GT 15. Antropologia, Performances e Patrimônios: saberes insubmissos

Coordenador(es): 
Paulo Jorge Pinto Raposo (ISCTE)
Scott Head (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina)

Sessão 1
Debatedor/a: Izabela Maria Tamaso (UFG - Universidade Federal de Goiás)

Sessão 2
Debatedor/a: Filipe Marcelo Correia de Brito Reis (ISCTE)

Sessão 3
Debatedor/a: Renata de Lima Silva (UFG - Universidade Federal de Goiás)

O GT tem por objetivo reunir de comunicações que incorporem reflexões antropológicas sobre as dimensões performativas e imateriais da cultura, notadamente a relacionada a processos de patrimonialização. Interessa-nos (1) entender como se evidenciam diálogos tensos e negociações entre saberes insubmissos, insurgentes e subalternos, materializados em performances culturais e cenários institucionalizados, que acionam a patrimonialização; (2) observar dinâmicas entre patrimônio(s) e performance(s) explorando as dimensões criativas e processos de objetificação cultural de repertórios culturais menos visibilizados ou minoritários; ou as tensões entre expressões culturais de natureza performática (festas, rituais, formas estéticas) e dinâmicas contemporâneas de classificação dessas formas expressivas, marcadas por resistências anti-patrimoniais ou processos insurgentes de empoderamento; (3) entender como formas de exibição dessas manifestações expressivas da cultura se dinamizam através de propostas insubmissas - museus, galerias, no espaço público, eventos ou plataformas virtuais - visando produzir formas mais ou menos canônicas de cultura. Pretendemos pensar criticamente os limites e as dimensões imateriais da cultura e da produção cultural do real. Serão bem vindas propostas em diversos formatos, contribuindo para uma certa descolonização na transmissão de ciência, seja pela tradicional comunicação oral, pelo ensaio audiovisual, instalação comentada ou conferência-performativa.

Palavras chave: Patrimônios; Performances; Saberes Insubmissos
Resumos submetidos
"Eu não sabia que era artista!": Exposição Nós de Aruanda, Artistas de Terreiro no Cenário Cultural Afro-Amazônico
Autoria: Carlos Arthur Góes Cordeiro (UFPA - Universidade Federal do Pará)
Autoria: “EU NÃO SABIA QUE ERA ARTISTA!”: EXPOSIÇÃO NÓS DE ARUANDA, ARTISTAS DE TERREIRO NO CENÁRIO CULTURAL AFRO-AMAZÔNICO A referida proposta para a comunicação é fruto parcial de pesquisa de mestrado em “Ciências do Patrimônio Cultural”, ofertado pela Universidade Federal do Pará, que terá como objetivo central compreender as diversas nuances inseridas para a consolidação das “artes religiosa” de terreiros no cenário das grandes produções culturais da Região Metropolitana de Belém do Pará. Para essa jornada de estudo multidisciplinar sobre os artefatos, simbolismo e expressões ancestrais produzidos dentro das casas de terreiros religiosos e, exposto na exposição intitulada “Nós de Aruanda, Artistas de Terreiros”, tornar-se-á um campo investigativo profícuo em compreender o que é patrimônio artístico cultural para as povos tradicionais de terreiros ao longo das edições de 2013 à 2019. Tal abordagem de pesquisa vêm a suscitar, devido os integrantes das casas de santo não se identificarem com as artes contidas nas galerias, pois em sua grande maioria são europeias ou euro-americanas, não sendo um patrimônio artístico de identidade para seu povo. Neste caso, se fez necessário ações de políticas culturais dentro dos movimentos de cultos afro como possibilidade de evidenciar essas tradições de fazeres e saberes nos espaços de poder legitimadores, ou seja, a exposição Nós de Aruanda, Artistas de Terreiro surge como essa intermediadora dessa ação social, cultural e identitário na cidade de Belém. Entretanto, o grande desafio era evidenciar essas “artes” de terreiro nas galerias da cidade e, convencer que os filhas e filhos de santo “artistas”, pois, em muitos casos, não se identificavam como tal, como na fala da representante religiosa Mametu Nangetu, ao pronunciar-se no encerramento da exposição de 2013 ao declarar-se: “Eu não sabia que era artista!”, ficando nítido a existência de particularidades para o condicionamento do “eu artista” de terreiro neste cenário cultural das artes. Portanto, percebe-se nesses espaços legitimados pela grande arte o total apagamento e invisibilidade dos patrimônios de terreiros pelos produtores culturais da cidade, não observando a existência de outros saberes e práticas simbólicas ancestrais no cotidiano da Amazônia Paraense, neste caso, a exposição de “arte religiosa” de terreiros vem trazendo este movimento de luta para o reconhecimento de seus bens artísticos dos cultos afro de Belém.
