GT 25. Corpo, gênero e sexualidade: presenças, ausências e urgências em tempos de retrocesso

Coordenador(es):
Mónica Lourdes Franch Gutiérrez (UFPB - Universidade Federal da Paraíba)
Silvana de Souza Nascimento (USP - Universidade de São Paulo)

Esta proposta busca mapear pesquisas situadas no diálogo entre os estudos de gênero, sexualidade, corpo e saúde. Partimos do pressuposto de que vivemos um contexto paradoxal. Por um lado, a expansão da produção têm possibilitado complexificar o conhecimento sobre relações de gênero, práticas sexuais, normactivitys, sociabilidades, territorialidades, corporeidades, colaborando para uma resistência acadêmica à reprodução de formas de desigualdade estruturais e arcaicas na sociedade brasileira. Por outro lado, o avanço do neoconservadorismo e a ofensiva neoliberal ameaçam direitos sexuais e reprodutivos, provocam o desmonte do Estado e fragilizam as condições para a produção de conhecimento nas questões ligadas a gênero e sexualidade. Urge refletir sobre qual tem sido nossa agenda de pesquisa, que temas têm nos mobilizado e que assuntos têm tido menos espaço nos nossos fóruns de debate. Nesse sentido, o GT busca aglutinar trabalhos que nos ajudem a compreender práticas, identidades e saberes na contramão da heterocisnormactivity hegemônica, mas também modelos de heterossexualidade e masculinidade mais tradicionais, mainstream, ou até mesmo conservadores, que se colocam como força contrária à autonomia das mulheres e à defesa dos direitos humanos. As apresentações podem girar em torno de temas como contracepção, maternidade, aborto, HIV/Aids, diversidade sexual, transexualidade, transformações corporais, bissexualidade, mulheres lésbicas, relações raciais, entre outros.

Palavras chave: corpo; gênero; sexualidade
Resumos submetidos
A relação entre corpo, gênero e desejo em experiências transmasculinas
Autoria: Andressa de Freitas Ribeiro (UNILAB - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira)
Autoria: Este texto é fruto de minha tese de doutorado sobre homens trans e outras transmasculinidades. Na pesquisa doutoral, mantive contato e realizei entrevistas em profundidade com dez homens trans e uma pessoa transmusculina, buscando reconstruir, através da análise de narrativas, suas trajetórias de vida, principalmente no que tange a compreensão da constituição de uma identidade masculina em corpos que foram, no momento do nascimento, socialmente assignados como femininos. Uma questão central que emerge na pesquisa é: como pessoas que foram assignadas como mulheres no momento do nascimento passam a se identificar como homens no decorrer da vida? As analises de narrativas evidenciaram que esta identificação é fruto de um sentimento, constituído ao longo da vida, que guarda relação tanto com a percepção (MERLEAU-PONTY, 1994) quanto com a memória (FREUD, 1905). Neste texto, através da analise de narrativas de cinco homens trans e uma pessoa transmasculina, procurarei mostrar como ser homem, cis ou trans, é muito mais um sentido-imagem de si constituído ao longo da vida através da relação entre corpo, gênero e desejo do que uma consequência imediata de uma determinada parte do corpo. Essa imagem-sentido de si depende da relação entre memória e percepção e possui, portanto, uma dimensão tanto de atualidade como de virtualidade. O desejo aparece como um elemento, fundamental nesta relação entre memória e percepção e em total relação tanto com a constituição do gênero quanto com a percepção do corpo.
A revolução pelo sistema genital: impressões iniciais de um campo em estudos do corpo cis feminino no Rio de Janeiro
Autoria: Hannah Lima Alcantara de Vasconcellos (Museu Nacional)
Autoria: A revolução pelo sistema genital proposta pelos grupos de mulheres que se reúnem para pensar o corpo cis feminino nos ajuda a elaborar, através da antropologia feminista, as dicotomias e os hibridismos sobre o conhecimento acerca do corpo na história da mulher. Do pompoarismo até a ginecologia natural, passando pelo tantra e pela ciclicidade, a centralidade da vulva, da vagina e do útero ao pensar cura, autoconhecimento, ancestralidade e prazer, revela a contundência dessas dicotomias híbridas para os caminhos feministas dos nossos tempos. É através do prazer e da ciclicidade que se experiencia essas três matrizes corporais entre mulheres urbanas. A corporalidade/sexualidade de mulheres negras inflexiona conceitos já mencionados. A vivência negra demanda que estas categorias sejam mobilizadas de forma particular. Não se pretende colocar a mulher negra como um sub-eixo diferenciado, mas como um definidor do que é ser mulher no Brasil. Entre saberes e tecnologias, a pedagogia desses grupos revela pistas do passado e do presente.
As representações barbie, urso e poc em recife: uma análise das expressões corpóreas homossexuais do público do “bar do céu”
Autoria: Thiago Henrique de Almeida Carvalho (UFPE - Universidade Federal de Pernambuco), David Ferreira de Araújo
Autoria: Este work tem como objetivo analisar como as representações homossexuais são obedecidas, ressignificadas e/ou transgredidas a partir das expressões corpóreas do público do ambiente Bar do Céu, localizado na cidade do Recife/PE. Com isso, problematizar as representações homossexuais é uma das principais tarefas deste work, uma vez que ao normatizar determinadas construções e expressões corpóreas, acaba-se por acarretar na padronização do que seja performar e/ou expressar as homossexualidades. À vista disso, para atingir tal objetivo, foram utilizados as ideias sobre embodiment de Csordas (2008), de performance e dramas sociais de Turner (1988, 2013 e 2015) e a teatralização da vida cotidiana e estigmas de Goffman (1981 e 2014), bem como foi realizada a pesquisa qualitativa, sendo mais exato, a observação sistemática em campo. Antes de mais nada, cabe elencar que Recife é uma cidade famosa no Brasil por sua comunidade LGBT+ muito ativa em termos de movimentos sociais e políticas afirmativas e em defesa das orientações sexuais, projetando, no espaço público, uma alta performatividade dos gêneros e sexualidades contraditos, que divergem da ordem compulsória heterossexual (BUTLER, 2017). Por esses aspectos, é possível encontrar, nessa cidade, uma gama de lugares voltados a esse nicho, como, por exemplo, Bar do Céu, Club Metrópole, Miami Pub, Amigos do POP etc. De modo geral, os bares/boates são ambientes veiculados para distração e comemoração: a frequência a esses ambientes são ressalvados por coisas em comuns, a distração, o encontro com amigo após um dia estressante, uma comemoração ou ainda por as pessoas compartilharem uma determinada visão de mundo, convenções culturais etc (WAGNER, 2017). Ao ocupar esses espaços, os agentes conseguem colocar em ação suas vivências cotidianas, bem como seus selves, onde, através das performances sociais, expressam ou não as convenções sociais de uma determinada sociedade, ou seja, é por meio das performances sociais e expressões corpóreas dos indivíduos que podemos evidenciar as representações de homossexualidades. Então, espaços, como o “Bar do céu”, colocam em evidências determinados fatores, como as sociabilidades, modos de vida e de ação de indivíduos que compartilham, momentanea ou aparentemente, os mesmos ou similares símbolos, signos e visão de mundo (SILVA, 2009). Nesse caso, é extremamente importante levar em consideração o espaço Bar do Céu como ambiente que permite entender como as objetificações culturais das homossexualidades e suas representações de “Barbie”, “Urso” e “Poc” são corporificadas e expressadas culturalmente, proporcionando altas performances e estereótipos que são conhecidas dentro da comunidade como performáticos do grupo homossexual e como um identificador de “pertencimento”.
