GT 33. Enlaces e emaranhados: antropologia, etnografia e culturas populares

Coordenador(es):
Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Antonio Maurício Dias da Costa (UFPA - Universidade Federal do Pará)

Sessão 1 - Cultura Popular: narrativas e interpretações
Debatedor/a: Renata de Sá Gonçalves (UFF - Universidade Federal Fluminense)

Sessão 2 - Cultura, Folclore e Patrimônio
Debatedor/a: Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Debatedor/a: Antonio Maurício Dias da Costa (UFPA - Universidade Federal do Pará)

O  grupo visa investigar diferentes construções discursivas nos estudos das culturas populares. Busca alargar nossa compreensão de tais estudos ao refletir sobre os enlaces e emaranhados existente entre literatos, antropólogos, estudiosos do folclore,  promotores de festejos e de folguedos e demais agentes que ajudaram a um só tempo a conhecer novas realidades e a produzir visões mais ou menos canônicas a seu respeito. Desde os anos 1980, a experiência etnográfica reconfigurou-se na antropologia com a associação mais crítica da pesquisa de campo a sua resultante apresentação escrita. Questionaram-se hierarquias entre pesquisadores e sujeitos enfocados; reconheceram-se estratégias narrativas e recursos ficcionais nos textos produzidos. Com esse ponto de partida,  enfocamos a presença da perspectiva etnográfica nos estudos antropológicos das culturas populares,  problematizando seus enquadramentos conceituais - arcaísmo, primitivismo, sobrevivência; cooptação, resistência, resgate; dinâmica, circuito ou patrimônio culturais; conhecimentos e territórios tradicionais, entre outros.  Por culturas populares entendemos um ambiente sociocultural heterogêneo com especificidades históricas, regionais, religiosas, étnico-raciais, no qual estão em jogo mediações, inovações e múltiplas redes de relação e trocas culturais, distintas formas rituais e expressivas. Trata-se, entretanto, de enfocar especialmente os registros documentais e a produção bibliográfica resultante de tais estudos.

Palavras chave: etnografia; culturas populares; construções discursivas
Resumos submetidos
A cultura popular nos dois lados do Atlântico: Correspondências entre Jorge Dias e Intelectuais Brasileiros
Autoria: Ana Teles da Silva (IBRAM)
Autoria: Neste work pretendemos analisar de que forma se deu a construção de um campo de interesses comuns entre intelectuais brasileiros e portugueses em torno da busca de continuidades entre a cultura popular portuguesa e a cultura popular brasileira. A partir da análise das missivas recebidas pelo antropólogo português Jorge Dias e seus correspondentes brasileiros na área de Antropologia e Estudos de Folclore - e alguns que transitavam entre essas áreas -, que ocorreram nas décadas de 1950 e 1960, pretende-se reconstituir o interesse pelas continuidades culturais entre Brasil e Portugal que ocorre sobretudo também no campo da cultura popular e sua produção material. As correspondências mostram a troca de publicações, bibliografias, fotografias e objetos. Dessa forma se discutirá a forma como esses intelectuais estavam pensando a cultura popular e conceitos como origem, influências e difusão cultural. A ideia de uma continuidade cultural entre Portugal e Brasil levou em conta algumas temáticas (do campo da cultura popular) privilegiadas e hierarquizações na classificação de expressões da cultura; na medida em que as origens culturais portuguesas eram percebidas, por intelectuais estudiosos de folclore, como superiores às origens culturais africanas. Será objeto ainda de reflexão os resultados destas interlocuções como a criação de museus, de ambos os lados do Atlântico,enquanto consolidação de esforços desse campo particular de pesquisas.
