GT 32. Em busca do bem viver: maternidade e protagonismo político das mães entre povos tradicionais

Coordenador(es):
Edviges Marta Ioris (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina)
Mônica Thereza Soares Pechincha (UFG - Universidade Federal de Goiás)

Apesar de fundamentais na organização social, na obtenção e preparo dos meios de sustento e bem viver da família, ou nos processos de mobilização e luta por reconhecimento e direitos entre os povos tradicionais, as “mães” constituem uma categoria pouco problematizada em termos de posição ou protagonismo político. Embora os avanços etnológicos na abordagem sobre maternidade, outrora recolhida à esfera do “doméstico” e seus ofícios, o papel político que as mães desempenham ainda é matéria inicial de pesquisa, apesar do registro cada vez maior de mulheres indígenas e quilombolas, e de outros setores do campesinato, destacando-se na luta por direitos e para assegurar condições de vida aos filho/as, sobretudo na saúde e educação. Nelas, evidencia-se a condição de maternidade como propulsora de enfrentamentos em espaços públicos, além de modos de resistência cultural, nos quais os/as filhos/as representam possibilidades de reprodução de um modo particular de vida. Este GT objetiva uma reflexão sobre o papel político das "mães" na organização dos povos tradicionais e frente aos seus processos de luta por direitos e acesso a serviços e políticas públicas, e que permita, simultaneamente, problematizar o entendimento da noção de “mãe” junto a estes povos. Assim, serão bem-vindas contribuições que abordem processos nos quais “mães” indígenas, quilombolas, ou de outros pertencimentos étnicos, encontram-se mobilizadas em vários modos de luta para assegurar o bem viver de seus familiares.

Palavras chave: Protagonismo político das mães; povos tradicionais; bem viver
Resumos submetidos
Cacique Pequena: “Uma força em muitas lutas”
Autoria: Regilene Alves Vieira (UFBA - Universidade Federal da Bahia)
Autoria: Os Jenipapo-Kanindé residem na aldeia Lagoa Encantada, no Município de Aquiraz, região metropolitana de Fortaleza-CE. É um dos 15 povos indígenas no Ceará reconhecidos pelo Movimento Indígena do estado e estão entre os grupos pioneiros na reelaboração e reivindicação da sua identidade étnica desde a década de 1980. Importante destacar que este povo tem como liderança política uma mulher conhecida por Cacique Pequena (Maria de Lourdes da Conceição Alves). Cacique Pequena tem 75 anos de idade e se tornou Cacique aos seus 51 anos em 1995, isso quer dizer que há 24 anos ela lidera a luta de seu povo. É mãe de 16 filhos, 60 netos e 34 bisnetos, agricultora, participa do Movimento Indígena e caracteriza-se por ser uma importante liderança nas insurgências étnicas no estado. Foi nomeada nos últimos anos como Mestre da Cultura Cearense e foi uma das três finalistas em 2017 do Prêmio Cláudia na categoria cultura. Além disso, é a primeira mulher a se tornar Cacique no estado do Ceará, ou seja, a primeira a ocupar uma posição de poder em um espaço majoritariamente masculino nas sociedades indígenas. Dito isso, o work busca compreender a trajetória de vida de Cacique Pequena articulada a luta pelo território, saúde, educação e dignidade humana de seu povo, no sentido de evidenciar como “mãe” no contexto indígena desenvolve papeis fundamentais nas lutas coletivas de seus grupos para além da maternidade e do espaço doméstico. Para dar conta desse work a metodologia utilizada é de cunho etnográfico em que o work de campo, observação-participante foram as principais estratégias para o recolhimento de dados.