A Dona da Festa Toda: artes e astucias de ser drag queen em Recife-PE.
Autoria: Ana Valéria Salza de Vasconcelos (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina)
Autoria: No horizonte das etnografias urbanas a presente investigação se volta para a cultura drag no centro da cidade do Recife/Pernambuco visando a dar um panorama de como essa cultura se constrói com homens jovens gays que fazem drag na cidade. A pesquisa aconteceu em sua maior parte de work de campo no Santo Bar, boate frequentada majoritariamente por pessoas gays e transexuais que fica localizada no bairro da Boa Vista, onde nas quintas-feiras a noite acontecia o Cinemona e em seguida a festa Jungle. A primeira é a exibição do episódio da temporada 2016 do programa de televisão norte americano Rupaul’s Drag Race e a segunda uma festa organizada e promovida por um grupo de drag queens da cidade. Nesses termos, o presente work se caracteriza como uma etnografia que busca investir nas implicações entre territórios corporais e urbanos produzidos por drag queens no centro da cidade do Recife, buscando entrever a partir das estratégias e técnicas de montar como se produzem ideias sobre corpos, gêneros, pessoas e lugares no circuito de lazer e espaços de divertimento dos quais essas pessoas fazem parte. A noção de performance ocupa uma posição central nas descrições, não apenas por ser a forma êmica pela qual as interlocutoras e interlocutores nomeiam a expressão artística e o work que exercem, mas também pelos rendimentos analíticos que tem na descrição dos modos de vida e sentidos por elas produzidos através da noite recifense.
A história, a luta, e a vida dramatizadas pelos alunos Kaingang na Terra Indígena Toldo Chimbangue de Chapecó, SC
Autoria: Adiles Savoldi (UFFS - Universidade Federal da Fronteira Sul)
Autoria: Em Chapecó, SC, a organização das retomadas de terras indígenas, em meados da década de 1980, veio acompanhada de projetos de valorização e de afirmação de identidades Kaingang. As escolas indígenas, desde 2000, têm vivenciado Semanas Culturais, no mês de abril, mas especificamente no período que coincide com o Dia do Índio, num contexto regional que foi marcado pela colonização europeia, incentivada por políticas de Estado. A programação do evento é divulgada para distintos públicos. A proposta de análise aqui consiste na reflexão sobre o teatro desenvolvido por alunos e professores indígenas e apresentado durante a Semana cultural. Raposo (2010) em seu artigo, “diálogos antropológicos, da teatralidade à performance”, vai tratar as performances culturais e artísticas como processos históricos situados e não meros eventos in actu e in situ. A ênfase será na recriação histórica como evento performativo que articula performance e teatralidade. O autor adverte que essas práticas estão ausentes no Brasil, e apresenta como hipótese o fato do passado no Brasil estar associado ao passado colonial português. No entanto, é possível perceber que se as inferências históricas para recriar o passado no Toldo Chimbangue não se reportam à identidade nacional, não se trata de uma celebração da brasilidade, mas, no entanto, intencionam a recriação histórica de uma “comunidade imaginada” autóctone circunscrita às raízes ancestrais, aos laços de parentesco e de solidariedade indígena. O passado que intencionam recriar não é remoto, os Kofás (anciãos) ainda guardam as reminiscências, embora as novas gerações, no caso os professores indígenas, se reportam à historiografia para fundamentar o final do século XIX e meados do Século XX. A encenação comunica ao público presente a interpretação que a comunidade realiza de si própria. Há uma proposta educativa e performativa ao enunciar o passado, as características positivas como a solidariedade e justiça são contrastadas ao comportamento egoísta e usurpador associados aos colonizadores.
