GT 27. Da desregulação ao desmonte: ataques às políticas ambiental, indigenista, quilombola e dos demais povos tradicionais

Coordenador(es):
Stephen Grant Baines (UNB - Universidade de Brasília)
Andrea L. M. Zhouri (UFMG)

Sessão 1 - Mobilizações e articulações no contexto de políticas anti-indígenas
Debatedor/a: Stephen Grant Baines (UNB - Universidade de Brasília)

Sessão 2 - Dinâmicas estatais e corporativas atuais: desregulação, desmanche ambiental e criminalização
Debatedor/a: Andrea L. M. Zhouri (UFMG)

Sessão 3 - Legibilidades e ilegibilidades: dispositivos de reconhecimento de direitos e pacificação do dissenso
Debatedor/a: Sonia Maria Simões Barbosa Magalhães Santos (UFPA - Universidade Federal do Pará)

Nos últimos anos, processos de desregulação ambiental, os quais compreendem a flexibilização das leis relacionadas à gestão-proteção ambiental e aos direitos territoriais indígenas e de comunidades tradicionais visando à intensificação da exploração dos recursos naturais, configuram ameaças aos direitos constitucionais. A radicalização dessa tendência ocorre desde a posse do atual governo federal, com sucessivas medidas voltadas para o desmonte das instituições encarregadas das referidas políticas. Na área ambiental, registra-se o aumento do desmatamento na Amazônia, ataques ao IBAMA, ao ICMBio e a revisão da Lei Geral do Licenciamento. O desmonte da política indigenista revela-se no enfraquecimento da FUNAI e nas invasões de territórios indígenas. Intensificam-se medidas para reestruturar o mercado de terras e violar os direitos, com a consequente criminalização de indígenas, comunidades tradicionais e antropólogos que defendem esses direitos. Ao mesmo tempo, as lutas dos povos tradicionais enfrentam essas violações. A eleição da primeira deputada federal indígena que mobiliza forças políticas contra as violências; a marcha das mulheres indígenas; a mobilização dos povos do cerrado são algumas frentes. O GT incentiva a apresentação de trabalhos que possam dialogar com a temática, tanto na perspectiva de apontar as violências das afetações advindas das políticas de desmonte, como as iniciativas que se organizam para defender outras formas de viver e de projetar o futuro.

Palavras chave: desregulação; desmonte; povos tradicionais
Resumos submetidos
A CPI Funai/Incra e os ataques aos direitos constitucionais de povos tradicionais
Autoria: Priscila Tavares dos Santos (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Autoria: A CPI da Funai/Incra, criada em 2015 pelo Congresso Nacional, correspondeu a um conjunto de ataques a direitos constitucionais mediante instauração de um processo inquisitorial que culminou na produção de outras “verdades” que orientaram, fora da esfera judicial, a produção de um cenário político-econômico de flexibilização de regras em beneficiamento de grandes projetos agropecuários, mineradores e de construção de barragens no país. A suposta “verdade” contida no extenso relatório está pautada na apresentação de argumentos desqualificantes sobre o conhecimento sistematizado em laudos e relatórios antropológicos elaborados mediante pesquisas empíricas e em atendimento aos princípios da ética profissional da Antropologia. A apropriação desses documentos como provas testemunhais serviu para conduzir a outros desfechos institucionalizados sobre conflitos territoriais e demandas por reconhecimentos de direitos culturais por indígenas, quilombolas, populações ribeirinhas e demais povos e populações tradicionais, principalmente reforçando a eliminação de direitos já reconhecidos que versam sobre os modos de fazer, criar e viver desses sujeitos coletivos segundo modos diferenciados de uso do território. Nesta proposta, proponho refletir sobre os argumentos trazidos pela CPI que, ao contraporem atores sociais a interesses econômicos governamentais, têm produzido efeitos divergentes sobre a produção de conhecimento acadêmico e pela ciência. A análise por mim realizada está baseada em uma etnografia do/com arquivos mediante leitura interpretativa do material documental e arquivístico produzidos por esta Comissão, em atenção às racionalidades que orientam a construção do estado-nação brasileiro e aos efeitos da manipulação de aparatos políticos para atendimento a interesses distantes do que está assegurado na Constituição Federal de 1988. Chamo atenção que os usos distorcidos sobre os resultados de pesquisas etnográficas deixam de lado formas de organização social de povos e populações tradicionais que se coadunam a um retrocesso que não é do campo disciplinar da antropologia ou do ponto de vista de suas técnicas e ferramentas de pesquisa, mas correspondem ao atendimento de interesses de grupos articulados pelos representantes da bancada ruralista (integrantes desta CPI) e que tem produzido como resultado a perda de garantias e direitos, além da impossibilidade de manutenção de suas práticas sociais nos territórios em disputa.
