GT 62. Novos conservadorismos, populismos e liberalismos: perspectivas etnográficas

Coordenador(es):
Leticia Maria Costa da Nobrega Cesarino (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina)
Piero de Camargo Leirner (UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos)

A presente década tem sido marcada pela ascensão de lideranças políticas representando a chamada extrema ou nova direita, alt-right, entre outras denominações. É o caso de Donald Trump, nos Estados Unidos, e de Jair Bolsonaro, no Brasil. Esses atores têm realizado investidas no debate público, intensificando controvérsias e desafiando noções e categorias já canonizadas na epistemologia científica, política, social, filosófica e econômica, tais como “direitos” e “democracia”. Na literatura antropológica e de áreas afins, assim como na esfera pública mais ampla, esses processos têm sido abordados através das chaves analíticas dos "novos" conservadorismos, populismos e liberalismos, em autores como Jean e John Comaroff, Loic Wacquant, Wendy Brown, Melinda Cooper, Philip Mirowski, Ernesto Laclau, Chantal Mouffe, Judith Butler, Veena Das, Achille Mbembe, Bruno Latour, Nancy Fraser. O GT pretende oferecer um fórum para discussão de pesquisas antropológicas que vêm abordando essa constelação a partir de múltiplos ângulos, incluindo, mas não se limitando a: novas direitas, bolsonarismo, lavajatismo, cultura neoliberal, intervencionismo militar, terraplanismo, comunicação e mídias digitais, movimentos sociais, novas formas de ativismos, conservadorismo religioso, fake news e pós-verdade. Procuramos preferencialmente trabalhos de cunho etnográfico realizados no Brasil, ou em perspectiva comparada, mas consideraremos também pesquisas de outras ordens, e realizadas em outros países.

Palavras chave: conservadorismo; populismo; neoliberalismo
Resumos submetidos
"Conquistar Corações e Mentes": Operações Psicológicas como forma de Governo de Populações
Autoria: Vinícius Rodrigues Gonçalves (UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Autoria: Desde a Primeira Grande Guerra Mundial, com a criação nos Estados Unidos da América do Committe on Public Information (CPI), o uso da propaganda como arma de guerra tem recebido crescentes investimentos. No caso estadunidense, dois momentos representam pontos de virada, e merecem ser destacados: 1) a Guerra do Vietnã (1955-1975), momento em que as Forças Armadas estadunidenses percebem que a supremacia militar não garante a vitória política; 2) e a Guerra do Golfo (1990-1991), que consagrou o assim chamado "Efeito CNN", com a transmissão ao vivo de embates no Iraque como definidora das possibilidades de ação das tropas da coalizão liderada pelos Estados Unidos da América. Diferentemente do contexto estadunidense, que desde 1948 proíbe a utilização de propaganda direcionado à sua própria população (Smith-Mundt Act), no Brasil não há normatização acerca das "Operações de Informação", o que permite o engajamento dos militares na tentativa de influenciar a opinião pública em prol de seus interesses. Assim, não apenas nas operações em território nacional (como as operações Arcanjo e São Francisco, respectivamente entre 2010 e 2012 no Alemão e na Penha, e entre 2014 e 2015 na Maré), como também nos períodos em que as tropas não estão sendo empregadas, os militares lançam mão de técnicas que combinam elementos principalmente da Psicologia e do Marketing, a fim de obter ganhos políticos. Exemplo desse segundo caso, foi o engajamento de diversos setores das Forças Armadas na campanha de Jair Messias Bolsonaro à Presidência da República. Principalmente a oficialidade do Exército Brasileiro - instituição de origem de Bolsonaro, historicamente protagonista de intervenções na política nacional -, participou ativamente da difusão de memes e outros produtos baseados em técnicas de Operações Psicológicas como o endemoniamento, o ataque pessoal, a polarização, dentre outros preconizados no Manual de Campanha C 45-4 (Operações Psicológicas). Uma vez ganha a eleição, esses produtos continuam a ser distribuídos nas redes sociais dos militares, e em diversos momentos constituem o cerne da comunicação empreendida pelo próprio Presidente, e também por seus filhos, tendo como alvos categorias de inimigos genericamente definidos (como o "marxismo cultural", a "ideologia de gênero", a "ditadura gayzista", dentre outros). É essa utilização política das técnicas militares de Opsico em larga escala, enquanto tecnologias de governo de populações, que esse artigo pretende analisar.