As Marcas de Valadares: descrição etnográfica imagética e afetiva em torno de andanças entre Brasil e Portugal
Autoria: Patricia Martins (IFPR - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná), Antonia Regina Moura
Autoria: A partir do encontro entre uma antropóloga, uma vídeoartista e um mestre violeiro e luthier partimos em busca de conexões performáticas-musicais entre Brasil e Portugal, através das cordas e trilhas da viola fandangueira e da viola beiroa. Partindo do litoral norte do Paraná, lugar de produção do fandango, uma musicalidade específica, circunscrita em práticas culturais caiçaras, partimos ao encontro de violas cujo parentesco apontava para a região de Beira Baixa em Portugal. Nesta road etnografia promovemos encontros, conexões e disjunções, revelando elementos sonoro-musicais e performáticos a partir dos quais estes instrumentos emergem. A proposta, deste modo, esteve em fazer confluir estes processos e musicalidades, propiciando o encontro e intercâmbio de agentes e instituições protagonistas na salvaguarda deste fazer musical. Em articulações que ampliaram a visualização deste parentesco, por entre ateliês de luterias, casas de violeiros, palcos e ações artísticas diversas, e seguiram trilhas entre Brasil e Portugal, as violas circulam e criam trajetórias e redes diversas e complexas. O roteiro da estrada traçado pelo rastro da semelhança e a constatação do desaparecimento misterioso por algumas décadas da viola beiroa faz dessa dinâmica etnográfica uma experiência investigativa de caminhos. Deslocar-se até Trás-os-Montes numa fronteira árida, de ausência de cordas e uma riqueza de tambores e sopros fez-se sentir o ambiente tímbrico do vazio num contraste com a mítica de um processo de silênciamento. Descer Serra da Estrela abaixo e encontrar em vilas no coração português, um território recém estimulado pela retomada da construção desta viola, instigado por processos de patrimonialização e memória desses personagens únicos numa história e clima de disputas de narrativas provocou reflexões a cerca da viagem dos instrumentos para o outro lado do oceano. Através da produção de registros sonoros, audiovisuais e etnográficos, foram destacados os circuitos de produção da viola beiroa, propondo pensá-los em um movimento de conjunção onde se relacionaram estéticas e políticas, tecnicas e subjetividades, poéticas e memórias, em um caminho que remeteu aos trânsitos musicais proporcionados pela viola entre Brasil x Portugal. E aqui, mesmo se toda relação tende a envolver modos de colaboração, também vale pensar e experimentar a respeito dos modos com que as práticas, matérias e/ou conceitos envolvidos possam interromper, deslocar e/ou transformar uns e outros, assim como estes artefatos musicais e suas gentes se fundem, transformam e mobilizam.
Baile de Congos: devoção, tradição e patrimônio cultural afro-brasileiro.
Autoria: Aissa Afonso Guimarães (UFES - Universidade Federal do Espírito Santo)
Autoria: No caso brasileiro discutir conteúdos relacionados às culturas tradicionais, especialmente afro-brasileiras, é também uma forma de enfrentamento ao processo de colonização do pensamento na área da pesquisa em arte, uma vez que estes conteúdos despertam temas desconhecidos e silenciados que questionam a hegemonia deste campo de conhecimento. De modo que usaremos a categoria de patrimônio cultural afro-brasileiro para circunscrever uma noção do termo, que se dirige às formas de expressão, que envolvem a arte como sistemas culturais e relacionais e como formas de afirmação de identidade étnica, preservadas por seus detentores na diáspora. Nossa investigação busca compreender como a prática devocional popular, por meio do Baile de Congos de São Benedito ou Ticumbi, funciona como meio de fortalecimento das comunidades, de afirmação da identidade cultural e de luta pelo modo de vida das populações negras do Sapê do Norte, no município de Conceição da Barra, no estado do Espírito Santo. Este work traz como tema central a tradição do ticumbi, e como estudo de caso o grupo Ticumbi de São Benedito do Bongado e suas relações com os jongos, da comunidade de Itaúnas. Através de elementos que compõem o ritual dos festejos, discutiremos a transmissão de saberes, organização e fortalecimento da memória dos grupos, em prol da preservação dos seus patrimônios artísticos, culturais e étnicos. A proposta aqui apresentada é resultado de longa trajetória de work no campo do patrimônio cultural na área de Artes, na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), por meio da pesquisa interdisciplinar e da extensão universitária, com agrupamentos de culturas tradicionais no ES, especialmente com os jongos, caxambus e ticumbis. Abordamos questões sobre o patrimônio cultural de natureza intangível, no diálogo reflexivo entre as áreas de artes, antropologia e educação através de projetos coletivos, compreendendo as tradições culturais afro-brasileiras como fonte de expressões artísticas, que funcionam como demarcadores de identidade e de transmissão de saberes das populações negras.
