GT 39. Estudos etnográficos sobre cidadania

Coordenador(es):
Marcus André de Souza Cardoso da Silva (UNIFAP - Universidade Federal do Amapá)
Luís Roberto Cardoso de Oliveira (UNB - Universidade de Brasília)

A terceira onda democratizante na América Latina não se mostrou capaz de suprimir desigualdades estruturais nem garantiu a efetivação dos direitos civis e sociais dos cidadãos. Isto representou um desafio às abordagens formalistas da teoria política, incapazes de explicar satisfatoriamente as especificidades que caracterizaram este processo. Nesse cenário, a antropologia, com seu foco etnográfico, tem muito a contribuir para o debate sobre “direitos”, “cidadania”, “igualdade” e “justiça”. Ao deslocar a análise da dimensão formal da cidadania para como os direitos são vividos, concebidos e problematizados cotidianamente pelos atores sociais, abre-se espaço para perceber rearranjos e concepções distintas da formulação eurocêntrica. Ao fazer isso, os antropólogos têm desestabilizado abordagens que naturalizam o modelo liberal, demonstrando que não é possível compreender a “cidadania” como um status puramente legal que garante ao indivíduo um conjunto de direitos e deveres em sua relação com o Estado. Tendo isto em mente, o GT busca comparar e debater trabalhos etnográficos que abordem: como a “cidadania” é significada por diferentes atores associados às agências do Estado, ONGs, movimentos sociais e outros coletivos; como se dão as relações que estes diferentes atores estabelecem entre si; quais são os desafios metodológicos dos estudos etnográficos sobre “cidadania”.

Palavras chave: cidadania, demanda por direitos, movimentos sociais
Resumos submetidos
"Bons cristãos e virtuosos cidadãos": a produção da subjetividade ético-política em um Centro Social católico de São Paulo
Autoria: Carlos Eduardo Valente Dullo (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: A presente comunicação visa explorar a proposta formativa local de produção de uma subjetividade ético-política correspondente ao que se espera do cidadão morador de duas favelas na Zona Leste de São Paulo. As discussões sobre cidadania são, assim, deslocadas de uma ênfase nos direitos e na relação com o Estado, privilegiando atores sociais como uma ONG da Igreja Católica e seus programas de promoção e inclusão social (alguns em parcerias com políticas públicas) e a maneira como se busca constituir a subjetividade no cotidiano. Este deslocamento apresenta uma crítica aos pressupostos eurocêntricos, sobretudo em seu viés secularista e liberal das concepções da cidadania. Mostrarei como, por meio de ênfases nas práticas em detrimento de dogmas e crenças cristãs, os educadores sociais visam formar sujeitos que compartilhem de determinadas virtudes consideradas ao mesmo tempo civicamente relevantes e características de um bom cristão. Ao final comentarei que atendidos e educadores possuem visões distintas dessas ações cotidianas, mas que o objetivo alcançado é a produção de uma subjetividade e uma comunidade em que um "dissenso harmônico" seja possível.
"Cidade para pessoas": disputas de sentidos sobre o direito à cidade na controvérsia sobre o destino do Minhocão
Autoria: Sâmia Graziela Pereira de Souza (USP - Universidade de São Paulo)
Autoria: Resumo: A decisão ambígua conferida pela diretriz do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo em relação ao destino do Elevado Presidente João Goulart ("Minhocão") produziu a criação de coletivos e associações que mobilizam soluções específicas para o "problema do Minhocão". Tais agrupamentos, por sua vez, dividem moradores do mesmo território, que articulam distintas redes de sociabilidade local em torno de discursos que questionam os modelos vigentes de planejamento urbano, bem como propõem ou condenam usos não-convencionais dos espaços públicos. Dentre essas questões, a que se sobressai é a defesa de uma “cidade para pessoas”, de modo que tanto “cidade” quanto “pessoa” tornam-se categorias em disputa, cujos significados se atém à inclusão e circulação de determinados citadinos e suas práticas espaciais correlacionadas. Nesse sentido, essa comunicação se deterá aos sentidos atribuídos ao direito à cidade pelos agentes urbanos supracitados nessa controvérsia.