A Extrema DIreita vai ao Congresso Nacional - primeiras notas de uma investigação sobre a presença de grupos de pressão conservadores no Congresso Nacional
Autoria: Tiago de Aragão Silva (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: Este artigo apresenta as primeiras reflexões advindas da pesquisa de doutorado acerca da presença do neoconservadorismo/extrema direita no Congresso Nacional na atual legislatura, tendo nesse artigo dois eixos-guias para essa construção: i) a atuação de grupos de pressão conservadores em torno de temas relacionados às pautas de valores e costumes e a tramitação de projetos de interesse do Governo Bolsonarista, com destaque para a votação dos vetos presidenciais e projetos sobre emenda impositiva; e ii) etnografar a performance parlamentar de Eduardo Bolsonaro e a construção de uma imagem da direita bolsonarista. Eduardo Bolsonaro tem se destacado nessa legislatura como o principal parlamentar desse bloco da extrema-dreita, tendo protagonismo na produção de um repertório de atuação que influencia parlamentares e ativistas conservadores/bolsonaristas. Essa investigação tem privilegiado a Câmara dos Deputados como ponto de partida para a compreensão desses fluxos e desses “contextos dinâmicos de experiências vividas” (Teixeira, 2014), seguindo/analisando um entremeado de ações e disputas em torno dessas discussões e das tramitações desses projetos de lei. Os acontecimentos relacionados às tramitações de proposições concentram-se nos espaços legislativos, no entanto, assim como suas ações, resta à pesquisa acompanhar a concatenação de ações que repercute em outros espaços e esferas do Estado, organizações da Sociedade Civil Organizada, imprensa e redes sociais.
A Insurgência Militar Brasileira
Autoria: Piero de Camargo Leirner (UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos)
Autoria: Desde 2013 o Brasil passou por vários momentos de turbulência política, que de maneira geral culminaram com a tomada do poder pela extrema direita. A falta de clareza sobre como este movimento foi protagonizado, e o papel que os militares tiveram no jogo político abriu a possibilidade para se pensar se o Brasil não teria sido alvo de uma “guerra híbrida” – a exemplo do que viveram vários outros países que passaram por mudanças de regime repentinas. Pretende-se aqui ver os limites e desdobramentos da noção de guerra híbrida para o caso brasileiro, buscando entender sobretudo como a política passou a se fundir com elementos que se vê em uso em estratégias e táticas militares. A partir de minha própria experiência etnográfica com militares, buscarei mostrar como eles produziram uma “operação psicológica” de grande impacto para pavimentar um caminho para as eleições de 2018 e sua tomada de poder, com o auxílio de outros poderes do Estado. Nesse sentido, nossa hipótese é que no caso brasileiro, além de uma “guerra híbrida”, houve uma “insurgência” de setores estatais.
A mamadeira erótica dos outros: evangélicos, bolsonarismo e a Antropologia das fakenews como uma Antropologia da Ética.
Autoria: Cleonardo Gil de Barros Mauricio Junior (UFPE - Universidade Federal de Pernambuco)
Autoria: No contexto do que tem sido chamado de pós-verdade, este work tenta estabelecer algumas diretrizes para uma abordagem antropológica das fakenews e do populismo de direita, tendo como pano de fundo a polarização entre sujeitos religiosos-conservadores e seculares-progressistas no corrente cenário político brasileiro. Durante a disputa na última eleição para presidente do Brasil, a campanha do então candidato pelo PSL, Jair Bolsonaro, vitorioso no pleito, ficou marcada pela disseminação de fakenews através, principalmente, do disparo automático - e ilegal - de mensagens em aplicativos de compartilhamento de mensagens. Dentre as narrativas mais espantosas utilizadas como recurso para atacar a campanha adversária de Fernando Haddad, então candidato pelo Partido dos Trabalhadores, destacou-se o caso da “mamadeira erótica” que comporia um suposto kit gay a ser distribuído nas creches pelo candidato do PT. Outra característica marcante da vitória de Bolsonaro foi o apoio maciço da parcela da população que se declara evangélica. Quase 70% desse segmento religioso depositara seu voto no candidato que afirmara não haver “essa historinha de Estado Laico, é Estado cristão e a minoria que for contra, que se mude”. Com isso, não tardou para que o lado progressista e secularizado do embate, incluam-se aí os acadêmicos das ciências sociais, construísse uma imagem homogeneizante do eleitor de Bolsonaro: evangélico, reacionário, racista, homofóbico e irracional, uma vez que propenso a acreditar em narrativas mirabolantes como a mamadeira erótica. Diante desse cenário, como a Antropologia pode contribuir para o estudo das Fake News e do populismo autoritário? Na tentativa de estabelecer uma Antropologia das Fakenews como uma Antropologia da Ética, entendo ser necessário iluminar como, na interação com as fakenews, o sujeito reforça (ou revê) a maneira pela qual ele entende que deve viver (ética), enquanto transforma, nessa relação, a notícia em fato. Não obstante, dado o status de arma de batalha da epistemologia, torna-se indispensável debruçar-se também sobre os regimes de verdade, crença e conhecimento do pólo secular e progressista da contenda. A fim de delinear os detalhes de minha proposta de uma abordagem antropológica das fakenews, apresentarei uma análise da já citada controvérsia da mamadeira erótica contraposta à reação dos antropólogos, e da Associação Brasileira de Antropologia, na ocasião da circulação de uma notícia falsa a respeito do lançamento de um curso de Doutorado em Antropologia que seria patrocinado pela igreja do pastor Silas Malafaia, um dos líderes evangélicos mais controversos do país e apoiador de primeira do antes candidato e agora presidente Jair Bolsonaro.