Batalha das Imagens no Bicentenário da Independência: conflitos na gestão política dos monumentos, museus e memórias históricas
Autoria: Alexandre Fernandes Corrêa (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: Cativados pela proposta desse GT, apresentamos uma proposta de comunicação elaborada a partir da articulação dos conceitos de máquina de guerra semiótica (Lifschitz), batalha das imagens (Carvalho) e guerra das imagens (Gruzinski) nos estudos sobre a memória política numa perspectiva antropológica. Nesse trajeto operamos com a noção de memórias enxertadas (Gruzinski) buscando compreender a lógica das ressurgências imagéticas no espaço sociopolítico atual, através da análise da gestão política do teatro das memórias encenadas em museus, monumentos históricos e paisagens urbanas. Como campo empírico de investigação específico trabalhamos o movimento do Grito dos Excluídos que ocorre todo 7 de setembro no país, por ocasião da comemoração da Independência na Semana da Pátria (DaMatta). Com a proximidade do Bicentenário (2022) analisamos os processos de produção de imagens e outros enunciados discursivos desde o início dessas manifestações cívico-populares em 1995. Nos interessa o debate proposto nesse GT sobre os usos performáticos em especial em relação a fotografias, imagens, grafismos e paisagens, expressos particularmente nos cartazes produzidos pelo movimento. Destarte, analisamos as narrativas que invocam saberes e patrimônios contra o discurso oficial do estado-nacional brasileiro, enquanto enfrentamentos à ordem simbólica e cultural dominante. No âmbito dessa comunicação apresentamos indagações e inquietações pertinentes à problematização proposta no GT, ao operacionalizarmos os conceitos articulados na batalha das imagens em voga na sociedade contemporânea, perscrutando a natureza e a lógica dos processos performativos em disputa no campo da memória política. Com esse intuito, ampliando o alcance das reflexões embasadas no campo empírico escolhido, avançamos na análise comparativa ao invocar conflitos e enfrentamentos ocorridos em outras sociedades, como os eventos registrados recentemente no Chile e na Espanha. Evidencia-se assim que esses conflitos em tela se situam no âmago das transformações locais e globais, no que tange a gestão do futuro do passado, dos saberes e conhecimentos tradicionais e dos patrimônios bioculturais. Os embates e disputas pelas performances no campo da memória histórica e política, parecem ser decisivos no atual estágio de aceleração da globalização. Uma abordagem antropológica apurada certamente trará contribuições importantes para a compreensão das novas possibilidades do devir histórico-cultural contemporâneo.
E quando as performances afro-brasileiras tomam o Centro Histórico?
Autoria: Eliene Nunes Macedo (UEG - Universidade Estadual de Goiás)
Autoria: Esta comunicação pretende contribuir com reflexões acerca das dimensões performativas e imateriais da cultura, colocando no centro da roda, as performances afro-brasileiras da cidade de Goiás (GO). Objetiva-se compreender a articulação entre performances culturais afro-brasileiras, relações étnico-raciais e os múltiplos processos de patrimonialização e de manifestações expressivas que se dão no centro histórico. A cidade obteve o título de Patrimônio da Humanidade, pela UNESCO, em 2001, devido à conservação da arquitetura e malha urbana e sua história de ocupação e colonização ocorridos nos séculos XVIII e XIX. Atualmente, Goiás testemunha o surgimento de outras práticas culturais, que estabelecem conexões com o contexto da descolonialidade e acionam o título para tencionar, questionar, refletir sobre o patrimônio institucionalizado, assim como reivindicar o reconhecimento dos seus patrimônios culturais, constituídos por formas expressivas, saberes, ofícios e celebrações, tais como: Afoxé Ayó Delê, Congo e bloco Pilão de Prata. Nesse sentido, a estratégia dos grupos afro-brasileiros, moradores dos bairros periféricos, tem sido a ocupação performativa do centro histórico, por meio das dimensões expressivas e imateriais da cultura, solapando por meio de fissuras e deslocamentos a visão de mundo colonial e fomentando reflexões críticas no campo do patrimônio. Sendo assim, colocam as narrativas e as ações patrimoniais como campos em disputa, nos quais se criam e recriam continuamente um conjunto de valores, de relações sociais, de significados sobre o passado, sua ancestralidade, o presente e a construção do futuro. Analisaremos como alguns grupos afro-brasileiros colocam em xeque as narrativas oficiais, das quais são excluídos, reivindicando, por meio da ocupação performativa dos lugares patrimoniais do centro histórico, o reconhecimento por parte da “humanidade”, dos seus saberes, do work, das diversas contribuições do povo negro, na construção material e simbólica da cidade patrimonializada.
Entre empoderamentos e assujeitamentos: as políticas do Patrimônio Imaterial e seus impactos nos grupos da Cultura Popular na Festa de Santo Antônio em Barbalha/CE
Autoria: Cicera Tayane Soares da Silva (UFRN), Julie Antoinette Cavignac
Autoria: Por volta dos anos 2000, as políticas que viabilizaram a patrimonialização, sobretudo, de cunho imaterial, exerceram grandes impactos nos grupos da cultura popular. Nesse momento, havia-se o reconhecimento de diversos grupos de tradição, formas de expressão e celebrações que receberam recursos públicos para sua manutenção. No entanto, com o cenário político que se instaurou desde 2016 e segue até o presente momento, esses investimentos foram aos poucos, sendo comprimidos ou até mesmo aniquilados. A presente comunicação busca refletir sobre as políticas de patrimonialização na Festa de Santo Antônio, que ocorre no interior do Ceará. Tal festejo, foi registrado como patrimônio imaterial no ano de 2015. Através disso, o presente work busca pensar a festa através de duas categorias; a do empoderamento e/ou assujeitamento dos grupos populares perante o seu registro enquanto um bem de natureza imaterial. Dessa forma, busca-se mostrar como a festa em apreço, ganhou novas conotações políticas, sociais e culturais através de sua patrimonialização e como isso interfere na organização dos grupos populares. Os dados aqui apresentados são frutos da pesquisa de doutorado ainda em andamento, compreendendo o work de campo realizado nos anos de 2017 até 2019.