Cine Bixa: “corpas” que falam, intervenções artísticas e saberes afrodissidentes
Autoria: Luciana Maria Ribeiro de Oliveira (UFPB - Universidade Federal da Paraíba), Ana Valéria Salza de Vasconcelos (doutoranda/UFSC) Roberto Dutra de Souza Júnior (mestrando/UFPB) Gabriella Kollontai Silva (graduanda/UFP
Autoria: Somos o Cine Bixa, um grupo de extensão universitária ligado à UFPB e formado por professoras, estudantes de doutorado, mestrado e graduação. Nossa proposta é reunir diversas potências corporais de “corpas” dissidentes e excluídas do universo social e acadêmico, afirmando a possibilidade de ocupação de espaços historicamente negados às pessoas LGBTQI+ negras. O grupo se propõe a realizar intervenções nos diversos espaços (dentro e fora da Universidade) como forma de ocupação por parte das/os integrantes, instigando a descoberta de novas possibilidades de falas e expressões. Cine Bixa é arte, performance e re-existência. Baseia-se nas construções e reconstruções subversivas do gênero e da sexualidade. Essas subversões seriam a possibilidade de acionamento de um “recurso subalterno de sobrevivência” (PELÚCIO, 2012) para a população LGBTQI+. Lembrando que falar de saberes subalternos não é simplesmente dar voz aos que foram privados de fala, mas sim, pensar em outras formas de linguagem, no caso aqui, das “corpas” identitárias socialmente rejeitadas, das sexualidades não padronizadas na heterossexualidade cisgênera e dos saberes afrodissidentes. Seguimos nesse mesmo tom quando destacamos que o corpo da pessoa LGBTQI+ é todo feito de ambiguidades, especificidades, curiosidades, ideias e ousadias (BENEDETTI, 2005) justificando o uso do termo “corpas” (no feminino) em nosso título do resumo e também em nossas falas ao longo das intervenções realizadas, posto que são “corpas” (no sentido ambíguo do termo) que falam sobre si próprias através da arte. Temos como proposta metodológica o compartilhamento de experiências, emoções e informações através da técnica de intervenção-ação com uso de: filmes, literaturas, músicas, performances e rodas de diálogo. A linguagem artística surge como uma proposta provocativa e capaz de incitar a reflexão e o debate crítico não-violento. É através da arte que essas “corpas” negras falam, gritam, cantam e performatizam na busca da igualdade de direitos. O foco de nossa temática gira em torno das questões de gênero e diversidade sexual, visando a potencialização, valorização e empoderamento de tais questões por parte das pessoas integrantes do projeto e também do público que participa. Temos como referências teóricas Berenice Bento, Beatriz Preciado, Judith Butler, Guacira Lopes Louro, Larissa Pelúcio, Nestor Perlongher, Marcos Renato Benedetti, dentre outras. Para este GT propomos, junto com a nossa apresentação oral, uma intervenção-ação com uso de performance.
Conservadorismos e agenciamentos sociais em saúde em um contexto de aborto legal
Autoria: Juliana Vieira Wahl Pereira (USP - Universidade de São Paulo)
Autoria: O aborto, aqui definido como a interrupção voluntária da gravidez, é um problema pessoal "com profundas implicações médicas, culturais, religiosas, éticas, políticas e psicológicas" (Faúndes, 2004). A prática, legalizada com algumas restrições desde 2012 no Uruguai, mostra desafios à implementação da política pelas ações políticas de alguns setores religiosos e conservadores que disputam moralmente, através do tema do aborto, concepções sobre gênero, sexualidade, classe, raça, família e nação. No Uruguai, assim como em diversos países da América Latina, a laicização do Estado vem ocorrendo desde o século XIX, e, ainda que diversos direitos sociais e políticos tenham sido conquistados em uma linguagem distinta aos dogmas católicos, “ainda hoje alguns partidos e funcionários públicos acodem a autoridades religiosas em busca de legitimidade política” (Blancarte, 2008, p.30). Em uma nova configuração de sujeitos políticos, além dos tradicionais partidos de orientação conservadora e de direita, Nacional e Colorado, nas eleições de 2019 surge o partido Cabildo Abierto, se propondo a representar os setores mais conservadores do país. Consequentemente o tema do aborto volta ao debate público: Guido Manini Ríos, ex-candidato a presidente, ex-chefe do exército e que faz parte da coalizão ganhadora das eleições presidenciais, e também do partido Cabildo Abierto, durante a campanha política manifestou-se abertamente contra a lei de aborto (nº18.987/2012), e um outro deputado eleito do mesmo partido, disse que no Uruguai “mulheres interrompem a gravidez como método anticonceptivo” e também que “se [ela] não teve responsabilidade de cuidar-se, bancátela (sic)” aludindo a uma culpabilização da gravidez por parte da mulher. As discussões sobre a vida e a criação de categoria "mulher que aborta", como se existissem dois tipos de mulheres, a que rejeita a maternidade e a que não, têm aparecido no debate público uruguaio depois de sete anos de implementação da lei de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVE em espanhol) em todo território nacional. Esta apresentação tem como base questões de uma etnografia realizada no período eleitoral de 2019 em Montevidéu, em um hospital público, no serviço de Saúde Sexual e Reprodutiva acompanhando profissionais de saúde (enfermeiras, psicólogas, assistentes sociais, parteiras, médicas ginecologistas e residentes de ginecologia e obstetrícia) nas consultas de IVE e de anticoncepção.
