesquisar sujeitos tutelados que não respondem legalmente pelos seus atos, mas que nem por isso deixam de ser entendidos enquanto sujeitos de direitos e pessoas/indivíduos plenos? Assim, através do debate sobre metodologia e ética, central para o conhecimento antropológico, objetivamos avançar o debate no campo da Antropologia, entendendo melhor a importância de pesquisas cuja ênfase esteja nos sentidos e na experiência desses sujeitos, - que ainda são pouco ouvidos pela antropologia mainstream. A importância deste GT é reforçada no atual cenário político, em um contexto de cortes de verbas e recursos para pesquisa. Os impactos serão inevitáveis, o que fortalece a importância de pensarmos nossas metodologias de pesquisa em tempos de crise. Aqui a pesquisa aparece como um ato de resistência e sua divulgação imperativa.

Palavras chave: Metodologia; Ética; Pesquisa com crianças.
Resumos submetidos
Antes, durante e depois: reflexões ético-metodológicas na pesquisa com bebês
Autoria: Ana Julia Lucht Rodrigues (Escola Parlenda), Ângela Scalabrin Coutinho
Autoria: O work apresentado é fruto de uma pesquisa com bebês realizada a partir de uma perspectiva interdisciplinar, conjugando pesquisas do campo dos Estudos da Infância e da Pedagogia. A investigação teve por objetivo narrar e analisar as interações dos bebês com a materialidade a fim de compreender o processo dinâmico e plural de construção do espaço da creche. Realizou-se uma pesquisa de caráter etnográfico, sustentada em recursos escritos, fotográficos e audiovisuais. Neste artigo, dá-se destaque aos percursos ético-metodológicos que atravessaram o processo de desenho, realização e divulgação dos resultados. No decorrer do estudo, o reconhecimento dos bebês como sujeitos de direitos e informantes competentes sobre seus mundos de vida implicou na contínua reflexão sobre a ética na pesquisa. O desafio de narrar a experiência dos bebês é atravessado por discussões acerca do processo de entrada em campo, do descentramento do papel geracional, da divulgação das imagens e dos nomes dos bebês, da criação de ferramentas para comunicação dos resultados aos sujeitos participantes da pesquisa, do assentimento como um processo contínuo no campo e dos desafios de narrar a experiência dos bebês por meio da linguagem escrita. O diálogo estabelecido entre conceitos-chave provenientes principalmente do campo da Antropologia e da Geografia deram sustentação para esta investigação e se apresentaram como delimitadores teóricos que permitiram o enfrentamento das questões metodológicas advindas de uma ética do encontro.
Construindo a metodologia com/para as crianças na comunidade do Serviluz (Fortaleza-CE)
Autoria: Deiziane Pinheiro Aguiar (UFC - Universidade Federal do Ceará)
Autoria: Objetivo discutir aqui as questões ética-metodológicas na pesquisa com crianças a partir de experiências etnográficas vivenciadas ao longo de seis anos numa favela de Fortaleza–CE/Brasil. Desde 2014, realizo pesquisas sobre as falas e percepções de meninas e meninos sobre violência e conflitos sociais na favela do Serviluz. Tais conflitualidades que emergiam, iam desde conflitos inflamados entre grupos armados e rivais da região, violência simbólica, casos de violência doméstica, até a perda de parentes e vizinhos por morte matada por variadas motivações. Durante esses anos, me utilizei de diferentes métodos e técnicas de pesquisa. A etnografia, a observação participante e as conversas informais com crianças entre 8 e 12 anos de idade formaram o pilar das minhas pesquisas durante três ciclos. Em 2014, durante o primeiro período de pesquisa, etnografei as crianças e suas relações interpessoais através das atividades desenvolvidas em um projeto social missionário. Conversas informais, cuidados e brincadeiras diversas durante atividades do projeto, rodas de conversa e desenhos livres e temáticos se tornaram a base para minha análise de dados posteriormente. Já de 2015 a 2016, eu estava dentro das casas das crianças conversando com elas sobre a perda de entes e vizinhos marcados para morrer. As conversações informais, brincadeiras escolhidas por elas e, às vezes, por mim, desenhos surgindo em meio essas brincadeiras, foram essenciais nesse segundo ciclo. Nesse momento, as crianças se tornando ainda mais