GT 53. Índios em cidades e cidades indígenas

Coordenador(es):
José Maurício Paiva Andion Arruti (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas)
Ricardo Ventura Santos (FIOCRUZ)

Debatedor/a: José Carlos Matos Pereira (CBAE/UFRJ)

O tema da migração ou mobilidade indígena para centros urbanos, com as transformações cosmológicas, organizacionais e identitárias nele implicadas é matéria de interesse crescente na antropologia produzida nos EUA, na América Latina e no Brasil. Depois dos primeiros trabalhos sobre o tema na década de 1960, com Cardoso de Oliveira, e na década de 1980 com seus orientandos, o tema praticamente saiu da pauta da antropologia feita no Brasil, para só ser retomado duas décadas depois, em larga medida sob o impacto dos dados produzidos em escala nacional com a introdução da categoria “indígena” na lista de opções de auto-atribuição na pergunta sobre cor ou raça dos Censos Demográficos do IBGE de 1991, 2000 e 2010. Neles registrou-se não apenas um crescimento da população auto-atribuída indígena de praticamente 100% da primeira para a segunda década, como também que esta população estava dividida em proporções praticamente iguais entre áreas rurais e urbanas. Isso impulsionou tanto os estudos demográficos e etnográficos sobre indígenas em situações urbanas, quanto vem renovando o diálogo interdisciplinar. Este GT tem por objetivo reunir trabalhos sobre a situação dos índios em cidades, com a expectativa de construir um panorama sobre o tema, suas abordagens e pautas de trabalho.

Palavras chave: etnologia; mobilidade; cidade
Resumos submetidos
A cidade, o étnico e o indígena
Autoria: José Carlos Matos Pereira (CBAE/UFRJ)
Autoria: O debate acerca da questão étnica na cidade não é novo, pelo menos em uma de suas dimensões. Estamos nos referindo a dos migrantes estrangeiros em cidades. Para fins de análise, tomamos como ponto de partida e exemplo, aqueles migrantes em cidades norte-americanas, alvo das explicações da “Escola de Chicago” que, entre as décadas de 1910 e 1940 do século passado, buscava explicar o processo de urbanização que passava aquele país. A segunda dimensão do étnico remete aos quilombolas ou remanescentes de quilombo na cidade. Arruti (2019) tomando como referência as formulações de Nascimento (1980) assinala que “Quilombo” não deve associado ao escravo fugido. Ao contrário, esse termo remete ao ideário de fraternidade, igualdade, liberdade, convivência e comunhão. Acrescido do adjetivo “urbano” significa um uso ressemantizado que se vincula ao passado das lutas do movimento negro e que tornaria possível propiciar conquistas contemporâneas como, por exemplo, a propriedade coletiva da terra, bem como o reconhecimento histórico do papel da população negra na formação social do Brasil. Por fim, tratamos dos indígenas em cidades (amazônicas). Assinalamos que o conceito [de Etnicidade] é definido como envolvendo relações entre coletividades no interior de sociedades envolventes, dominantes, culturalmente hegemônicas e onde tais coletividades vivem a situação de minorias étnicas, ou, ainda, de nacionalidades inseridas no espaço de um Estado-Nação (OLIVEIRA, 2006, p. 89). Dessa forma, para fins analíticos o étnico se refere aos migrantes estrangeiros, aos indígenas e quilombolas presentes em cidades. A cidade tratada em nossa análise diz respeito ao espaço de “coexistência” de múltiplas formas de viver em sociedade. No caso dos indígenas da cidade de Altamira (PA), Manaus e São Gabriel da Cachoeira analiticamente seguimos a perspectiva de Oliveira (1968) admitindo que há um processo de “integração sem assimilação”. Dessa forma, nos afastamos das proposições que opõem aldeia e cidade, urbano e rural, ou que afirmam que o indígena na cidade perde a sua identidade. O que vimos pelos estudos de casos é justamente o contrário. Aqui não nos referimos ao índio “genérico”, porque os indígenas são de múltiplas etnias, falam muitas línguas, mantêm diversas práticas rituais, alimentares e arquitetônicas, se organizam politicamente e lutam por políticas diferenciadas nas áreas de saúde, educação, moradia e reivindicam acesso à universidade e ao mercado de work. Também mantêm laços fortes com o lugar de origem em visitas sistemáticas entre parentes, em deslocamentos que têm como fim estar ora na cidade, ora na aldeia. Assim, procuram se posicionar como agentes legítimos e aptos a conquistarem direitos sociais e políticas públicas de caráter étnico.
