GT 81. Dimensões políticas da Antropologia do Esporte: legados dos estudos de Simoni Lahud Guedes
Coordenador(es):
José Ronaldo Mendonça Fassheber (UNESPAR - Universidade Estadual do Paraná)
Em 1977 Simoni Lahud Guedes defende sua dissertação de mestrado no Museu Nacional (UFRJ) intitulada “Futebol Brasileiro: instituição zero”. Tal pesquisa inaugura, na Antropologia, os estudos sobre futebol e prenuncia, evidentemente, um inédito campo de Antropologia do Esporte no país. Apesar do trabalho citado não ter sido publicado na íntegra, direta ou indiretamente influenciou, em anos subsequentes, professoras/es e pesquisadoras/es, que se lançaram em pesquisas sobre o futebol e seus elementos constitutivos e sobre problemáticas desta nova subárea de conhecimento. A partir deste cenário instituído e da importância crescente que ganha o esporte enquanto objeto de análise na atualidade, o objetivo deste GT é resgatar o legado de uma produção antropológica sobre esportes, que possa dar conta da envergadura e da importância dos trabalhos de pesquisa desenvolvidos em âmbito regional/nacional (e também em comparação com América Latina) nas temáticas discutidas na produção acadêmica da Simoni Guedes, nos últimos 40 anos: antropologia do corpo, futebol e identidade nacional, dimensões sociais e políticas do esporte, situações de conflito entre torcedores de futebol, socialização e profissionalização via esportes, políticas públicas esportivas no Brasil e/ou na América Latina, e estudos antropológicos de práticas esportivas. Para tanto, o GT aceitará pesquisas concluídas ou em andamento, de mestrado, doutorado ou pós-doutorado vinculadas de alguma maneira a tais temáticas.
Resumos submetidos |
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A Reconfiguração Do Campo Esportivo No Brasil Pós Golpe Autoria: Tiago Sales de Lima Figueiredo (UFF - Universidade Federal Fluminense) Autoria: Em seu último artigo, Simoni Guedes e Edilson Marcio Silva (2019), demonstram como que no decorrer da história brasileira os símbolos pátrios como a bandeira, hino e as cores verde e amarelo entram nas disputas políticas e morais. Ainda nesse texto, os autores relatam que torcedores brasileiros jogaram fora suas camisas da seleção nacional, pois estas remeteriam ao fascismo bolsonarista. O artigo lança a pergunta se o abandono do símbolo pátrio seria uma ideia profícua. Tendo como ponto de partida esse questionamento, pretendo demonstrar como essa reconfiguração dos símbolos pátrios desloca a seleção de futebol feminina para o centro das atenções do polo progressista brasileiro. .
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Considerações sobre projetos sociais, práticas esportivas e transmissão de saberes: uma análise a partir do Projeto Gerson (Niterói – RJ) Autoria: Roberta Brandão Novaes (FAN - Faculdade Nobre de Feira de Santana), Pedro Pio de Oliveira Filho Autoria: Neste texto, analisaremos a transmissão de saberes e experiências sobre futebol em um projeto social esportivo, o Projeto Gerson. Aqui, retomamos os resultados de um projeto de pesquisa do CNPQ coordenado pela professora Simoni Lahud Guedes, no início dos anos 2000. Na época, como bolsistas de iniciação científica, fizemos por cerca de um ano work de campo no Projeto Gerson, que funcionava na Concha Acústica da cidade de Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro. O mencionado projeto levava o nome do famoso jogador que o viabilizou. Foram feitas entrevistas com professores e alunos do projeto, além de um acompanhamento sistemático das aulas de futebol. O work de pesquisa coordenado por Simoni tinha como principais focos de análise o impacto das trajetórias de fracasso e sucesso dos jogadores de futebol na vida dos jovens que se dedicam àquele esporte, bem como os saberes, moralidades e corporalidades associados à prática do futebol entre trabalhadores urbanos. Os recortes de investigação de cada um dos pesquisadores envolvidos na pesquisa mais ampla envolviam diferentes dimensões do universo pesquisado. Um dos aspectos específicos, por exemplo, era entender como o futebol compunha o projeto de vida das crianças e jovens do Projeto Gerson considerando a perspectiva de gênero. No artigo ora apresentado, discutimos os dados dessa pesquisa empírica, dialogando com as contribuições de Simoni Lahud ao campo da antropologia do esporte e aos estudos de classe trabalhadora urbana. Uma das considerações do work é que o investimento feito pelos jovens do Projeto Gerson na carreira de jogador não se resumia aos saberes esportivos, mas também aos preceitos morais sempre enfatizados pelos professores: para ter sucesso como atleta seria preciso disciplina, respeito às normas, boa educação, sacrifício, pontualidade, assiduidade. Sob esse ponto de vista, os preceitos morais ensinados no Projeto Gerson reproduziam, com bastante fidelidade, aqueles que orientam os trabalhadores urbanos no Brasil, enfatizando a necessidade constante do esforço e do sacrifício para a obtenção de resultados relativamente incertos (GUEDES, 1997) .