importantes na construção metodológica dessa etnografia, afinal, eram elas que ditavam todas as regras para a pesquisadora. No terceiro ciclo, de 2018 até agora, continuo nas casas das famílias da mesma comunidade, mas escutando e conversando sobre as chacinas ocorridas na favela, as memórias, as dores e emoções de perder um parente chacinado. As brincadeiras, conversações informais e entrevistas em profundidade guiada por roteiro tecem o meu fazer-metodológico com/para as crianças. Compreender as crianças como agentes ativos e potentes na sociedade, escutá-las, brincar com elas, seja na rua, no projeto social, na praia ou nas suas casas sempre foi um grande desafio ético-metodológico. Estabelecer uma relação de confiança com as crianças, mas principalmente, com os adultos sempre constitui aspecto fundamental. Afinal, para que eu pudesse chegar até as crianças em precisaria passar pelo crivo de confiabilidade das pessoas responsáveis por elas. Escutar, entender e compreender quais técnicas metodológicas utilizar nas pesquisas, escutá-las com cuidado diante de assuntos tão delicados e sensíveis e reconhecer meus próprios limites diante da dor e sofrimento dos meus interlocutores foi um aprendizado longo e que ainda se acomoda durante o meu atual work.
Desafios ético-metodológicos de investigação com e sobre crianças em uma ocupação urbana
Autoria: Luciana Maciel Bizzotto (UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais), Maria Cristina Soares de Gouvea
Autoria: Este work resulta de uma pesquisa de doutorado em andamento no campo dos Estudos da Infância, com o objetivo de apreender o universo da criança em uma ocupação urbana periférica no município de Belo Horizonte (MG). Até a interrupção do campo devido à pandemia, foram realizadas visitas à ocupação durante 6 meses, totalizando mais de 40 encontros presenciais juntamente a um grupo de 15 crianças, de 02 a 14 anos de idade. Dentre os métodos experimentados, estão: observação participante, acompanhamento do trajeto de crianças até a escola, realização de oficinas de fotografias e desenhos, e passeio a museus. Serão apresentados aspectos referentes aos desafios ético-metodológicos da realização de pesquisa com crianças, em especial, aqueles que se devem ao fato de se tratar de um contexto (i) não institucionalizado e (ii) de luta pela moradia. Em um cenário de autoconstrução, no chão de terra batida que limita a passagem e a velocidade dos carros, entre assembleias e eventos comunitários que evocam a festa ao mesmo tempo em que tratam de assuntos estratégicos, como o acesso à água, as crianças das ocupações vivem uma infância diferenciada das demais realidades periféricas. Isso se reflete na relação dos sujeitos adultos que protagonizam a resistência junto com as infâncias que ali habitam, o que se expressa na motivação em garantir uma vida melhor para filhos e filhas, na alegria da presença da brincadeira no cotidiano infantil, ou no desejo de transformação social e construção de um lugar melhor para as crianças desfrutarem. Dado o contexto de escassez de pesquisas com e sobre crianças de ocupações urbanas no Brasil, assume-se uma investigação que possa contribuir com os estudos do campo. Contudo, trazer à tona os sujeitos protagonistas dessa importante forma de resistência urbana no atual cenário nacional carrega consigo uma série de desafios ético-metodológicos. Como construir uma relação ética enquanto pesquisadora junto às famílias, lideranças locais e movimento social, em um contexto desgastado pela presença massiva da Universidade? Como lidar com a desigualdade social que se impõe em um contexto de precariedade? Como desenhar um projeto de pesquisa com e sobre crianças em um cenário instável em que não é possível garantir a sua presença e interesse? Esses são alguns dos questionamentos que se colocaram ao longo da pesquisa. Soma-se a estes, aqueles que se apresentam com a atual crise sanitária internacional: como prosseguir com a pesquisa diante dos desafios à sobrevivência das famílias participantes da pesquisa impostos pela pandemia e da necessidade do isolamento social? Em um cenário de desmonte de direitos e políticas públicas, qual o papel ético das pesquisas com crianças, em especial, de contextos de maior exclusão e invisibilidade social?