A Terra Indígena Xakriabá Rancharia e as dinâmicas/fronteiras/espaços limítrofes com uma comunidade não indígena
Autoria: Heiberle Hirsgberg Horácio (UNIMONTES - Universidade Estadual de Montes Claros)
Autoria: O povo indígena Xakriabá que habita a Terra Indígena Xakriabá, na microrregião do Vale do Peruaçu, São João das Missões - MG, no Alto Médio São Francisco, na margem esquerda do rio, entre os biomas da caatinga e do cerrado, e reúne uma população estimada de 11.000 indígenas e se estabelece em 38 aldeias. A Terra Indígena Xakriabá possui, ao todo, juntamente com a Terra Indígena Xakriabá Rancharia, uma área de aproximadamente 54.000 hectares, demarcada e homologada depois de muita luta realizada por esse povo indígena, luta que teve no genocídio sofrido pelos Xakriabá em 12 de fevereiro de 1987, um dos seus momentos mais marcantes e trágicos, quando houve a execução dos indígenas José Santana, Manuel Fiúza e Rosalino Gomes de Oliveira. (HORÁCIO, 2018; 2019). A Terra Indígena Rancharia está situada entre os municípios de Itacarambi e São João das Missões, em uma área demarcada de 9.798 hectares (SILVA, 2014), e embora ela e a Terra Indígena Xakriabá se constituam em um único território, a segunda foi homologada em 1987, enquanto a Terra Indígena Xakriabá Rancharia só foi homologada em 2003. Além do que, a TIX Rancharia possui em seu “macro território” outras aldeias - ainda não demarcadas e homologadas -, bem como a Lagoa de Rancharia, e parte da TIX Rancharia está divisada de um território não indígena apenas por uma estrada. A Terra Indígena Xakriabá Rancharia faz divisa com território não indígena pela BR-135, onde em uma margem da estrada está a comunidade/distrito não indígena, e na outra margem da BR-135 está a Terra Indígena Rancharia. Esta comunicação compartilhará considerações - frutos de 5 anos de convivência do autor com o Povo Indígena Xakriabá – sobre os trânsitos e as dinâmicas de convivências entre indígenas e não indígenas na “fronteira”- borrada, dinâmica e instável - no(s) espaço(s) limítrofe, da Terra Indígena Xakriabá Rancharia, divisada formalmente de uma comunidade não indígena com traços urbanos, apenas por uma estrada.
Associativismo indígena urbano e a parentalidade política: notas sobre a Aldeia Maracanã.
Autoria: Bruno da Silva Rangel Francisco (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Autoria: O último Censo do IBGE trouxe à luz a presença indígena nos meios urbanos. Nas duas últimas décadas a cidade do Rio de Janeiro experimentou esse fenômeno na forma de embates pelo uso de espaços públicos ociosos entre o poder público e organizações indígenas tal como a Aldeia Maracanã. Composta por grupos diversos, a Aldeia se apresenta como um coletivo pluri ou multi étnico, com prevalência para etnias oriundas do Nordeste do Brasil, como os Guajajara. Uma das formas privilegiadas de nomeação para o diálogo interno na interno é o uso da categoria 'parente', que traduz a perspectiva de uma união supra étnica entre os grupos indígenas. Entendo que essa 'parentalidade política' dá bojo ao surgimento de associações como o CESAC (Centro de Etnoconhecimento Socioambiental Cauiere) e a subsequente criação da Aldeia. A luta política dos povos indígenas na forma de associações ou organizações tem se mostrado um recurso recorrente entre os grupos indígenas como forma de articulação política e mecanismo de representação de seus interesses frente a burocracia estatal como visto nos diálogos dos grupos locais com o recém-criado CEDIND-RJ (Conselho Estadual dos Direitos dos Povos Indígenas).