A relação do Povo Baniwa com os recursos naturais
Autoria: Franklin Paulo Eduardo da Silva (SEDUC AM), Valkíria Apolinário
Autoria: RESUMO Nos últimos anos, os povos nativos brasileiros voltaram a ser os principais alvos de ataques do Governo Federal Brasileiro. As estratégias são as mesmas desde a chegada dos europeus aos continentes americanos (520 anos trás) até hoje em dia. Emparedam os povos indígenas diante da população brasileira como principais empecilhos ao desenvolvimento econômico, tecnológico e social do país. Que os povos indígenas não são civilizados, que vivem em misérias econômicas e outras formas de incentivar a população contra os povos nativos. A partir da outorga da Constituição de 1988 até em meados dos anos de 2014 esses ataques têm se desacelerados levemente, mas a partir do ano seguinte (de 2015 para cá) esses ataques voltaram a crescer em todos os sentidos e ritmos. Esses ataques têm dividido as opiniões públicas: uma parcela a favor desses ataques e a outra parcela contra. Entre as próprias populações nativas essas divisões também ocorrem, uma parte a favor e outra contra. Diante dessas situações é necessário que os intelectuais indígenas, não-indígenas e todos/as aqueles/as que discordam dos ataques do Governo Federal, comecem a se mobilizar e trabalhar conscientização das populações brasileiras. Pois os povos indígenas não são culpados do decrescimento econômico, tecnológico e social do país. A civilização não é a invenção dos povos nativos para que haja civilizados ou não civilizados, assim como não são culpados pela pobreza e riqueza de um país. A culpa é daqueles que vêm os recursos naturais (terras, florestas, minérios, águas, animais, etc.) como matérias primas para riqueza monetária e nada mais além disso. A culpa é daqueles que inventaram os conceitos e classificações sociais a partir do ponto de vista capitalista. Os povos nativos nunca foram e não serão pobres, assim como foram e serão ricos, monetariamente. Os povos nativos não veem os recursos naturais como não-indígenas os veem, mas como meios e condições para existências e sobrevivência humana no planeta terra. Esse é o conceito e visão de mundo e dos povos nativos, por isso, a sua vida é ligada à natureza, conectada a terra, floresta, rios, lagos e todos os recursos que a natureza possa oferecer. Essa é a visão e relação do povo Baniwa que se pretende apresentar nesse GT.
A retomada da perspectiva integracionista em discursos e práticas governamentais sobre os terena no contexto atual
Autoria: Victor Ferri Mauro (UFMS - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)
Autoria: Esta comunicação analisa a retomada no momento atual de uma perspectiva integracionista, etnocêntrica e autoritária acerca do tratamento conferido aos povos indígenas - com enfoque especial nos Terena – em práticas e discursos de autoridades do governo brasileiro que estiveram fortemente presentes nos tempos da ditadura militar (1964-1985) e que haviam sido quase que completamente superados após a Constituição de 1988, que convalidou uma série de garantias que fortaleceram a autonomia dos grupos originários. As consequências práticas imediatas e potenciais e as reações do movimento indígena ao ressurgimento de concepções retrógradas de indigenismo são aqui abordadas por uma perspectiva crítica em que contexto passado e presente são comparados. Recorremos basicamente a fontes bibliográficas – livros, artigos, teses e sobretudo reportagens jornalísticas – para o levantamento de informações. A orientação das políticas indigenista e ambiental do novo governo preocupa ativistas indígenas, segmentos da sociedade civil organizada, operadores do direito, agentes políticos e servidores públicos, que vêm manifestando repúdio à truculência e à falta de transparência no modus operandi dos gestores governamentais e têm expresso receio quanto a potenciais danos irreversíveis que podem se suceder aos costumes, tradições, organização social, territórios, autodeterminação e bem-estar social dos nativos. O povo Terena, por ser considerado em estágio avançado de integração à sociedade nacional segundo a ideologia dos que estão no poder, historicamente sofre pressões por parte do Estado para acatar políticas de intervenção que não contemplam expectativas e interesses da maior parte dessa coletividade.