A condiçao de vítima e de cidadão na gestão do Estado: uma etnografia do merecimento
Autoria: Virginia Vecchioli (UFSM - Universidade Federal de Santa Maria)
Autoria: Depois de 36 anos de continua procura (2014) Estela de Carlotto, presidenta dos Avôs de Praça de Maio (Argentina), achou seu próprio neto Guido/Inácio, sequestrado depois do assassinato da sua mãe e criado ilegitimamente por uma terceira família. O encontro virou um drama emotivo nacional e foi vivido como uma verdadeira cerimônia cívica. No mesmo dia, Vitória, neta recuperada e filha de desaparecidos como Inácio, era levada detida pela segurança pública com extrema violência quando participava de uma movimentação trabalhista. Este ato de repressão contra uma filha de desaparecidos não gerou nenhum ato de compaixão ou indignação moral. Como se explica esta distinção entre filhos de desaparecidos recuperados? Quais processos permitem que alguns netos adquiram verdadeiros títulos de nobreza em quanto outros não recebem nenhum reconhecimento? Como se explica esta distribuição desigual de emoções para com os netos, vitimas do terrorismo de Estado? A partir de uma descrição microscópica das diversas cenas públicas que tiveram lugar no momento do encontro entre Estala e seu neto vou explorar o lugar decisivo atribuído ao sofrimento das vitimas na aquisição da condição de cidadão legitimo e compreender como outras vítimas que - como Vitória compartilham objetivamente os mesmos atributos - são colocadas no lugar de vítimas menos legitimas. No limite, filhos de desaparecidos que não querem ter vínculos com as famílias biológicas de origem, após das provas compulsivas de DNA que comprovam a sua identidade, são consideradas como más vítimas. Estes casos paradigmáticos vão ser tratados como espaços privilegiados na hora de compreender o lugar decisivo outorgado à condição de vítima legítima na própria configuração do Estado. O work vai mostrar como os assuntos do Estado passam a serem entendidos como assuntos de família ao tempo que o apelo a seus valores vai instituir posições hegemônicas dentro do campo do poder do Estado. Nesta análise vou dar conta em especial do lugar do Estado na distribuição desigual de compaixão e reconhecimento, fazendo compreensível a economia moral que organiza a pertença dos cidadãos na política contemporânea.
Abolicionismo em movimento: a luta antiprisional em Belo Horizonte, MG.
Autoria: Carolina Barreto Lemos (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: Não obstante o processo de democratização política no Brasil a partir da década de 1980, os componentes civis da cidadania continuam a ser sistematicamente violados por meio de práticas institucionais que contrariam diretamente os princípios fundamentais de um Estado de Direito. No âmbito da justiça criminal, pesquisas empíricas revelam que essa realidade se reatualiza diariamente em todas as suas dimensões, desde a truculência das práticas policiais aos padrões arbitrários e discriminatórios que caracterizam a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário de modo geral. Mas é no contexto da privação da liberdade que a violação aos direitos civis de cidadãos pelo Estado revela sua faceta mais dramática, em que mesmo aqueles mais fundamentais, como o direito à vida, são frequentemente relativizados e o próprio status de humano dos/as presos/as é negado. Neste sentido, pesquisas etnográficas têm apontado para padrões sistemáticos de desconsideração e exclusão discursiva no contexto da privação de liberdade no Brasil, que constituem, para além da violação a direitos civis positivados, um ataque a dimensões fundamentais da integridade pessoal de mulheres e homens presos. Diante desse cenário, entidades da sociedade civil tem se organizado em torno da luta por direitos de pessoas em privação de liberdade e seus familiares, o que tem sido protagonizado principalmente por associações ou grupos de familiares de pessoas presas, compostos em sua maioria por mulheres negras e moradoras de periferias urbanas. Desde 2013, cerca de 50 dessas entidades, de diferentes estados do país, passaram a se articular na Agenda Nacional pelo Desencarceramento (ANPD), que se define como um programa popular de enfrentamento ao encarceramento em massa que defende, como fim último, a abolição das prisões. Neste work, gostaria de explorar as concepções de direitos e cidadania no âmbito da luta antiprisional protagonizada pelo Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade de Minas Gerais (GAFPPL), uma das entidades que compõem a ANPD e, mais especificamente, como as categorias desencarceramento e abolicionismo são acionadas neste contexto. As reflexões apresentadas são resultado de uma pesquisa de campo que vem sendo realizada há 16 meses junto às mulheres do GAFPPL.
As vitimas empreendedoras de seu resgate social: os projetos sociais e a cidadania sacrificial.