Do cárcere à comunidade: convergências e distinções éticas metodológicas no estudo com crianças em contextos sociais diversos
Autoria: Christina Gladys de Mingareli Nogueira (UFPB - Universidade Federal da Paraíba), Núbia Guedes de Barros Ferreira
Autoria: O work propõe realizar discussões ético-metodológicas a partir de duas experiências etnográficas em campos diversos, num estudo com e sobre crianças encarceradas no presidio feminino de João Pessoa-PB e num estudo de antropologia urbana que incluiu crianças para observar o fenômeno social da comunidade Caranguejo Tabaiares em Recife-PE. Embora apresentemos campos diversos investigados, propomo-nos traçar uma discussão buscando aproximações e distanciamentos sobre questões éticas e metodológicas inerentes às pesquisas, correlacionando-as com as teorias antropossociológicas, também com dados etnográficos dessas realidades sociais pesquisadas. No contexto de recorte técnico-metodológico, problematizaremos as escolhas dos recursos utilizados nas pesquisas mencionadas com reflexões éticas peculiares ao tema e realidade social específica dos campos estudados. Enfatizaremos a ânsia de representação desses grupos alijados de invisibilidade social como um contradom pela participação da pesquisa, correlacionando-as ao uso de algumas técnicas-metodológicas utilizadas, tais como: fotografias e conversas informais. Abordaremos as diferenças sobre o uso da imagem dos interlocutores desses campos de pesquisa, sobretudo, pelas diferenças pautadas em escolhas distintas de recursos metodológicos com observância às questões de ordem ética. Pontuaremos as técnicas comuns utilizadas nessas constelações particulares, nesses universos de pesquisa de realidades sociais distintas, que evocaram dados etnográficos para análise desses fenômenos sociais. Faremos, ainda, pontuações sobre a forma de como as pesquisadoras foram observadas nos seus campos de pesquisa, correlacionando-as com o uso de técnicas-metodológicas escolhidas. Faremos observações de como os materiais utilizados na pesquisa foram ressignificados como forma de agenciamentos de cada grupo distinto estudado, ressaltando, a participação da criança no evento dessas agências. No tocante ao desenho, abordaremos as impressões emergidas das suas imagens, priorizando a explicação dada pela própria criança. Referente ao segundo work etnográfico, por se tratar de uma prisão, teve um percurso marcado pelos meandros burocráticos, prática oculta de óbice à pesquisa, mas que fez resultar estratégias, sendo explorado “o lado de fora”. Abordaremos as dificuldades de cada campo pesquisado e estratégias utilizadas para dar impulso aos works. Em relação à etnografia na prisão feminina, os materiais de pesquisas foram “cobiçados”, revelando a capacidade de agenciamento das crianças. Nesse contexto, a partir das formas que as crianças, em ambos works etnográficos apresentados, deram outras formas de leituras aos recursos metodológicos, ressignificando-os em contextos diversos, revelando-se como agentes sociais.
Entre a casa e a escola, a cidade: o “andar junto” como estratégia de pesquisa com crianças
Autoria: Leticia de Luna Freire (UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Autoria: Este work consiste em um recorte de um projeto de pesquisa realizado com crianças de um condomínio popular na Zona Norte do Rio de Janeiro - removidas, em sua maioria, da favela Metrô-Mangueira - que visava analisar os impactos do deslocamento residencial forçado sobre a experiência escolar e citadina destas crianças. Ao longo da pesquisa, vimos que se tratava de um contexto no qual a educação escolar, junto com o local de moradia, era o principal marcador da presença das crianças no espaço público. Nesse sentido, a forma como estas crianças vivenciam a cidade é fortemente marcada pelo seu deslocamento entre a casa e a escola. Inspirados no livro “Como as crianças veem a cidade?” (Vogel, Vogel & Leitão, 1995) e em tantos outros works a respeito da relação entre infância e cidade (Müller & Nunes, 2014; Castro, 2004; Debortli et ali, 2008), realizamos duas atividades com o intuito de compreender a circulação e a relação destas crianças com o espaço urbano. Em um primeiro momento, realizamos uma oficina com dez crianças, na qual elas pudessem expressar, através de recursos lúdicos, o seu trajeto diário entre a casa e a escola. Considerando a importância do andar na observação e compreensão do espaço urbano, propomos, em um momento seguinte, acompanhar a trajetória de duas crianças de suas residências até as escolas onde estudam. Para tanto, inspiramo-nos nas contribuições de Certeau (2008), Jolé (2000), Vogel & Mello (2017) e Müller (2018), mas também no método dos “percursos comentados”, proposto por Thibaut (2008) para aceder à experiência sensível do caminhante através do andar, do perceber e do descrever. Partindo do diálogo entre a Antropologia da Criança e a Antropologia Urbana, compartilhamos, neste work, esta experiência com o objetivo de refletir sobre os limites e as possibilidades revelados por estas estratégias metodológicas, assim como os desafios éticos por elas suscitados. A partir das análises em curso, apontamos que, assim como a casa e a escola, a cidade também é um lugar significativo de socialização e aprendizagem e defendemos que andar com as crianças no espaço urbano pode ser uma potente ferramenta da pesquisa antropológica, contribuindo para incluí-las, cada vez mais, como sujeitos qualificados nos debates sobre planejamento urbano e gestão das cidades.