Das “aldeias” à “cidade” e da “cidade” às “aldeias”: mobilidade, política e presença indígena em Atalaia do Norte-AM
Autoria: Rodrigo Oliveira Braga Reis (UFAM - Universidade Federal do Amazonas)
Autoria: Esta comunicação parte da reflexão sobre um recenseamento colaborativo (realizado em 2018) da presença indígena na “área urbana” do município de Atalaia do Norte-AM (antigo povoado, foi instituído como município em dezembro de 1955) e do estudo sobre a formação e transformações do movimento indígena e da atuação política de lideranças de povos da Terra Indígena Vale do Javari. Localizada na fronteira do Brasil com o Peru, esta TI tem uma extensão de 8.527.000 hectares e um perímetro de aproximadamente 2.068 km. É a terceira maior área indígena do Brasil. Está situada na região do Alto Solimões, no sudoeste do estado do Amazonas. Abrange áreas drenadas pelos rios Javari, Curuçá, Ituí, Itacoaí e Quixito, além dos altos cursos dos rios Jutaí e Jandiatuba, compreendendo cerca de 85% da área do município de Atalaia do Norte, assim como, terras dos municípios de Benjamin Constant, São Paulo de Olivença e Jutaí. Nesta Terra Indígena vivem cerca de 6000 indígenas das etnias: Kanamari, Korubo, Kulina-Pano, Marubo, Matis, Matsés (Mayoruna), além de grupos isolados/autônomos localizados no Alto Jutaí, no Jandiatuba e no Quixito. O aumento de moradores indígenas na “cidade” de Atalaia do Norte e a crescente atuação política de indígenas em estruturas governamentais – como a Câmara Municipal de Vereadores, Secretarias Municipais e o Distrito Sanitário Especial Indígena – fomentam o questionamento sobre os desafios à política de Terras Indígenas e a reflexão crítica sobre às oposições aldeias/cidade e índios/não-índios. Em determinadas situações é possível observar que políticos locais, servidores públicos e parte da chamada população “não indígena” compartilham a compreensão de que o “estar na cidade” (morar, trabalhar, estudar, ocupar cargos políticos, ter acesso à benefícios sociais, dentre outros aspectos) se constitui como negação do “ser indígena”, portanto, de sua “identidade étnica”. Expressões como “índios urbanos”, “assimilados”, “aculturados” ou “desaldeados” refletem um ideal preconceituoso que busca estabelecer o lugar – espacial e social – dos indígenas no Brasil. São comuns a percepção e os discursos que assinalam que “vir para a cidade” é igual a “deixar de ser índio” e de que estão “abandonando a Terra Indígena”. No entanto, tomando a política indígena como agente principal, os estudos realizados têm demonstrado relações de continuidade e de interdependência entre processos de territorialização, a manutenção do território demarcado e a atual presença na cidade.
Entre a Venezuela e o Brasil: algumas reflexões sobre as migrações Warao
Autoria: Marlise Rosa (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro), Pablo Quintero (PPGAS/UFRGS)
Autoria: Provenientes da região caribenha do delta do Rio Orinoco, os Warao, de acordo com o último Censo Nacional Indígena realizado em 2011, são a segunda maior população indígena da Venezuela com aproximadamente 49 mil indivíduos. São descritos pela literatura histórica, antropológica e arqueológica como um grupo étnico com características sedentárias, que, em virtude de diferentes intervenções estatais e privadas no seu território de origem, iniciou um conjunto de ciclos migratórios para os centros urbanos, primeiro nos entornos do delta e, posteriormente, chegando até Caracas, capital do país. Em 2014, pela primeira vez, os Warao cruzaram a fronteira com o Brasil, ocasião em que foram deportados pela Polícia Federal de Boa Vista-RR. A partir de 2016, em decorrência da conjuntura política, econômica e social em que se encontra a Venezuela, esse novo ciclo migratório se estabeleceu e, atualmente, abrange inúmeras cidades das cinco regiões do Brasil. Neste work, portanto, desejamos: 1) apresentar uma reconstrução histórica da migração Warao para as cidades na Venezuela, demonstrando que não se trata de um grupo com modo de vida nômade; 2) refletir sobre a dinâmica da mobilidade Warao no Brasil, apontando as estratégias por eles adotadas e, também, algumas transformações sociais vivenciadas nesse curto período em que se encontram em outro país. Ao reconstruirmos episódios da história Warao na Venezuela e, agora, no Brasil, queremos demonstrar que, apesar de inseridos em relações de dominação, com uma trajetória marcada por desigualdades políticas, violências institucionais e autoritarismo de Estado, há resistência, bravura e múltiplas formas de agência.