Afinidade ou co-produção? Notas sobre as ressonâncias entre mídias digitais, pós-verdade e os “novos” liberalismos, populismos e conservadorismos
Autoria: Leticia Maria Costa da Nobrega Cesarino (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina)
Autoria: Esta comunicação parte de diagnósticos recentes, avançados por nomes como Wendy Brown e Philip Mirowski, a respeito de convergências estruturais entre fenômenos que normalmente são tratados pelo senso comum e por parte da academia como se remetessem a esferas sociais diferentes: em especial, os “novos” liberalismos (economia), populismos (política), conservadorismos (moralidade, religião e parentesco), punitivismos (justiça), e o “novo” regime de verdade que tem sido chamado de desinformação ou pós-verdade (epistemologia). Partindo da perspectiva sistêmica que Gregory Bateson chamou de “explicação cibernética”, proponho recuperar a vocação transdisciplinar original da antropologia para olhar para essa constelação contemporânea não enquanto afinidades convergentes entre fenômenos separados, mas enquanto co-produção a partir de uma infraestrutura comum, esta sim fundamentalmente “nova”: a digitalização extensiva e intensiva da vida em escala global. Trago alguns exemplos para sugerir que, quando miradas estruturalmente, muitas das práticas e epistemologias pensadas como remetendo a domínios sociais diferentes podem ser vistas como análogas e, num certo sentido, compartilhadas.
Cinema, corpo e políticas da memória: discursos e contradiscursos sobre a ditadura civil-militar brasileira nas produções cinematográficas do Brasil Paralelo
Autoria: Luiz Gustavo Pereira de Souza Correia (UFS - Universidade Federal de Sergipe)
Autoria: Essa comunicação tem por objetivo discutir os documentários produzidos pela Brasil Paralelo, empresa de produção cinematográfica e ativismo político digital alinhada à nova direita brasileira e responsável pelas obras e estratégias de circulação que, de acordo com seus próprios membros, representam a “tecnologia que mudou a educação política”. Tais filmes são objeto de análise de um projeto de pesquisa mais amplo, em que se busca compreender os sentidos atribuídos aos corpos objetos de práticas de tortura no período da ditadura civil-militar no Brasil a partir da forma como tais atos de extrema violência do Estado são rememorados e narrados nos documentários contemporâneos e sua relação com as políticas da memória na nossa história nacional recente. Seguindo a questão posta por Maria Rita Kehl “por que parece que o corpo torturado não diz respeito a maioria de nós?” e a imbricação percebida por Jeanne Marie Gagnebin entre a ignorância e a indiferença em relação às lutas de resistência do passado e o medo corrente da violência cotidiana, ao pensarem “o que resta da ditadura”, procura-se compreender a conivência, o silenciamento ou mesmo a exaltação de segmentos da sociedade brasileira diante das práticas de extrema violência aplicadas a determinados corpos. Propõe-se aqui que a percepção de tais corpos como corpos abjetos é o que sustenta a “radical desidentificação”, o distanciamento total que torna o sujeito torturado “nosso dessemelhante absoluto”. Os corpos das vítimas de torturas seriam vistos como transgressores, subversivos ou perigosos, “corpos que perturbam ficções de identidade, sistema e ordem”. Assim, o corpo é pensado aqui para além de uma entidade na qual se inscrevem mecanismos de poder e dominação, mas um emaranhado material, social e político, configurado na relação interdependente com outros corpos. Por fim, as questões norteadoras da discussão aqui apresentada são: o que a análise das narrativas e representações sobre o corpo dos torturados durante a ditadura civil-militar brasileira nos documentários contemporâneos produzidos pela nova direita brasileira revela sobre a memória e o esquecimento relacionados às práticas de violência do Estado? E, principalmente, o que se revela do embate entre memórias pessoais e coletivas, discursos e contradiscursos e a forma como se percebe a prática de tortura pelo Estado no Brasil contemporâneo?