Dispositivos biomédicos para contracepção e esterilização feminina: semânticas que articulam ciência, gênero, reprodução e Estado
Autoria: Elaine Reis Brandão (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: No Brasil, trava-se uma cruzada moral nos poderes legislativo e executivo para cerceamento de práticas contraceptivas e de situações permitidas em lei para aborto. Temas como ampliação de permissivos legais para aborto, dispensação do misoprostol em farmácias, ampliação do acesso à contracepção de emergência, inclusão dos métodos contraceptivos reversíveis de longa duração (LARC) no Sistema Único de Saúde, descriminalização do aborto, despertam fortes reações de grupos religiosos pró-vida. Neste dramático contexto, as mulheres encontram dificuldades para garantia de métodos contraceptivos ou da laqueadura no SUS, passados mais de 20 anos da Lei nº 9.263 de Planejamento Familiar no país (1996). Assim, investigam-se os sentidos e usos sociais de dispositivos biomédicos para contracepção e esterilização que circulam no Brasil, sob o prisma de categorias analíticas como "coerção reprodutiva" e "justiça reprodutiva". A partir de situações empíricas delimitadas, que envolvem iniciativas institucionais públicas, de um lado, para inserção de métodos contraceptivos reversíveis de longa duração, de outro lado, para inserção do dispositivo permanente para controle reprodutivo, designado Essure®, o qual reatualiza dilemas éticos apontados na ocasião das pesquisas clínicas com o Norplant, busca-se analisar as circunstâncias sociais nas quais tais dispositivos são ofertados às mulheres usuárias do Sistema Único de Saúde. Examinar modos de gestão estatal que afetam práticas sexuais e reprodutivas nos ajuda a compreender formas de apropriação peculiares de novas tecnologias biomédicas em políticas públicas de planejamento reprodutivo. Amparada em referenciais da antropologia do gênero e da sexualidade e em estudos sociais das ciências, a pesquisa se apoia em vasta documentação sobre tais iniciativas disponíveis na web. É necessário problematizar estratégias comumente utilizadas pelo Estado em aliança ao poder médico que colocam o princípio da autonomia reprodutiva das mulheres em questão.
Gênero e geração: vivências da velhice feminina.
Autoria: Daiany Cris Silva (SEED)
Autoria: A presente comunicação busca refletir sobre o envelhecimento de mulheres que mantiveram uma vida pública ativa durante suas trajetórias, liderando, participando ou atuando profissionalmente em espaços diversos de âmbito político e social. Por meio de entrevistas semiestruturadas, compostas por questões que objetivavam resgatar trajetórias e compreender as percepções que mulheres idosas com vida pública ativa possuem sobre si e o mundo, entrevistei seis interlocutoras de diferentes regiões do país, que possuem filiações com diferentes grupos sociais e políticos, o associativismo empresarial, instituições religiosas, o agronegócio, militância no movimento negro e LGBTTI, partidarismo e sindicalismo. Cada uma das interlocutoras colaboraram para a articulação de dois conceitos cruciais para esta discussão: gênero e geração. Entende-se como geração, diversos grupos de pessoas, com vivências plurais, que estão conectadas por uma posição e atuação comum no tempo histórico do processo social, assim como afirma o pioneiro dos estudos geracionais Karl Mannheim. No que se refere ao conceito de gênero, utilizo a concepção da teórica feminista Joan Scoot (1990), que apresenta a categoria gênero como um referencial de análise que possibilita localizar essa condição social como um elemento constitutivo das relações sociais baseadas na sexualização, o que nos permite significar as relações de poder vividas cotidianamente. Este work apresentará como essas duas categorias podem ser articuladas de modo a apresentar em que medida as trajetórias de vida de pessoas de uma mesma geração, mas de diferentes condições sociais, constroem aproximações e distanciamentos em suas trajetórias de vida, percepções de mundo e posicionamentos políticos. O objetivo deste work é discutir como a constituição geracional e de gênero podem nos ajudar a pensar os trânsitos cotidianos de trajetórias de vida, principalmente no que se refere a vivência do envelhecimento feminino. Com base nos relatos de experiência das interlocutoras, mostrarei como o estudo possibilitou verificar a importância atribuída pelas interlocutoras aos problemas de gênero e como se percebem em uma fase da vida que é considerada como a última do ciclo de vida, a velhice, foi possível dimensionar, ainda, que envelhecer só se torna uma questão pois, a elas é imposto uma maneira de ser e agir típica dos envelhecidos, em que a passividade e a imobilidade se tornam atitudes esperadas para a vida em sociedade, pelo menos é o que consensualmente se espera. No entanto, por mais que o corpo envelhecido apresente desafios, a vivacidade de suas mentes e os anseios políticos e sociais, tão presentes durante todo o curso de suas vidas, não permitem que seja esse o comportamento aderido por elas.
Interseções entre gênero e religião: evangélicas feministas e a luta contra o conservadorismo cristão.
Autoria: Polyanny Lílian do Amaral Braz (UFPE - Universidade Federal de Pernambuco)
Autoria: Os estudos das ciências sociais tem cooperado para o alargamento do conhecimento sobre as relações de gênero o que, por sua vez, contribui com a luta contra as diversas formas de desigualdades presentes na estrutura social brasileira. No entanto, ao passo que se amplia o conhecimento científico, nota-se também o aumento de um (neo) conservadorismo que ameaça as conquistas relativas às questões de gênero. Tendo em vista os recentes acontecimentos (desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2015) e a atual conjuntura política brasileira (com a nomeação do presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2018), apontamos que a virada fundamentalista da extrema-direita, marcada pelo conservadorismo, é percebida em parte considerável do campo evangélico. Assim, a interpretação religiosa que age sobre o posicionamento ético-moral deste grupo teve importante impacto no campo político brasileiro. Ao constatarmos que os cristãos evangélicos não formam um todo homogêneo, antes tem dissensões teológicas e em seus costumes e práticas, observamos uma maior divergência entre os posicionamentos deste grupo: de um lado, evangélicos conservadores; de outro, evangélicos que lutam por derrubar o estereótipo conservador. Dentre estes últimos, estão mulheres evangélicas que se declaram feministas e reivindicam a pauta do movimento feminista dentro do ambiente religioso protestante. Destarte, este work tem como objetivo analisar, sob o ponto de vista de alguns movimentos de evangélicas feministas e da produção de algumas teólogas feministas, as interseções entre religião e gênero, ponderando a apropriação de ideias e ações feministas por parte das mulheres evangélicas que cooperam para o desenvolvimento de certo comportamento crítico e reacionário que interfere na vida prática religiosa destas mulheres e colabora para a construção de um ethos cristão feminista que vai à contramão do estereotipado conservadorismo evangélico. Chamamos ao debate a crescente visibilidade e os impactos desses movimentos numa reconfiguração do campo evangélico brasileiro.