Etnografia nos estudos das infâncias: contribuições ao debate epistemológico, teórico e metodológico
Autoria: Patrícia Simões (FUNDAJ), Douglas Vasconcelos Barbosa Milene Morais Ferreira
Autoria: A perspectiva etnográfica vem sendo amplamente utilizada nos estudos das infâncias pelas possibilidades que oferece de aproximação da criança, de suas interações e de suas práticas culturais, seja no campo educacional, na sociologia, geografia ou na antropologia. O presente texto teve como objetivo discutir as contribuições dessa perspectiva ao debate epistemológico, teórico e metodológico. No âmbito da epistemologia, os estudos das infâncias propõem um movimento de ruptura com as abordagens clássicas das ciências das infâncias que partem de visões biologizantes, essencialistas e universais da criança. O campo interdisciplinar dos estudos das infâncias, por outro lado, compreende a infância situada, ou seja, enquanto categoria de análise construída num tempo histórico, num território, numa dada cultura e sociedade. Sendo assim, a etnografia, pela sua sensibilidade às singularidades e diferenças que constituem as infâncias, revela uma coerência com as epistemologias dos estudos das infâncias. Nesse mesmo sentido, o debate teórico nesse campo também encontra na etnografia a possibilidade de compreensão das realidades infantis além das visões adultocêntricas e das orientações normativas da sociedade, numa abordagem em que a criança tem agência e portanto, é um sujeito construtor de culturas, conhecimentos e do seu próprio desenvolvimento. A etnografia privilegia a capacidade da criança de reinterpretar as realidades, produzindo sentidos e significados. Por fim, enquanto metodologia de pesquisa social, a etnografia nos estudos das infâncias sustenta-se na produção de registros das interações sociais que se baseia no princípio da simetria ética com os adultos, de forma que busca ouvir a voz das crianças que foram silenciadas pela cultura adultocêntrica e se aproximar do olhar da criança sobre o mundo adulto. Sendo assim, a pesquisadora ou o pesquisador participa da pesquisa com a criança, num movimento de aproximação e de construção de conhecimentos. O diálogo proporcionado pela experiência etnográfica na pesquisa das infâncias modifica todos os envolvidos na situação, pesquisadoras, pesquisadores e crianças modificam-se mutuamente, num processo não linear, mas dialético de contrução de novos saberes.
Impasses ético-metodológicos em pesquisas com crianças institucionalizadas
Autoria: Jessica de Sousa Lima (UFMA - Universidade Federal do Maranhão), EMILENE LEITE DE SOUSA
Autoria: O mote desta pesquisa é a experiência com a infância vivenciada numa instituição de acolhimento infantil na cidade de Imperatriz: a Casa da Criança. Neste artigo, a nossa análise focará no itinerário metodológico percorrido nesta investigação sobre e com crianças institucionalizadas. Assim, avaliaremos técnicas e instrumentos tradicionalmente utilizados no empreendimento etnográfico em suas limitações éticas, como as fotografias e desenhos. Nós nos deteremos às questões burocráticas e éticas da pesquisa, em seus impasses e entraves no caso de pesquisa com crianças institucionalizadas. Neste percurso de realização da pesquisa, destacamos algumas ações a serem analisadas, tais como a elaboração de requerimento direcionado ao juízo da Vara da Infância e Juventude da comarca de Imperatriz; autorização do magistrado mediante cláusula de sigilo da identidade das crianças; assinatura da pesquisadora concordando com os termos estipulados, dentre eles: preservação dos nomes, rostos – em desenhos e fotografias - e histórias de vida das crianças. Ora, em tempos de reconhecimento das crianças como co-autoras do texto etnográfico, como omitir nomes e rostos? Como expor desenhos sem suas autorias? Este artigo se dedicará a estas e outras questões ético-metodológicas de pesquisa com crianças institucionalizadas.
