GT 50. Gênero, ciência e natureza
Coordenador(es):
Jane Araújo Russo (UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Fabíola Rohden (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Sessão 1
Debatedor/a: Marcos Castro Carvalho (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Sessão 2
Debatedor/a: Daniela Tonelli Manica (Unicamp)
Tradicionalmente, a oposição Natureza X Cultura pressupunha a ideia de uma seara própria da Natureza, em oposição às produções vindas da sociedade, aí incluídas a ciência e a tecnologia. A “volta” à natureza seria também o afastamento da tecnociência. Assiste-se atualmente a uma curiosa bricolagem, que articula o alto valor atribuído à Natureza com a atribuição de um valor igualmente elevado ao discurso científico e à biotecnologia. No escopo desse embricamento, a concepção de um corpo natural não se opõe à possibilidade de treinamento e/ou transformação biotecnológica. Ao contrário, o discurso acerca de um corpo natural (pré-social, biologicamente pré-dado) se acopla ao discurso das evidências científicas, a Natureza sendo vista como passível de aprimoramento. A proposta do GT é acolher discussões que englobem novas configurações ideológicas e novas construções corporais que tratem da articulação entre gênero, ciência e natureza, colocando como possibilidades: tecnologias e adestramento em experiências de gestação e parto; hormônios como agentes na construção do gênero; transformações corporais via recursos cirúrgicos e farmacológicos; reconfigurações da natureza no campo das biotecnologias.
Resumos submetidos |
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A opção da reconstrução mamária: dilemas de mulheres mastectomizadas Autoria: Lara Virgínia Saraiva Palmeira (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro) Autoria: Enquanto muitas mulheres sonham com o seio perfeito através do implante de silicone, a mulher mastectomizada – aquela que retirou o seio total ou parcialmente por conta do câncer de mama – possui a opção da reconstrução mamária na intenção de tentar recompor seus corpos mutilados. Longe de ser uma escolha simples, tal negociação é permeada de ambiguidades e vários fatores são considerados na hora da reconstituição. Relembrar o quanto o seio é um órgão extremamente simbólico e vinculado ao feminino, além de ser um importante componente de uma feminilidade que valoriza um ideal de corpo perfeito em nossa sociedade é imprescindível.
A legislação brasileira garante o direito a reconstrução pela lei 13.770 de 19 de dezembro de 2018 e garante ainda o direito ao procedimento de tornar simétricas ambas as mamas e ao procedimento de reconstrução das aréolas mamárias. O discurso biomédico encontrado no campo de pesquisa, representado em sua maioria por médicos homens, valoriza explicitamente a transformação biotecnológica e comenta a “evolução fabulosa” de tal método, ressaltando que a mulher não precisa perder a mama, pois “passamos dessa época”. Entretanto, a maioria das interlocutoras da pesquisa optaram pela não reconstrução e demonstram orgulho da falta de seio no mesmo compasso que não renunciam o uso de próteses de tecido que elas mesmos fabricam e utilizam em suas peças íntimas. Os principais motivos alegados é que não desejam passar por cirurgias novamente, que não “precisariam” mais do peito – a maioria já tem mais de 50 anos, os filhos são adultos - e algumas comentam sobre quão é doloroso o processo de reconstrução. Questões relativas à sexualidade não são comentados de imediato. Marcadores como geração, classe social, grau de escolaridade influenciam diretamente essa escolha.
As questões de gênero são presentes na temática no que diz respeito a construção de uma feminilidade que responde a um tipo de mulher que é valorizado e cultivado: a mulher que se cuida, é bonita, vaidosa (e por isso, tem uma boa autoestima), representada pela cor rosa. Vale salientar que a medicina influenciou diretamente a construção do corpo feminino pensado em seu aparato biológico e construindo sobre esse corpo as funções que passaram a caracterizar a mulher e sua “natureza feminina”. O processo de fragmentação e de alienação do corpo feminino no contexto do saber biomédico também fazem parte dessa análise.