Espiritualidade indígena e ação política como bem comum: um estudo de caso sobre a Aldeia Maraka'nà
Autoria: Camila Pimenta Craveiro (UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), Rodolfo Liberato Noronha
Autoria: A Aldeia Maraka’nà ocupa o terreno do antigo prédio do Museu do Índio e do Serviço de Proteção ao Índio hoje no entorno do Estádio Jornalista Mário Filho (Maracanã), na Zona Norte do Rio de Janeiro. Reúne tanto pautas comuns a outros grupos indígenas (urbanos e rurais) quanto demandas próprias, como a criação de uma universidade popular indígena, baseada nas formas de produção de conhecimento próprias de suas cosmologias; e a demarcação do terreno ocupado. Queremos entender como ação política e espiritualidade aparecem, neste grupo, como elementos conectados, não apenas em sua organização interna quanto na forma como lida com o Estado e megaempreendimentos. O work será dividido em três seções. Começaremos reconstruindo a história da ocupação e do terreno a partir de: documentos oficiais; entrevistas realizadas ali entre agosto de 2018 e agosto de 2019; e observações ativas nesse período, conforme Gil, 2008, onde se destacam dois processos: a organização e realização do COIREM 2018 – III Congresso Intercultural de Resistência dos povos indígenas e tradicionais do Maraka’nà; e os processos judiciais que discutem remoção e demarcação. A segunda seção busca fazer uma discussão teórica, mobilizando conceitos como o de “metrocentrismo” de Connel (2012) ao tratar da teoria social. Ela o faz por compreender que a construção do conhecimento acadêmico faz parte do que chama de “divisão imperial do work” teórico, remarcando a distinção entre uma periferia que disponibiliza dados e um centro que os analisa. Recorremos ainda ao conceito de “colonialidade do poder” de Quijano (1992) para observar o que se entende por Modernidade; essa hierarquização entre “Moderno” e “local” será desenvolvido também do ponto de vista epistemológico, com Latour (2004 e 2009) e Stengers (2002). Ainda nessa seção será tratado o paradigma dos comuns, de Dardot e Laval (2017), bem como das estruturas ternárias de reciprocidade propostas por Sabourin (2010), que negariam a estruturação de trocas a partir do mercado; e das populações nativas sul-americanas estudadas por Clastres (2011 e 2012), que negariam a configuração política de Estado. Este item também trará o debate sobre os movimentos autonomistas estudados por Svampa (2012) e a análise sobre a ossatura material do Estado de Poulantzas (1981). Na terceira e última seção vamos analisar os dados, procurando entender como se dá a relação entre espiritualidade e ação política em suas relações com instituições estatais. Pretende-se ainda utilizar da observação das diversas audiências sobre o caso de reintegração de posse da Aldeia por parte do Estado, a fim de entender a atuação política não apenas no espaço físico da Aldeia Maraka’nà como também nos espaços institucionais, muitas vezes rejeitados pelos atores do campo.
O cliente Apinajé: Um estudo sobre as relações sociais de consumo entre indígenas e não indígenas em Tocantinópolis-TO
Autoria: Wellington da Silva Conceição (UFT - Fundação Universidade Federal do Tocantins), Ilana Morais de Sousa
Autoria: Nesse paper apresentaremos os primeiros resultados de uma pesquisa ainda em curso, que tomou como cerne da sua análise as relações entre indígenas Apinajé e não indígenas comerciantes do centro urbano de Tocantinópolis, cidade da região norte do Estado do Tocantins. Vale ressaltar que a ida aos comércios é o principal motivo que impulsiona os Apinajé a frequentarem regularmente esse espaço. Procuramos identificar e compreender como se dão essas relações sociais – a partir das práticas de venda e de consumo - entre os indígenas e comerciantes. Para isso, levamos em consideração os conflitos historicamente estabelecidos entre esses grupos em Tocantinópolis, cidade que se destaca pela presença dos indígenas da etnia Apinajé, que chega a formar um total de 10 % da sua população, divididos em aproximadamente 30 aldeias. Além de sua contribuição na formação cultural e histórica da cidade, esse grupo indígena é importante para a sua economia: por serem beneficiários do programa Bolsa Família (recurso que utilizam nos comércios da cidade), e por possibilitarem ao município – devido ao território de reserva indígena - receber proventos do ICMS ecológico. Para essa pesquisa, utilizamos dois recursos metodológicos: o uso da observação participante em alguns comércios da cidade, reconhecidos pela frequência dos indígenas no local, e entrevistas, com clientes indígenas e comerciantes. No decorrer da pesquisa, percebemos que há um tratamento diferenciado entre