Mapeando e indagando sobre saberes insubmissos no campo da música: reflexões sobre a música sertaneja e a música de banda sinaloense
Autoria: Matheus Gonçalves França (UFG - Universidade Federal de Goiás)
Autoria: Essa proposta surge a partir de inquietações provocadas por work etnográfico desenvolvido em dois contextos musicais: a música sertaneja (em Goiânia, Brasil) e a música de banda ou tambora sinaloense (em Oaxaca, México). A trajetória de ambos estilos musicais é relativamente semelhante: surgem em comunidades rurais no interior de estados com grande população campesina (São Paulo, Minas Gerais e Goiás no caso da música sertaneja e Sinaloa no caso da banda sinaloense), em meados dos anos 1920; nas décadas de 1980 e 1990, passam por um paulatino aumento no processo de popularização, comercialização e urbanização de seu público ouvinte e do conteúdo das canções, tornando-se, no contexto dos dois países, os estilos musicais mais escutados. A tambora sinaloense é património intangible no estado de Sinaloa, sendo um estilo musical que, segundo os sujeitos com quem dialoguei em Oaxaca, contribuiria para uma certa “unificação identitária” da mexicanidade. Igualmente, há discursos no universo da música sertaneja que a encaram como um “patrimônio da cultura brasileira, sobretudo da goiana”, em um contexto de disputas por autenticidade a respeito de a música sertaneja produzida atualmente poder ser ou não considerada “legítima”. Por fim, nos dois casos há ênfase em performances (tanto de artistas quanto do público consumidor) que reforçam códigos de masculinidade hegemônica e heteronormativos, reforçados por uma estética majoritariamente branca, presente especialmente nos produtos audiovisuais (videoclipes), mas também no cotidiano dos espaços de sociabilidade, onde conduzi parte significativa do work de campo. O objetivo dessa proposta, portanto, será refletir sobre performances menos ou mais insubmissas no que diz respeito às questões de gênero e sexualidade interseccionadas com classe e raça, principalmente, no universo desses dois estilos musicais. O “feminejo” (música sertaneja cantada por mulheres) e, mais recentemente, o “queernejo” (que poderia ser traduzido aproximadamente como um sertanejo cantado por pessoas LGBT) vêm tensionando e desafiando as narrativas e estéticas hegemônicas da música sertaneja. No caso da tambora sinaloense, a figura polêmica de Jenni Rivera e as memórias comigo compartilhadas por uma interlocutora de Oaxaca sobre as Reinas Oaxaqueñas, uma das únicas bandas sinaloenses femininas de relativa expressão regional no México, por exemplo, podem ser instigantes para refletir sobre negociações e processos de empoderamento em contextos de difícil acesso e permanência de sujeitos subalternizados. Assim, a dimensão performativa de ambos estilos musicais pode ser uma via possível para compreender processos de negociação, permanências e rupturas com estruturas hegemônicas que se manifestam em formas expressivas.