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A PRODUÇÃO SOCIAL DO INDETECTÁVEL: ciência, gênero e emoções entre jovens vivendo com HIV/Aids Autoria: Ricardo Andrade Coitinho Filho (UFF - Universidade Federal Fluminense) Autoria: Este artigo, resultado da etnografia que venho conduzindo no meu doutoramento, trata acerca das intervenções biotecnológicas que incidem sobre a Pessoa Vivendo com HIV/Aids (PVHA). Neste sentido, busco compreender de que modo a “nova cultura preventiva da Aids”, constituída pelo resultado dos estudos Partner e HPTN052 que trata acerca da redução da transmissão viral, reordena as relações sociais entre “jovens vivendo com HIV/Aids” participantes de uma “rede”. Ou seja, como a categoria biomédica “indetectável”, ao ser apropriada e difundida entre os jovens da “rede”, passa a ser atribuída de “valores e “moralidades” que reorganiza discursos, práticas e sujeitos. Para isso, apresento de que modo a “rede”, enquanto movimento social, opera como importante ator político na produção de uma pedagogia do indetectável. Por outro lado, enfatizo no processo de apropriação e circulação dos saberes biomédicos pelos participantes, no intuito de compreender de que modo as noções sobre identidade, corpo e usos da sexualidade são reordenadas. Destaca-se o papel das emoções e narrativas que circulam nestes espaços, segundo o gênero, a identidade sexual, as diferentes etapas da sorologia dos jovens e outros marcadores sociais.
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Ciência, natureza e moral entre consultoras de amamentação Autoria: Marina Fisher Nucci (IMS) Autoria: A amamentação ocupa lugar central no processo de construção do “amor materno”, e do ideal de “boa mãe” (Badinter, 1985). Embora a entendamos como uma técnica corporal aprendida pela socialização (Mauss, 2003), ela é com frequência vista como prova máxima da natureza feminina. Recentemente, há, no Brasil, sobretudo em camadas médias de grandes cidades, o crescimento de um ideário de maternidade que preconiza um “retorno à natureza”, valorizando experiências como parto e amamentação (Alzuguir; Nucci, 2015; Russo; Nucci, 2020). Conjuntamente, surgem novas profissionais voltadas à perinatalidade, como doulas, que auxiliam no parto, e consultoras em amamentação, que orientam mulheres com dificuldades para amamentar. Nesta pesquisa, realizamos dez entrevistas com consultoras em amamentação, além de observação em um curso de formação para profissionais. Notamos que a escolha desta atuação é atravessada pelas próprias experiências de maternidade, sendo frequente a busca pela carreira após tornarem-se mães. Notamos grande valorização do discurso da ciência e da promoção de “informação baseada em evidências”. Porém, embora muitas se declarem “ativistas” do aleitamento, o ativismo se distinguiria da atuação profissional, que seria baseado no aconselhamento não diretivo e respeito às escolhas das mulheres, inclusive a de não amamentar. Assim, nosso objetivo é refletir sobre a articulação entre ciência, natureza e moral, e as tensões entre “ativismo” e “aconselhamento” entre consultoras.
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Da recusa aos hormônios contraceptivos à busca por aprimoramento: gênero, natureza e biomecalização Autoria: Bruna Klöppel (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Autoria: Desde os anos 2000 tornou-se comum no Brasil o uso de anticoncepcionais hormonais para fins de aprimoramento estético, do aumento do “bem-estar” e da “qualidade de vida”, sendo assim promovido em diferentes mídias e nos consultórios médicos. Contudo, identifica-se na literatura que desde pelo menos 2014, há um movimento crescente de mulheres jovens que recusam os hormônios contraceptivos, especialmente a pílula oral combinada, o que é justificado por diferentes efeitos colaterais, pela busca por autoconhecimento e/ou por uma desintoxicação corporal. Partindo da constatação de que tais recusas não significam a ausência de atribuição de importância aos hormônios - pelo contrário, há uma alta valorização deles - esse artigo descreve e analisa como tais recusas se articulam ao consumo de outros produtos e práticas que visam interferir na produção ou regulação de hormônios. Nesse sentido, contrastamos duas configurações.