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Da Arquibancada à Avenida: Práticas de sociabilidade e disputa dentro de uma torcida organizada de futebol Autoria: Roberto de Alencar Pereira de Souza Junior (UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos) Autoria: O presente artigo visa discutir a socialidade produzida na relação entre futebol e samba no contexto de uma torcida organizada (TO), a saber, o Grêmio Recreativo Cultural e Escola de Samba Gaviões da Fiel Torcida, considerada dentro desse modelo de coletivos torcedores aquela que possui o maior contingente de sócios do país, além de ter sido pioneira, dentre as torcidas organizadas (TO’s) na cidade de São Paulo, a seguir também os caminhos do samba em sua forma espetacularizada. Para isso, partirei do levantamento etnográfico da pesquisa de campo num complexo de práticas urbanas no interior da TO, onde pude perceber um universo de relações a partir de dois eixos de sociabilidade (o torcer e o sambar), que me permitiram aproximar ao conceito de cismogênese, a fim de relativizar a sobreposição não problemática entre duas propostas estéticas populares, aquela que é forjada nas arquibancadas do futebol e aquela advinda das passarelas do samba. Ao reposicionar o torcer e o universo da sociabilidade do samba numa dinâmica competitiva por status, reconhecimento político e visibilidade da torcida como coletivo, tal modelo contrasta com outras experiências torcedoras, fazendo do torcer uma continuada experimentação e socialidade de fatura popular no contexto ou nas franjas do futebol profissional.
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De pionera a clásica: una revisión critica del legado de Simoni Lahud Guedes en la Argentina Autoria: Nicolas Eduardo Cabrera Duran (UNC- CONICET) Autoria: Nadie podría dudar que Simoni Lahud Guedes es fundadora de los estudios científicos y sociales sobre el deporte. Su condición de pionera descansa en varios motivos. En 1977 defiende la primera tesis de posgrado de la UFRJ que tiene al fútbol como objeto legítimo de estudio. Cinco años antes del “O universo do futebol: esporte e sociedade brasileira” de Roberto Da Matta y ocho años antes del “Fútbol y ethos” de Eduardo Archetti, ambas consideradas las obras precursoras de la temática. Y lo hace siendo mujer, un dato no menor en un campo históricamente configurado por y para hombres. Ademas, Simoni, pedagoga de hecho y derecho, fue formadora de un sinfín de colegas que hoy pululan por varios rincones de nuestra región. En ese sentido, Simoni inicia un linaje antropológico.
El presente trabajo busca fundamentar que Simoni Lahud Guedes no es apenas una fundadora del campo, sino que también merece el estatus de “clásica”. Y, aunque “pionera” y “clásica” se asemejen, no son lo mismo. Lo primero responde a un sentido cronológico, lo segundo es analítico. Como sostiene el sociólogo norteamericano Jeffrey Alexander, la centralidad de los clásicos tiene dos razones: una funcional y otra intelectual. La funcional se debe a que cumplen el rol de integrar, limitar y legitimar campos semánticos de discusión. En otras palabras: institucionalizan una base de entendimiento, demarcan fronteras y posibilitan o restringen futuras líneas de acción. En cuanto a las razones estrictamente intelectuales hay que decir que los autores clásicos se caracterizan por su rigurosidad metodológica y su creatividad analítica. No sólo diagnostican con perspicacia su coyuntura, sino que también detectan procesos estructurales, de ahí su renovada y permanente vigencia.