A redescoberta das culturas populares: novos conceitos, atores sociais, políticas e circuitos
Autoria: Bruno Goulart Machado Silva (UNILAB - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira)
Autoria: Desde pelo menos a década de 1990 vimos emergir um renovado interesse pelo universo das culturas populares no Brasil que não se via desde a atuação do movimento folclorista na segunda metade do século XX. O presente work propõe refletir sobre os diversos sujeitos e processos que levaram à essa renovação do interesse pelas culturas populares. O argumento central desenvolvido aqui é que os anos 1990 experimentaram um florescimento de pesquisas acadêmicas, principalmente de cunho etnográfico, grupos artísticos, coletivos culturais, ONGs e instituições com atuação voltada para as culturas populares. Circunscrito inicialmente ao sudeste, esse movimento de “redescoberta do folclore” vai tomando dimensões nacionais ao longo dos anos 1990 e 2000. Contexto este que viu emergir um novo circuito de trânsito para a cultura popular, expresso na criação de produtoras, gravadoras, fundações, lançamentos de CDs e DVDs, organização de festivais e encontros, e a realização de projetos voltados para as comunidades, grupos, mestres e mestras detentoras das culturas populares. Tal circuito reuniu uma heterogeneidade de sujeitos: pesquisadores, produtores culturais, artistas, gestores públicos, mestres, mestras, brincantes etc. A atuação desses agentes variados levou, nos anos 2000, ao surgimento de um movimento social em âmbito nacional e em prol da cultura popular e tradicional, o qual teve uma importante atuação na conquista de espaços nas políticas culturais. De forma a refletir sobre esse contexto esboçado acima, procuro argumentar: a) como esse movimento nasce em meio ao surgimento de novas categorias e acepções, tais como culturas populares, culturas tradicionais e patrimônio imaterial, para se classificar e pensar o que antes era nomeado como folclore; b) quais são as características e especificidades das propostas artísticas que estabelecem diálogo com as culturas populares; c) como se dá a atuação dos grupos artísticos de cultura popular; d) quem são seus sujeitos; e) a quais desafios e dilemas éticos estão submetidos; f) o que possibilita sua organização enquanto movimento social nos anos 2000; g) como se deu essa articulação; h) e quais as consequências da atuação política desses sujeitos no acesso às políticas culturais por parte da cultura popular e tradicional. Os dados apresentados aqui foram reunidos na ocasião da minha pesquisa de doutorado, defendida em 2018, que teve como tema a experiência de festivais e encontros voltados para o universo das culturas populares. O material reunido aqui tem natureza heterogênea, tais como entrevistas, pesquisa virtual, documental e bibliográfica, assim como etnografia de eventos.
Congado em foco: narrativas fílmicas, tempo e tradição
Autoria: Joana Ramalho Ortigão Corrêa (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: Congados, Reinados e Festas em devoção a Nossa Senhora do Rosário e aos santos pretos despertaram o interesse de várias gerações de pesquisadores e estudiosos do campo das culturas populares desde a primeira metade do século XX. Além de artigos, livros e monografias, há também uma vasta produção fílmica produzida de forma independente e autoral ou associada ao desenvolvimento de pesquisas acadêmicas e inventários folclóricos e patrimoniais. Nesta comunicação, analisarei a produção audiovisual feita em torno destas celebrações em Minas Gerais, em especial documentários que retratam a Festa de Nossa Senhora do Rosário da histórica cidade do Serro, desde os anos de 1950 até a atualidade, ressaltando seus enfoques, estratégias narrativas e diálogos com interesses de época. Refletirei sobre como estas imagens produzem compreensões de tempo e historicidade, entrelaçadas às perspectivas atuais dos sentidos locais de tradição, continuidade e mudança.
Estados de Alma: Antropologia, Literatura e Volksgeist
Autoria: João Leal (CRIA (Universidade Nova de Lisboa))
Autoria: A identificação dos motivos estruturantes das culturas nacionais – aquilo a que os românticos alemães chamavam de volksgeist – é um dos temas principais das antropologias europeias de “construção da nação”. No caso português Jorge Dias foi um dos melhores representantes desta tendência, que influenciou também antropólogos e etnógrafos regionais e locais, como Luís Silva Ribeiro, conhecido, entre outras razões, pela sua tematização culturalista da açorianidade. Nestes tratamentos da cultura como um conjunto de princípios espirituais, antropólogos e etnógrafos não só não actuavam sozinhos como interagiram com vários outros intelectuais, nomeadamente poetas e escritores, que, sob formas diversas, partilhavam as mesmas preocupações. Nesta comunicação, olharei para algumas dessas articulações entre antropologia e literatura, pondo em diálogo dois poetas e escritores – Teixeira de Pascoaes e Vitorino Nemésio – e dois antropólogos – Jorge Dias e Luís Silva Ribeiro.