Corrupção, política e mobilização de igrejas evangélicas
Autoria: Marcos Otavio Bezerra (UFF - Universidade Federal Fluminense), Gabriela da Silva Moura (PPGS-UFF)
Autoria: Propomos nesse work analisar as condições sociais que promovem a incorporação de narrativas sobre a corrupção e a atuação em nome do combate à corrupção entre grupos religiosos evangélicos. Em março de 2013, na Igreja Batista da Lagoinha, no estado de Minas Gerais, “palavras” ditas durante um culto a respeito da corrupção no Brasil passaram a ser difundidas por lideranças e veículos de comunicação evangélicos como “proféticas”. A autora das “palavras” foi a pastora americana Cindy Jacobs, que anunciou: “E assim diz o Senhor: eu vou transformar o Brasil, mas vocês precisam transformá-lo através dos seus joelhos primeiro. E assim diz o Senhor: é meu desejo abater o principado da corrupção”. As Jornadas de junho de 2013, apenas três meses após a fala da pastora, foram interpretadas pelo site de notícias Gospel Prime, um veículo de comunicação que atende distintas denominações evangélicas com cerca de 3.5 milhões de visualizações mensais como início da realização da referida profecia. Paralelamente ao posicionamento, digamos, mais público de lideranças evangélicas em relação ao tema da corrupção, identificamos no âmbito de entidades e igrejas evangélicas reflexões, narrativas e iniciativas menos visíveis organizadas em nome do combate à corrupção. Essas iniciativas – criação de grupos, produção de material escrito e audiovisual, oferta de cursos, mobilizações e campanhas – antecedem à Operação Lava Jato, ganham força durante as investigações conduzidas pela Operação e envolvem entidades internacionais e nacionais. O exame dessas iniciativas mostra, por um lado, como a ideia do combate à corrupção ganha espaço entre grupos evangélicos e, por outro, como estes contribuem para a difusão de certas narrativas sobre a corrupção. Menos do que em interpretações elaboradas sobre a corrupção a partir dos textos religiosos, interessa-nos aqui examinar as condições que favorecem a incorporação do tema da corrupção como uma preocupação de grupos evangélicos. Isto pode ser observado, por exemplo, através dos apoios concedidos, especialmente pelas Igrejas Batistas, à proposta das 10 Medidas Contra a Corrupção. O work chama atenção, entre outros aspectos, para a importância das conexões internacionais na incorporação do tema da corrupção como preocupação simultaneamente religiosa e política de evangélicos, para o significado e as relações sociais produzidas em torno do tema da corrupção em um grupo social específico e para o modo como o tema da corrupção promove a inserção de segmentos evangélicos nos debates públicos nacionais.
Do ponto de vista de quem? Populismo jurídico e instabilidade institucional
Autoria: Andressa Lewandowski (UNILAB - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira)
Autoria: Em nome de quem falam os juízes? A pergunta que ronda o debate em torno do judiciário brasileiro, especialmente em torno da atuação do Supremo Tribunal Federa, ganhou contornos específicos a partir da crise político-institucional em que vive o Brasil pelo menos desde do impedimento da ex-presidente Dilma Roussef, mas passando também e talvez fundamentalmente pela atuação dos juízes na operação Lava-Jato. As decisões do STF, assim como as manobras que alternam os ritmos dos processos, ou seja, o tempo de cada julgamento, tem efeitos direitos na geografia do poder e aumentam as pressões, que recentemente também se transformaram em ameaças, sobre o tribunal e seus ministros. Das questões sobre judicialização e ativismo, a tônica do debate mais recente é o que se tem chamado de "populismo jurídico", que se baseia na ideia de que juízes abdicam seu papel "técnico" de garantidores da ordem constitucional, em nome de critérios de tomada de decisão que respondem a outras realidades tais como os “anseios sociais” ou a "preservação institucional", ou seja, critérios entendidos como políticos, deslocando a atuação "contra-majoritária" reservada às cortes constitucionais em direção a alinhamentos institucionais contingentes. O objetivo do artigo é pensar os sentidos e os efeitos da ideia de populismo no STF, as partir das disputas entre os ministros e das críticas, tanto especializadas como não especializadas, ao tribunal.
Os livros da nação frente à crise da democracia em um Brasil “neoconservador”
Autoria: Nathanael Araujo (UNICAMP)
Autoria: Neste work desejo exibir os primeiros desenhos de uma investigação sobre como os livros vêm sendo mobilizados no debate político nacional ao longo dessas duas primeiras décadas do século XXI. Refiro-me especificamente aos seus usos enquanto symbols of vertigo (Araújo, 2020), como instrumentos sobre os quais se incitam ou coíbem uma orientação de ação. Para explorar as dimensões simbólicas e os processos nos quais a materialidade de princípios normativos se faz e são feitas em livros, pretendo estruturar a exposição em três partes. Na primeira, trago uma cartografia de livros que circularam e circulam na arena política brasileira tendo como localizador atos de censura ou de combate à censura na relação entre sociedade civil e aparatos de Estado (editais de subsídio e compra de livros, processos avaliativos como o dos vestibulares, discursos em sessões plenárias, proibições de venda em eventos financiados por iniciativas públicas, etc.). Na segunda parte, analiso o modo como o atual governo do presidente Jair Bolsonaro vem mobilizando os livros em distintos momentos. Seja antes do mandato presidencial, na “denúncia” do Projeto Escola sem Homofobia, passando pela falsa afirmação da distribuição pelo MEC do livro Aparelho Sexual e Cia. - Um Guia Inusitado Para Crianças Descoladas (Cia da Letras, 2007), integrando um “kit gay”; selecionando quatro livros para exibir em discurso após apuração de votos; em afirmações recentes de que os livros didáticos possuem “muita coisa escrita”, devendo ser “revisados”. Na terceira e ultima parte, apresento o que poderíamos encarar como “insurgências”, as “respostas” dadas ao presidente da república e seu governo por parte de grupos de intelectuais como acadêmicos, escritores, artistas, editores e livreiros. Deste modo creio ser possível expor e sustentar o argumento de que, incitados ou reprimidos, os livros seguem atados às dinâmicas rituais do dom e do contra dom expressos nas teias da política no Brasil de hoje.