A lo largo de la exposición pretendo justificar porque Simoni Lahud Guedes, además de pionera, merece considerarse como “clásica”. Repasaré los tópicos teóricos, metodológicos, epistemológicos y éticos- políticos que influenciaron en mi propia obra y la de otros colegas argentinos, pues si algo hizo esta autora es quebrar fronteras. Analizar el legado de Simoni no implica apenas un acto de justicia intelectual u homenaje personal; también supone reinventar un campo en permanente movimiento, por ende, en disputa.
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Dinâmicas do Etnodesporto Kaingang Autoria: José Ronaldo Mendonça Fassheber (UNESPAR - Universidade Estadual do Paraná) Autoria: Os aspectos identitários do Futebol brasileiro tem sido tratado por antropólogos nos últimos 50 anos por autores como Roberto da Matta, Simoni Guedes, Luiz Henrique Toledo, Arley Damo e Carmem Rial, entre outros. A partir do século XXI, a produção em Antropologia do esporte se estendeu em várias vertentes de identidades: idade, gênero, etnia, urbana, periférica ou tribal. Campos de luta e seus espectadores. Esta produção pretende revisitar os aspectos sociológicos do etnodesporto que vai desde o silenciamento dos jogos tradicionais Kaingang, O Kanjire [Pinjire] descritos a partir da década de 1830 até o início do século XX, quando já está praticamente extinto, até a já centenária introdução do Futebol entre eles. Essa nova prática, por sua vez, reapresenta aspectos genuínos da “tradição Kaingang”: a centralidade física dos campos e das práticas no espaço e no tempo, as redes internas de liderança e parentesco, a noção de pessoa nos usos do corpo, bem como as aproximações [e afastamentos] do futebol entre indígenas e não indígenas.
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Futebol de mulheres no Rio de Janeiro. Corpo e mídia (1970 a 1986) Autoria: Leda Maria da Costa (UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Autoria: Nos anos de 1970 e 1980, é notável um movimento de apoio ao futebol feminino, o que se relaciona diretamente a diversas outras reivindicações por maior igualdade de tratamento entre homens e mulheres. É possível levantarmos a hipótese de que a atenção dada ao futebol feminino possui relação com as reivindicações de maior liberdade para a mulher decidir sobre o que fazer com o próprio corpo. Liberdade que muitas vezes mostrava um caráter ambíguo, pois que calcadas ainda em padrões normativos de performance de gênero da mulher no qual sexualidade e corporeidade precisavam estar em perfeita harmonia. No Brasil, na metade dos anos de 1970 e início dos de 1980 é destaque na produção jornalística e da propaganda o incentivo aos exercícios físicos combinado com o discurso que criticava os males provocados pela vida urbana. No Brasil, a publicidade e a ciência fundamentaram a relação direta entre autoestima da mulher e a responsabilidade dos cuidados sobre o próprio corpo. A “imprensa conselheira” apregoava a importância de se frequentar academias, assim como andar bicicletas ao ar livre, frequentar as praias e outros espaços de lazer em que o corpo pudesse ser colocado em movimento. Sem deixar de lado as ambiguidades, nas páginas de importantes jornais, delineia-se e defende-se a ideia de que o futebol estava deixando de ser um jogo exclusivamente dos homens. Esses jornais fizeram do futebol das mulheres tema da moda, estímulo para debates e polêmicas que também precisam ser vistos sob a ótica do uso de recursos que dramatizam a notícia visando a captação de público leitor. É importante lembrar que, especialmente nos anos de 1980, o futebol de areia e clubes como o Radar, do Rio de Janeiro, vinculavam-se às ideias de beleza, juventude que, por sua vez, atraiam famosas marcas que ofereciam patrocínio e ajudavam a organizar campeonatos. Os jornais fizeram desse fenômeno notícia para ser vendida. A circulação de notícias a respeito do futebol praticado por mulheres dentro e fora do Brasil foi importante para a popularização e legalização da modalidade, fenômenos que tiveram o Rio de Janeiro como cenário importante, especialmente, as areias e o bairro de Copacabana e sua imagem esportiva, multicultural e libertária.