As dimensões culturais da desregulamentação ambiental: o que a etnografia do ambientalismo corporativo revela sobre o atual estado de desmonte das políticas de gestão-proteção ambiental?
Autoria: Rafael Costa (Bolsista)
Autoria: A presente proposta apresenta alguns dos resultados da autoetnografia da minha experiência como ‘analisa ambiental’ no departamento de meio ambiente de uma corporação transnacional produtora de energia elétrica, entre os anos 2010-2016. Neste período, integrava a equipe técnica responsável pela condução de programas de mitigação e compensação ambiental, previstos no licenciamento de dois grandes empreendimentos hídricos, a saber: a barragem Belo Monte, na Volta Grande do rio Xingu, Amazônia; e a barragem do rio Jequitaí, afluente do rio São Francisco, na região Norte de Minas. A partir da descrição do modo como a racionalidade da política do licenciamento ambiental dos megaempreendimentos é um fenômeno retórico, isto é, ela só pode funcionar se utilizar de um vocabulário cultural pré-existente, disponível através de esquemas de percepção e apreciação do mundo engendrados em campos históricos (de classe, raça e etnia) muito bem definidos. Busco identificar como o cotidiano da prática da análise ambiental corporativa se faz a partir de uma tendência geral de seus praticantes para aplicar os procedimentos tecnocráticos previstos na política do licenciamento ambiental a partir de formas normalizadas de exclusão social, cultural e racial. Assim, o texto buscará discutir como o modelo conceitual repercutido nos bastidores da prática da análise ambiental corporativa, acessado apenas na intimidade cultural de seus praticantes, é altamente produtivo das condições sociais de aceitabilidade tácita das dimensões de vida e de morte, i.e. de “quem é “descartável” e quem não é”, nos território da instalação e operação de um grande empreendimento. Por fim, concluirá que os modos de entendimento mais íntimos, ou extraoficiais, cultivados por muitas pessoas reunidas em torno da prática da expertise ambiental corporativa, figuram-se entre as principais forças das, até então, práticas de desregulamentação e, mais recentemente, medidas de desmonte das políticas públicas de gestão-proteção ambiental.
Consulta livre, prévia e informada? Sobre os processos de participação de comunidades quilombolas em licenciamentos ambientais no Brasil
Autoria: Sabrina Soares D'Almeida (UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)
Autoria: As últimas décadas no Brasil foram marcadas por mudanças formais, administrativas, jurídicas e simbólicas no que diz respeito à forma de tratamento que deve ser concedida a grupos etnicamente diferenciados, dentre eles, as comunidades remanescentes de quilombos e os povos indígenas. O Estado brasileiro, desde o processo de abertura democrática em 1988, tem conferido reconhecimento às diferenças identitárias no espaço público no esforço de produzir uma democracia de feição multicultural e pluriétnica. Quilombolas, reconhecidos como grupo étnico que integra o Estado-Nação, passaram a encontrar abrigo no arcabouço jurídico brasileiro, por meio de diversas leis que buscam assegurar seus direitos, dentre os quais, o de serem formalmente consultados quando previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente. Apesar dos significativos avanços, nos últimos dois anos observou-se uma série de retrocessos no campo da política ambiental brasileira e, consequentemente, no mecanismo de consulta às comunidades quilombolas cujos territórios se encontram na área de influência direta de empreendimentos. Dentre eles, podemos citar o Decreto 9.667 de 2019 que transfere a competência de manifestar-se em licenciamento de obras que afetem direta ou indiretamente terras quilombolas da Fundação Cultural Palmares para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. A partir de duas situações etnográficas, esta comunicação buscará descrever a maneira pela qual se deu o exercício do direito à consulta destas comunidades quilombolas no período que sucedeu a publicação deste decreto. Por meio destes dois exemplos, buscaremos chamar a atenção para as fragilidades do mecanismo de consulta, sobretudo num contexto de ataques aos direitos dos grupos etnicamente diferenciados. Ademais, com estes dois exemplos, buscaremos também problematizar a relação entre o plano normativo e o das interações sociais - lugar onde se dá sua aplicabilidade -, apontando para o significativo descompasso que se observou entre eles.