Museu dos Ossos: um recanto da "cultura de areia" de Itapuã, em Salvador-Bahia
Autoria: Clara Domingas Correia de Codes (UFBA - Universidade Federal da Bahia)
Autoria: O Museu dos Ossos é uma criação de pescadores e trabalhadores de praia (Zell, Nado, Valter Hugo, Malhado, Cabeça, Carcará e outros) em colaboração com Clara Domingas, artista e mestranda em Antropologia na UFBA, também nascida e criada no bairro de Itapuã, em Salvador-Bahia. Em 2015, o barracão “Os Kiloss" (uma capatazia da Colônia de Pesca Z-6) foi condenado à demolição pela reforma de requalificação da orla marítima da cidade, sob gestão de ACM (DEM). Antes da destruição, fizemos uma imersão no barracão, vivemos o cotidiano do grupo e realizamos desenhos, pinturas e vídeos. Em 2016, o barracão foi demolido. Uma nova sede foi construída na área cimentada, que passou a acolher somente os pescadores regularizados. Alguns dos pescadores e trabalhadores locais criaram o "Museu dos Ossos" no antigo lugar, com ossos de baleia, peixes empalhados e artefatos, uma prática estética que já era presente antes, mas que ganhou um novo sentido no contexto “museal” determinado por eles. Eventos recreativos e festas de aniversário passaram a acontecer esporadicamente ali. Ao redor da nova sede, a maioria dos trabalhadores seguiu ocupando a área, com suas gambiarras e armengues. Em 2016, a experiência criativa com esses sujeitos desdobrou-se num terreno próximo, no Abaeté, uma área articulada à praia por tratar-se de ecossistemas integrados da restinga, ligados por fontes, rios e dunas históricas, atualmente em perigo. Nesta reserva antropizada da APA- Lagoas e Dunas do Abaeté, ativamos um projeto de regeneração permacultural, através do qual, o conceito de "cultura de areia" se expandiu. No entanto, nos esbarramos em problemas e obstáculos estruturantes da cultura local. Em 2019, a SEMOP-Prefeitura de Salvador destruiu o "Museu dos Ossos" criado na praia, sem aviso prévio, para favorecer a instalação de um empreendimento privado. Mas o desaparecimento desse espaço não significou o fim dele. O Museu dos Ossos tornou-se uma plataforma itinerante, mediante a instalação (em qualquer lugar) de uma escultura provisória - um totem feito de artefatos da praia, e o compartilhamento de memórias, objetos, imagens e relatos multi-linguagens. A experimentação seria a principal característica dessa prática museológica, que se alinha com o que é considerado museologia dialógica, ou participativa, a que nós chamamos de museologia performativa. A pesquisa de mestrado, iniciada em 2017, aborda essas e outras transformações na paisagem de restinga de Itapuã, território ancestral, antiga vila de pescadores que se tornou um popular e populoso bairro de Salvador, Bahia. Compartilharei resgates históricos, problemas socioambientais e possibilidades de criação coletiva e patrimonial ligadas à este território.
O circuito festivo das Escolas de Samba capixabas: o Carnaval do Brasil começa aqui
Autoria: Geovana Tabachi Silva (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Autoria: O desfile ritual das Escolas de Samba do Carnaval de Vitória se caracteriza como meio para expressar de modo “grandioso” a cultura popular no Espírito Santo, sendo composto por dezenove Agremiações, que estão organizadas em três grupos - Especial, Acesso A e Aceso B - que fazem parte do circuito festivo da cidade. As reflexões propostas nessa comunicação partem de investigações realizadas no âmbito das festividades promovidas pelas Escolas de Samba no decorrer do ano carnavalesco, desde 2016, privilegiando demonstrar as suas dinâmicas, cenários, conflitos e tensões decorrentes de continuidades e descontinuidades, permanências e transformações, considerando as noções de “arquivo” e “repertório” (Taylor, 2008). O desfile capixaba foi declarado patrimônio cultural imaterial por legislação estadual e procura evidenciar o aspecto pioneiro de “inaugurar o Carnaval” brasileiro, com o slogan O Carnaval do Brasil começa aqui, visto que antecede em uma semana o calendário oficial momesco. A fim de demonstrar os processos constitutivos das festividades, foram consideradas as dimensões das performances e as práticas e procedimentos de salvaguarda da manifestação expressiva da cultura capixaba.
Patrimonio e resgate: empoderamento ou epistemicidio?
Autoria: Marianna Francisca Martins Monteiro (UNESP - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho)
Autoria: A performance – dramaturgia – instalação aqui proposta pretende problematizar a forma como se festeja e se organiza o Kola San Jon no bairro da Cova da Moura, em Lisboa. O Kola San Jon é uma tradição popular cabo-verdiana, um cortejo de caráter religioso, reconstituído em Portugal, por imigrantes cabo-verdianos no quadro das atividades da Associação Cultural Moinho da Juventude em contexto de lutas por moradia e inclusão social. Essa prática cultural e artística foi registrada e reconhecida como patrimonio imaterial cultural português em 2013. Serão performados, enunciados e exibidos momentos da pesquisa de campo, a fim de reviver e compartilhar a percepção de que a luta por empoderamento e inclusão social pode produzir ausências, agenciar epistemicídios e operar invisibilizações.