Juventude e gênero no projeto de assentamento rural Conquista na Fronteira
Autoria: Elisete Schwade (UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Autoria: Esse texto discute trajetórias e projetos de jovens residentes em um assentamento de trabalhadores rurais no oeste de Santa Catarina, território de fronteiras conquistadas, com enfoque nos impactos nas relações sociais de gênero. O assentamento, chamado Conquista na Fronteira, tem como uma marca importante o protagonismo de jovens desde a conquista da terra, o que foi possível observar em um processo de pesquisa que remete ao inicio dos dos anos 90, período em que fiz minhas primeiras incursões naquele campo. Trata-se de um projeto de assentamento que nasceu fortemente articulado a um grupo de militantes jovens vinculados ao MST e, nos mais de 30 anos de vigência da proposta, estreitou vínculos com esse importante Movimento, bem como outros momentos sociais em âmbito nacional e internacional (nesse ultimo caso sobretudo por meio da Via Campesina). Não obstante, os dados sobre os jovens que vivem contemporaneamente o projeto indica que tal protagonismo se diferencia nas características e nas consequências, desde que envolve, não apenas contextos diferentes, mas trajetórias que dialogam com os campos de possibilidades abertos pelo projeto Conquista na Fronteira, no que se refere à formação escolar, mundo do work e relações afetivas. As possibilidades construídas na fronteira conquistada, ao longo da efetivação do projeto autodenominado “coletivo" (sem divisão da terra e viabilizado pela cooperação), vão desde novas perspectivas no interior do assentamento, com a ampliação das possibilidades de work; passando pela formação escolar e profissional em diferentes instituições de ensino no Brasil, com alcance internacional, com jovens participando de cursos no exterior e missões humanitárias em outros países. Portanto, a partir de dados sobre trajetórias e experiências de jovens socializados nesse assentamento considerado “modelo", o texto reflete sobre práticas e saberes em processos que tem repercussões na construção das identidades, com permanências e transformações no que se refere aos modelos construídos mutuamente e que orientam as relações de gênero.
Lésbicas enquanto sujeitas de direito das Políticas de Saúde
Autoria: Camila Rocha Firmino (Governo Federal)
Autoria: O work proposto resulta da pesquisa de doutorado, ainda em curso, cujo objetivo é investigar por meio de um estudo etnográfico como os direitos lésbicos são mobilizados nas Políticas Públicas no Brasil, sobretudo na Política Nacional de Saúde Integral LGBT e na Política Nacional de Atenção Integral à Mulher. Essas políticas inserem-se em um contexto de ampliação das Políticas Sociais ocorrida no período dos governos petistas na Presidência da República (2003 a 2016). Para o escopo desse projeto interessa perceber quem são as lésbicas, como se afirmam e como se organizam na luta por direitos. Para tanto, busca-se a identificação de organizações, de grupos políticos, de militantes e de agentes públicos envolvidas na luta por direitos lésbicos e de como suas demandas foram incorporadas pelos governos petistas. A pergunta posta é: como as lésbicas tornam-se sujeitos de direito das Políticas de Saúde? Adicionalmente pretende-se problematizar o porquê de ser na saúde que as demandas por direitos LGBTs são mais ‘facilmente’ incorporadas em comparação com outras políticas setoriais. A pesquisa etnográfica está sendo realizada por meio de análise documental e entrevistas semi-estruturadas com agentes públicos responsáveis pela elaboração e implementação das políticas em questão e com integrantes de movimentos sociais envolvidas no processo de elaboração das políticas de saúde voltadas às lésbicas. Atenção diferenciada a fim de melhorar o acolhimento e propiciar um atendimento mais adequado às lésbicas tanto no atendimento ginecológico quanto no cuidado com a saúde mental, uso de espéculo menor para possibilitar exames preventivos menos invasivos, inclusão de orientação sexual e identidade de gênero nos prontuários do Sistema Único de Saúde, fertilização assistida utilizando a estrutura de centros de serviços para sorodiscordantes, capacitação das/os profissionais de saúde e campanhas de informação para o segurança sexual entre mulheres são algumas das reivindicações que aparecem em documentos e nas falas de interlocutoras militantes. É interessante notar que nessas falas ecoa o conceito de saúde integral, ou seja, a “saúde como reflexo da condição social, da exclusão” no caso das lésbicas como ressalta uma das interlocutoras. Assim, esse artigo apresentará desde as narrativas de entrevistadas as concepções acerca dos direitos lésbicos no geral e de direitos lésbicos no campo da saúde pública, bem como as estratégias por elas adotadas para visibilizar suas pautas. Dessa maneira, pretende-se mapear o processo de constituição das lésbicas enquanto sujeitas de direito no Brasil e como tal processo redundou em uma articulação com o poder estatal que informou as políticas públicas em questão.