Autoria: Fatima Cecchetto (Fiocruz - Fundação Oswaldo Cruz), Jacqueline Muniz ( UFF) Rodrigo Monteiro (UFF)
Autoria: Partindo de work de campo etnográfico e entrevistas grupais com jovens e gestores de projetos sociais de localidades pobres do Rio de Janeiro, o artigo explora a ideia de produção da vítima empreendora do seu regaste social tendo como pano de fundo os investimentos materiais e simbólicos feitos em torno da juventude pobre, refletindo sobre as manobras de sentidos que encobrem a provisoriedade dessas iniciativas, marcadas por uma lógica do mérito, salvacionista e sacrificial. Discutimos a nocao de “jovem de projeto” e as implicações no reforço de estereótipos por meio de discursos que privilegiam a individualizacao e a autogestão, visando a reprodução das convenções sociais e a aceitação das regras excludentes do mercado. O medo de morrer, o medo de sobrar, de não encontrar emprego e uma série de outros medos constituem os desdobramentos da reflexão com o intuito de ampliar o debate sobre a pedagogia para a obediência, tão ao gosto da criminologia da defesa social. Esta abordagem naturaliza a necessidade de liberdades vigiadas travestidas como uma política pública para liberdades assistidas. Nesse ideário, unificam-se algumas formulações que privilegiam a ótica do negativismo ou do problema social5 e alimentam padrões de intervenção cuja ênfase é a tutela sobre grupos.
Controvérsia ética e científica: uma análise sobre reconhecimento e sentidos de (in)justo no processo de regulação da ética em pesquisa
Autoria: Hully Guedes Falcão (InEAC)
Autoria: Este work tem como objetivo analisar as controvérsias presentes no processo que resultou na publicação da Resolução CNS nº 510/2016 atrelado à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) a partir das categorias acionadas pelos atores envolvidos, tais como “resistência”, “luta” e “desrespeito” em diferentes documentos confeccionados pelo Fórum de Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas (FCHSSA), GT CHS - responsável pela construção da referida resolução -, CONEP e reuniões de Comitês de Ética em Pesquisa (CEP). As categorias acionadas pelos interlocutores da pesquisa evocam um sentimento de desconsideração (Cardoso de Oliveira, 2011), onde os pesquisadores das Ciências Humanas e Sociais afirmam existir uma desigualdade entre esta área e da Ciências da Saúde - notadamente a biomedicina – no trato e na formulação de políticas científicas na arena pública brasileira. Esse processo também pode ser tomado como uma situação de prova (épreuve) às quais os agentes sociais são submetidos às controvérsias públicas, e, por conseguinte, precisam produzir justificações para definir e qualificar os sentidos de “(in)justo”, “ética” e “ciência” que são colocados em jogo (Thévenot, 2016). Este work é fruto de minha tese de doutorado que teve como objetivo analisar o que chamo de “burocracia da ética”, na qual busquei compreender a regulação e controle da prática da pesquisa realizado pelo Sistema CEP-CONEP. No período entre 2016 e 2018 acompanhei reuniões do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) em ciências humanas e sociais numa universidade do Rio de Janeiro, participei da Comissão de Integridade Científica (CIC) do Instituto Oswaldo Cruz – IOC/FIOCRUZ e também de eventos realizados por diferentes CEP e CONEP, além de ter participado do processo de abertura de um CEP em ciências humanas e sociais junto à CONEP.
De geração em geração: notas etnográfica sobre as diferentes concepções de cidadania nas periferias de São Paulo
Autoria: Leonardo de Oliveira Fontes (Cebrap)
Autoria: O objetivo deste work é discutir as mudanças nas formas de luta política e de concepção de cidadania entre diferentes gerações de moradores das periferias de São Paulo. Argumenta-se que a cidadania deve ser entendida como estratégia política (Dagnino, 1994) e, desse modo, deve ter seu conteúdo formulado a partir dos modos de vida e das dinâmicas concretas de luta política travadas em cada contexto histórico e social concreto. Desse modo, o texto acompanhará a trajetória de mobilização política de três gerações de mulheres de uma mesma família, moradora do distrito de Brasilândia, periferia norte de São Paulo. O work é fruto de uma pesquisa desenvolvida nas periferias paulistanas desde 2015 e busca acompanhar etnograficamente a trajetória dessa família apresentada a partir da trajetória da própria pesquisa de campo. Na geração da avó, a organização política se deu a partir da participação em Comunidades Eclesiais de Base, que serviram de alicerce para a formação de associações locais e para a mobilizações dos moradores das periferias em torno de pautas como a reivindicação de creches, postos de saúde, linhas de ônibus, asfaltamento, esgoto etc. Em um contexto de abertura política, a postura desses movimentos mostrou-se mais combativa, com repertórios de ação que buscavam formar e mobilizar as pessoas por meio de reuniões, abaixo-assinado e mobilizações de rua. Na geração da mãe, a organização política passa por um processo de institucionalização, em Organizações Não-Governamentais, sindicatos ou partidos políticos. Com isso, a participação política nessa geração passa a se dar, principalmente, por meio de canais de diálogo, negociação e parceria com o Estado, saindo de cena as grandes mobilizações e outras formas de ação mais combativas. Finalmente, na geração da filha, a organização política torna-se mais fluida e descentralizada, centrada principalmente em coletivos que militam em torno de pautas de cunho identitário, como racismo e feminismo e que têm na cultura sua principal frente de atuação. Com a ocorrência de mobilizações coletivas mais expressivas como as manifestações de junho de 2013 e as ocupações de escolas públicas em 2015, essa nova geração parece voltar a flertar com repertórios de ação mais combativos e menos negociais.