Direitos indígenas e conflitos territoriais: a experiência da elaboração do Protocolo de Consulta dos Povos Indígenas do Oiapoque
Autoria: Rita Becker Lewkowicz (Iepé)
Autoria: O estado do Amapá é um dos estados do Brasil com maior índice de áreas protegidas, considerando Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Nos últimos anos, contudo, tem se observado um aumento dos conflitos territoriais na região, intensificados ainda mais com o novo posicionamento do governo federal. Este work foi realizado junto aos quatro povos indígenas no Oiapoque, Karipuna, Palikur, Galibi Marworno e Galibi Kali’na, que compartilham um complexo territorial formado por três Terras Indígenas demarcadas e homologadas (TI Uaçá, TI Galibi e TI Juminã), totalizando em 518.454 hectares. A população indígena (em torno de 8 mil pessoas) vive em 55 aldeias, distribuídas em 5 regiões, às margens dos quatro rios (Rio Oiapoque, Rio Uaçá, Rio Urukawá e Rio Curipi) e da BR156. Busca-se apresentar, aqui, um panorama dos conflitos territoriais intensificados nos últimos anos, tais como: ocorrências de invasão às Terras Indígenas, processos de grilagem de terras e projetos de desenvolvimento localizados na região. Paralelamente, apresenta-se a experiência de elaboração do Protocolo de consulta dos povos indígenas do Oiapoque como uma importante mobilização dos povos indígenas na defesa de seus direitos e da integridade de seus territórios. A elaboração de protocolos próprios de consulta tem sido uma iniciativa de povos indígenas e comunidades tradicionais para explicitar as regras e procedimentos específicos para a realização de uma consulta adequada frente a decisões administrativas e legislativas que possam lhes afetar. Esses documentos contribuem na garantia do direito à consulta prévia, conforme previsto na Convenção 169 da OIT, que atualmente tem sido ainda mais ameaçado pelo PL 191/2020 e medidas administrativas afins. O processo de elaboração do Protocolo suscitou importantes discussões a respeito dos processos internos de tomada de decisão, das formas de relação com o governo e da gestão socioambiental das TIs. Foi um dispositivo disparador de discussões entre os quatro povos indígenas sobre suas regras, suas formas de tomada de decisão coletiva, seus direitos específicos, seus modos de conhecer e viver no território e suas relações com o governo e demais instituições não-indígenas. Ao longo do processo, apareceram reflexões sobre o histórico de direitos violados na construção da rodovia BR156, nos projetos do SPI, e outros empreendimentos que os afetaram. Também levantaram questões sobre as ameaças atuais e os processos vigentes de licenciamento em que estão envolvidos e sobre as dificuldades de realmente serem ouvidos. A elaboração do Protocolo parece atualizar e fortalecer uma construção “povos indígenas do Oiapoque”, e explicita as regras de relação com os “outros”, sejam eles representantes do governo ou karuanas.
Mobilizações indígenas contemporâneas e políticas de saúde no Brasil
Autoria: Aline Moreira Magalhães (Ensp)
Autoria: Com o processo de eleição presidencial de Jair Bolsonaro (2018), alastraram-se as ofensivas contra as populações indígenas em múltiplos planos, desde o recrudescimento das violências contra os indígenas e assassinatos de suas lideranças, ao esfacelamento gradual de politicas públicas voltadas às populações indígenas, construídas após a Constituição de 1988, com a demissão de quadros administrativos e o desmonte de órgãos específicos, a exemplo do esvaziamento de atribuições da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e a ameaça de extinção da Secretaria Especial de Saúde Indígenas (SESAI). Ancorado em uma crise econômica anterior e de escala global, o processo de avanço do conservadorismo no Brasil foi acompanhado, em contrapartida, de diversos tipos de iniciativas de resistências por parte dos grupos e organizações indígenas, que atuam em distintas frentes: a partir de tentativas de fortalecimento das organizações já existentes, de mobilizações locais, regionais e nacionais, como ocupações de órgãos públicos, retomadas de terras, fechamentos de estradas, inserção parlamentar, e a recente campanha internacional “Nenhum Sangue a Menos”, promovida pela Articulação de Povos Indígenas do Brasil (APIB). O work tem por objetivo discutir dados preliminares de uma pesquisa em curso acerca das mobilizações indígenas em torno da saúde, tendo como norte de análise as iniciativas e debates que se seguiram à ameaça do governo federal em 2019 de municipalização dos serviços de saúde voltados às populações indígenas, que implicaria o desmantelamento do subsistema de saúde indígena construído a partir da promulgação em 1999 da Lei 9.836, a chamada Lei Arouca. Esta pesquisa inscreve-se no âmbito do projeto Saúde dos Povos Indígenas no Brasil: Perspectivas Históricas, Socioculturais e Políticas, desenvolvido na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP-FIOCRUZ), que visa mapear e refletir acerca da participação indígena na formulação de políticas públicas em saúde.