Morreu depois de revidar: signos de morte na prática de extermínio de mulheres lésbicas
Autoria: Isadora Façanha Gurgel Freire (UFC - Universidade Federal do Ceará)
Autoria: O presente ensaio pretende, por meio de um estudo “bibliograficamente comentado”, evidenciar relações entre teoria antropológica e o projeto de pesquisa de mestrado da autora, intitulado “Lesbocídio: uma abordagem antropológica sobre motivações e práticas de extermínio de mulheres lésbicas”. Em linhas gerais, é uma pesquisa que se preocupa em estabelecer critérios de motivação do ato de matar mulheres “lidas” como “lésbicas” per se, com base em relatos escritos por testemunhas da cena do crime e publicados no jornal online “Justificando – mentes inquietas pensam direito”, do qual tiro as enunciações sobre a execução de Luana Barbosa dos Reis Santos como um caso privilegiado de estudo. Considero este caso como importante por ter se tornado, a partir de 2016, uma bandeira dos movimentos LGBTQI+, negro, feminista e pelos Direitos Humanos. Num quadro geral, no Brasil, ao contrário da maior parte dos feminicídios, o crime contra a vida de mulheres lésbicas (lesbocídio) é concretizado majoritariamente por um sujeito desconhecido da vítima, e não – como de praxe – pelo ex-parceiro amoroso ou atual parceiro da mesma. Isto nos dá pistas, como aponta o “Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil de 2014 até 2017” (UFRJ), sobre a importância de averiguar a pluralidade das motivações do ato de matar, que extrapolam a extraconjugalidade e articulam em si a diversidade interseccional da opressão. Luana Barbosa dos Reis Santos (39) saiu do bairro onde morava a pé, na companhia de seu filho, de 14 anos, a fim de deixá-lo na escola. A caminho do destino, foi abordada por policiais militares que a “confundiram” com um “homem suspeito” e a impediram de prosseguir. Luana reivindicou o seu direito a uma revista com uma policial mulher. Não aceitando a negativa dos homens, revidou com um empurrão em um deles. Como retaliação, a vítima é espancada com golpes de cassetete pelos policias e morre cinco dias depois do ocorrido. Como investigadora das descrições de crimes de lesbocídio, proponho-me a pensar na morte como um signo neste sentido: em como a morte ocupa lugar semântico para o observador num determinado contexto diferente, no entanto, do contexto de quem mata. Para quem observa o ato, a morte torna-se um ato escandaloso de covardia e suplício. Para quem mata, o evento assume outra valoração moral a qual, no caso, é meu objetivo central a compreensão. Contudo, analisar este “lugar” de um instrumento (ou fenômeno, no caso, da morte) como marcado pela diferença do olhar de quem observa e de quem executa é uma chave motriz para conceber todo esse sistema de opressão e de observação como um conjunto de decisões significativas, compatíveis ou incompatíveis com outras decisões e que cada sociedade – ou período em que cada unidade – foi levada a admitir e a relatar.
Prevenção a dois: a PrEP em intersecção com as sorodiscordâncias
Autoria: Wertton Luís de Pontes Matias (UNB - Universidade de Brasília), Mónica Lourdes Franch Gutiérrez (UFPB) Luziana Marques da Foneca Silva (UFPB)
Autoria: Cada vez mais as técnicas preventivas ao HIV, em especial as ditas novas biotecnologias de prevençao, vem ocupando um lugar central no enfrentamento à epidemia no Brasil. A Profilaxia Pré-exposição ao HIV (PrEP) é uma dessas medidas, que por sua vez ocupa um lugar especial no combate ao vírus, tendo em vista dados epidemiológicos que comprovam sua eficiência. A PrEP no Brasil consiste no uso de um fármaco (Truvada®), que deve ser tomado diariamente, no intuito de construir uma barreira nos corpos HIV- ao vírus, que garanta a não-transmissibilidade. Segundo protocolo do Ministério da Saúde, apenas sujeitos vulneráveis a infecção podem fazer uso do Truvada®. São estes; homens que fazem sexo com homens, pessoas trans, casais sorodiscordantes e profissionais do sexo. Falar sobre PrEP tendo em vista esses sujeitos, a partir de uma perspectiva antropológica, nos estimula, então, a compreender suas implicações e impactos na vida social, para além do debate biomédico, e sua relação com a sexualidade, vulnerabilidade, corpo e saúde. Seja nos corredores do hospital, nas diretrizes terapêuticas do Ministério da Saúde, nas conversas sobre HIV/Aids entre colegas, nos aplicativos de relacionamento, ou nos eventos científicos, a discussão sobre PrEP implica falar sobre novos métodos de agenciar a sexualidade no cotidiano, sobre relações conjugais, ressignificação das práticas sexuais, dentre outros temas. A partir de um work etnográfico, e da nossa inserção dentro do Hospital de Doenças Infecto-contagiosas Dr. Clementino Fraga, no município de João Pessoa, na Paraíba, onde passamos quatro meses realizando work de campo, buscamos apresentar neste work o complexo contexto no qual a PrEP está imersa, e como ela vem sendo incorporada no serviço e, sobretudo, no cotidiano dos usuários. Num denso work de levantamento bibliográfico, entrevistas e incursões etnográficas no campo do HIV/Aids em João Pessoa, identificamos que há uma característica no serviço paraibano, que é o de trazer para PrEP indivíduos que já frequentam o serviço, sobretudo por causa dos seus parceiros, ou por estarem em relações de vulnerabilidade. Dialogando, portanto, com algumas interpretações que relacionam as estratégias biomédicas com uma individualização da resposta, o que observamos no caso específico em análise é que a PrEP coloca-se fortemente a serviço de uma lógica conjugal, tanto por parte do serviço como dos usuários que a procuram. Portanto, usamos como fio-condutor as relações sorodiscordantes para problematizar a PrEP, as questões morais que a cruzam, preocupados, em especial, com a relação fármaco/indivíduo.
Raça, gênero e produção acadêmica: o campo de estudos sobre mulheres negras no Brasil
Autoria: Heloisa Helena de Oliveira Santos (IFRJ - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro), Suzana Mattos Bianca Mattos
Autoria: Pode-se afirmar que as análises a partir da perspectiva da interseccionalidade entre e gênero e raça não são, atualmente, nenhuma novidade na antropologia ou nas ciências sociais de modo mais amplo, especialmente depois da tradução e publicação (tardia) dos livros de Angela Davis, Patricia Hill Collins e Grada Kilomba no país. Contudo, ainda causa surpresa o fato de muitas pesquisadoras nunca terem lido autoras como Beatriz Nascimento, Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez dentre outras, a despeito do crescimento do reconhecimento do feminismo negro no Brasil: reconhecimento revelado inclusive pelas traduções acima mencionadas. Como aponta Lia Caldwell em uma análise comparativa sobre os estudos que tematizam mulheres negras no Brasil e nos EUA, apesar dos works fundamentais de Nascimento, Gonzalez e de outras autoras, o desconhecimento sobre as mesmas permanece latente, ainda que esta ignorância esteja sendo, aos poucos, diminuída. Esta ainda reduzida aproximação de muitas pesquisadoras, mesmo as feministas, da produção intelectual das mulheres negras pode ser associada ao fato de a academia ainda se debater com o racismo acadêmico e ainda promover o epistemicídio, processo magistralmente trabalhado por Sueli Carneiro em sua tese. Considerando tais problemas e com o objetivo de ampliar o conhecimento e acesso à produção de e sobre mulheres negras, estas pesquisadoras iniciaram em 2018 um levantamento de todas as dissertações e teses indexadas na plataforma Sucupira que têm como objeto as mulheres negras, buscando ainda fortalecer a constituição do campo de estudos sobre mulheres negras no Brasil. Para o desenvolvimento desta pesquisa, foram selecionados alguns descritores a fim de filtrar os works acadêmicos relevantes para a análise. Para a definição do grupo de descritores, foi fundamental o artigo de Amélia Artes e Jesús Mena-chalco sobre a expansão da temática relações raciais entre dissertações e teses. Após a extração, os dados foram revistos e “limpos” e, a partir deste levantamento, iniciamos a produção dos primeiros dados e gráficos. Assim, o objetivo deste artigo é divulgar os resultados deste levantamento e trazer para a discussão algumas dos materiais desenvolvidos para este work que se encontra em andamento e que vem sendo realizado como atividade não associada a programas de pós-graduação.