Uma primeira associa a recusa aos hormônios anticoncepcionais à crítica ao excesso de prescrição desses medicamentos por parte dos médicos, que são acusados de serem imprudentes e influenciados pela indústria farmacêutica. Por outro lado, há o enaltecimento dos hormônios e ciclos menstruais ditos “naturais”, que podem e devem ser aprimorados a partir do uso de remédios naturais e mudanças na rotina alimentar, de exercícios físicos e nos cuidados psicológicos. Tais práticas são vinculadas também a uma melhora no “bem-estar” - às vezes referido como “bem-estar hormonal” - e na “qualidade de vida”. A segunda articulação associa a recusa, principalmente da pílula oral combinada, à melhora da libido, à perda de peso e ao ganho de massa muscular, não rejeitando recursos biomédicos hormonais - como o consumo de hormônios via implantes, gel ou injeções - na busca pela melhora do bem-estar. Com uma abordagem etnográfica, realizei observação de publicações do Youtube, Instagram e Facebook e entrevistas semiestruturadas, buscando identificar como os diferentes enquadramentos dados a essa recusa estão associados a reconfigurações de corpos e subjetividades marcados por gênero, classe social, raça, idade e nacionalidade. Conclui-se disso que, ao contrário do que poderia parecer, tais recusas não estão apartadas da lógica do aprimoramento e da biomedicalização, mas dialogam de forma intensa com ela.
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Das clínicas de cirurgia plástica aos grupos online: escolhas e desigualdades em novas configurações (bio)tecnológicas Autoria: Jéssica Cristine Brandt da Silva (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Autoria: A emergência da “doença do silicone”, principalmente em fóruns na internet, é o tema geral desse estudo. A partir das trajetórias de mulheres reunidas em um desses fóruns, um grupo brasileiro no Facebook acompanhado etnograficamente desde 2018, discute-se os entremeios de seus projetos corporais em um contexto de promessas tecnológicas e incertezas. As trajetórias tem alguns pontos em comum, entre eles a confiança na medicina estética, que prometeu melhoramentos corporais definitivos; a performance de pelo menos uma cirurgia plástica com a colocação de próteses de silicone nas mamas; e posteriores problemas e adoecimentos relacionados a essas próteses. Acreditando que esse tipo de problema seria uma raridade, que estaria longe de suas realidades e posteriormente adoecendo, essas mulheres sentem-se enganadas e agora procuram respostas alternativas àquelas dadas por profissionais de saúde ao seu sofrimento. Dessa forma, no contexto atual, os grupos online acabam sendo uma alternativa. O grupo de apoio para retirada de próteses de silicone permite discussões pessoalizadas, menos mediadas por uma linha de profissionais ligados à área da saúde que hoje são vistos pelas integrantes com desconfiança. Entrevistas em profundidade com algumas delas permitem notar desigualdades significativas em suas trajetórias. Essas desigualdades referem-se a alguns pontos, entre eles: os planejamentos diversos quanto à forma como serão executados os seus projetos corporais; os padrões de vida mais ou menos privilegiados no acesso a recursos materiais e imateriais; e por fim contingências relativas a saúde e adoecimento. Indaga-se como essas desigualdades impactam no balizamento das escolhas que essas mulheres fazem a respeito de seus projetos corporais. Esse estudo faz parte de uma pesquisa de mestrado sobre os impactos das novas biotecnologias de modificação corporal, sobretudo estéticas, cujo foco é a emergência da doença do silicone. A orientação teórico-metodológica geral da pesquisa alinha-se à antropologia da ciência. Nesse estudo destacam-se debates sobre pós feminismo, antropologia digital e os impactos das novas tecnologias na vida dos sujeitos abordados.
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Medicina trans e nutrição, risco e individualidade hormonal: uma etnografia da administração trans de testosterona sintética e natural Autoria: Francisco Cleiton Vieira Silva do Rego (FACISA UFRN) Autoria: Este work objetiva compreender ideias e práticas de hormonização entre homens transexuais. Quase sempre distantes de serviços de saúde específicos de supervisão para a transição de gênero, ou com o seu acesso precarizado, sujeitos que vivenciam processos de mudança social de gênero estabelecem práticas alternativas para chegar aos caracteres sexuais secundários e "fazer emergir o masculino" molecularmente. Para tanto, não se restringem à administração de testosterona sintética, mas constroem uma forma de nutrição que atenta aos alimentos vistos como propícios para o aumento da testosterona e diminuição de estrogênio “naturalmente” através de, por exemplo, ingestão intensificada de vegetais crucíferos e proteínas e a evitação de produtos à base de soja. A essas duas práticas gerais, no campo do sintético e do natural, pode ser unido práticas esportivas como a musculação que reforça e consolida o corpo masculino e conclui a transição. Pretendo, com esse artigo, analisar etnograficamente tais práticas que negociam e rejeitam saberes e disposições biomédicas e biotecnológicas para a produção “natural” e, crescentemente, “saudável” de um corpo para o qual se transita, que lida/produz riscos e reaprendizados num cotidiano perpassado por saberes e práticas biomédicas. Isso permitirá refletir sobre como processos de biomedicalização produzem sujeitos e como tais se tornam resilientes diante de concepções de naturalidade e aperfeiçoamento dentro de um escopo que imagina uma individualização hormonal que irá, somaticamente, determinar a resposta de cada um às mudanças produzidas por tais práticas de hormonização. Baseia-se em duas pesquisas realizadas em Natal, RN, e em Fortaleza, CE, entre 2014 e 2015, e entre 2016 e 2019 respectivamente, totalizando quase 5 anos de campo realizado para a formação de mestrado e doutorado em antropologia social. Entrevistas em profundidade foram também feitas com um total de 37 homens trans, 17 médicos e 14 funcionários públicos e ativistas LGBT, mas o texto se baseia primordialmente em observações a partir da etnografia em espaços de ativismo sociopolítico trans, visitas domiciliares, clínicas de atenção primária, hospitais, abrigos, organizações não-governamentais, administração da burocracia estatal e políticas públicas de atendimento social voltados para pessoas LGBT e/ou trans.