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O associativismo torcedor em perspectiva: balanços de uma década de mobilizações e hipóteses de sobrevivência em tempos de tormenta Autoria: Rosana da Câmara Teixeira (UFF - Universidade Federal Fluminense) Autoria: O associativismo torcedor no Brasil passou por importantes e profundas mutações no período compreendido entre 2000 e 2020. Contrariando as interpretações disseminadas nos meios de comunicação que afirmavam o caráter belicoso e intolerante que pautava o relacionamento entre as torcidas organizadas como um dos fatores de uma possível desagregação em um futuro próximo, observou-se a eclosão de uma nova face do fenômeno. A criação da Associação Nacional das Torcidas Organizadas (ANATORG) em 2014 representa de modo emblemático o processo de mobilização deflagrado pela realização dos megaeventos no país (Copa do Mundo 2014 e Jogos Olímpicos 2016), pelas medidas repressivas adotadas do poder público para o controle da violência e pelo surgimento de novos estilos de torcer. A constituição desta entidade foi fruto de negociações, diálogos e disputas envolvendo lideranças das associações em todo o país estimuladas, sobretudo, pelos seminários de prevenção da violência promovidos pelo Ministério do Esporte durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Tais seminários favoreceram a organização de um movimento coletivo para lutar por direitos em um universo social historicamente marcado por hostilidades recíprocas e ciclos de vingança orientados por padrões de masculinidade em que a categoria nativa “briga”, central na sociabilidade destes grupos foi colocada em xeque. Em busca do reconhecimento social na arena pública, e nas interações sociais entre as torcidas, a ANATORG lançou mão de dispositivos simbólicos, institucionais e pedagógicos. Esta comunicação pretende fazer um balanço desse processo à luz do princípio da dádiva do antropólogo Marcel Mauss e da noção de arena pública proposta por Daniel Cefai. Pretende-se por fim, avaliar o impacto da atual conjuntura política, marcada pelo desmonte das políticas públicas desenvolvidas até então. A redução do Ministério do Esporte a uma pasta no interior do Ministério da Cidadania, e a ampliação das penas com o projeto de lei n.13.912/19 sancionado pelo presidente da república Jair Bolsonaro destruíram os canais de comunicação entre torcidas organizadas e autoridades governamentais. Entregues à própria sorte, as agremiações torcedoras vivenciam o acirramento dos episódios violentos, e disputas no interior das mesmas voltam a se intensificar. Contudo, em meio a este cenário de tormenta, marcado pelo cerceamento da liberdade de expressão e pelo enfraquecimento da entidade nacional, que hipóteses de sobrevivência as torcidas organizadas têm formulado? Esta apresentação tem como fundamentos metodológicos a observação participante, o acompanhamento e o registro das ações coletivas torcedoras de modo sistemático ao longo dos últimos dez anos.
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O giro para a direita e seus impactos nas políticas esportivas no Brasil Autoria: Luiz Fernando Rojo Mattos (UFF - Universidade Federal Fluminense) Autoria: O Brasil, assim como outros países na América Latina e no mundo, está passando por um giro não apenas para a direita, mas para a extrema-direita tanto nas esferas governamentais (Executivo e Legislativo) quanto no crescimento de agendas conservadoras em partes consideráveis de sua sociedade. Neste work, eu irei partir de algumas considerações sobre o que eu denomino de exclusão acadêmica e política dos esportes nas políticas progressistas, discutindo como os esportes foram associados apenas com a competitividade, colonialismo, espetacularização e com a masculinidade hegemônica. Ao mesmo tempo entretanto, como desenvolvo no tópico seguinte, o esporte também aparece, embora ainda sem a mesma atenção, como uma arena onde tem sido construídas resistência e visibilidade por parte da classe trabalhadora e grupos sociais geralmente excluídos das políticas públicas. Após estes debates, eu irei analisar as políticas esportivas implementadas e propostas durante os catorze anos dos governos democráticos e populares de Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, tentando estabelecer uma conexão entre os avanços e limites destas políticas e as referências teóricas da primeira parte deste work. Para finalizar, eu farei um breve debate sobre como o atual giro para a direita tem impactado as políticas esportivas em todas as suas dimensões, desde o esporte como lazer e atividade educacional até o alto rendimento em competições internacionais.