Parna do Descobrimento e TI Comexatiba: um território sob duas políticas estatais que, entre avanços e retrocessos, começam a ser apaziguadas... mas eis que Sua Excelência é eleito!
Autoria: Rodrigo Paranhos Faleiro (ICMBio)
Autoria: O estudo do processo de construção do Termo de Compromisso dos índios Pataxó da Terra Indígena Comexatiba com o Parque Nacional do Descobrimento sobre o qual o território indígena é parcialmente sobreposto, demonstrou que equipes de diferentes órgãos do Estado – FUNAI e ICMBio, no caso –, desde que respaldadas pela legislação, são capazes de aprimorar seus protocolos de gestão territorial em favor da sociedade e, nesta situação, mais precisamente em favor dos índios Pataxó. A partir da análise da linha do tempo dos últimos trinta anos onde estão situados alguns fatos cruciais para as políticas indigenistas e ambientalistas, nota-se que alguns deles contribuíram para convergência de políticas que propiciaram a resolução dos conflitos socioambientais advindos da sobreposição. Entretanto, também se observa como algumas posturas de dirigentes impactaram os processos de diálogo, ora acirraram os conflitos, ora convergindo os dois lados em prol de sua solução. Os Pataxó são índios da família linguística Maxakali do tronco Macro-jê que falam português e, nas últimas décadas, vêm resgatando a língua Patxôhã. Eles vivem no extremo sul da Bahia nas Terras Indígenas Águas Belas, Aldeia Velha, Barra Velha, Imbiriba, Coroa Vermelha e Mata Medonha; e no estado de Minas Gerais na Terra Indígena Fazenda Guarani. Destas, nosso foco principal está na Terra Indígena Comexatiba com cerca de setecentos habitantes que vivem em cerca de cinco aldeias situadas em um território com área de 28 mil hectares (Portaria nº 4, de 20 de setembro de 2018) no município de Prado, Bahia. Apesar da Terra Indígena estar parcialmente sobreposta ao Parque Nacional do Descobrimento, neste estudo analisamos a capacidade das equipes do Estado em adequar as conjunturas políticas dos Governos Dilma, Temer e Bolsonaro com a necessidade de materializar ações que garantam a efetividade dos objetivos das categorias no campo.
Povos indígenas e floresta amazônica ameaçados pelo governo federal atual brasileiro: similitudes com o período militar, ações atuais e as resistências.