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Medicinas da Mulher: o "equilíbrio com a natureza" como definição de saúde Autoria: Luanda de Oliveira Lima (Fiocruz - Fundação Oswaldo Cruz), Claudia Bonan
Paula Gaudenzi Autoria: Nos últimos anos é possível notar em diversos espaços virtuais, especialmente nas mídias sociais, o crescimento de conteúdo, manuais e métodos de "Ginecologia Natural", que difundem o acompanhamento do ciclo menstrual, a não utilização de hormônios sintéticos e tratamentos não farmacológicos para desconfortos e "problemas de saúde". De acordo com as mesmas, as terapias têm como foco a autonomia feminina, o bem estar, a harmonia do corpo e o equilíbrio com a natureza.
Os movimentos sobre os quais refletimos trazem uma visão crítica acerca da medicalização, questionando o protagonismo da figura do profissional de saúde e dando às mulheres o protagonismo da cena e do cuidado com elas mesmas, onde elas próprias poderiam resgatar os conhecimentos inscritos nas próprias.
Analisamos nesse work como a ideia de "equilíbrio com a natureza" é utilizada para discutir saúde e como esses grupos se consolidam como repositórios de saberes acerca saúde feminina, analisando que disputas e diálogos entre os saberes ditos científicos e os ditos tradicionais colocam-se na constituição das medicinas da mulher como sistemas médicos alternativos.
Os conteúdos divulgados pelas autoras de blogs como Ginecosofia e Ginecologia Natural por Bel Saide difundem “práticas populares de cuidado” que teriam sido expropriadas das mulheres no processo de constituição da ginecologia clínica e reforçado o corpo da mulher como um problema de saúde.
Em meio aos textos postados nas mídias e analisados até o momento, é comum a divulgação de "saberes populares ancestrais" sobre plantas medicinais e métodos de cuidado populares, como os banhos de assento, florais e chás. Usualmente, podemos observar as autoras intitularem-se como bruxas e curandeiras, buscando marcar a sua conexão com a natureza, “a Grande Mãe”, e, paralelamente ratificam as práticas e terapêuticas por elas difundidas. Uma parte dos grupos invoca também evidências científicas de acordo com o método científico cartesiano, que já teriam comprovado a eficácia de determinado tratamento ou receita natural.
Notamos que as disputas e os diálogos entre os saberes considerados científicos ou tradicionais a respeito da saúde da mulher tem se intensificado, trazendo novos elementos de análise histórica e social, ressignificando as noções de natureza e cultura, que permeabilizam-se nos conceitos apresentados.
Nos espaços virtuais estudados percebemos que esses grupos se consolidam como sistemas médicos concorrentes, questionando a medicina clínica direcionada para a mulher, em especial a mulher urbana, sua percepção de saúde-doença, seus métodos e terapêuticas. Observamos ainda a conexão da ação desses grupos e os de reflexão feminista e de autocuidado, ecofeministas e de resistência à hormonização dos anos 1970-80.