Problemas de patrimônio como problemas de gênero: disjunções entre feminismo e cultura popular na Festa de Santo Antônio em Barbalha (CE)
Autoria: Roberto Marques (URCA - Universidade Regional do Cariri)
Autoria: Dobramo-nos aqui sobre disjunções e conjunções existentes entre as ações dos feminismos no Cariri e o imaginário espacial que modula a patrimonialização da Festa do Pau de Bandeira de Santo Antônio, em Barbalha (CE). Anualmente, a cidade é tomada por cerca de 300.000 pessoas que assistem os festejos em louvor a seu Padroeiro. Um dos momentos marcantes da Festa é o carregamento de uma imensa tora de madeira entre sítios próximos à área urbana e o Largo da Igreja Matriz. Ali, o tronco se transforma em mastro da bandeira de Santo Antônio. A folclorização e carnavalização da Festa deram visibilidade a essa manifestação cultural-religiosa, iniciando seu processo de patrimonialização. A Festa vem sendo acessada como alegoria do imaginário rural do Nordeste brasileiro, com seu casario colonial; relações de work; personagens e hierarquias. As manhãs do primeiro dia da Festa são marcadas por um cortejo de grupos de cultura popular, que percorre a rua principal da cidade em direção a um palanque aonde estarão autoridades políticas estaduais, locais e religiosas. Em 2019, como em anos anteriores, o cortejo recebeu a participação dos feminismos da região do Cariri. Ali, possivelmente entre um grupo de reisado e estudantes paramentados de Mateus, Lampião ou outro personagem do imaginário nordestino, as manifestantes denunciavam a falta de equipamentos de combate à violência de gênero na região, os avanços do governo de extrema direita contra trabalhadores e trabalhadoras e a imagética de gênero que compõe a Festa. “- Santo Antônio, livrai as mulheres da violência! ”- oravam as manifestantes. Ao longo do percurso até o palanque com autoridades, participantes da marcha foram continuamente interpeladas por representantes da organização da Festa na tentativa de inibir sua passagem. A ação dos organizadores acionava formas de localização do movimento de mulheres, uma compreensão nativa dos debates sobre gênero e sobre a cultura popular naquela manifestação. Pensamos esse Drama Social como disputa entre diferentes projetos para a região do Cariri, para os debates sobre gênero e para a vida das mulheres na região. A patrimonialização da Festa e seus personagens acessam uma romantização do mundo rural incompatível com a denúncia da morte de mulheres no Cariri pelos feminismos locais, embora ambas as narrativas estejam conectadas à ideia de um Brasil rural, atávico, distante da cidadania e urbanidade. As fricções ocorridas na Festa de Santo Antônio relembram, portanto, imagens que circulam em momentos em que grupos à margem do imaginário nacional brasileiro empunham símbolos diacríticos das ideias de participação política e memória nacional. Tensões acessadas como clichês de uma utopia generalizante de abrigo à diversidade de demandas compostas pela e para a nação.
Reflexões sobre o processo de construção do Banco de Imagem e Som (BIS - UESI/ UENF): estratégia de pesquisas, visibilização e valorização das expressões culturais, performáticas e artísticas do interior do Estado do Rio
Autoria: Lilian Sagio Cezar (UENF - Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro), Julia Dias Pereira Anderson Jamar Neves Maciel
Autoria: Essa comunicação descreve e analisa o processo da construção do Banco de Imagem e Som (BIS), buscando refletir sobre os múltiplos aspectos metodológicos relacionados à utilização de recursos audiovisuais em pesquisas científicas no âmbito da Antropologia em interface com Arte, Filosofia e Educação. A construção do BIS é resultado de distintos processos de pesquisas científicas e de extensão universitária que tematizam expressões culturais, artísticas, performáticas e patrimônios imateriais do interior do Estado do Rio de Janeiro. Os registros e produtos audiovisuais foram realizados por professores, alunos de graduação de IC e bolsistas de extensão, Mestrado e Doutorado reunidos e atuantes na Unidade Experimental de Som e Imagem (UESI) da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). Desde 2018 foram realizadas pesquisas sobre samba e carnaval campista e carioca, jongo, capoeira, fado de Quissamã, pesca e produção artesanal, cujas imagens produzidas vem alimentando o BIS - UESI a partir de diferentes pesquisas/ pesquisadores, que tematizam aspectos relativos às políticas culturais, patrimonialização de expressões culturais, especificidade da tradição oral e saberes tradicionais e as potencialidades e contingências relativas à produção de pesquisas feitas por meio/com imagens. Buscamos explorar questões teóricas e metodológicas acerca da produção audiovisual visando o fortalecimento do diálogo entre conhecimento científico e conhecimento tradicional. Dessa forma pensamos o processo de patrimonialização dos saberes tradicionais e performances culturais a partir do prisma de possibilidades de construção de work intelectual coletivo, na medida que não se busca reconhecer e privilegiar uma forma de racionalidade, a científica, mas reconhecer a pluralidade de saberes e estéticas constituintes das expressões culturais e visões de mundo a elas articuladas. Ainda na trilha das redes de diálogo construídas entre ciência e conhecimento tradicional, buscamos compreender a produção (2018-2019) e processo de divulgação do BIS - UESI via internet (2020) como forma de devolutiva viável e necessária às diferentes demandas de visibilização e valorização das expressões culturais locais e forma de construção desse espaço universitário como um local de criação coletiva e dialógica entre pesquisadores e interlocutores.