Falando com o boi: as variações narrativas na Lenda do Boi Falô
Autoria: Caue Fernandes Nunes (PUC-CAMPINAS - Pontifícia Universidade Católica de Campinas)
Autoria: O objetivo desse work é fazer uma análise da lenda do boi falô usando o estruturalismo antropológico como metodologia. De tradição oral, a lenda é originária do distrito de Barão Geraldo, na cidade de Campinas/SP, e narra a relação entre o escravizado Toninho, o Barão Geraldo de Rezende - dono da Fazenda Santa Genebra -, e um boi. Diversas versões foram colhidas, a maioria de relatos orais, mas também versões contidas em filme, livro, folhetos, assim como na Festa do Boi Falô, evento que acontece todos os anos na cidade. As narrativas apresentam diferenças entre si, no entanto, existe um núcleo comum invariante que permite conectar as diversas versões. As definições entre os conceitos de lenda, mito e outras narrativas são fluídas e dependem dos contextos cosmológicos em que estão inseridos. Como o objetivo aqui é isolar os termos que compõem a lenda e buscar compreender quais estruturas são mobilizadas, a narrativa em questão pode ser compreendida também como um mito. A hipótese levantada é de que a lenda do boi falô realiza a manipulação das seguintes oposições cosmológicas: senhor-escravo, natureza-cultura, sagrado-profano e branco-negro. Após recolher diversas versões da lenda, escolhi uma para funcionar como a de referência. A decisão foi tomada pela importância do interlocutor e não necessariamente pelo conteúdo da história. Mestre Marquinhos é campineiro e sua família é uma das que possui a tradição de transmitir a lenda de geração em geração. Mestre griô e de capoeira, Marquinhos está envolvido diretamente na militância cultural e de preservação da cultura negra da cidade, interessado principalmente nas narrativas de transmissão oral. As demais versões são de frequentadores da Festa do Boi Falô, de um curta-metragem chamado “O Boi Falô” e do livro “A Lenda do Boi Falô”.
Folclore e etnografia em Mário de Andrade
Autoria: Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: Na fortuna crítica de Mário de Andrade, está bem estabelecida a relevância da categoria folclore que não só permite conectar vários aspectos de sua obra como emerge como um elemento mediador central na proposta de renovação da criação artística brasileira. A noção de folclore, entretanto, traz sempre junto consigo, de modo mais ou menos explícito, aquela de etnografia. Trata-se nesta proposta de analisar as variações no uso e nos sentidos das noções de folclore e de etnografia – um par de noções complementares que emergem com clareza naquilo que Eduardo Jardim (2015) denominou de “núcleo folclórico” na obra do autor. Em todo esse conjunto, a abordagem dos temas considerados populares recorreu a formas de pesquisa consideradas etnográficas. Sabemos como em especial a partir da segunda metade dos anos 1920, Andrade voltou-se de modo mais decidido para o tema do folclore e projetou reunir seus estudos resultantes do farto material documental obtido nas suas viagens de pesquisa à Amazônia (maio-agosto de 1927) ao Nordeste ( novembro de 1928-março de 1929) nos vários volumes de uma série intitulada Na pancada do ganzá que não chegou a ser publicada em vida. No conjunto mais amplo dos works que se agregam em torno dessa aspiração (entre eles Danças dramáticas do Brasil, Os cocos, As melodias do boi e outras peças, Ensaio sobre música brasileira, Namoros com a medicina, os relatos do Turista Aprendiz e Vida de cantador), tomo por foco para comparação dois estudos: 1) Música de Feitiçaria, conferência elaborada para a Associação Brasileira de Música e publicado no volume 13 das obras completas editadas postumamente por Oneida Alvarenga; e 2) Samba rural paulista, publicado em 1937, na Revista do Arquivo Municipal, n. 41 e produzido no contexto das atividades da Sociedade de Etnografia e Folclore em estreita colaboração com Mario Wagner Vieira da Cunha. Esses dois textos evidenciam momentos paradigmáticos do trânsito da noção de etnografia de concepções evolucionistas ou difusionistas de folclore – expressões da arte do povo recolhidas “no gabinete” por meio da coleta de material obtido por diversos autores e colaboradores – e concepções mais holísticas de cultura. Estas últimas chegam a seu ambiente intelectual modernista com o curso ministrado em 1936 por Dinah Levi-Strauss no Departamento Municipal de Cultura então dirigido por Andrade e valorizam a presença direta do pesquisador “em campo”. Fidedignidade e autenticidade emergem como sintetizando dois regimes distintos de produção de conhecimento.