No balanço das crianças: o cortejo metodológico guiado e aprendido com as crianças
Autoria: Karla Jeniffer Rodrigues de Mendonça (PREFEITURA MUNICIPAL DE JOAO PESSOA)
Autoria: Esta comunicação reflete o caminho metodológico guiado e (des) construído com/pelas crianças no processo de pesquisa engajado na Escola Viva Olho do Tempo, espaço institucional não-formal, na área rural da cidade de João Pessoa-PB. A pesquisa realizada no mestrado em sociologia (2018), teve como objetivo refletir os processos de aprendizagem das crianças na prática com o batuque (percussão) do grupo Tambores do Tempo, regido por um educador. Desse modo, essa exposição discute o encontro metodológico da observação participante com as crianças enquanto educativa, sensitiva, imaginativa e que se aprende na prática. O cortejo nascido dos movimentos performáticos do batuque que as crianças produziam com seus instrumentos, se tornou o balanço que guiou a metodologia dessa pesquisa ao envolver a pesquisadora na prática dos seus tempos, ritmos e criações. Entrar na dança, aprender as músicas cantadas, procurar entender como se toca os instrumentos e entre outras experiências cotidianas de interesse das crianças, foram experiências que agitaram e ritmaram os dados, (re) orientando a minha posição enquanto pesquisadora, desde a tímida imersão no campo, até o reencontro para o retorno sobre o work finalizado para elas e para os educadores na instituição. Assim, na percepção dos seus modos de participação e na vulnerabilidade aos seus convites, foi possível emergir as atenções aos modos de como aprendiam a batucar e como floresciam as relações enredadas nesse processo. Por fim, essa apresentação destaca como em seus fazeres, ao considerar um contexto criativo, as crianças podem entoar as relações com a pesquisadora de modo transformador, principalmente na inversão do poder de como se planeja e se encaminha a investigação. Pretende-se com essa exposição contribuir com a compreensão das crianças como observadoras perspicazes e colaboradoras no processo metodológico da observação participante durante a pesquisa, em seus saberes, tempos, improvisos e desejos.
Participação política de crianças: questões ético-metodológicas em tempos obscuros
Autoria: Fábio Accardo de Freitas (nenhuma), Maria Cristina Soares de Gouvea
Autoria: O presente texto tem como objetivo refletir sobre as questões ético-metodológicas implicadas na pesquisa em andamento sobre a participação política de crianças em um movimento social brasileiro. A pesquisa de doutorado tem como sujeitos as crianças que fazem parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, e tem como espaço e tempo de observação as dimensões dos eventos públicos, os Encontros Sem Terrinha, e das relações cotidianas nos acampamentos e assentamentos. Como ponto de partida fomos provocados por Manfred Liebel (2012) a pensar a participação a partir de baixo (participation from below), não partindo as análises dos conceitos abstratos, mas da observação das experiências concretas de participação infantil. Essa perspectiva tem colocado o desafio de apresentar os dados de campo buscando compreender as percepções e significados construídos pelas crianças sobre sua participação enquanto membros de um movimento social. Nesse sentido, o work etnográfico não se pautou somente pela observação do pesquisador do evento principal, o Encontro Nacional das Crianças Sem Terrinha, ocorrido em Brasília em julho de 2018, mas também num período de imersão e o acompanhamento de atividades regulares com as crianças em um acampamento. Espaços e tempos em que a presença do pesquisador possibilitou a aproximação e convivência com as crianças, onde as conversas informais e as observações de campo puderam se articular. Além disso, realizamos entrevistas semiestruturadas com onze crianças (oito meninas e três meninos), entre acampadas e assentadas, que estiveram presentes no Encontro Nacional Sem Terrinha. Tanto as observações de campo, quanto as conversas informais, como as entrevistas, apresentam a preocupação de compreender os sentidos e experiências das crianças, e de que maneira suas percepções constituem significados e práticas que podem questionar os conceitos e nos colocar desafios epistemológicos para se pensar a participação das crianças na vida social, a partir da experiência de infância de crianças em movimentos sociais. A pesquisa levanta questões ético-metodológicas desde a implicação do próprio pesquisador como educador e apoiador do movimento social, evidenciando as problemáticas da neutralidade científica e do distanciamento entre observador e a realidade observada; ao mesmo tempo em que é atravessa pelo contexto sociopolítico com impactos diretos nos sujeitos pesquisados, o que exige, como nos alerta Paulo Freire (1996), uma responsabilidade ética e uma rigorosidade científica atenta em tempos tão obscuros.