Autoria: Luciene Cristina Risso (UNESP - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho)
Autoria: Os direitos indígenas, após um período de conquistas e garantias advindas da Constituição de 1988, estão sob ataque atualmente, com o retorno de ideias de assimilação do indígena e ocupação amazônica como no período militar, ataque aos direitos indígenas, flexibilização das leis ambientais de forma a livrar essas terras protegidas, em favorecimento do agronegócio e da mineração. Tanto na área ambiental como na questão indígena, a radicalidade caminha para políticas de desmonte das Instituições (FUNAI, ICMBio, etc). Em consequência, está havendo invasão dos territórios indígenas, com violência e mortes e aumento do desmatamento da floresta amazônica, Diante desse cenário, essa pesquisa visou apresentar as ações do atual governo quanto aos povos indígenas e floresta amazônica até o momento (de 2019 – Início de 2020), interpretando as similitudes com o período militar brasileiro e a resistência dos povos. A metodologia utilizada foi revisão bibliográfica, levantamento de dados secundários, interpretação e análise. Como principais resultados, no apontamento das ações governamentais atuais ficou explícita a intenção das propostas anti-indígenas e ferimento dos direitos dos povos originários com a proposição do Projeto de Lei 191/2020 para a permissão da exploração das terras indígenas (incluindo os povos indígenas isolados), liberando, o plantio de sementes geneticamente modificadas em terras indígenas. Mesmo pausado e com promessa de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, de não seguir para uma Comissão Especial, o cenário é preocupante, pois sabe-se que as tentativas de revisão de direitos garantidos, o marco temporal, a diminuição do patrimônio fundiário, demarcações paradas, abertura das terras indígenas a terceiros não cessarão. O projeto igualmente desvelou a intenção radical do governo, com visão de progresso ultrapassada de ocupação Amazônica como no período militar, em favorecimento de empresas ligadas a interesses minerários e agronegócio, usando o interesse nacional e seguridade das fronteiras em detrimento da vida dos povos indígenas, de seus direitos e do meio ambiente. Assim, ao invés do Estado cumprir sua obrigação de proteger os povos indígenas e o meio ambiente, vai na contramão dos compromissos assumidos internacionalmente e nacionalmente. Mais uma vez na história, os povos indígenas amargam nesses tempos de trevas e lutam mais do que nunca pelo direito constitucional garantido e de viverem em paz e com dignidade em seus territórios.
Sonhei que eles voltavam pra tirar a gente daqui: grilagem e territórios tradicionalmente ocupados na Terra do Meio, Pará
Autoria: Natalia Ribas Guerrero (USP - Universidade de São Paulo)
Autoria: A frase do título, enunciada por uma mulher beiradeira do Xingu, é reveladora de diversos processos implicados na criação do chamado mosaico de áreas protegidas da Terra do Meio, no Pará. Pleiteado na década de 1990 por uma frente ampla que reunia movimentos sociais da Transamazônica em aliança com ambientalistas e outros segmentos, o mosaico compunha uma pauta voltada à defesa de direitos territoriais e ao combate às atividades predatórias que avançavam sobre a região. Nas décadas que se seguiram, foi reconhecida uma série de terras indígenas e criado um conjunto de unidades de conservação ambiental (UC), de categorias diversas. Se parte destas últimas resultou em algum tipo de reconhecimento da ocupação tradicional de famílias beiradeiras da região, na forma de Reservas Extrativistas (Resex), outras, de categoria restritiva, terminaram por se sobrepor a uma porção significativa desse território, ensejando um conflito que perdura, e que tenho como objeto de tese de doutoramento em curso. São inúmeras as violações de direitos relatadas pelas famílias como decorrência da criação, em 2005, das UCs de proteção integral – o Parque Nacional da Serra do Pardo e a Estação Ecológica da Terra do Meio. Há, ao mesmo tempo, um reconhecimento difundido entre o grupo beiradeiro de que a intervenção do Estado teve um papel fundamental para deter um avanço cujo desenrolar resultaria, em pouco tempo, na completa devastação do território tradicional. Tendo isso em mente, gostaria de enfocar neste work um aspecto mais recente desse quadro, constituído pelas dinâmicas regionais e suprarregionais desencadeadas com a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018. Tais dinâmicas, expressas no recrudescimento da grilagem e do saqueio de terras indígenas e unidades de conservação na região, estão assentadas em uma série de elementos – de projetos de lei a medidas provisórias, passando pela flexibilização e desmonte das políticas ambientais e indigenistas. Proponho, dessa forma, esboçar uma reflexão que conecte o histórico e possíveis rumos do conflito que envolve a Terra do Meio, por meio da identificação e análise dos projetos e políticas recentes que incidem na área, bem como works etnográficos realizados junto às famílias que ocupam a região. Com isso, espero não só situar historicamente as ameaças que despontam aos territórios tradicionalmente ocupados, mas também indicar os caminhos pelos quais as famílias elaboram e constroem suas condições de permanência no beiradão.
Veredas, espaços de (r)existência: negociação e conflito em terras de baixão, PI
Autoria: Edmundo Fonseca Machado Junior (UFS - Universidade Federal de Sergipe), Cíntia Beatriz Müller, PPGA/UFBA.