Literatura, etnografia e folclorização dos cordões de boi na Amazônia na versão dos intelectuais (1927-1943)
Autoria: Antonio Maurício Dias da Costa (UFPA - Universidade Federal do Pará)
Autoria: Este é um estudo sobre trocas entre intelectuais do Norte e do Nordeste, direta ou indiretamente ligados ao estudo do boi bumbá como pauta de pesquisa folclórica promovida por Mário de Andrade. O work analisa obras de literatos baseados no Pará nos anos de 1920 e 1930 dedicadas ao que concebiam como folclore amazônico, bem como cartas trocadas por literatos e músicos situados na Amazônia com Mário de Andrade a partir de sua viagem ao norte do país em 1927 até o ano de 1943. Os literatos e artistas focalizados se concebiam como conectados ao círculo intelectual da capital paraense e assim eram reconhecidos socialmente a partir de publicação de poemas, de ensaios, de composições musicais e do lançamento de coletâneas sobre folclore amazônico (lendas ameríndias, contos do mundo rural, anedotas). O estudo do boi bumbá na Amazônia como manifestação folclórica foi assim promovido, de forma pontual ou ampla, nas publicações de Jorge Hurley, Raymundo Moraes, José Carvalho, Pio Ramos, José Coutinho de Oliveira (presentes na biblioteca de Mário de Andrade), bem como nas composições musicais de José Rodrigues Brandão e nas cartas trocadas por Gastão Vieira, Sérgio Olindense, Bruno de Menezes e Waldemar Henrique com Mário de Andrade. Na pauta de pesquisa, destacava-se a ideia de que os bumbás da Amazônia se impunham como manifestação folclórica mais primitiva do país. Por isso, o folclorista teria o encargo de salvar a tradição popular pelo congelamento e museificação do passado, recuperando-a como patrimônio histórico. O estudo aqui proposto propõe-se a entender o tratamento do tema do boi bumbá amazônico como folclore, considerando sua oscilação entre dois eixos concernentes à perspectiva ensejada por Mário de Andrade: o uso de registros das canções de cordões de boi para o desenvolvimento da arte erudita nacional e as apresentações de bumbás como objeto de estudo da pesquisa etnográfica, de onde derivariam monografias vinculadas a áreas das ciências humanas. A hipótese guia do estudo é que essa variação só pode ser compreendida a partir do entendimento das relações travadas em espaços de intercâmbio intelectual entre estudiosos interessados nos bumbás amazônicos.
O Acervo Djalma Corrêa e a presença da religiosidade afro-brasileira na MPB
Autoria: Cecília de Mendonça (balafon), Alexander da Silva Cristiano
Autoria: Este work pretende abordar a forte presença da música das religiões afro-brasileiras na música popular brasileira. Partindo do work de organização e preservação do acervo do músico, percussionista e pesquisador Djalma Corrêa, pretendemos aqui apresentar as primeiras reflexões desdobradas desse projeto. O acervo de Djalma é composto de registros audiovisuais como fitas rolos, super 8, slides e negativos, entre outros suportes. Grande parte do acervo são registros de sua pesquisa sobre a música das tradições populares brasileiras. Incluindo muitas manifestações afro religiosas como os candomblés da Bahia, o Xangô em Sergipe, o Batuque do Rio Grande do Sul, entre outros. Djalma Corrêa, reconhecido por sua atuação como percussionista, desenvolveu um significativo, e ainda pouco conhecido work de pesquisa, reunindo em um extenso acervo, vasta documentação sobre a música e a cultura popular brasileira. Em 1959, o músico mineiro Djalma Corrêa mudou-se para Bahia e viveu por lá, durante quase duas décadas no anos 1960 e 1970. Em Salvador, estudante e depois técnico dos Seminários de Música da UFBA, aliou a formação erudita com a vivência da música popular e as pesquisas da música afro-brasileira, experimentando vários lados de toda a efervescência daquele período pré-tropicalista. Em 1964, estimulado por seu professor, o maestro Koellreutter, que lhe empresta um gravador, inicia suas pesquisas musicais da cultura baiana, interessado em entender, aprender e tocar os ritmos afro-baianos. Na década 1970, cria o grupo Baiafro trazendo para um work de criação musical, focado na percussão, muitos elementos das culturas tradicionais da Bahia, o grupo teve várias formações contando com a presença de mestres de capoeira, alagbes (tocadores de atabaque) e filhas de santo. Nesse mesmo período, Djalma Corrêa foi dos primeiros percussionistas brasileiros se destacar como músico profissional participando de emblemáticos works da indústria fonográfica brasileira. A Música Popular Brasileira é um importante veículo divulgador do universo religioso afro-brasileiro para além dos terreiros, e isso contribui para a criação de um imaginário que se encontra diluído na cultura nacional. O repertório de Djalma Corrêa é reconhecidamente rico em referências diretas ao universo afro religioso e através de seu acervo e de seu work artístico buscaremos entender algumas relações significativas do contexto de retorno a África que está presente não só no nome e na proposta de seu grupo, mas também no ambiente da MPB e que ganhou outros contornos que extrapolaram até mesmo os limites das religiões na busca de uma África muitas vezes mítica e idealizada, no afã de recriar uma brasilidade, em primeiro plano, negra que passou a ser cantada nas expressões populares.