Dilemas sobre direitos e justiça no contexto de judicialização da violensia domestika em Timor-Leste
Autoria: Miguel Antonio dos Santos Filho (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: Em Timor-Leste vige, desde 2010, uma lei que visa coibir e penalizar o uso da força física e de outras formas de causar dor, sofrimento e constrangimentos sob a categoria penal de violensia domestika. Desde análises feitas a partir de 2002, ano em que o país restabeleceu sua independência, tem se discutido sobre as controvérsias práticas e discursivas que circundam esse fenômeno. Se por um lado movimentos sociais, ONGs e instituições do Estado defendem a aplicação dos institutos penalizadores da Lei Contra Violência Doméstica, por outro, práticas e discursos de autoridades locais e de operadores do direito se contrapõem a tal objetivo, defendendo outro conjunto de valores e de preocupações. Assim se constituem dilemas acerca dos direitos das mulheres e da reparação para as vítimas de violência doméstica e familiar, ao mesmo tempo em que emergem diferentes representações, práticas e discursos institucionais sobre percepções de cidadania, dignidade, direitos individuais e sobre lógicas coletivas/relacionais (holísticas) de constituição de sujeitos e relações sociais. Essa discussão é feita com base em pesquisa etnográfica realizada em Timor-Leste a partir de 2015, onde acompanhei duas organizações não governamentais da capital do país em suas interações com entidades do Estado, outros coletivos da sociedade civil e mulheres afetadas pela violência doméstica. A partir das rotinas dos membros dessas organizações, abriu-se um campo de diálogo com autoridades locais do interior do país (zonas rurais, referidas como sendo Montanhas, foho). Neste universo preponderam outras sensibilidades jurídicas e outros ordenamentos sociais para o reconhecimento, a valorização e a própria produção das pessoas enquanto sujeitos que muito diferem da sensibilidade característica das instituições do direito positivo (moderno, ocidental etc.). É a partir daí que se discute as perspectivas sobre o acesso e o recurso aos mecanismos do Estado (o poder judiciário e a polícia) para garantir os direitos das mulheres e as controvérsias sobre esse modus operandi a partir das narrativas de sujeitos que não se adequam às práxis institucionais ditas modernas. No contexto em análise circulam diferentes concepções sobre direitos legais, sobre individualidade, sobre o que é violência doméstica e sobre o que realmente pode afetar à ordem social: o uso da força física ou o acionamento às instituições do Estado. Questões como essa complexificam a apreensão sobre cidadania e sobre valores da igualdade no contexto de acelerada modernização em Timor-Leste.
Direito `a moradia: formação política e mobilização comunitária na luta pela moradia popular
Autoria: Michelle Lima Domingues (UFF)
Autoria: Este work é resultado parcial de pesquisa que visa compreender processos coletivos de demandas e engajamento pelo direito a moradia popular, centralizados na região portuária da cidade do Rio de Janeiro e em suas adjacências. Tais processos objetivam a permanência de famílias de baixa renda em um espaço imbricado por competições pelo território que é foco de projeto de revitalização urbana subsidiado pelo Estado, chamado Porto Maravilha. O work trata especificamente de análise etnográfica da implementação de um projeto habitacional governamental, vinculado ao programa federal brasileiro Minha Casa Minha Vida Entidades, contratado em 2015, que se coaduna com a perspectiva de contrapartida social do Plano de Habitação Social do Porto. O grupo de famílias trabalhadoras "Quilombo da Gamboa", que foi beneficiário do projeto em foco, é representado por dois movimentos sociais de luta pela moradia e por uma Organização Não Governamental de defesa dos direitos humanos. Neste work, considerando um dos eixos da pesquisa em andamento, “política e cidadania”, proponho articular as correlações, tensões e limites entre o fomento `a criação de “novos sujeitos sociais” (Oliveira, 2003), na esteira do “novo progressismo” proposto por agentes do Terceiro Setor no desenvolvimento da sociedade civil e a gestão e implementação da política pública habitacional no Brasil nos anos 2000. Para tanto busco discutir os agenciamentos institucionais dos núcleos familiares no sentido da organização comunitária e formação política para a autogestão na promoção do direito `a moradia e do direito `a cidade. O work pretende discutir os agenciamentos institucionais deste grupo de famílias pelos coordenadores do projeto e lideranças locais, bem como pelas instituições gestoras e financiadoras do programa habitacional, que se articulam em determinados sentidos e arranjos de significados nos espaços político-pedagógicos de formação e mobilização comunitária. Assim, a luta pela moradia digna e demais direitos sociais na cidade pressupõe processos de transformação social das famílias beneficiárias que, através da legitimada comunidade organizada e da visibilização de conversões qualificadas, devem, pela evidência de suas carências e de seu consequente desejo de autonomia frente a elas, transformar-se em cidadão.