Política e religião no Brasil atual: conservadorismo, lideranças evangélicas e suas intersecções
Autoria: Paula Andréa Gomes Bortolin (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas)
Autoria: Esse artigo assume o desafio de problematizar a regulação do secular e religioso, a partir de uma análise empírica das formas de atuação de lideranças evangélicas na arena política, sob o intuito de regular a moralidade pública. A partir da década de 1990, observamos no Brasil a criação de políticas públicas voltadas para a valorização da diversidade e para a inclusão de grupos sociais historicamente excluídos. Em contrapartida, à medida em que as instituições políticas começaram a discutir maneiras de normatizar juridicamente as pautas acerca da diversidade sexual, de gênero e dos direitos reprodutivos, autoridades evangélicas passaram cada vez mais a se articular na arena política, endossando disputas públicas a respeito desses temas. A política, classificada anteriormente como um espaço profano e, portanto, dominado por forças malignas, passou a ser encarada não somente como um local de reivindicação das demandas deste segmento, mas também como um terreno de disputas de valores morais. O engajamento de lideranças evangélicas em disputas pela moralidade pública direciona a análise das ciências sociais para além do questionamento acerca do papel da religião na sociedade moderna, pois enseja uma compreensão dos novos arranjos acerca das categorias de democracia, secularização, laicidade e suas intersecções. Portanto essa análise investigará a imbricação existente entre parlamentares evangélicos e conservadorismo moral, no sentido de discutir as concepções que as categorias de democracia, secularização e laicidade assumem na atual cena pública do país.
Saindo da "bolha digital"? Novas formas de publicização do terraplanismo no Brasil
Autoria: Jorge Garcia de Holanda (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: A circulação de informações relativas à defesa de que a Terra é não um globo – ou um esferoide oblato, tal como definida pela ciência –, mas uma estrutura plana e limitada por um domo que contém o Sol e a Lua ganha força no Brasil desde o ano de 2015. Alguns dos terraplanistas que hoje produzem vídeos com milhares de visualizações no YouTube remontam a esse ano como a data na qual iniciaram seus contatos (através de vídeos de terraplanistas norte-americanos postados nesse mesmo site e de grupos de Facebook) com esse tipo de modelo – que, não se limitando a se opor à autoridade científica e à afirmação de que a Terra é um globo, redesenha todo o universo e diversos conceitos científicos outrora estabilizados. Se o terraplanismo vem ganhando expressão no debate público nos últimos anos como um fenômeno da internet, alguns esforços de “sair da bolha digital”, como dizem alguns terraplanistas, podem ser vistos, especialmente em 2019, quando, além da publicação de uma revista, inauguração de um bar temático e participação em programas de rádio e televisão, foi realizada – em consonância com iniciativas semelhantes em outros países – a primeira convenção brasileira da Terra plana, a Flat Con. Nesse work, busco discutir alguns aspectos relativos à organização e à realização desse evento que apontam para os modos como os defensores da Terra plana constroem públicos e contrapúblicos e formatam discursiva e materialmente esse debate no espaço público (Warren, 2002; Giumbelli, 2018; Meyer, 2011; Cefaï, 2017; Engelke, 2013). Além disso, busco apontar situações relacionadas à convenção terraplanista que, ao buscarem produzir novas associações para além de suas mediações digitais, fazem com que essa “epistemologia alternativa emergente no campo do conservadorismo” (Cesarino, 2019, no prelo) negocie pragmaticamente suas fronteiras em relação às noções de religião, ciência e conspiração.