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Os limites e os riscos de um desvio curricular: Relato de experiência de um pesquisador e torcedor sobre moralidades e masculinidades no futebol. Autoria: Felipe Carlos Damasceno e Silva (Sem filiação) Autoria: Este work aborda sobre uma experiência de uso indevido de imagem e perseguição ideológica ocorrida comigo dentro de um estádio de futebol, atravessando consequências fora dele, enquanto pesquisador e torcedor que costuma ir aos jogos do Clube do Remo, da cidade de Belém do Pará, desde criança, há 23 anos. De início, parto da categoria de currículo de masculinidades no futebol - inaugurada por Bandeira (2010) no campo da educação - para mostrar como a minha formação como torcedor foi construída ao longo de toda a minha trajetória de vida através de práticas educativas fomentadas por pessoas mais velhas – em destaque para o meu pai – pautadas em parâmetros de masculinidades tidas como hegemônicas (Connell, Messerschmidt. 2013). Ao longo desses anos, visando tornar-me um ‘’ verdadeiro torcedor’’, aliei-me a grupos de torcedores e, diversas vezes, performatizei práticas sexistas, racistas, capacitistas, ageístas, xenófobas e LGBTQI+fóbicas, sem me preocupar com as consequências de tais atos, visto que eles são, historicamente, naturalizados nos ambientes futebolísticos como sendo ‘’parte do espetáculo’’. No ano de 2016, após as tensões que desembocaram no golpe parlamentar que destituiu do poder a primeira presidenta do Brasil, passei a sensibilizar-me sobre a incoerência das práticas citadas, e no ano de 2017 ingressei em um grupo de pesquisa na Universidade Federal do Pará de caráter antirrascista e antissexista. O aprendizado adquirido neste grupo me proporcionou certa sensibilidade quanto à importância de se combater as opressões nos ambientes futebolísticos e na sociedade de modo geral. Essas pequenas mudanças de postura associadas às tensões oriundas da polarização ideológica cada vez mais evidentes no Brasil fez com que eu me afastasse de alguns grupos de torcedores do meu Clube e mantivesse relações cada vez mais instáveis com outros. Até que no primeiro semestre do ano de 2019 o fato ocorrido no início deste resumo sacudiu a minha vida, em destaque para novas alianças estratégicas feitas no âmbito das sociabilidades nos estádios de futebol e mudanças no meu objeto de estudo como pesquisador do campo da antropologia. Após detalhar esses fatos em diálogo como alguns estudos antropológicos sobre gênero e masculinidades, objeto mostrar como os meus privilégios de gênero e racial possibilitaram que o meu desvio curricular me mantivesse íntegro fisicamente até o momento. Por fim, chamo atenção para a urgência de novas pesquisas antropológicas que possam subsidiar políticas públicas de combate às opressões nos ambientes futebolísticos.