Mulher indígena, mãe, estudante e liderança: as mulheres mães indígenas estudantes na Universidade Federal de Rondônia
Autoria: Gicele Sucupira Fernandes (UNIR - Fundação Universidade Federal de Rondônia), Sueli Oro Mon Gilmara Camila Araújo Puruborá Rozilene Magipo dos Santos Sakurabiat
Autoria: Este work foi realizado com mulheres estudantes indígenas e tem como objetivo analisar a presença e a atuação das mães indígenas estudantes da Universidade Federal de Rondônia a partir de documentos como atas, cartas, abaixo-assinados e entrevistas. O protagonismo das mulheres mães indígenas em Rondônia têm sido evidente nas reivindicações atuais no estado, principalmente, as manifestações contrárias à mineração, à grilagem, ao desmatamento e por uma saúde e educação diferenciadas. As reivindicação dessas mulheres estão dentro e fora da Universidade em Rondônia, na participação de coletivos indígenas, na organização de eventos, na busca pelo atendimento diferenciado nas instituições de educação e saúde, nas Associações, como a Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia (AGIR), onde atuam inúmeras estudantes. Muitas dessas mulheres são as primeiras a ingressarem no ensino superior e passam a ter um papel fundamental no movimento indígena, pelo fato de conseguirem transitar entre o mundo indígena e o mundo não indígena, como ter o domínio do português, sua escrita e leitura. São as mulheres indígenas mães e estudantes que têm mostrado, por exemplo, como a universidade não está preparada para acolher as mulheres que são mães ou tornam-se mães durante o processo de escolarização, sejam elas indígenas ou não, e tampouco está preparada para acolher os povos indígenas, que raramente andam sós, ou seja, migram para a cidade com suas famílias, mesmo que temporariamente. São elas que também têm evidenciado como atendimento especial efetivo no período de licença maternidade, os espaços para lactantes, trocadores, assim como a flexibilização dos períodos de práticas de resguardo e outras demandas já expostas por outras mulheres universitárias ainda não é algo concreto na universidade, no curso intercultural ou qualquer outro curso. Para estudar, muitas desenvolvem redes de apoio entre si para que consigam ser mães, estudantes e lideranças.
O protagonismo das mães na luta pelo território e manutenção da unidade do grupo familiar Kanela do Araguaia
Autoria: Francine Pereira Rebelo (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina)
Autoria: Neste work destaco o protagonismo das mães na luta pelo território e manutenção da unidade do grupo familiar Kanela do Araguaia. Trata-se de uma pesquisa iniciada junto aos Kanela do Araguaia da aldeia Tapiraká, munícipio de Santa Terezinha, Mato Grosso (MT). A partir das trajetórias de duas mães e seus empreendimentos em relação aos seus/suas filhos/as e demais membros da comunidade, faço uma reflexão sobre sua importância nos processos de resistência e reelaboração étnica de seu povo. Estas mulheres impulsionaram as principais forças motivadoras para manutenção de suas tradições culturais, lutas por reconhecimento das suas diferenças étnicas e direitos territoriais, mobilizadas após um longo período em que se viram obrigados a ocultar suas origens étnicas em razão de violências que lhes eram impetradas. Afirmando-se como Kanela do Araguaia, tem como marco fundador na afirmação de suas origens étnicas a implantação da aldeia Tapiraká, no ano de 2016, resultado de um longo processo de luta pela sobrevivência e união do grupo, também liderado por mães indígenas. Na luta pela manutenção do grupo familiar e território, as matriarcas compartilham com seus/suas filhos/as e netos/as seus sonhos e ideais de bem viver, elaborando estratégias de agregação que envolvem memórias, luta cotidiana por sobrevivência e relação com o Estado.
Tomásia de Jesus Monteiro: uma etnografia sobre Memória, Dom e Autoridade no partejar
Autoria: Alik Nascimento de Araújo (SEDUC), ALENCAR, Edna Ferreira.
Autoria: O presente artigo consiste em um estudo etnográfico acerca das relações de autoridade engendradas no campo do partejar na Comunidade Quilombola de Itacoã-Mirim, localizada no município paraense do Acará. A reflexão que norteou essa pesquisa voltou-se a perceber as dinâmicas na utilização da Memória ancestral da parteira Tomásia de Jesus Monteiro em meio às negociações de poder entre discípulas de seu ofício. O estudo contempla as narrativas de três gerações de parteiras que estabelecem diferentes de graus parentesco com Tomásia Monteiro, falecida em 24 de abril de 1972. Trata-se de vínculos de diferentes naturezas que contemplam desde as relações de consanguinidade até elos de compadrio. Nesse sentido, compreende-se a transfiguração da Memória de Tomásia Monteiro, de suas técnicas de work e na manifestação de seu Dom como Patrimônio imaterial constantemente utilizado no reconhecimento do papel social que cada parteira ocupa frente os moradores da comunidade de Itacoã- Mirim. Para tal fim, os relatos apreendidos foram analisados epistemologicamente a partir do campo da Etnografia, considerando suas possibilidades de estudo e limitações com base nas perspectivas de Strathern (2013), Clifford (1998) e Trajano Filho (1988). Na literatura antropológica acerca de parteiras amazônidas foi essencial para o desenvolvimento deste artigo as noções apresentadas Maués(1990, 1994), Motta-Maués (1978,1993, 1998, 2008), Fleischer (2007, 2006), M. Silva (2004); Sigaud (1999), Pinto (2004), Farias (2013), S. Silva (2017) , Nobre (2009), Cardoso & Nascimento (2019), Sousa (2018) , Pereira (2016), Silveira (2010), T. Nascimento (2018). No que tange ao conceito de Memória, considerando tratar-se de mulheres de gerações distintas, levou-se em conta as nuances psicológicas de cada lembrança, tal como nos orienta Bosi (1979), a transfiguração da palavra para o campo do sagrado estabeleceu diálogo com as contribuições de Hampaté Bá (2010) e os cuidados técnicos no momento da análise das narrativas foram vistas à partir do prisma metodológico apresentado por Queiroz (1987). Ao tratar acerca ao debate sobre Poder e Autoridade, utilizou-se por base as teses apresentadas por Marx Weber (1999). As concepções de Dom, por sua vez, foram refletidas à partir das análises apresentadas por Maués(1990), Mauss (2003), Sigaud (2010), Martins (2010), Godelier (2001) e Pinto (2004).