Etnografias sobre Cidadania e Controle Social: Estudando Estádios, Presídios e a Análise Criminal no Rio de Janeiro
Autoria: Daniel Ganem Misse (UFF), Camila Souza Gomes Isabella Mesquita Martins Felipe Leichsnering Mendes
Autoria: Estudos sobre território e cidadania vêm ganhando espaço cada vez maior no campo da antropologia. Etnografias que relacionam formas de controle social e cidadania evidenciam novas formas e saberes no campo da administração institucional de conflitos e segurança pública. Este estudo contempla uma breve discussão sobre três etnografias em construção envolvendo formas de controle social em estádios, presídios e na construção de dados de análise criminal nos órgãos de segurança pública do município de Niterói, estado do Rio de Janeiro. Nos estádios, as formas de controle social pelo Batalhão Especial de Policiamento em Estádios (BEPE) e a sua relação de contenção das torcidas organizadas são analisadas por pontos de vistas de policiais e torcedores. Nos presídios, a dependência dos detentos com relação à visita para receberem itens para a sua manutenção, para além do afeto dos visitantes, é analisada da porta do presídio para fora, explorando a informação sobre o que pode ou não entrar em um presídio da região metropolitana do Rio de Janeiro e a relação estabelecida entre agentes penitenciários e familiares dos presos. A análise criminal e as dificuldades na construção de indicadores de segurança pública no município de Niterói é estudada por dentro do Observatório de Segurança Pública daquele município. Relacionando três atividades que em nada parecem se assemelhar, identificamos como as informações são construídas e passadas por parte dos agentes estatais na produção de controle social para três finalidades distintas. Nos três estudos, a complexidade das relações envolvidas é percebida de dentro das instituições para fora. Dos analistas do observatório de segurança para os órgãos de segurança pública de Niterói. Dos agentes penitenciários e policiais do BEPE para os cidadãos que acessam e se relacionam com esses agentes públicos nos dias de visita e de jogos, respectivamente.
Garantia e efetivação de direitos: mobilidade entre redes de apoio a imigrantes na cidade de Curitiba
Autoria: Vitor Henrique de Siqueira Jasper (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: De acordo com dados da Organização Internacional para as Migrações, estima-se que, em 2015, globalmente havia 244 milhões de imigrantes internacionais (aproximadamente 3,3% da população mundial). Já no Brasil, segundo dados do Sistema Nacional de Cadastro e Registro de Estrangeiros, em 2017 havia cerca de 633 mil imigrantes (em torno de 0,3% da população nacional). Apesar de o número de imigrantes vivendo no Brasil ainda ser baixo, nos últimos anos o país se tornou destino de pessoas vindas de países do chamado sul global, do qual também faz parte. Neste contexto de fluxos migratórios Sul-Sul, faz-se necessário ponderar acerca do estatuto dado a estes imigrantes na sociedade brasileira, especialmente em termos de reconhecimento de cidadania e de acesso a direitos. Desta forma, este work tem como objetivo apreender como as políticas de acesso a direitos para imigrantes são compreendidas e mobilizadas, a partir da análise da circulação dos imigrantes pelas diversas instituições, dos tipos de “ajuda” buscados e ofertados, e das formas pelas quais se procura efetivar os direitos dessas pessoas. Esse estudo tem como base a pesquisa etnográfica que vem sendo desenvolvida em um conjunto de instituições governamentais e não governamentais que fornecem suporte para imigrantes haitianos na cidade de Curitiba. Prontamente, duas questões emergem. A pesquisa aponta que, por um lado, devido à centralidade da concepção da migração como um fenômeno econômico, as políticas de empregabilidade são consideradas essenciais, o que muitas vezes implica no não reconhecimento da necessidade de produção de outras políticas públicas. Por outro, apesar dos avanços produzidos pela Lei de Migração (lei 13.445/2017) – especialmente na caracterização da imigração como um direito humano (abandonando assim a concepção de que ela seria um risco à segurança nacional), e ao reconhecer ao imigrante o acesso a direitos “em condição de igualdade com os nacionais” (BRASIL, 2017) –, ainda restam diversos desafios para a garantia e efetivação de direitos dessa população. Entre eles, destacamos a necessidade de compreender como suas especificidades e sua diversidade devem ser consideradas no processo de produção desses direitos.