O Barro de Sempre: Narrativas e discursos no fazer artístico no barro do Alto do Moura em Caruaru-PE
Autoria: Mateus Mota de Lima (UFPB - Universidade Federal da Paraíba)
Autoria: No work em questão buscaremos discutir como são formuladas novas narrativas referentes às peças de barro produzidas no bairro do Alto do Moura, localizado do agreste pernambucano, na cidade de Caruaru. Nesse sentido, evidenciaremos uma nova geração de artesãos e artistas da comunidade que buscam através da experiência com o grotesco e o fantástico, produzir novas narrativas que vão de contra ao figurativismo tradicionalmente fixado no fazer artístico no barro com o Mestre Vitalino e seus bonecos. Para exemplificar esse conflito utilizaremos dois eventos que aconteceram na segunda metade do ano de 2019, sendo o primeiro a Bienal do Barro de Caruaru, iniciada em 17 de outubro, com o tema “Nem tudo que se molda é barro”, e no mesmo momento, analisaremos a performance BarroEco, realizada um dia antes do início da bienal, que se caracterizou como uma construção coletiva de artistas e artesãos locais visando provocar reflexões acerca do fazer artístico no barro, e principalmente, protestar contra o fato de que a referida bienal, teria início sem que nenhuma obra ou artista do Alto do Moura, marcasse presença no que seria o “Núcleo Contemporâneo” da exposição. A partir desses eventos discorreremos sobre o processo de reformulação de tradições presentes na dinâmica da arte no barro no Alto do Moura, ao mesmo tempo que buscaremos debater, a luz de estudos sobre cultura popular, como são construídos e fixados certos discursos no campo das manifestações artísticas populares.
Patrimonializações e concepções sobre gêneros de música/dança: os casos do samba de roda e do forró
Autoria: Carlos Sandroni (UFPE - Universidade Federal de Pernambuco)
Autoria: A expressão “patrimônio cultural imaterial” (PCI) foi desenvolvida ao longo de debate internacional, nos anos 1990, como uma nova categoria a afetar domínios de expressão coletiva antes referidos como “folclore” e “cultura popular”. As novas políticas culturais sob a égide do PCI possibilitam observar efeitos do que I. Hacking chamou de “nominalismo dinâmico”: o modo como regiões da vida social são transformadas, em relação com mudanças em maneiras de concebê-las e administrá-las, expressas sinteticamente em mudanças de nomes. Discutirei estes temas a partir dos casos do samba de roda e do forró, que passaram/passam por momentos de redefinição em sua relação com a sociedade através do reconhecimento como PCI. No caso do primeiro, veremos que o estatuto da categoria “samba de roda” é dúbio: no recôncavo baiano, em inícios do século XXI, é raro usar a expressão fora da política patrimonial, sendo usual referir-se antes ao “samba” (qualificado às vezes como “samba-chula”, “samba-corrido” etc., mais que como “de roda”). “Samba de roda”, então, aparece no discurso metacultural (no sentido de M. C. da Cunha) pelo avesso da hegemonia nacional do samba carioca, onde “samba” "tout court" era o que se fazia nos desfiles de carnaval e nas ondas do rádio. A patrimonialização vem reforçar a estabilidade do “samba de roda”, com consequências que restam por avaliar. O contexto da patrimonialização e das disputas em torno do forró é diferente. A expansão comercial pós-1990 ligada ao termo não vem acompanhada, como no caso do samba, de uma aura “cultural” (M. C. da Cunha) ou nacional-popular (embora seja nacional e popular em novos sentidos, vide R. Ortiz). A mobilização patrimonial foi neste caso motivada por deslizamentos de sentido, onde “forró” se tornou mais rentável ao afastar-se de forrozeiros tradicionalistas. Estes, em reação, se organizaram, pressionaram o IPHAN (na melhor escola do protagonismo dos detentores, proposta na literatura do PCI) e obtiveram a abertura de um processo de patrimonialização. Que não se deu em torno do “forró” em geral, como se pretendia originalmente, e sim de suas “matrizes tradicionais”. A formulação possibilita escapar da expectativa de um “credenciamento” da palavra em contexto de disputas, fora das atribuições do IPHAN. A patrimonialização ajudou a fortalecer o “samba de roda” como entidade compacta, representada por associação corporativa que transcende micro-variações em que é fértil o recôncavo. No caso do forró, traz à tona músicas de rabecas, oito-baixos e pífanos, alargando e dando mais visibilidade ao campo do forró tradicionalista. Em ambos os casos, o reconhecimento social como “patrimônio” ativa a dinâmica entre palavras e coisas, entre culturas com e sem aspas.