“Mães de família” ameaçadas: a Estrada de Ferro Carajás e o conflito com a “comunidade” Mutum II, na baixada maranhense.
Autoria: Joana Emmerick Seabra (PPGA/UFPA)
Autoria: O artigo versa sobre resultados de pesquisa realizada no período de julho de 2018 a março de 2020, em que contextualizo a situação de antagonismos entre territorialidades imputados pelo Estado e pela Vale S.A. ao longo da Estrada de Ferro Carajás (EFC), que atravessa 29 municípios ao longo dos estados do Pará e do Maranhão, a partir dos pontos de vista e narrativas de mulheres e homens da “comunidade” Mutum II, no município de Arari, baixada maranhense. Argumento que a territorialidade corporativa da Vale S.A. avança em “confronto” com identidades políticas e territorialidades específicas (ALMEIDA, 2013) sustentados por povos e comunidades tradicionais, neste corredor logístico estratégico. A metodologia de work combinou descrição densa, etnográfica, entrevistas abertas sobre trajetórias e histórias de vida de pessoas “mais antigas da comunidade”, conversas e oficinas de cartografia que culminaram na construção de seu mapa. Destaco, dentre os resultados, narrativas sobre as ameaças enfrentadas pelas “mães de família” no conflito histórico, sendo elas, no entanto, mulheres quebradeiras de coco babaçu e “Palmeiras-mães”. E sobre como estas “mães de família” sustentam territorialidades específicas próprias, conformadas por práticas econômicas, políticas e relações sociais de constituição do comum e de garantia da sustentabilidade da vida (OROZCO, 2014). A tentativa de compreensão dos sentidos atribuídos à maternidade e sobre o papel das “mães” na conformação da “comunidade” evidenciou que também os “pais de família” adentram a defesa das “palmeiras” frente às ameaças atuais, expondo um pensamento ecológico específico que articula maternidade e território, edificando suas “lutas” na defesa da roça como modo de vida, do “mato” e da “mãe terra”. Por fim, busco mapear caminhos de pesquisa sobre os modos de atuação política das “mães”, sentidos e pensamentos sobre a relação entre maternidade, ecologia e território em situações sociais de conflito relacionados a grandes projetos de desenvolvimento na Amazônia, que possam ser percorridos no doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Pará.
“Mães de leite”: reflexões preliminares a partir de um estudo em uma favela carioca
Autoria: Olivia Nogueira Hirsch (PUC-RIO - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro)
Autoria: Essa comunicação pretende apresentar algumas reflexões a partir de pesquisa recentemente iniciada em uma favela no Rio de Janeiro, acerca dos significados atribuídos à chamada “amamentação cruzada”, tal como costuma ser denominada na área da saúde a prática de uma mulher amamentar filhos de outras que não podem – de forma permanente ou circunstancial – aleitar seus filhos. Tal prática, apesar de contraindicada pelo Ministério da Saúde pelo risco de transmissão de doenças infecto-contagiosas, parece ser acionada com alguma frequência no contexto investigado, seja nos casos de adoção, nas situações de retorno ao work após a licença-maternidade ou por motivos variados que impliquem em um afastamento temporário da mãe biológica. Nessas ocasiões, aquela mulher que também tem um bebê lactente na família – entendida aqui em termos amplos, de modo a incluir a vizinha, a “comadre” e outras mulheres da rede de ajuda mútua (Sarti, 2011, Fonseca, 2005, Duarte, 2010 ) – assume a tarefa de amamentar a criança. De acordo com as interlocutoras, para quem “leite não se nega a ninguém”, junto com ele é transmitida uma “força” e, eventualmente, também características da “mãe de leite” ao bebê. Foi possível observar, em alguns casos, que o ato de amamentar favoreceu a construção de uma relação “especial” com o “filho de leite”, dando ensejo ao que se poderia chamar de uma maternidade compartilhada, assim como a uma noção dinâmica de parentesco, não baseada estritamente no elo biológico (Carsten, 2000).