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Simoni Guedes: a precursora das discussões sobre gênero no futebol brasileiro Autoria: Wagner Xavier de Camargo (UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos) Autoria: No final dos anos 1970, Simoni Lahud Guedes defendeu um mestrado sobre futebol, o qual pode ser considerado o work inaugural dos estudos sobre futebol na Antropologia brasileira. Naquela época, ainda se vivia sob os ventos da chamada “revolução sexual” dos anos sessenta e o conhecimento acerca da sexualidade humana estava em processo de descoberta e redimensionamento (o campo de estudos de gênero nascera nesse contexto). A própria homossexualidade era ainda mantida como doença mental. Guedes, como mulher e pesquisadora, que faz um work sobre um esporte considerado “área de reserva masculina” no país poderia ter dado origem também ao campo de debates sobre gênero no futebol/esportes em âmbito nacional? Esta pesquisa seminal fez um duplo movimento: de um lado percorreu a produção intelectual de Guedes, que passou pela antropologia do corpo, futebol e identidade nacional, dimensões sociais e políticas do esporte, situações de conflito entre torcedores de futebol, socialização e profissionalização via esportes, e estudos antropológicos de práticas esportivas, e de outro, tentou olhá-la a partir da perspectiva de gênero para se perguntar: em que medida se poderia dizer que mesmo sem teorizar sobre gênero, Guedes introduziu a problemática de gênero a partir de sua visão de mulher dentro do futebol enquanto campo hegemônico no esporte brasileiro? A apresentação desta hipótese e desdobramento da mesma será anunciada neste GT.
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SOBRE A METONÍMIA DA METONÍMIA: implicações da Antropologia do esporte de Simoni Lahud Guedes para o debate sobre relação estrutura e evento Autoria: Caio Cesar Cerpa Madeira (secretaria municipal de educação do Rio de Janeiro), Wecisley Ribeiro do Espírito Santo Autoria: O derradeiro artigo publicado por Simoni Lahud Guedes constitui um genuíno grand finale para sua prodigiosa obra. Ao oferecer um aporte iluminado para a compreensão do quase ilegível cenário político brasileiro hodierno, a antropóloga ratifica a vocação pública de seu work. A descrição que ali se encontra de um “segundo sequestro” das cores verde e amarela – associadas de modo mais enfático à camisa da seleção brasileira de futebol que propriamente à bandeira nacional – remonta à categoria interpretativa das mais potentes, elaboradas por Simoni: qual seja, a função metonímica do selecionado futebolista em sua relação com o povo brasileiro. O “primeiro sequestro” teria sido perpetrado por ocasião da ditadura civil-militar instalada no país em 1964, quando o “football mulato” descrito por Gilberto Freyre seria espetacularizado para servir de cortina de fumaça à usurpação da democracia. O símbolo verde e amarelo sofre hoje novo rapto, pela mesma elite escravista; eis a chave interpretativa de Simoni. Quebra-se com isso a metonímia seleção brasileira = “povo”, na medida em que a camisa da equipe futebolística é apropriada por um segmento específico que visa, antes de tudo, se distinguir do segundo termo da equação. O presente artigo visa debater esta descrição histórica elaborada pela pioneira antropóloga do futebol a partir de seu caráter estrutural. Argumenta-se que a função metonímica do futebol brasileiro, em particular, é ela mesma uma metonímia do fenômeno esportivo, em geral. Apresenta-se para isso, material empírico registrado por meio de work de campo etnográfico, sobre o pano de fundo mais geral dos estudos antropológicos do esporte. O objetivo é demonstrar, de um lado, que a segmentaridade da organização esportiva constitui um caso particular da natureza segmentar da vida social e, de outro, que precisamente por isso, a política é tanto mais homóloga ao esporte quanto mais enfáticas as emoções em jogo nos conflitos sociais. Lévi-Strauss diz acerca de Mauss que este teria estacionado diante das imensas possibilidades de sua obra, como Moisés teria conduzido o povo hebreu à terra prometida sem, contudo, contemplar seu esplendor. O fechamento da obra de Simoni sugere que ela foi capaz de olhar longe, tendo vislumbrado a centralidade da metonímia esportiva para o estudo de um país que, como se sabe, “não é para principiantes”. Ao fazer da Antropologia do esporte um capítulo indispensável da Antropologia da política, Simoni Lahud Guedes assemelha-se antes a Josué que a Moisés. Ela não apenas adentrou a terra prometida das implicações de sua obra como pode, ainda por muitos anos, nos ensinar formas múltiplas de ocupá-la.
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