“A estrela que me botou em tudo quanto é universo”: encontros entre um poeta de cordel e pesquisadores e instituições de proteção e apoio às expressões folclóricas
Autoria: Ana Carolina Carvalho de Almeida Nascimento (Fundação Biblioteca Nacional), Ricardo Gomes Lima
Autoria: A comunicação visa explorar nas narrativas e registros documentais deixados pelo poeta Jota Rodrigues (Águas Belas, PE, 1934 – Nova Iguaçu, RJ, 2018) os sentidos dados por ele ao encontro com pesquisadores e gestores de instituições públicas de proteção e apoio às expressões folclóricas para a realização de seu projeto de ser poeta de cordel. Jota deixou registros sensíveis de seus percursos: uma extensa produção de folhetos de cordel, xilogravuras, desenhos, materiais didáticos, documentos, objetos, fotografias, entrevistas gravadas em áudio e vídeo, textos e memórias de sua família e de professores, pesquisadores e jornalistas com quem seus caminhos se cruzaram. Jota narrava sua vida a partir de histórias, filosofias, das imagens e objetos que apontava nas paredes do centro cultural que ergueu em sua casa e das cicatrizes em seu corpo. Na narrativa, organizava a vida em torno de certos marcos, encontros com pessoas que provocaram transformações e aprendizados fundamentais. Colocando tudo em relação, como uma sucessão de crises, dava um sentido aos caminhos que percorreu e lugares que conquistou. Enquanto narrava, a cada novo personagem introduzido, recuperava retrospectivamente a história, contando e recontando com riqueza de detalhes e informações muitas vezes a sua vida desde o nascimento, passando pela morte da mãe, a sujeição ao work escravo na infância, a privação do acesso ao ensino formal, o aprendizado da escrita com um cego cantador, a recusa ao seu work por uma grande editora de folhetos, a impressão de sua obra em um prelo manual, a migração do nordeste para o sudeste do país, a pobreza e a vida em periferias de grandes cidades, a não aceitação de seu work por seus pares na Feira de São Cristóvão(RJ) e, finalmente, o encontro com pesquisadores e instituições de proteção e apoio às expressões folclóricas e a realização de seu projeto de ser um poeta de cordel. A partir da relação que estabeleceu com os pesquisadores Cáscia Frade (então diretora da Divisão de Folclore do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural) e Bráulio do Nascimento (à frente do Instituto Nacional do Folclore), o poeta até então recusado pela maior editora de folhetos do país e pelos poetas que se reuniam no principal ponto para a venda de folhetos do Rio de Janeiro, encontrou novos caminhos para a realização de seu work: a realização de palestras em escolas e universidades, alcançando notável reconhecimento. Inaugurou em 1983, com uma exposição sobre sua vida e obra, a Sala do Artista Popular, do então Instituto Nacional do Folclore. A trajetória e produção de Jota expressam um dos mundos possíveis, ou formas possíveis de ser poeta e fazer cordel, engendrando novos circuitos para a prática.