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Regulação do “corpo” em uma cena da Rio 2016: entre hormônios e rendimentos Autoria: Barbara Gomes Pires (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro) Autoria: A partir da descrição de uma cena dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, espera-se esmiuçar algumas relações, organizações e valores que permeiam a regulação da elegibilidade da categoria feminina no esporte de alto rendimento. Nesse sentido, o corpo aparece como lugar privilegiado de inscrição e de análise. Ao longo do tempo, corpos com variações intersexuais foram escrutinados, banidos e/ou corrigidos para a participação na elite esportiva internacional. Então vamos acompanhar esse contexto (científico, social e institucional) que envolveu a vitória da sul-africana Caster Semenya na modalidade dos 800 m feminino para compreender a persistência de um modo particular de gestão dos corpos na vida contemporânea. As maneiras de conceber, mensurar e regular determinados corpos mobilizam estratégias antigas e parâmetros normativos que podem legitimar ou debilitar os sujeitos, dentro e fora do mundo esportivo, de tal maneira que incorporar um certo saber hormonal na regulação de feminilidade não serve apenas para entendermos como processos técnicos e científicos materializam-se em políticas e administrações de várias institucionalidades, mas como também definem os próprios limites em que esses corpos – sexuados e atléticos – continuam a ser implicados num ordenamento mais largo tanto sobre a integração quanto sobre a proteção social.
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Uma epidemia no feminino: Zika vírus no Brasil Autoria: Jonatan Jackson Sacramento (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas), Maria Conceição da Costa Autoria: Desde a eclosão da epidemia de Zika vírus no Brasil, em 2015, o país se viu diante de um novo problema sanitário. No entanto, aquilo que parecia ser um desafio pontual, uma epidemia, se revelou um desafio permanente quando da confirmação da ligação entre Zika vírus e microcefalia. O aumento de casos de gestantes diagnosticadas com Zika e de seus fetos diagnosticados com a Síndrome Congênita de Zika (SCZ) cresceu, e cresceu também um pânico em torno dos perigos dessa nova epidemia. A partir de então, o poder público e as instituições de pesquisa se voltaram para a construção de respostas sanitárias e científicas que pudessem barrar o aumento de casos de microcefalia no país. Esse paper tem por objetivo discutir essas respostas científicas e sanitárias e suas marcações de gênero. A partir da análise da produção científica sobre o tema nas Ciências Biológicas/da Vida, da análise de protocolos científicos e de saúde e de entrevistas com profissionais envolvidos na formulação essas respostas, nosso objetivo é analisar como o gênero é motivador dessas respostas e, também, é por essas construídas.
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Visões sobre ciência, visões sobre a natureza: diferenças na produção de percepções sobre tecnologias nos processos de gestação, parto e puerpério Autoria: Giorgia Carolina do Nascimento (Doutoranda) Autoria: A virada do milênio no Brasil vem marcada pelo aparecimento de movimentações em torno da “humanização do parto e nascimento”. Tensionando fronteiras entre o que seriam tradicional e urbano, ou natureza e cultura, elas surgem de modo a mostrar como a técnica é política (DINIZ, 2010). Contudo, corroborando esta mesma máxima, embates históricos vêm mostrando como corpos sobre os quais são imputadas as tecnologias reprodutivas não são apenas marcados por gênero, mas também por outras diferenças, tais como a raça e classe social, categorias que constituem-se mutuamente (EFREM, 2017). Um dos exemplos mais expressivos dessa relação é o de como, ao longo dos séculos, tais tecnologias vêm sendo geridas entre os corpos de mulheres negras e pobres com vistas à não reprodução.
Enquanto estudos como os de Leal (2017) evidenciam como para estas mulheres o problema não está no excesso de tecnologias, mas na falta do que seria entendido como cuidado, nos últimos anos é crescente o número de mulheres negras disputando narrativas em torno do gestar, parir e maternar. Partindo de diferentes percepções em torno das tecnologias reprodutivas, pautadas por relações de raça e classe social, o cenário atual parece propor novas configurações ideológicas em torno daqueles que vinham sendo polissemicamente denominados como ativismos pela “humanização do parto e nascimento”.
Nesse sentido, a proposta é alargar a discussão sobre como mulheres negras, indígenas e latinas têm acionado discussões em torno de direitos reprodutivos e justiça reprodutiva a partir de uma reflexão sobre tecnologias, ciência, natureza e “ancestralidade”. Cabe entender como as técnicas reivindicadas entre os ativismos pelo “parto humanizado” são ressignificadas por essas mulheres a partir de outros lugares de fala, produzindo diferentes percepções sobre uso de tecnologias em sua relação com os processos de gestação, parto e puerpério.