Sexualidade e homoerotismo de homens negros na região do Pacífico sul colombiano
Autoria: Mateo Pazos Cárdenas (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas)
Autoria: As populações negras na Colômbia têm sido históricamente marcadas nos processos de integração ao “mito” fundador do Estado-Nação: a configuração étnico-racial colombiana supõe o afro-diaspórico como universo cultural que se encontra num lugar de subordinação frente ao projeto nacional branco-mestiço, que tem sido amplamente promovido em toda a região da América Latina. Em particular, os estudos sobre construções e representações de gênero dos homens negros têm sido caracterizados a partir das leituras branco/mestiças por uma série de estereótipos, reproduzidos também em grande parte pelas próprias pessoas auto-declaradas como “negras”, que oscilam em torno à atração e a repulsão frente à “hiper-realidade” que encarnam estes sujeitos marcados racial e genericamente, especialmente relacionadas com a hiper-masculinidade (força física, atitudes violentas, pouca emocionalidade) e a hiper-(hetero)sexualidade (corpos proeminentes, perícia e vantagens sexuais). No entanto, esses mesmos estudos que articulam as discussões sobre gênero, masculinidades e sexualidades de homens afrocolombianos/negros, pouco focalizaram as experiências dos homens com práticas e subjetividades “homoeróticas”, as quais têm sido abordadas de forma tangencial. Assim, levando em consideração estas “lacunas” de pesquisa em torno do assunto, esta proposta parte de uma perspectiva interseccional na construção do problema de pesquisa que se pretende abordar. O objetivo da apresentação é fazer uma caracterização sobre as distintas formas em que a sexualidade é mobilizada por homens negros que tem práticas homoeróticas no contexto da região do Pacífico sul colombiano. Essa região tem a maior população de pessoas afrodescendentes da Colômbia, caracterizada além disso por o histórico e estrutural esquecimento por parte do Estado-Nação, por sua exclusão econômica, política e simbólica do imaginário nacional; é uma região com altos índices de pobreça e desenvolvimento, marcada também pela violência do narcotráfico (é a região que tem a maior quantidade de cultivos de folha de coca no país). Assim, nesse contexto, como é que opera o homoerotismo de homens negros que moram nessa região? Quais são as negociações e tensões nos seus engajamentos e desenvolvimentos eróticos e sexuais nesse cenário de violência e precariedade? Para dar resposta a essas perguntas, realizei um work etnográfico por cinco meses no 2019, me mobilizando por diferentes municípios da região junto com alguns destes homens, experimentando o calor do Pacífico colombiano, o medo pela violência e as possibilidades e limites de fuga do homoerotismo nesses contextos.
Trans em "transição": um processo de transexualização
Autoria: Marina Cápua Nunes (Secretaria de Educação de Minas Gerais)
Autoria: Este work apresenta uma trajetória de militância trans na cidade de Juiz de Fora – MG, a de Beatriz entre 2011 e 2016. Sua proeminência no cenário do município foi marcada pela participação na fundação do "VisiTrans" e no "Coletivo da Diversidade Sexual e de Gênero 'Duas Cabeças'”. Como Beatriz reivindica: "minha luta é pelas pessoas que passam pelo que eu passo". E não falava desta forma só pelo percurso das transformações corporais e as inseguranças e incertezas entorno disto, mas principalmente pelas faltas e falhas de políticas públicas que tratavam de sua subjetividade como patológica ao invés reconhecer a autonomia de pessoas trans como efetivamente sujeitos de direito. A trajetória de Beatriz intersecciona o caminho da implementação das primeiras políticas públicas para a diversidade sexual e de gênero no Brasil que, por sua vez, enfrenta conflitos sexuais nacionais que reverberam na cidade mineira de Juiz de Fora. Especificamente esta pesquisa apresenta uma análise etnográfica sobre a paulatina introdução desta trajetória de vida na militância universitária pela diversidade sexual e de gênero na Universidade Federal de Juiz de Fora buscando refletir e compreender em que termos políticos tornou-se possível uma autonomia trans incorporada. Desta forma esta pesquisa se dedicou a compreender como a “transautonomia” (BUTLER, 2009) de Beatriz se relaciona a seu processo de “transincorporação” (PRECIADO, 2014). Ou ainda, analisa como o projeto individual (VELHO, 2013) de Beatriz de realizar a cirurgia de transgenitalização, conformado a um campo de possibilidades restrito para sua autonomia em relação as suas transformações corporais - já que havia a necessidade do diagnóstico médico para sua admissão em 2009 no Processo Transexualizador do SUS - pode constituir-se como um projeto individual de tornar-se militante quando a satisfação por sua imagem corporal somou-se à formação de um campo de possibilidades propício nos embates contra o pânico moral em torno da "ideologia de gênero" - como a formação de coletivos pela diversidade sexual e de gênero e a guerra sexual vivida em especial em torno da Câmara Municipal. E, por fim, apresenta uma análise de como a militância é incorporada por Beatriz a ponto de ressignificar seu corpo e se afirmar como “Bruxa trans descendente de índios com sangue baiano correndo nas veias”.