“Maracatu” com aspas: interlocuções, essencializações, reificações, tensões e disputas em torno de categorias de uma expressão da cultura popular
Autoria: Leonardo Leal Esteves (UFS - Universidade Federal de Sergipe)
Autoria: Neste work procuro discutir como categorias utilizadas para designar determinadas expressões da cultura popular são resultados de múltiplas interlocuções, essencializações, reificações, tensões e disputas históricas evolvendo diversos atores sociais. A compreensão acerca do chamado “maracatu de baque virado ou “maracatu nação”, por exemplo, a despeito da diversidade de práticas e sentidos, caráter processual, complexidade, circularidades e múltiplas apropriações em torno desta manifestação, passou a estar associada a uma narrativa extremamente colonialista que foi sendo elaborada e que se tornou mais ou menos canônica ao longo do tempo. Segundo a historiografia oficial, o termo “maracatu” está associado às cerimônias de Coroação de Reis do Congo registradas no Século XVIII e XIX por viajantes, como Henry Kostner (2005). Segundo autores, como Guerra-Peixe (1980), Katarina Real (2001), Gilberto Freyre (2004), Pereira da Costa (2005), as Irmandades do Rosário dos Homens Pretos costumavam nomear um rei entre seus integrantes para que ele mantivesse a “ordem” entre os negros e servisse como um intermediário entre estes e os seus senhores. Essas cerimônias de coroação eram acompanhadas de um Auto dramático e seguidas de batuques e danças que, em Pernambuco, teria dado origem ao maracatu. A expressão “baque virado”, que passou a estar relacionada aos maracatus em Pernambuco, remete ao tipo de musicalidade executada nesta manifestação cultural (Assis, 1996; Carvalho, 2007; Guerra-Peixe, 1980). O termo “nação”, veio a estar associado às comunidades religiosas que alguns de seus participantes estariam vinculados, bem como às raízes étnicas de seus integrantes. Estas categorizações e registros, de certa forma, contribuíram para fixar noções, que passaram a ser amplamente utilizadas e reproduzidas como “definições oficiais” por demais pesquisadores, representantes do poder público, agentes da Indústria Cultural, bem como pelos próprios atores sociais destas expressões. Atualmente, alguns destes aspectos, no entanto, passaram a ser ressignificados e utilizados como uma espécie de sinal diacrítico ou de afirmação política da diferença, frente a tensões e disputas simbólicas envolvendo diferentes atores sociais e grupos que surgiram na contemporaneidade reproduzindo e reivindicando práticas e sentidos tradicionalmente associados aos maracatus.
A lavagem do cais como manifestação cultural e tradicional de Barreiras
Autoria: David Moreira da silva (CLEAM MASTER SERVIÇOS)
Autoria: “Pôster” este work visa analisar os aspectos culturais e tradicionais da lavagem do kimarrei conhecida como "Lavagem do Cais", que tem se consolidado como elemento de coesão social em Barreiras reunindo elementos importantes a sua realização. Barreiras é a principal cidade no oeste da Bahia, grande polo do agronegócio no pais, banhado por rios, tendo cachoeiras como pontos turísticos e que tem o principal carnaval do oeste baiano. A cidade não havia festa de réveillon, as festas eram todas com sons mecânicos, a partir daí surge a ideia de criar uma festa entre amigos. Logo após o termino da festa eles se reuniam no clube AABB para realização de partidas de futebol. A história começa no fim dos anos 1980, realizada no antigo Bar do Mariana próximo aos correios. Devido à falta de espaço a lavagem foi deslocada para o recente bar e restaurante no cais da cidade de onde vem o nome da festa (lavagem do cais) que por alguns anos onde ocorreu o evento. A festa tomou grandes proporções provocando mais mudanças de local onde passou a ser realizado na praça landulfo Alves e hoje é realizado no Parque de exposição Engenheiro Geraldo Rocha. A lavagem é uma previa do carnaval, realizada todos os anos no dia 1° de janeiro, reunindo vários artistas de nome e renome com seus variados ritmos de músicas, atraindo foliões da região e de outros estados. Pretende-se com a pesquisa entender seu ambiente sociocultural heterogêneo com suas especificidades históricas, regionais, religiosas, étnico-raciais, no qual estão em jogo mediações, inovações e múltiplas redes de relação e trocas culturais, distintas formas rituais e expressivas. Como método de investigação, entrevistas estão sendo realizadas ao público participante. O objetivo das entrevistas é enfocamos a presença da perspectiva etnográfica nos estudos antropológicos das culturas populares.