Pesquisa com crianças em contextos escolares: Reflexões de duas pesquisadoras sobre dilemas éticos no fazer etnográfico.
Autoria: Mohana Ellen Brito Morais Cavalcante (PPGS/UFPB), Patrícia Oliveira S. dos Santos – Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)
Autoria: O espaço escolar foi e continua sendo bastante explorado nas pesquisas com crianças, seja pela natureza do lugar, seja pela dinâmica do espaço que propicia uma aproximação efetiva das crianças. O fato é que ouvir as crianças e pesquisar em um ambiente no qual tanto o pesquisador quanto as crianças estão submetidas à constante vigilância e a regras de conduta, implica ao pesquisador alguns dilemas frente ao fazer etnográfico. A partir de duas experiências distintas de pesquisas com crianças, buscamos problematizar alguns dilemas éticos vivenciados por duas pesquisadoras da infância em contextos escolares. Objetivamos, sobretudo, problematizar o papel do pesquisador que trabalha com crianças em contextos escolares, as desconfianças que as autoridades da instituição lançam sobre ele, sobre sua postura e o método utilizado (desenhos, brincadeiras e observação participante), fazendo com que a pesquisa seja vista pelo corpo escolar, em algumas situações, mais como uma fiscalização educacional do que um interesse específico no que as crianças têm a dizer. Consideramos que na medida em que se desconfia do pesquisador, de alguma forma também se nega a agência da criança. Tomamos por base duas pesquisas com crianças em contexto escolares, uma na cidade de João Pessoa (PB) e outra na zona rural do pequeno município de Orobó (PE). A fundamentação teórica que guia esse work está relacionada aos Estudos Sociais da Infância que objetiva reconhecer e discutir a importância do protagonismo das crianças como sujeitos de/na pesquisa.
Protagonismo infantil na pesquisa: como as crianças podem nos ensinar a fazer pesquisa com elas
Autoria: Luciana Hartmann (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: Esta comunicação pretende compartilhar e debater os diversos recursos metodológicos utilizados no projeto “Crianças protagonistas: artes cênicas e diversidade cultural na escola”, que vem promovendo pesquisas empíricas sobre o protagonismo das crianças em processos artístico-pedagógicos, em diversos contextos culturais. O gérmen desta pesquisa foi despertado em 2013, numa experiência de “etnografia propositiva” com estudantes de 5º. Ano, em uma escola na periferia de Brasília-Brasil. Teve sequência, em 2014, durante a pesquisa de pós-doutoramento, com o projeto “Pequenos Narradores”, realizado em duas escolas públicas francesas, que visava a escuta e a produção de narrativas de crianças imigrantes. Desde 2015 o projeto passou a contar com uma equipe formada por estudantes dos Cursos de Licenciatura em Teatro e em Antropologia, com foco no protagonismo das crianças em processos artístico-pedagógicos (vídeos, teatro, performance, contação de histórias, etc.). A partir de 2017 passamos a desenvolver o Ateliê do Brincar, com crianças de 5 a 10 anos, em escolas públicas do Distrito Federal e na própria Universidade de Brasília. Ao longo de todos esses processos, as crianças atuam como parceiras nos processos reflexivos e de criação. Buscamos desenvolver “pedagogias performativas” (PINEAU, 2010; ICLE e BONATTO, 2017) que possibilitem vivenciar exercícios corporificados, compartilhados, de reflexão e compreensão dos lugares ocupados pelas crianças em nossa sociedade. Em 2019 iniciou-se uma nova etapa, na qual a etnografia propositiva seria realizada em parceria com crianças imigrantes em escolas públicas portuguesas. No entanto, o fechamento das escolas em decorrência da pandemia de Covid 19 impossibilitou a continuidade da pesquisa. Inquietada com a situação, em junho de 2020 propus um questionário online direcionado a crianças de 06 a 12 anos de idade, elaborado com o auxílio de várias crianças, com o objetivo de conhecer a percepção desses sujeitos sobre o isolamento social e sobre a própria pandemia. Até o momento o questionário já conta com mais de cem respostas. A proposta da comunicação, assim, é provocar uma reflexão conjunta, com as colegas do GT, sobre as diversas possibilidades, contingências e demandas metodológicas que permeiam as pesquisas com crianças.