Autoria: O Cerrado piauiense, estabelecido em ambiente plano, é constituído por uma vegetação mediana e rasteira interrompida por formações rochosas que deram origem a um conjunto belíssimo de morros, serras e chapadões sinuosamente atravessados pelas águas dos rios tributários da bacia do Parnaíba, a exemplo do rio Uruçuí Preto. Nos vales, entre a água e a “terra de agreste”, nos chamados “baixões do cerrado”, estão abrigados um ecossistema essencial para manutenção e continuidade dos modos de subsistência tradicionais praticados pelos Ribeirinhos-Brejeiros do território do Salto, município de Bom Jesus-PI, as frondosas “veredas”. Espaçadas no ambiente as “veredas” são importantes por seus recursos hídricos, brejos onde florescem árvores frutíferas que propiciam a prática do extrativismo (bacuri, bacaba, pequi, etc...), a caça de pequenos e médios animais, a pesca, a agricultura e o pasto nativo para o manejo com o gado. Esses “espaços de (r)existência” são também cobiçados ora por grupos econômicos de capital transnacional e que investem em agronegócio (soja, algodão, milho, gado ou commodities), ora por grupos envolvidos com a grilagem de terras no sul do cerrado piauiense - MATOPIBA. Através da análise dos discursos existentes nos boletins de ocorrência, processos de reintegração de posse e as narrativas oriundas do processo de desterritorialização e reterritorialização (informações registradas durante pesquisa etnográfica realizada no ano de 2019, junto aos Ribeirinhos-Brejeiros do território do Salto), no paper pretendemos analisar o que de fato está em jogo, quando as áreas (de uso comum) de “veredas” são os objetos da negociação e do conflito entre comunitários, grileiros e proprietários de terra no Piauí.
“A gente que está à frente, apanha mesmo”: trajetórias de uma liderança Tapuya Kariri- CE
Autoria: Francisca Jeannié Gomes Carneiro (UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte), José Glebson Vieira
Autoria: Existe em curso, de lado, um projeto de desmonte da política indigenista e com isso o enfraquecimento dos órgãos ligados a causa indígena, de modo especial a FUNAI. De outro, a criminalização das lideranças indígenas, já que essas, estão à frente da tomada de decisões das ações que venham afetar de modo positivo ou negativo seu povo. Frente a esse cenário, as lideranças são rotineiramente partes de processos, alvo de denúncias, que tentam a todo instante, culpabilizar, difamar e deslegitimá-las diante dos movimentos os quais representam. Como parte desse grupo, Andrea Kariri, cacique do povo Tapuya Kariri, no estado do Ceará, empreende uma trajetória que traz consigo, uma série de denúncias e processos envolvendo seu nome, desde que se colocou na condição de denunciante dos conflitos que a comunidade enfrenta. Ao longo do tempo, ela foi se constituindo como uma importante liderança no movimento indígena no estado, estando em instâncias representativas importantes como a FEPOINCE E APOIME. Com essas reflexões, apreendemos que ela é uma liderança indígena central para organização política do seu povo, contudo, seu percurso em torno da luta pela demarcação e efetivação dos direitos garantidos constitucionalmente, abrange um espaço maior, articulando diferentes agentes.
“Reservas” e “Terras Indígenas”: as alterações vivenciadas pelos Kaiowá de Dourados-Amambaipegua I no Mato Grosso do Sul
Autoria: Ellen Cristina de Almeida (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: Este work tem o objetivo de apresentar algumas considerações sobre as alterações provocadas pelo Estado Brasileiro no território tradicional dos Kaiowá e Guarani na região de Caarapó-MS. Tais reflexões foram pensadas tendo como referência o processo administrativo da Terra Indígena Dourados-Amambaipegua I, identificada pela Funai em 2016 e ainda em curso nas etapas do procedimento de regularização fundiária pelo Poder Executivo. A partir do processo de Dourados-Amambaipegua I é possível observar as interfaces que incidem sobre o procedimento demarcatório, promovidas, em grande medida, pelas ações do Poder Judiciário, como também pelas ações políticas dos indígenas e proprietários rurais. Por conseguinte, refiro-me as “alterações” como o movimento do Estado que provocou a expropriação da terra desses indígenas, e, depois de décadas, reconheceu o vínculo territorial, sem efetivar o processo, mesmo tendo garantias legais desse direito. Logo, este work pretende refletir como esses movimentos do Estado, em suas esferas do Executivo e do Judiciário, impactam no cenário do conflito fundiário no Sul do Mato Grosso do Sul. Vale destacar que tais reflexões foram apresentadas no projeto de doutorado submetido e aprovado na seleção do PPGAS-UNB turma 2020.