Sobre a “mestiçofobia”: políticas públicas étnico-raciais, multiculturalismo e populismo de direita
Autoria: Larisse Amaral Marajó (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina)
Autoria: “Mestiçofobia” é uma categoria êmica utilizada pelo Nação Mestiça ou Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro, movimento social conservador que reivindica a etnia “mestiça”, tem por objetivo promover a “valorização da mestiçagem” e combater outros movimentos sociais que a contradizem, especialmente os movimentos negros e indígenas. Defensor, pois, da ideologia da mestiçagem, a organização pensa esses movimentos como agentes da divisão do povo e do território brasileiros. Ao mesmo tempo em que perseguem e contribuem para a criminalização dos movimentos sociais em geral, também utilizam uma linguagem muito semelhante à de seus adversários, desde a sua caracterização enquanto movimento civil à afirmação da etnia “mestiça” ou “caboca”. Ao praticar a “canibalização”, pois, o NM parte do princípio de que o modus operandi de seus inimigos é eficaz e busca a mesma efetividade, mas para distorcer e/ou sabotar os instrumentos de reivindicação de outros grupos, como as políticas públicas étnico-raciais, seus maiores alvos. Seu mote é a igualdade da síntese e considera as cotas raciais, bem como as demarcações de terras indígenas e quilombos, instrumentos da “divisão étnica”, surgidos como resultado da implantação no Brasil, pelos governos federais do Partido dos Trabalhadores, do “Multiculturalismo”. O “Mulitculturalismo”, por sua vez, é definido como o domínio da desigualdade e da artificialidade, o plano de uma “elite branca” interessada em “dividir para dominar”. Dito isso, o PT, enquanto aplicador dessa ideologia no país, é frequentemente deslegitimado. O NM, no entanto, critica governos, não o Estado em si e isso é importante para entender a sua lealdade e a sua tentativa de afirmação étnica. Suas lealdades são o capitalismo, o Estado e, assim, a Modernidade, o que os leva à reprodução de um modo de lidar com o Outro pela “integração” no Um, que igualo à eliminação desse Outro. Dito isso, argumento à luz da aplicação de políticas multiculturalistas no Brasil e na Venezuela que estas não representam ameça real ao Estado burguês, defendido pelo Movimento. A transformação do “Multiculturalismo” em grande inimigo, então, se dá na adoção de um discurso baseado no populismo de direita, origem (evidenciada pela canibalização na cismogênese simétrica) e modo de propagação (especialmente na internet) do Nação Mestiça. Por fim, falo de como esse movimento social se apresenta como mediação em diversos âmbitos e considero que compreendê-las é compreender o papel do Estado moderno para ele e que isso pode ajudar em um maior entendimento dos populismos de direita, cujo modo de produzir e reproduzir informações se assemelha à construção e transformação dos mitos (inclusive os que fundam nações, como aquele das três raças).
Uma etnografia sobre a formação das políticas antigênero e antisexualidade no Brasil
Autoria: Lucas Bulgarelli Ferreira (USP)
Autoria: A noção de “ideologia de gênero” tem se consolidado como uma categoria acusatória utilizada por múltiplos atores que remonta a uma agenda transnacional com especificidades locais. Movimentos como “Com mis hijos no te metas” têm despontado em países como Bolívia, Argentina, Paraguai e Peru reivindicando a retirada do conteúdo de gênero e sexualidade das escolas sob o argumento de que tais conhecimentos são ensinados por agentes responsáveis por doutrinar crianças e adolescentes sobre a “ideologia de gênero”. No Brasil, o grupo “Escola sem Partido” tem atuado desde 2014 pressionando políticos e governos a apoiar medidas de retirada do debate de gênero da escola e de perseguição de professores. Os focos principais têm sido a escola pública e os equipamentos do Estado e as políticas direcionadas à educação, saúde, cultura e o esporte. Vale dizer que os ativismos antigênero e antisexualidade não são apenas reativos, operando também na invenção de novas realidades. Avançam com os seus projetos de sociedade de ordem punitiva – corrupção, desordem e crise da segurança pública – e produzem um tecido de força política para implementação de um projeto político. O estabelecimento de políticas antigênero e antisexualidade tem um caráter mutável, assumindo diferentes formas. O feição mais recente do ataque ao gênero e à sexualidade tem se estabelecido por meio da política de abstinência proposta pela ministra Damares Alves. O presente resumo busca apresentar os resultados parciais de pesquisa de doutorado dedicada a acompanhar a implementação das políticas antigênero e antisexualidade no Brasil. O work de campo tem consistido em uma etnografia multisituada em diferentes cidades e regiões do país a partir do mapeamento de conflitos relacionados ao combate à ideologia de gênero em Câmaras de Vereadores, escolas e equipamentos públicos. De modo inicial, tem sido possível identificar ao menos três circuitos de atores que operam no estabelecimento das políticas antigênero e antisexualidade: lideranças religiosas e/ou políticas; ativistas e lideranças locais que atuam a nível das cidades/regiões e das igrejas/congregações e cidadãos que têm se engajado no combate à ideologia de gênero e que se veem como destinatários destas políticas. As conversas têm sido realizadas com professores, diretores/as, pedagogos/as, vereadores e políticos locais, lideranças cristãs, pais, mães e responsáveis legais que estejam engajados com o combate à ideologia de gênero e com a promoção das políticas antigênero e antisexualidade. A etnografia tem sido realizada em cidades localizadas em regiões metropolitanas como em áreas rurais ou de menor urbanização. O work de campo começou a ser realizado em 2019 e se intensificará no contexto das eleições municipais de 2020.