Há espaço (e tempo) para uma gestão democrática das cidades?
Autoria: Tatiana Calandrino Maranhão (UNIFESO - Centro Universitário Serra dos Órgãos), Tainá Valadares
Autoria: Nesta comunicação, pretendo contribuir para o debate sobre os significados das ideias de “participação democrática’ e “cidadania” a partir da observação e análise de como tais conceitos foram atualizados no Conselho municipal da cidade de Teresópolis. Os conselhos foram criados pelo Estado brasileiro a fim de viabilizar a participação popular na formulação e execução de políticas públicas, seguindo modelos adotados internacionalmente. Em âmbito municipal, a participação da população local no planejamento urbano se tornou legalmente obrigatória com o Estatuto das cidades, aprovado em 2001. Todavia, ao mesmo tempo em que promove a ampliação da participação, a criação de conselhos inclui a produção de normas – escritas ou não – que regem desde o preenchimento das vagas de conselheiro até as formas de votação e de relacionamento com os representantes do governo. Desta forma, o acompanhamento do funcionamento de um conselho municipal pode explicitar o alcance e os obstáculos encontrados para a efetivação das finalidades públicas atribuídas a esses espaços. A metodologia utilizada pode ser caracterizada como uma participação observante, derivada de uma reflexão teórica concomitante a uma experiência encarnada (Wacquat, 2002), considerando minha própria experiência como conselheira e também pesquisadora do tema. Neste sentido, vale ressaltar a importância do work de campo para afastar uma interpretação meramente formal desses espaços voltados ao exercício de direitos da cidadania, bem como compartilhar as dificuldades encontradas neste duplo papel.
Os usos articulados da luta política nas batalhas de poesia no Slam das Minas- RJ.
Autoria: Semirames Khattar (ISECENSA - Instituto Superior de Educação do Centro Educacional Nossa Senhora Auxiliadora)
Autoria: Este artigo analisa, a partir do work de campo em andamento desde janeiro de 2019, as condições e os processos na denominada resistência de poetas que disputam as batalhas de poesia falada no Slam das Minas no Rio de Janeiro. O objetivo é discutir como estas articulam os usos políticos da categoria luta e seus desdobramento na incorporação na percepção e modos de percepção sobre os insultos, injúrias e moralidades para a construção de garantias do exercício da denominada cidadania ativa e seus desdobramentos. Os Slams são batalhas de poesia onde possuem regras próprias de apresentação artísticas e são visualizados por seus criadores ora como uma Ágora, como meio de conexão e debate sobre injustiças, ora, como uma Egrégora, pela união da nação de poetas através da criação de valores e aspirações comuns. O eixo comum é a enunciação das organizadoras para a delimitação do Slam como um espaço considerado como “seguro” para as minorias sociais exporem suas formas de expressão, garantindo direito à liberdade e tratamento igualitário entre os participantes. A liberdade de expressão é visualizada para além da autonomia em sua acepção tradicional da democracia liberal tendo em vista que há um resgate das vozes coletivas que foram deslocadas historicamente para a margem, como mulheres e outras expressões de gênero considerados como não hegemônicos. Os aparecimentos dessas vozes nas ruas podem ser analisados a partir da análise acerca da democratização do espaço público e das articulações políticas sobre os sentidos cotidianos sobre resistir e lutar. Contudo, tais sentidos vividos e experienciados são cotidianamente tensionados numa disputa interna entre o grupo e outros Slams sobre os direitos das mulheres, pelo exercício de resgate da ancestralidade derivado do “mulherismo africano”, das transições de gênero e buscas por tratamento igualitário, bem como dos sentidos de liberdade das mulheres negras frente ao movimento feminista. Assim a liberdade não é uma categoria abstrata, mas sim redimensionada por distintos interesses de afirmação de cada grupo que compõe a cena dos Slams. Desta forma, pretendeu-se analisar as gramáticas de injustiças e suas dinâmicas cotidianas, suas formas de incorporação sobre como exercer a cidadania através da identificação das tensões sobre identidade e afirmação da igualdade e liberdade relacional no âmbito dos direitos das mulheres e expressões de gênero considerados minorias sociais. A análise da ação política na construção de um espaço de encontro entre poetas, coletivos sociais, artistas e políticos é fundamental para compreensão da cidadania.