"Tá na hora da Roça": temporalidades e disputas no fazer da roça
Autoria: Ana Carolina Oliveira Marcucci (Mestranda no PPGAS Unicamp)
Autoria: A campanha “Tá na Hora da Roça”, promovida pelo Instituto Socioambiental em parceria com as comunidades quilombolas do Vale do Ribeira foi iniciada com objetivo de pressionar o governo de SP a autorizar a emissão das licenças de supressão de vegetação e respeitar o tempo de envio das autorizações para a abertura das roças de coivara pelas comunidades. Neste contexto, a importância do “modo de fazer roça” e os diversos elementos relacionados à agricultura tradicional ganha corpo retórico e político de luta, com destaque para os tempos da roça. Assim, as populações quilombolas da região apontam para o fato de que, mexer na terra, está para além da necessidade de alimento e venda: é também a materialização de cultura e, como já apontava Brandão (1999), de afeto. Portanto, neste work, procuro olhar para a roça de coivara quilombola a partir das disputas de concepções de natureza e conservação com o Estado e ambientalistas. Para isso, analisarei a roça como espaço privilegiado para o encontro de modos de vida múltiplos e ampliado a vários seres (TSING, 2015): pessoas, animais, plantas, terra, fogo, papeis (documentos, multas, leis), etc. Deste modo, a proposta deste work está também em enfatizar a presença e participação política das comunidades na proteção do meio ambiente e na luta pelo direito á diversidade frente a leis que, como mostra Brandão (1999), são justas a distância, mas perversas em sua prática.
Terrorismo de barragens como prática de encurralamento
Autoria: Aline Mendes Pereira (UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais), Terrorismo de barragens como prática de encurralamento O objetivo desse work é analisar as estratégias de implementação da Mineração no atual contex
Autoria: O objetivo desse work é analisar o projeto da Mineração no atual contexto mineiro, marcado pelo colapso de duas barragens de rejeitos, considerados os maiores desastres ambientais no contexto da mineração. Tal análise será feita levando em consideração o modus operandi há tempos utilizado por estes e outros grandes empreendimentos, que são as práticas de encurralamento formulado pela pesquisadora e antropóloga Santos (2014) em estudo do caso Minas Rio. Em 2015, no município rural da cidade de Mariana/MG, ocorreu o rompimento da barragem do Fundão, de propriedade da empresa Samarco Mineração S.A. (um empreendimento conjunto entre a Vale S.A. e a multinacional australiana BHP Billiton). O desastre ocasionou 60 milhões de metros cúbicos de lama tóxica despejados em um percurso de 663 quilômetros dos rios Gualaxo do Norte, Carmo e Doce. A avalanche causou 19 mortes, levou a casa de cerca de 1200 famílias e atingiu 35 municípios, sendo que os povoados Bento Rodrigues e Paracatu foram completamente destruídos. Em 2019 ocorreu a ruptura da barragem do Córrego do Feijão em Brumadinho/MG segundo as últimas informações, incluindo 14 pessoas desaparecidas, 270 pessoas perderam a vida. Após o colapso das barragens, nos municípios atingidos vem ocorrendo uma prática conhecida como Terrorismo de barragens. Que consistem em uma série de atuações como evacuação das populações em áreas de barragens ZAS(Zonas de Auto Salvamento), disparo de sirenes, criação de rotas de fuga, ausência de ação das autoridades como a defesa civil, que ocasionam o encurralamento dos habitantes e em certa medida dos municípios ao delimitar mais áreas de risco. Práticas que provocam medo na população e pressão sobre as autoridades, além de fomentar necessidade da construção de grandes projetos relacionados com o descomissionamento de rejeitos como melhor e mais rápida solução, e que devido a situação, não é necessário licenciamento ambiental. Assim é dado a ideia de necessidade do empreendimento, esse acontecimento é conceituado como Inexorabilidade, que são formas de escapar ou diminuir exigências burocráticas, subdimensionar impactos.