clientes, sendo esse indígena ou não indígena. Os apinajé – no geral - se queixam de pouco tato, desconfiança e práticas acusatórias contra si nos comércios urbanos por parte dos proprietários e funcionários. Os comerciantes questionam as práticas de consumo desses indígenas, desde itens adquiridos (e suas quantidades) quanto às formas de uso e distribuição desses itens praticadas nas aldeias. Percebemos, conforme registraram DaMatta (XXXX) e Gonçalves (1981) que a relação entre os Apinajé e os demais habitantes de Tocantinópolis é marcada por uma proximidade física, mas também por uma distância social que faz com que esse estar perto não impeça a reprodução de estereótipos e práticas preconceituosas. Partindo da perspectiva de Goffman (1982), acreditamos que aos indígenas citados foi incorporado um estigma por parte da população local, que direciona os olhares e práticas dos não indígenas nessas interações. Reconhecemos ainda, por parte dos Apinajé, práticas de resistência a essa estigmatização, como a classificação dos comércios a partir do grau de preconceito sofrido.
Olhares sobre o wãre: acampamentos temporários Kaingang em Ponta Grossa-PR
Autoria: Aila Villela Bolzan (UFPR - Universidade Federal do Paraná)
Autoria: O olhar sobre a circulação e permanência de famílias indígenas na região dos Campos Gerais no estado do Paraná, com atenção especial ao município de Ponta Grossa, sob o prisma da antropologia, é necessário e urgente. Há uma demanda por análises e saberes voltados às especificidades da dinâmica sócio-espacial das populações indígenas em permanência ou circulação na região, mas, sobretudo, em relação aos Kaingang, grupo filiado à família linguística Jê. O objetivo do presente artigo é descrever entre os anos de 2013 – 2019, uma sucessão de eventos envolvendo os próprios indígenas e as práticas da administração pública municipal para solucionar o que foi denominado “problema” indígena na cidade em questão. O respaldo bibliográfico presentes em Tommasino (1998) e Mota (2007) possibilitam analisar a ancestralidade da mobilidade territorial Kaingang e a ressignificação dos acampamentos temporários wãre, sob a ótica dos possíveis caminhos de diálogo a serem tecidos entre a administração pública, as secretarias municipais e os representantes dos povos em questão para a construção de políticas públicas locais direcionadas ao modo de vida dos povos Kaingang.
Políticas indigenistas na produção do urbano Amazônico
Autoria: Tatiane de Cássia da Costa Malheiro (IFPA)
Autoria: As políticas de aldeamento condicionadas aos povos indígenas da Amazônia nos demonstram como se materializaram, ao longo do processo histórico, a estreita relação entre a formação dos núcleos urbanos e políticas indigenistas baseadas em remoções e reduções territoriais vinculadas a estratégias de dominação do work ou das terras ocupadas por comunidades indígenas. Tais estratégias diretamente relacionadas ao processo de “aldear o índio” materializada em diferentes contextos ao longo da história do indigenismo, expressando, ao mesmo tempo, uma definição de territórios indígenas diretamente relacionados às estratégias de expansão dos projetos coloniais e, como parte intrínseca destes projetos, à produção de cidades na Amazônia. Nesse sentido, propomos pensar a geografia urbana regional como produto histórico de políticas de deportação e confinamento de comunidades indígenas, ora em Missões Religiosas, das quais surgiram as primeiras cidades da região, e produziram um urbano colonial; ora em Diretórios, onde se reproduzia um work compulsório de servidão; ora junto aos núcleos de povoamento para garantir a apropriação dos territórios tradicionais; ou mesmo em Reservas, para contenção territorial de povos em espaços de terras devolutas onde não fossem um “empecilho” a expansão de frentes econômicas, e de contrapartida pudessem reproduzir-se física e culturalmente sob a proteção tutelar do Estado. Com efeito observa-se uma construção histórica nos processos de urbanização da Amazônia, de um projeto civilizatório de negação da identidade indígena na produção das cidades desde sua constituição como núcleo urbano, até as formas de reprodução social, política econômicas e culturais da mesma. Esta dimensão da relação entre urbanização e etnicidade indígena, está baseada numa reprodução contraditória ora de incorporação do indígena na formação dos primeiros núcleos urbanos, ora de negação desse mesmo sujeito em sua condição étnica na reprodução das cidades. Processo nitidamente marcado em todas as suas expressões desde a colônia até nosso o contexto atual pela negação da identidade étnica como elemento integrante da questão urbana, consolidando a concepção de indígena como não-cidade.