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“Fazendo tudo certo”: narrativas de parto no Rio de Janeiro Autoria: Claudia Barcellos Rezende (UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Autoria: Neste work, analiso a tensão entre “seguir” o corpo no parto e buscar fazer “tudo certo” em dois conjuntos de narrativas: em relatos de um site de internet sobre parto e nas histórias de mulheres de camadas médias com idades entre 35 e 45 anos que entrevistei do Rio de Janeiro e que tiveram partos vaginais. Todos os relatos tratam de partos humanizados, cujo ideário reforça, entre outros aspectos, uma visão de um corpo “naturalmente” apto a parir. Comparo estas histórias na medida em que vejo os relatos de parto do site, assim como outras apresentações de si na internet, podendo se tornar ideais de comportamento para seus leitores, como apontam Paula Sibilia e Fernanda Bruno em seus estudos sobre subjetividade e internet. Os relatos virtuais destacam um corpo mais autônomo, que segue um ritmo próprio no work de parto, revelando assim a “magia da natureza”. Nas narrativas que eu escutei, é a pessoa corporificada que aparece, com sensações e receios que giram em torno do controle de si e de fazer o que é esperado. Examino então, nos dois conjuntos de histórias, o que seriam as capacidades “naturais” do corpo no parto e seu estatuto ontológico – são afetadas pelas emoções, pelas relações com outras pessoas, em especial a equipe médica? Podem ser estimuladas ou ao contrário, travadas? Argumento que a percepção de um corpo “naturalmente” capaz de parir é tensionada, especialmente entre as mulheres que entrevistei, pela ideia de que há um “modo certo” de parir, que necessita de preparo físico e emocional e condições específicas no momento do parto. Tratam-se por fim de corporalidades narradas, cujas ênfases se articulam a discursos mais amplos sobre maternidade e subjetividade nos segmentos médios da sociedade brasileira.
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“No es tan simple como decir «tomo el medicamento y ya está»”: reflexiones etnográficas sobre entrelazamientos entre cuerpos-selves y antirretrovirales en la era del Tratamiento como Prevención del VIH Autoria: Agostina Aixa Gagliolo (UBA) Autoria: Desde 1996 un artefacto biotecnológico innovador, el Tratamiento Antirretroviral de Gran Actividad (TARGA), viene cobrando centralidad en el manejo de la epidemia del VIH/SIDA a nivel global. Incorporada como “bala mágica” por las políticas de gobierno de la epidemia, esta poderosa combinación de drogas capaz de evitar la replicación viral, tiene el potencial de transformar profundamente los cuerpos-selves. Diversos autores han abordado las formas en que el uso continuado de antirretrovirales (ARVs) genera vinculos productivos entre humanos y biotecnologías que reorganizan y modelan los cuerpos de quienes las consumen. Otres han señalado que las entidades humanas y no-humanas (incluyendo las biotecnologías) vienen-a-ser a traves de múltiples entrelazamientos (entanglements) que dan forma a realidades múltiples y fluidas.
Esta ponencia se propone abordar los complejos entrelazamientos entre cuerpos y ARVs, que implican multiples negociaciones y profundas transformaciones. Recuperamos aquí la narrativa de una persona con VIH en tratamiento ARV (Carlos), enmarcada en un análisis etnográfico en un Centro de Atención Primaria de Salud del Área Metropolitana de Buenos Aires, que forma parte de una investigación doctoral en curso.
Recuperando la narrativa que Carlos elabora de su vida con innumerables tratamientos y sus relaciones materiales y afectivas con los ARVs, focalizamos en las acciones cotidianas, para dar cuenta cómo las enfermedades y sus tratamientos son actuadas (enacted) a través de una multiplicidad de prácticas y espacios que involucran actores humanos y no-humanos. Así, la vida con VIH está en permanente co-constitución por medio de procesos dinámicos en los que cuerpos humanos y biotecnologías, cuyos límites son porosos o semi-permeables, vienen-a-ser.