Relações dialógicas e a ética na pesquisa com crianças em comunidades ao sul de Moçambique: encontros da etnografia e o fazer sensível
Autoria: Marina Di Napoli Pastore (spdm)
Autoria: A pesquisa com crianças requer cuidados e atenção dos pesquisadores, principalmente quanto ao processo e ao fazer etnográfico. Fazer pesquisas com crianças é compreender seu entorno, suas culturas e realidades com as quais convivem e estão inseridas, em diálogos constantes com seus contextos. Com esta observação, esse resumo apresenta alguns apontamentos sobre as questões éticas e metodológicas de uma pesquisa de Doutorado sobre o brincar e a pluralidade de infâncias e crianças desde o sul de Moçambique, realizado em três comunidades diferentes no país. Ao compreender que a etnografia é teoria e método do encontro, em que a dialogia é sustentada com os outros, no caso as crianças e seus entornos, o objetivo do texto é pensar e trazer para o cerne da discussão as evidências e particularidades da observação participante de longo período, os vínculos e parcerias durante os anos, a participação das crianças e a inserção da pesquisadora nas comunidades em que o estudo de campo ocorreu, bem como os desafios que emergem na prática etnográfica, em que as relações éticas são pautadas pelos momentos de trocas. Ressalta-se a relevância de discutir questões éticas que envolvem as relações de poder entre a pesquisadora (estrangeira) e as crianças; a invisibilidade das crianças moçambicanas num contexto global frente às pesquisas; questionamentos quanto à autoria e condução da pesquisa; relações entre consentimento e participação efetiva; trocas entre culturas e relações entre seres humanos e não-humanos, bem como a condução da análise dos dados e a produção final. Como conclusão, o texto amplia o debate para a situação atual, na qual a pesquisa com crianças é ainda desafio e, com o agravante da pandemia do Covid-19, outras questões são colocadas em xeque na pesquisa etnográfica com as crianças ao sul de Moçambique.
Retratos de pesquisa: bebês e livros em uma creche filantrópico-comunitária do Rio de Janeiro
Autoria: Nazareth Salutto (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Autoria: a proposta apresenta resultado de pesquisa de doutorado que investigou especificidades da interação dos bebês com livros de literatura infantil, observando de que modo a interface com esse objeto constitui uma gestualidade própria do bebê no seu processo de imersão na cultura. O lócus da pesquisa foi uma creche filantrópico-conveniada, situada em uma grande favela da cidade do Rio de Janeiro. Num primeiro momento, antes de se debruçar nos bebês com os livros, a pesquisa se dedicou a olhar para os bebês. Para tanto, constrói quatro categorias para observação interessada de seus movimentos exploratórios, intensos, investigativos: relação, sutileza, reciprocidade e vínculo. Em seguida, reunindo perspectivas e apontamentos sobre ser bebê, a pesquisa se volta para o livro de literatura como potente – por vezes sacralizado – artefato da cultura. Reunindo dimensões humanas e materiais, indaga: O que se pode aprender, inferir, ao mapear itinerários que observam corpo, ações e gestos dos bebês? Quais são as faces possíveis do encontro entre/com bebês e livros? A pesquisa fundamentou-se nos Estudos da Educação e da Infância, Antropologia, Antropologia Filosófica, Psicanálise e Literatura, articulando áreas de conhecimento que tornassem possível discutir aspectos dos processos de subjetividade da constituição dos modos de ser bebê a aspectos da cultura – neste caso, a materialidade própria do livro, entre outros aspectos – do qual os bebês, desde que nascem, passam a fazer parte num intenso processo de imersão, aprendizado, conhecimento. Considerando a complexidade que envolve pesquisa em Ciências Humanas, a ética fundamental que deve ser estabelecida entre todos aqueles que participam das investigações, as estratégias metodológicas envolveram: observação participante, registro escrito e fotográfico, cenários literários. Os resultados da pesquisa revelam que bebês são pessoas de relação, que se engajam com tenacidade em suas descobertas. No encontro com os livros, a partir de intensa dinâmica que envolve corpo, gestos, ritmo, voz, subvertendo orientações pré-estabelecidas como sentar em roda para escutar história, têm interesses e projetos próprios que, em cumplicidade operante com os adultos e outras crianças de mais idade, descobrem formas de pertencer e participar.