Presenças, paisagens e atuações aymaras e quéchuas imigrantes na cidade de São Paulo
Autoria: Cristina de Branco (CRIA)
Autoria: Atendendo à complexidade étnica das populações imigrantes em São Paulo, tomamos o enfoque específico sobre a presença de pessoas que expressam identidades variáveis entre as nações republicanas boliviana e peruana e as nações indígenas aymara e quéchua. Não são exclusivamente indivíduos bolivianos e peruanos – tal como a demografia e as políticas públicas seguem enquadrando-os – mas são também, de maneira cumulativa, sincronizada, justaposta, nacionais de duas nações, uma republicana e outra indígena, aymara ou quéchua. Totalizando mais de 7 milhões de pessoas pelo continente sul-americano, os aymaras e quéchuas mantêm-se principalmente no altiplano andino peruano e boliviano, correspondendo a mais de 70% da população originária tanto no Estado Plurinacional da Bolívia, como na República do Peru. Pela descida migratória a capitais sul-americanas a partir da década de oitenta do século passado, os aymaras e quéchuas vêm-se firmando através de suas práticas laborais e performáticas, através de sua visibilidade expressiva e sua sonoridade linguística pelas ruas e praças dessas cidades. Em São Paulo, possivelmente perfazem muitas dezenas de milhares aquelas pessoas que se autodeclaram, em contexto censitário boliviano e peruano, como aymaras e quéchuas. Ainda que imigrantes entre fronteiras republicanas, permanecem sendo, como vários deles pleitam, seres originários da mesma Pachamama. Assim, mesmo que o aparato estatístico brasileiro ainda não reconheça a presença desses sujeitos como indígenas, insensível à sua diversidade linguística e étnica, mantendo-as invisíveis diante do Estado e sua estrutura de políticas públicas, eles continuam presentes, circulantes, atuantes em São Paulo, desde suas subjetividades aymara e quéchua. Essa presença se torna mais visível e audível através da atuação de grupos de música e dança autóctones dedicados a difundir expressividades performáticas vindas do Kollasuyo, território de convívio maioritário aymara e em menor proporção quéchua, pelo altiplano centro-andino, entre o sul boliviano e o sudeste peruano. Das moseñadas e tarkeadas pelos carnavais da Praça da Kantuta e do Bom Retiro, às sikuriadas e qhantus tocados e dançados no Inti Raymi e no Dia da Bolívia, centenas de aymaras e quéchuas fazem-se notar, escutar e ver através da reelaboração de suas uniões recreativas e da performance pública de um certo repertório musical e dançante indígena andino. Nesta comunicação, lançamos vias de compreensão do contexto aymara e quéchua vivido hoje na cidade de São Paulo através do avanço do work de campo – da observação participante, de entrevistas e da realização audiovisual partilhada – realizadas no âmbito da investigação doutoral sobre práticas culturais quéchuas e aymaras imigrantes em São Paulo e Buenos Aires.
Sobre silêncios e contentamentos: uma reflexão sobre a presença Mbyá Guarani no centro de Porto Alegre.