População negra e cidadania brasileira: uma análise etnográfica dos escritos constitucionais de 1824 e 1891
Autoria: Rosiane Trabuco de Oliveira (UFPB - Universidade Federal da Paraíba)
Autoria: O objetivo desta investigação é tomar a Antropologia e o Direito como produção de conhecimento fundamentais para análise das Constituições brasileiras de 1824 e 1981 no que toca à noção de cidadania. Esta noção está marcada por uma ideia de pessoa universal, por um aparente paradoxo, seu enunciado passa a excluir uma parcela da população do convívio social e da garantia de se portar e circular enquanto detentores de direitos. Desse modo, a proposta do work é analisar o processo de construção da cidadania brasileira – incluindo esta própria categoria – que passa por questões específicas que incidem diretamente sobre a população negra, focando-me nessas duas referidas constituições. O texto jurídico coloca o negro em um limbo ao considera-lo “pessoa” e propriedade, a intenção é demonstrar através de uma análise etnográfica de arquivo as condições da produção desses enunciados jurídicos em determinado contexto histórico, fundamental para a construção republicana do “cidadão” no Brasil. Buscarei ver a interlocução com os sujeitos que os produziram embebido de valor moral e relações de poder. Em termos metodológicos e epistemológicos, alguns preconceitos devem ser revistos, visto que, como remarcou Cunha (2004), a pesquisa documental aparece como a antítese do work de campo, esvaecendo a possibilidade de uma conversão em etnografia. No entanto, o que se busca em análise documental, diz a autora, é “bem mais do que ouvir e analisar as interpretações produzidas pelos sujeitos e grupos que estudam, mas entender os contextos — social e simbólico — da sua produção” (CUNHA, 2004, p. 293). Compreender os reguladores que estão por trás desses sujeitos (criadores de normas/leis e detentores de um saber-poder) só é possível quando essas “vozes” (escritas) são tomadas como objeto de análise, e atentamos para o fato de que os arquivos são construídos, alimentados e mantidos por pessoas, em grupos sociais e instituições. Por isso, compreender a noção de cidadania atrelada a igualdade de direitos, pouco tem a dizer. É preciso ir a fundo e verificar em quais bases se afinca esta noção, interrogando de que forma esse dado se tornou fato reconhecido como tal, isto é, averiguar o modo como afirmações desse tipo se tornaram possíveis.
“Feminismo é revolução”: Coletiva das Vadias e a busca pelo reconhecimento de direitos das mulheres
Autoria: Cibelle Canto Bastos (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: Neste artigo apresento uma etnografia do grupo feminista responsável pela realização da Marcha das Vadias na cidade de Recife/PE. A Marcha das Vadias acontece em Recife desde 2011 e vem sendo organizada por um grupo que já passou por diversas mudanças e que desde 2018 se intitula “Coletiva das Vadias”, trata-se de um grupo heterogêneo, com mulheres de várias classes sociais, heterossexuais, bissexuais e lésbicas, mulheres negras e brancas. Aqui procuro descrever como a Coletiva sistematiza e organiza uma agenda de eventos feministas na cidade de Recife a partir do acompanhamento de suas atividades ao longo do ano de 2018: desde um evento para ressignificação do próprio nome, em abril, até a realização da Marcha, em 9 de junho de 2018. Demonstro como, durante este período, as atividades da Coletiva das Vadias levantaram pautas que se relacionam com a reivindicação por reconhecimento de direitos das mulheres, como: antirracismo, descriminalização do aborto, combate ao feminicídio e ao enfrentamento da violência contra a mulher. Tendo como referência este material etnográfico sustento que a Coletiva das Vadias, especialmente no momento da Marcha, mobiliza suas demandas a partir de uma performance coletiva, na qual o corpo feminino deixa de ser um corpo dócil/domesticado, e passa a ser um agente de reivindicação política e social que atua na busca do reconhecimento de direito das mulheres, agindo como um corpo político. A partir destas observações proponho um diálogo entre meu material etnográfico e as discussões acerca das noções de “reconhecimento” e “direito”, debatendo com pensadores como Axel Honneth (2003), Luís Roberto Cardoso de Oliveira (2011; 2018) e Nancy Fraser (2001; 2009). Com isso, pretendo apontar como as atividades do grupo e a sua forma de ativismo feminista, podem estar inseridos nas discussões sobre reconhecimento de direitos das mulheres, pensados aqui a partir de sua dimensão simbólica.