''Agitação fascista'' e seus discursos de ódio contra minorias nas redes sociais da Internet: o uso da fake news como modo de fazer política na esfera pública digital
Autoria: Fábio Roberto da Nóbrega Júnior (UnB - Universidade de Brasília)
Autoria: Este work se interessa pela associação entre os fenômenos da ascensão da extrema direita (ou alt-right) e da proliferação de fakes news, como marcadores das atuais crises das democracias, em vários países. No Brasil, a atuação das forças conservadoras na política nutrida por regimes de “pós-verdade” ganham fôlego com a eleição de Jair Bolsonaro como presidente da República, em 2018. As redes sociais da Internet constituem aparatos disseminadores de notícias falsas em favor da manipulação social da opinião pública. Apesar das redes de interações online possuírem regras de convivência, o Judiciário brasileiro não dispõe de dispositivos para coibir a difusão de informações falsas nesses espaços, corroborando para distorções no processo eleitoral. De um modo geral, os eleitores seriam atraídos pela confiabilidade da notícia. Contudo, essa lógica se inverte com as chamadas fake news, visto que essas não têm compromisso com a veracidade, mas com o caráter sensacionalista e populista do conteúdo mediatizado. A indústria de notícias falsas se beneficia de ambientes políticos polarizados contribuindo para desinformação da população. Inseridos numa sociedade da informação onde se proliferam contextos de esferas públicas digitalizadas, nos deparamos tanto com o aumento de acessos a informações como de possibilidades de desvirtuamento de seu conteúdo. Assim, a multiplicidade de fontes informativas em plataformas digitais não necessariamente fortalece o debate público durante pleitos eleitorais quando operam para confundir, enganar o eleitor ao aliciá-lo utilizando ferramentas de montagem de imagens e discursos falaciosos em prol de um ator político. Neste sentido, constatamos o avanço da “patologização da esfera pública contemporânea” cuja evidência robusta está na expressividade da “agitação fascista” em discursos de ódio contra minorias em redes de sociabilidades na Internet. A pesquisa foi realizada no ciberespaço com a adoção do método da etnografia virtual em três grupos bolsonaristas no Facebook e em dois no WhatsApp. Operamos com a técnica de observação de mensagens, áudios, imagens, memes e GIFs. Buscamos articular teoria crítica a uma fenomenologia dos registros morais acerca do mundo LGBT segundo os pesquisados. A semântica gerada pelas interações entre os internautas nesses espaços aponta para negação de reconhecimento dos direitos e modos de existência de indivíduos que escapam à heteronormatividade.
A nova onda conservadora dentro da assembleia legislativa do ceará a partir de uma perspectiva etnográfica.
Autoria: Larisse Viana Gomes (UFC - Universidade Federal do Ceará), Claudio Renan Gadelha Rocha Dougllas Robson Pereira de Souza
Autoria: O objetivo central deste work é examinar como as figuras políticas conservadoras que atuam dentro da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará ascenderam politicamente e como elas se impõem dentro do cenário político, a partir da análise de seus discursos e suas colocações dentro da tribuna. Nesse sentido, utilizaremos algumas figuras fundamentais para o estudo que se apresentam como seguidores dessa lógica, como o deputado estadual André Fernandes - PSL - e a deputada estadual Dra. Silvana - PL - vale ressaltar que ambas estão no marco de figuras que prosperam com base em uma perspectiva ideológica e de representação de um segmento que atua em favor de valores morais e cristãos. A metodologia empregada nesta pesquisa é a etnografia, ou seja, o estudo será baseado na descrição do comportamento político e social desse determinado grupo. Todavia, o principal objetivo é entender quais - e em que intensidade - os pressupostos morais defendidos por esse grupo guiam sua conduta política e em que lógica esse mecanismo ideológico opera. Dessa maneira, a intenção da pesquisa não é trazer resultados consolidados, uma vez que trata-se de um exame acerca dos discursos dessas figuras políticas e seus comportamentos dentro das instituições públicas representativas. Portanto, a partir da perspectiva adotada por esse work pretende-se mostrar a intensidade do discurso conservador de figuras políticas que exercem relevância dentro do contexto político cearense.
Identidade evangélica, pertencimento social e posicionamento político: um estudo etnográfico sobre uma congregação abastada da Igreja Assembleia de Deus - São Luís.
Autoria: José Rebouças da Silva Segundo (UFMA - Universidade Federal do Maranhão)
Autoria: Esta pesquisa do tipo etnográfica foi realizada durante 2017 a 2019 em uma congregação da Igreja Assembleia de Deus em São Luís – MA, situada em uma “região nobre” da cidade e integrada, em sua maioria, por trabalhadores liberais, tais como médicos, advogados e empresários. Pude atuar durante o fervor das eleições de 2018, como observador participante entre o grupo de jovens da congregação, realizando entrevistas a fim de compreender as noções do voto evangélico e significações internas sobre novos movimentos sociais. Busco relacionar identidade evangélica e o pertencimento a camada social, aos sentidos do voto e a construção de significados sobre temas sociais emergentes, tais como: racismo, homofobia e feminismo.