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Gênero e Ciência: Quais técnicas podem ser desenvolvidas para a Reprodução Assistida e como elas estão sendo direcionadas para os corpos masculinos e femininos Autoria: Maria Teresa dos Santos Ferreira Carnaúba (UFAL - Universidade Federal de Alagoas), Débora Allebrandt Autoria: O contexto das técnicas de Reprodução Assistida é fortemente marcado por relações de gênero. Tais relações podem ainda ser definidas, na experiência do casal, segundo as percepções sobre masculino e feminino da própria equipe médica. A presente pesquisa propõe uma análise sobre como o desenvolvimento de tecnologias e protocolos de reprodução assistida imprimem e reproduzem desigualdades de gênero. Buscando captar os tipos de intervenção e produções técnicas destinadas para os corpos masculinos e femininos no contexto das Novas Tecnologias Reprodutivas, assim como pensar de que forma os marcadores de gênero interferem e influenciam tais práticas de pesquisa e clínica. Para isso, fez-se uma coleta e análise do desenvolvimento de tecnologias e protocolos de reprodução assistida, publicados em periódicos especializados na área a partir de 1992. A análise desse material foi feita a partir da codagem dos dados no programa de análise de dados qualitativos Nvivo. Demonstrando que ainda existe um significativo foco no desenvolvimento de tecnologias e protocolos de RA que se voltam hegemonicamente para o corpo da mulher. Mesmo que as causas da infertilidade partam do homem, cerca de 40 à 50% dos casos, a “fabricação do corpo grávido” fragmenta o corpo da mulher em cada um dos procedimentos realizados, corpo este que carrega as concepções culturais da mãe que tudo suporta por seu filho.
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Redes Sociais, tecnologias reprodutivas e a inseminação caseira – Fazeres e atores das ‘tecno-maternidades’ lésbicas Autoria: Flora Villas Carvalho (UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais) Autoria: Possibilitadas, sobretudo, pelas tecnologias reprodutivas - como as reproduções assistidas – e pelas redes sociais, as maternidades lésbicas no Brasil vêm passando por um amplo processo de crescimento e reconfiguração, a partir dos anos 2000. Com isso, vêm emergindo também uma série de pesquisas a respeito das diversas questões que circundam a maternidade lésbica e suas redes de relações sociais, biotecnológicas e políticas, que se encontram em constante transformação. Longe de ser um fenômeno simples, as múltiplas maternidades que operam dentro das lesbianidades despertam uma série de problemáticas, como: as oposições, socialmente impostas pela lógica heterossexista, entre maternidade e lesbianidade; os vários métodos conceptivos disponíveis para lésbicas e os papeis sociais, atores tecnológicos e cargas legais e morais que trazem consigo; ou ainda as diferentes legitimações sociais hierarquizadas que recebem as mães lésbicas a partir de seus níveis de “proximidade biológica” com os bebês, tal como as estratégias de negociação e manipulação desta mesma “biologia”, através das tecnologias científicas e hormonais, e que fazem tensionar a forjada lógica dualista de natureza e cultura.
Neste contexto, a inseminação caseira vem tendo expressiva adesão no Brasil graças a seus custos quase nulos, a autonomia frente aos aparatos médicos e hormonais e, ainda, à sua crescente facilitação propiciada pelas redes sociais. Isto, pois, desde 2010, vêm surgindo dezenas de grupos virtuais – e redes relacionais a partir e com estas plataformas - cujo propósito é unir doadores de esperma e potenciais gestantes em todo o país. Portanto, cada vez mais a internet e os grupos dentro das redes sociais vêm se tornando atores importantes nos processos de concepção e maternidade lésbica.
Sendo assim, meu objetivo nesta pesquisa – ainda em andamento – é partir deste contexto, de forma a analisar três destes grupos - também perpassados por uma série de fragilidades e ambiguidades - presentes na plataforma do Facebook: dois deles com foco na inseminação caseira e o terceiro específico de maternidade lésbica e inseminação caseira. Dentro destes, meus objetivos são entender quais discursos a respeito da intersecção entre maternidade lésbica e inseminação caseira estão sendo acionados, combatidos ou discutidos nestes espaços, mas também mapear e analisar quais os papeis das tecnologias - virtuais, corporais, hormonais e médicas - nestes contextos. Portanto, quero aqui pensar a internet não somente como facilitadora do processo de inseminação caseira em mulheres e casais lésbicos, mas também como atriz indissociável nas redes sociotécnicas (Latour, 1994) e construção de corpos e maternidades ciborgues (Haraway, 1985) presentes nesse processo de concepção e maternares lésbicos.
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