Gente que gosta de gente: Um estudo etnográfico com profissionais do sistema único de assistência social de São Miguel do Iguaçu-PR.
Autoria: Robson Eduardo Gibim (UNILA - Universidade Federal da Integração Latino-Americana), Prof. Dra. Senilde Alcântara Guanaes Prof. Dra. Regina Coeli Machado e Silva.
Autoria: Este é um projeto de pesquisa para o work de conclusão de curso em Antropologia – Diversidade Cultural Latino-Americana na Universidade Federal da Integração Latino- Americana (UNILA). Visa estudarmos as práticas, discursos e procedimentos dos profissionais da rede SUAS – Sistema Único de Assistência Social em casos de afastamento de crianças e adolescentes de seu convívio familiar, especialmente das indígenas da aldeia Avá Guarani, em São Miguel do Iguaçu, no estado do Paraná, no Brasil. A etnografia busca jogar luz aos casos de acolhimento institucional tutelados pelo Estado e o referencial teórico foucaultiano ou pós-foucaultiano é o que utilizarei para compreender os sistemas simbólicos de normas e valores mobilizados no quadro das experiências e discursividades destes profissionais.
Nas encruzilhadas do lúdico: desafios metodológicos da pesquisa com crianças candomblecistas.
Autoria: Mariah Francisco Moreira (UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Autoria: A partir da indagação sobre a criança ser ou não considerada um objeto legítimo e central para a pesquisa antropológica, algumas questões teórico-metodológicas afloram. Tais como as abordagens de campos e sujeitos, a fim de se discutir impasses, principalmente sobre a legitimidade da narrativa infantil. Da experimentação do sagrado vivenciada por duas “filhas de santo” de candomblé, tanto em seu “barracão”, como na vida cotidiana, busco compreender dilemas ético-metodológicos da pesquisa com crianças, conjugados às negociações de suas agências. Para tal, realizei observações e entrevistas qualitativas abertas de roteiro semiestruturado com duas crianças, a “Iyarobá Sarah de Yemonja” (11) e com a “Fomotinha D’ Airá Yasmin” (7) em seu “Ilê”, localizado na cidade do Rio de Janeiro, no Bairro da Praça Seca (Zona Oeste), cujo nome será ocultado como estratégia para preservação das respectivas crianças e de seu ambiente sagrado. Aqui, os nomes iniciáticos escolhidos pelas crianças configuram tanto um anonimato ético para a pesquisa em si, como realizam também um movimento contrário, tornando possível a evidenciação da criança enquanto sujeito religioso, pertencente a um determinado lugar permeado por vastas dimensões socioculturais. Ademais, o que pretendo aqui, também, é discutir sobre como elementos (I) orais, (II) materiais e (III) artísticos são componentes importantes na manifestação da voz do sujeito infantil, por vezes desvanecida pela repreensão do “lúdico” atrelado às suas construções de mundo. A mescla do “lúdico” com o “real” deve ser vista como fonte de riqueza inestimável para investigações nas áreas das humanidades, pois diversos fragmentos de aspectos mentais e emocionais são palpáveis e atravessam instituições, basta analisar as alteridades de quem experimenta o viver desta forma.