Autodeterminació per ciudadanes espa(ñ)yols: o Procés como construção de competências e poderes na comunidade autônoma de Catalunha, Espanha.
Autoria: Pedro Bezerra Ribas (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: O Procés Contituent a Catalunya – coloquialmente conhecido como “Procés” – é um movimento social concebido na comunidade autônoma da Catalunha desde meados de 2012 que demanda e manifesta pela independência da região do Estado espanhol, Espanha. Este movimento se caracteriza por protestos e mobilizações regionais multitudinárias ao que é percebido como um Estado centralizador, tendo como objetivo construir uma formação sociopolítica regional com pleno poder de se “autodeterminar”. Através do Procés somos apresentados a uma dialética interna dominada pela competição e pelo conflito entre dois grupos distinguidos etnicamente, Catalunha e Espanha – de cultura castelhana –, no qual é colocado em questão dogmas da relação entre as partes: o Estado-nação, autonomia política e identidade cultural. Essa problemática trazida pela singularidade étnica-cultural das partes não é apresentada como novidade em Espanha dado a ambivalência de identidade culturais que reúnem os cidadãos do país, composta entre andaluzes, bascos, castelhanos, catalães e galegos. O caráter plural e multicultural da sociedade espanhola é trabalhado por diversos projetos e narrativas que almejam garantir direitos e a constituição do Estado. De todo modo, tradicionalmente no país aquilo que se observa é um cenário marcado pelo conflito entre as identidades culturais, dinâmica essa que não consegue ser respondida pelo Estado que por vezes os acentua. A presente pesquisa toma foco etnográfico do Procés. Busca-se fazer uma análise da dimensão em que as identidades étnico-culturais são significadas à cultura estatal e o modo como tal questão é concebida e problematizada pelos atores sociais do Procés. Deste modo, o seguinte work tratou de estudar a relação que guarda o conjunto de direitos e deveres a serem garantidos pelo Estado aos problemas decorrentes da singularidade étnico-cultural de grupos concorrentes da Espanha. A pesquisa reúne um acompanhamento etnográfico de 4 meses conduzidos de setembro a dezembro de 2019 na cidade capital da região, Barcelona. Foram feitos entrevistas, levantamento documental, participação de manifestações e acompanhamento de grupos. A pesquisa mostra como a incapacidade de conjugação de direitos e deveres do Estado à singularidade de seus grupos étnico-culturais faz com que cidadãos percebam a falta de efetivação dos direitos civis e sociais. Além disso, através do Procés, ao conjugarem o conflito étnico-cultural junto a demandas de renovação política os cidadãos agregam novas concepções de participação e relação cidadã, distintas das formulações centradas na unidade clássica do Estado-Nação/ Espanha. Ao manifestarem por “autodeterminação” procura-se constituir uma relação onde consiga conjugar competências, poderes e identidade cultural.
Perfil, Sujeito e Bolsa: uma reflexão sobre a definição e relação dos beneficiários do Programa Bolsa Família com o Estado.
Autoria: Yago Geovanne Oliveira Ono Xaxá (UFPB - Universidade Federal da Paraíba)
Autoria: Partindo das experiências de um work já realizado em Rio Tinto, PB (aproximadamente 25.000 habitantes) e do work atualmente em curso realizado em Santa Helena, PB (aproximadamente 7.000 habitantes), a reflexão se volta para a relação dos beneficiários do Programa Bolsa Família com os Agentes do Estado e explorar os efeitos de suas percepções, interações e práticas empíricas nos trâmites do exercer de seus direitos. A experiência em campo demonstra a construção de um perfil extra-oficial dotado de adjetivos específicos sobre quem pode, deve e está no Bolsa Família além de denotar raça e gênero qualificados quando refletidos a partir das adições de uma Antropologia do Sujeito. O work de campo traz a tona este Sujeito presente no discurso dos Agentes do Estado e impacta suas percepções e relações com os beneficiários. O work então se expande em direção da percepção dos beneficiários e suas definições de quem tem ou deve ter acesso ao programa e de suas navegações nas veias da assistência social dentro de municípios de pequeno porte.