“A minha vida foi uma diáspora da aids”: gênero, doença, lugar e sofrimento social na experiência de ser mulher e viver com HIV/aids
Autoria: Lucas Pereira de Melo (USP - Universidade de São Paulo)
Autoria: A partir de uma etnografia multissituada em um grupo virtual fechado no Facebook composto por pessoas que vivem com HIV/aids e em espaços off-line em variadas cidades brasileiras, conduzida entre 2017 e 2020, esta comunicação analisa a trajetória e experiências de Helena (nome fictício), uma interlocutora amazonense, de 47 anos de idade, heterossexual, mãe, divorciada, com ensino superior incompleto, que vive com HIV/aids há 30 anos, sendo, em suas palavras, uma “sobrevivente da aids” e de “um sistema que existe para nos matar”. Nossas interlocuções aconteceram on-line, primeiramente no grupo virtual, depois por meio dos nossos perfis pessoais no Facebook e nas duas entrevistas que realizamos, também on-line. Ao longo de seu testemunho de sobrevivente da aids suas experiências iam sendo contadas tendo como pontos de inflexão os trânsitos migratórios entre cidades do Norte, Sudeste e Sul do país que integravam lugares, pessoas, instituições, relacionamentos, maternagem, emoções, etc. Por isso, ao ler uma postagem sobre diásporas da aids feita pela Coletiva Loka de Efavirenz no Facebook, Helena alinhavou os pontos e as relações dessa trajetória me oferecendo um centro de gravidade etnográfico em torno do qual apresento e discuto sua experiência de viver em quatro cidades brasileiras, configurando uma etnografia marcada pelo tempo e espaço. O objetivo aqui é tecer algumas análises sobre um conjunto de violências estruturais evidenciadas por uma sorologia cujo pêndulo se movia entre a publicização e o segredo como escolha e como imposição dos maridos em seus dois casamentos, conformando economias de conhecimentos e gramáticas emocionais marcadas por estigmas, discriminações e dores; pelas violências de gênero em suas distintas faces (doméstica, obstétrica, institucional e sexual) que modelaram suas experiências como mulher, esposa, mãe, usuária de serviços de saúde e membra de uma igreja evangélica pentecostal; e pelas disparidades regionais no acesso aos serviços e tecnologias de saúde relacionadas ao tratamento do HIV/aids e à saúde sexual e reprodutiva na Região Norte do Brasil que, segundo Helena, associava-se ao estigma da aids e às violências de gênero e tomaram a dianteira nas suas decisões de migrar. A diáspora da aids performada por Helena nos oferece pistas etnográficas para compreender como os cruzamentos entre gênero, doença e lugar estão implicados na produção e reprodução de violências estruturais que conformam experiências de sofrimento social (este tipo de sofrimento fortemente enraizado nas feridas históricas, políticas, econômicas e socioculturais, e nas práticas estatais) e nos possibilita analisar as agências e os processos de subjetivação que fazem produzir recusas, lutas e resistências.
“Fazer a Social” e “Resenha”: sexualidade, sociabilidade e violência na vida cotidiana de jovens em um bairro de periferia
Autoria: Michele de Lavra Pinto (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Daniela R. Knauth - UFRGS Andréa Fachel Leal - UFRGS Luciana Barcellos Teixeira – UFRGS Kiyomi Tsuyuki - Universidade da Califórnia, San Diego/U
Autoria: O presente estudo faz parte de um projeto maior sobre jovens cujo objetivo é avaliar a viabilidade e aceitação do autoteste de HIV entre jovens de 18 a 24 anos. Com o interesse em identificar espaços de sociabilidades com alto risco de transmissão heterossexual do HIV - chegou-se a um bairro periférico, que possui a maior incidência de HIV, na cidade de Porto Alegre, RS. Ao iniciarmos a pesquisa nos deparamos com um local distante do centro e que sofre com constantes episódios de violência oriundos do tráfico de drogas. Assim, nos debruçamos sobre as questões relacionadas à sexualidade, aos espaços e estratégias de sociabilidades frente ao impacto da violência no cotidiano da comunidade. Ao analisarmos a história do bairro é perceptível que este é capaz de transmitir as diversas construções de pertencimento para seus moradores, mas como os jovens elaboram estratégias, formas de comunicação e circulação, em um território distante do centro e marcado por episódios constantes de violência? O presente estudo tem por objetivo principal investigar os impactos da violência na vida cotidiana, na sociabilidade e sexualidade de mulheres jovens (entre 18 e 24 anos) moradoras de um bairro da periferia de Porto Alegre, RS. Ou seja, como as jovens de um território marcado pela violência do tráfico de drogas utilizam-se de estratégias e alternativas de sociabilidades e como constroem e mantém suas relações afetivas. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, utilizando-se para coletas dos dados o método etnográfico. Os termos “fazer a social” ou “social” e “resenha” ou “rolê”, refere-se a festas, reuniões que são realizadas na casa de alguém do círculo de amigos. São festas mais “seguras” e com pouco dispêndio de dinheiro. Os bailes funk do bairro são promovidos, em sua maioria, pelo tráfico e, portanto, considerados locais inseguros e que, principalmente as mulheres “de bem” devem evitar. A violência do tráfico afeta mais os homens, entretanto ouve episódios em que mulheres foram mortas por estarem junto com o traficante “alvo” (como namorada ou amiga), ou ainda atingida por “bala perdida”. Assim, as jovens buscam lugares mais seguros para estar e/ou conhecer seus parceiros. No bairro não existe bares ou casas noturnas “permanentes” que permita diversão - conhecer, namorar ou “ficar” com alguém. As saídas para esses locais se dão fora do bairro. Os resultados demonstram a importância do olhar sobre como jovens de bairros periféricos são afetados pela violência e como se adaptam. Cabe salientar a importância de pesquisas multidisciplinares na área da saúde, pois como podemos pensar em espaços para disponibilizar, por exemplo, o autoteste HIV, se não há conhecimento do território em que o grupo alvo reside.