O Fruto da Vida é Sagrado: Comunicação Política e as Questões da Terra no Brasil Contemporâneo
Autoria: Laara Aiqueça Carneiro Hügel (--)
Autoria: Vimos nos últimos anos em diferentes democracias liberais a ascensão de governos de extrema direita e de candidatos, cujo conteúdo e estilo discursivo populista (Ernst et al, 2018; 2019) vem a se adequar a instrumentalização das novas tecnologias da informação e da comunicação na política (Gerbaudo, 2019). No Brasil, observamos recentemente este fenômeno a partir da campanha de Jair Bolsonaro à presidência da república (Cesarino, 2018). Marcada por conflituosas relações com a terra, pelo passado colonial e mercantil de exploração da mesma (Prado Júnior, 1966), a construção do Brasil enquanto Estado revela-nos a coexistência de diferentes vínculos de diversos atores coletivos e não coletivistas com a terra (Lira e Chaves, 2016; Lopes e Mattos, 2016; Nascimento, Batista e Nascimento, 2016; Frade e Sauer, 2017; Grossi, 2017; Silva, 2018). O presente estudo parte, dentro deste contexto, da busca de respostas às seguintes perguntas: podemos considerar as mensagens que abordam a questão da terra no Brasil pela campanha de Jair Bolsonaro como mensagens populistas per se? Estão estas ligadas a outras temáticas populistas? Quais? De que maneira estas questões entram em embate com o conceito de alteridade cultural radical em Viveiros de Castro (2012)? Ou seja, quais as consequências que este tipo de discurso poderão ter para os atores coletivos ligados à terra, cujas relações com a mesma estão para além da lógica neoliberal de mercado (Harvey, 2005)? Neste estudo, identificou-se as mensagens analisadas como parte de um projeto de comunicação populista – no âmbito discursivo e de conteúdo – destacando-se o fenômeno da securitização da questão agrária brasileira enquanto estratégica política e a priorização da terra enquanto mercadoria fictícia (Polanyi, 1944). Buscou-se então entender o fenômeno da securitização do discurso a partir das reflexões trazidas por Simon Dalby (1997), bem como discutir como este projeto de comunicação vai ao encontro de uma dicotomização e de uma homogeneização do e no discurso, negligenciando assim a multiplicidade de 'modos de existência' e 'laços sociais' presentes no espaço agrário natural, cultural, político e econômico brasileiro. Em termos metodológicos, foram utilizadas nesta investigação uma análise quantitativa univariada de conteúdo, seguida de uma análise qualitativa formal e temática do programa de governo do Partido Social Liberal e dos dados recolhidos através do programa Crimson Hexagon, a saber, todos os pronunciamentos realizados pelo então candidato Jair Bolsonaro no ano de 2018 em sua conta do Twitter que contivessem as seguintes palavras-chaves e correlatas: 1) terra; 2) meio ambiente; 3) propriedade; 4) agro/ agricultura; 5) povos tradicionais/ povos indígenas/ ribeirinhos/ quilombolas.
“Femininas e bolsogatas": mulheres bolsonaristas em ação nas redes
Autoria: Nicole Brito de Sena (UFC - Universidade Federal do Ceará), Rebeca Oliveira da Silva
Autoria: A atual política brasileira se configura como uma disputa intensa entre os movimentos de Esquerda e de Direita, uma vez que a polarização se acirrou bastante com as manifestações realizadas a partir de junho de 2013 devido à crise de legitimidade política. Nessa perspectiva, Jair Bolsonaro se apresenta como uma figura que iria restituir a legitimidade e sobretudo recuperar os valores morais da família brasileira. Mesmo sabendo pelas pesquisas eleitorais que o público majoritário apoiador de Bolsonaro seja masculino, é necessário compreender como o público feminino pró-Bolsonaro enxerga a figura do atual presidente e como essas mulheres estabelecem bases para reafirmar os discursos conservadores, sobretudo no que se refere ao gênero. Nesse sentido, o objetivo do presente work é compreender como as eleitoras do presidente Jair Bolsonaro evidenciam valores morais, políticos e religiosos em seus discursos veiculados nas redes digitais, sobretudo no facebook, analisando, conjuntamente, a estruturação de suas alegações. Como metodologia, foi utilizada a etnografia digital, na qual foram coletadas narrativas discursivas e audiovisuais sobre tal grupo. A hipótese inicial é de que a maioria dessas mulheres se encontram acima da renda média brasileira, sendo brancas, que se colocam como anti-feministas, defendendo pautas de cunho religioso e moral, como a criminalização do aborto e o papel subalterno da mulher nas esferas privada e pública. Dentre os resultados parciais, as mulheres bolsonaristas que são antipetistas, se mostram contrárias ao aborto, além de serem conservadoras nos costumes e não a favor de posicionamentos em relação à diversidade de orientações sexuais. Portanto, os resultados mostram que o conservadorismo, evidenciado pela defesa de valores morais cristãos, se constituem como base para as mulheres pró-Bolsonaro e reforçam narrativas anti-feministas.