Autoria: Amanda Alves Migliora (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: Este work enfoca os agenciamentos e dinâmicas relacionais elicitados e eclipsados ao longo de algumas das linhas que ligam o centro da cidade de Porto Alegre às aldeias guarani situadas no perímetro da região metropolitana da capital gaúcha, por meio de uma prática denominada como porarõ. Num primeiro momento podemos definir essa prática como uma forma de obtenção de recursos materiais (dinheiro, roupas e alimentos), predominantemente feminina, que envolve a venda de artesanatos e o recebimento de doações. No entanto, a partir da análise de dados etnográficos a respeito deste fenômeno social, será possível matizar os significados que o mesmo possui para os agentes envolvidos e, assim, problematizar essa primeira definição. As características reticulares dos pontos de venda, sugerem a existência de continuidades entre as formas de permanecer na cidade e algumas formas de permanecer nos pátios das casas. Por outro, os dispositivos acionados para controlar as relações estabelecidas com a alteridade não indígena naquele contexto apontam para características comuns entre porarõ e determinadas formas prescritas de comportamento observadas durante incursões nas matas. Na cidade, a troca de posições relacionais, com ênfase ora nas identificações, ora nas diferenciações, estabelece o ritmo dos movimentos que previnem contra a cristalização de alterações perigosas, o que faz dessa prática uma eficaz inovação no que se refere à obtenção de recursos e ao manejo da comunicação com a alteridade não indígena. As acusações de mendicância que decorrem de práticas como o porarõ evidenciam uma série de equívocos que ocorrem na interação entre os sistemas de pensamento dos Mbya e dos não indígenas. Embora a escassez de recursos seja um dos motores dessas práticas, há muito mais questões que merecem atenção na análise deste tipo de fenômeno. O risco do diálogo, inerente às relações assimétricas (Appadurai 2018) e às “Posthuman Convivialities” (Costa 2019), ganha, neste caso, significados muito específicos, estabelecendo intricadas dinâmicas de busca e evitação, de desejo e repulsa. A existência de vetores de ação aparentemente contraditórios pode ser analisada por meio das medidas de controle e mediação das relações conceitualizadas como desejáveis ou indesejáveis. A aquisição de artigos e potencialidades por meio da relação com determinadas alteridades demanda cuidados para o controle das coisas que vêm de fora. Deste modo, as diversas formas de comercialização de artesanatos, dentro e fora das aldeias, nos colocam diante de um fenômeno multifacetado que possui implicações políticas e cosmológicas.
“Aqui não é aldeia”: por uma perspectiva indígena e citadina da cidade de Canarana
Autoria: Amanda Horta (Museu Nacional)
Autoria: Partindo do material de minha tese de doutorado (Horta, 2018) – uma etnografia sobre as relações entre os diferentes indígenas do Território Indígena do Xingu (TIX) que ocupam hoje a cidade de Canarana (MT) –, este work propõe uma reflexão sobre os regimes de diferenças através dos quais estes indígenas conceituam e organizam de maneira criativa suas experiências na cidade e em suas aldeias. Em uma certa antropologia empreendida sobretudo no Brasil que se interessa pela “elucidação das condições de autor-determinação ontológica do outro” (Viveiros de Castro, 2006 :47), as comparações entre as cidades e as aldeias se alocam, classicamente, numa perspectiva aldeada, em detrimento de uma perspectiva da cidade, do mundo dos brancos, do Estado. Entretanto, há no Brasil – e na América Latina – um grande número de indígenas que habitam as cidades, algo que se expressa no censo do IBGE de 2010, segundo o qual 38,3% das pessoas que se auto-identificam como indígenas no Brasil vive em áreas urbanas. Ainda que estes dados homogeneizem como urbanas uma série de situações extremamente heterogêneas (De Paula, 2017), a presença indígena nas cidades do Brasil é cada vez mais latente, e Canarana, município mato-grossense que abriga uma pequena porção sudeste do TIX, é um destes casos. É diante deste cenário que este work vem propor uma mirada para as relações entre a aldeia e a cidade, desta vez desde a perspectiva dos indígenas presentes na área urbana do município de Canarana. Os efeitos desta inversão perspectiva são cruciais para entendermos o que os tantos indígenas presentes em Canarana nos estão falando nesses contextos: se em minhas experiências nas aldeias do Xingu os indígenas pareciam sugerir uma certa continuidade entre as aldeias e algumas cidades do entorno do TIX, na cidade de Canarana, estes mesmos indígenas pareciam, muitas vezes, reivindicar um corte, uma descontinuidade fundamental para o desenho de suas existências no espaço urbano. O contraponto, entendo, não é uma contradição, mas uma questão de assimetria *perspectiva*, que marca profundamente a existência indígena neste município do interior do Mato Grosso. O objetivo desta apresentação é mostrar etnograficamente que tal proposição sobre as perspectivas em questão não se resume a um malabarismo conceitual, mas é fundamental para os debates sobre os contextos ampliados de interação social habitados hoje pelos indígenas, na medida em que recoloca e complexifica a dimensão de medo, ansiedade e desejo que a experiência da cidade implica para os parque-xinguanos.