"Mulher que perde filho também tem resguardo”: Sobre doulas e humanização do cuidado durante o abortamento
Autoria: Thaís Teles Rocha (UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais)
Autoria: A pauta dos direitos sexuais e reprodutivos no Brasil constituem um campo de disputa, marcado pelo debate da autonomia e do valor social da vida. Nesse contexto, os movimentos pela Humanização do Parto e do Nascimento têm interpelado mudanças no paradigma da assistência à saúde. A doula é uma profissional que atua oferecendo atenção integrada à pessoa gestante durante pré, pós e work de parto. As doulas têm conformado novos personagens no cenário da assistência ao parto e ativismo por humanização dos serviços de saúde. Desde meados 2013, diversos municípios em todo o país têm sancionado a Lei da Doula que permite a presença de uma doula nas salas de parto das maternidades públicas e privadas, quando e se as parturientes desejarem, independentemente da presença de acompanhante (também prevista por lei). Na maioria das situações de abortamento, porém, a humanização e/ou acompanhamento de uma doula não é um direito garantido Durante este work, proponho pensar o evento do aborto sob a ótica do cuidado proposto pelas premissas da humanização do parto a partir do lugar da doula. Levanto interrogações sobre a doulagem para além do parto, com destaque ao contexto de abortamento, enquanto situação obstétrica, condizente com o ciclo gravídico-puerperal. A partir das premissas da humanização do cuidado, apresento uma etnografia multisituada com doulas no contexto de parto, abortamento, perda neonatal e gestacional; mulheres que sofreram violência obstétrica durante o abortamento; e outras categorias da saúde, engajadas na Humanização. Por fim, proponho a doula enquanto um entrelugar potente para pensar a humanização do abortamento.
Morar na rua e estar na rua. Estudo etnográfico na região central de Belo Horizonte
Autoria: Alan Tiago Gomes Araujo (PUC MINAS - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais)
Autoria: Nosso objetivo é discutir a percepção que os sujeitos que vivem nas ruas têm sobre o seu corpo e o seu significado social. Consideramos o corpo como produto e produtor de significados na rua, lugar de anonimato, de complexidade e diversidade social. As representações sobre o corpo são constituídas pelos simbolismos culturais considerando uma lógica coletiva e novas subjetividades em um movimento de exteriorização e de interiorização. As técnicas utilizadas nessa etnografia é a observação direta, registradas em diário de campo e entrevistas abertas temáticas e informais com pessoas que vivem nas ruas da região central de Belo Horizonte. Foram observados os rituais e cotidiano; as interações que as pessoas estabelecem no contexto social da rua, seja entre o próprio grupo, ou com aqueles que compõem o seu entorno, como por exemplo, os comerciantes locais, transeuntes, etc. Foram realizadas entrevistas com atores dessa pesquisa, selecionados de acordo com os critérios definidos na construção do projeto original. As pessoas que vivem nos espaços delimitados para essa pesquisa constroem as representações sobre o seu próprio corpo e o corpo dos “outros” com base na performance desenhada socialmente sobre sujeitos que não possuem endereço fixo, com laços sociais, familiares e de work frágeis ou inexistentes, expostos às mazelas provocadas pela rua como falta de ambientes para a higiene pessoal, para lavar as próprias roupas ou para fazer as suas necessidades fisiológicas. Consideram o corpo o seu único patrimônio portanto ele é , fundamental para a subsistência, proteção e interação social, ao mesmo tempo, representa o elemento de resistência, de risco e de vulnerabilidade no ambiente em que estão inseridos.
Pai que fica, pai que vai : reflexões acerca da masculinidade, paternidade e deficiência
Autoria: Gabriela Rosa Dias de Freitas (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: Entre os anos de 2015-2016, no Recife, o aumento incisivo dos números de crianças nascidas com a microcefalia associada à Síndrome Congênita do Vírus Zika (SCVZ), fez com que os olhares de diferentes campos científicos se voltassem para elas, inclusive a Antropologia. Em vários dos estudos etnográficos publicados, que refletem acerca dos impactos provocados pelo Zika Vírus (ZV), é muito corriqueiro encontrar nos relatos das "mães de micro" - termo do qual elas próprias criaram - a menção ao abandono paternal, tal qual é uma realidade bastante comum entre elas. Para além disto, muitos homens neste cenário são aludidos como agressores domésticos e também, os acusantes sobre os corpos femininos serem os responsáveis pela doença que acometeu suas/seus filhxs. Neste sentido, o work a ser apresentado tem como objetivo discutir as divisões de papéis e relações de gênero, no contexto da epidemia e do pós-epidemia do ZV. Ele buscará fazer a comparação entre duas histórias etnoficcionadas. Na primeira não haverá um pai, uma vez que ele abandonou sua esposa ao saber da notícia que teria um filho com a cabeça pequena. Já na segunda, estará presente a figura paterna e apontará a diferente visão das pessoas sobre o pai, haja vista que o homem que decide ficar, e ajudar nos cuidados dx sua/seu filhx é considerado herói nesta conjuntura da chegada de uma/um filhx com deficiência. É importante destacar que os dados etnográficos a serem utilizados nesta produção científica são frutos dos resultados da pesquisa coletiva realizada pelo grupo "Zika e microcefalia: Um estudo antropológico sobre os impactos dos diagnósticos e prognósticos das malformações fetais no cotidiano de mulheres e suas famílias em Recife/PE e Brasília/DF" coordenado pela Doutora e Professora Soraya Fleischer, desde 2016, na Universidade de Brasília.
“ELE É HÉTERO... TODAS SÃO”: Experiências da construção de sexualidades/identidades no município de Barcarena, Pará.
Autoria: Gabriel Felix dos Santos (UFPA - Universidade Federal do Pará)
Autoria: Estudos de gênero e sexualidade em contexto rural, interiorano e/ou etnicamente diferenciado têm estado em expansão, nos últimos anos, dentro da bibliografia brasileira referente a essas temáticas. Nesses estudos, pesquisadores/as vêm apontando para o fato de que há fatores específicos ou singulares referentes ao “eixo regional” no qual o indivíduo está inserido, que influenciam no grau de “permissividade” e “aceitação” de suas práticas, culminando em modalidades diversas na construção de experiências da sexualidade. Considerando a existência desses fatores, o presente work se situa no município de Barcarena, localizado na mesorregião nordeste do estado do Pará, fazendo parte da área metropolitana de Belém. O município passou por mudanças significativas em sua realidade local a partir da década de 1980, quando grandes projetos de desenvolvimento (portos e mineração) foram implantados na região, causando grande impacto social e ambiental. Tendo como objetivo observar e demarcar as experiências da construção de sexualidades/identidades, atentando para as singularidades locais, uso-me de entrevistas e observações na pesquisa de cunho etnográfico. Observei que além de fatores específicos da região (rural/industrial), a construção social e a formulação cultural de identidades individuais estão ligadas a experiências micropolíticas referentes à elaboração de uma sexualidade local. Para isso, entender como a própria cis-heterossexualidade é construída no município foi crucial, uma vez que esta ocorre, quase sempre, em detrimento da diversidade sexual e de gênero ou de qualquer modalidade de vivência desviante.