Som dos Sinos - uma etnografia sobre a combinação entre documentário, tecnologia e novas mídias para salvaguarda do patrimônio cultural imaterial.
Autoria: Marcia Mansur de Oliveira (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas)
Autoria: O “Toque dos Sinos” e o “Ofício de Sineiro” são registrados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como patrimônios culturais imateriais brasileiros. Tal registro é fruto do inventário que mapeia, em 9 cidades de Minas Gerais, 40 tipos de toques que compõem uma linguagem de comunicação sonora. Toques distintos anunciam o falecimento de homem, mulher ou criança; outros identificam missas, procissões, festas. Atualmente, os sineiros transmitem o conhecimento das badaladas e ritmos para novas gerações no contexto da performance, durante as horas sacras, apenas nas horas específicas em que se deve tocar o sino. No campo, percebemos as torres das igrejas como locais de articulação de conhecimentos que constituem o encontro colonial uma vez que a sonoridade dos toque dos sinos no Brasil tem forte influência percussiva afro-brasileira. Este artigo descreve a experiência do projeto de salvaguarda do patrimônio imaterial Som dos Sinos, co-dirigido por uma antropóloga e uma artista visual, trazendo uma reflexão antropológica sobre dinâmicas de tradução da imaterialidade em imagens. Também propomos elaborar o desafio de produzir etnografias através de produção transmídia, uma vez que o projeto Som dos Sinos resultou em documentário de longa metragem, uma plataforma multimídia com cartografia sonora, um documentário interativo, cinema itinerante na fachada das igrejas,um aplicativo georreferenciado para celulares com mais de 100 faixas de áudio e uma vídeo-instalação composta de paisagem sonora e experiência imersiva no ambiente dos campanários em galerias de arte do Rio de Janeiro. Uma vez que narrativas são retidas em imagens e registros sonoros, a imaterialidade do patrimônio é traduzida para um meio concreto, capaz de transportá-la para lugares diversos, evidenciando aspectos materiais das práticas. Que oportunidades e limites estão associados à produção audiovisual e ao ambiente virtual no âmbito do patrimônio cultural imaterial? Como este conhecimento pode ser salvaguardado no mundo digital utilizando uma abordagem plástica? Diante dessas questões, proponho uma reflexão sobre a estética da escuta e a poética das performances como ferramentas de transmissão de conhecimentos. A proposta é pensar a dicotomia ontológica entre material e imaterial - e as consequentes reflexões acerca da materialidade do imaterial no campo da salvaguarda. Para tanto, propomos explorar as possibilidades do uso da imagem em movimento e de instalações sonoras para composição de narrativas etnográficas, através de uma descrição empírica dos usos do audiovisual na salvaguarda do patrimônio imaterial assim como reflexões sobre tais imagens como meios ao mesmo tempo intangíveis – porque feitos de luz, e concretos – porque carregados de sentidos.
Street fight, vingança e guerra: artistas e projetos ético-políticos indígenas nos interstícios da hegemonia da arte contemporânea
Autoria: Clarissa Diniz de Moura (EAV)
Autoria: As subalternizações coloniais foram também epistemológicas – práticas de epistemicídio e de violência epistêmica cuja operação central impossibilita a auto-representação, produzindo silêncios. Nesse contexto, a recente inserção de artistas indígenas no campo hegemônico da arte (bienais, museus) no Brasil tem sido interpretado sob a ótica do “ineditismo”, como se apenas agora esses artistas estivessem encontrando possibilidades de agência. Contudo, o macuxi Jaider Esbell nos adverte de que “o indígena aparece em representações de artistas europeus numa cena de primeira missa. É posto para cantar na catequese, é posto a ilustrar documentos. Sobre esses artistas pouco é falado” (ESBELL, 2019). Evocando a constante presença indígena no seio da hegemonia branca da arte, Esbell nos defronta com a persistente desconsideração da agência indígena, confrontados com invisibilizações sistemáticas produzidas por uma analítica incapaz de perceber projetos éticos de vida onde se julga haver apenas subalternização. Exemplo central dessa insistente violência epistêmica se dá na relação entre Makunaima, a entidade indígena, e Macunaíma, o personagem da rapsódia homônima (1928): “Mário de Andrade fez o sequestro relâmpago bem-sucedido do Makunaima. (...) Ele parece ter feito uma coisa imbatível e por isso é interessante querer retornar, fazer um street fight com Mário de Andrade. (...) É preciso denunciar a arte moderna” (KRENAK, 2017). Com a intenção romper ciclos de violência epistêmica, além da denúncia, urge desmontar o complexo de subalternização que se atualiza na discursividade cega às agências e projetos éticos que se fazem em meio à subalternização. É o que evidencia Jaider Esbell ao revelar que a entidade “deixou-se ir”: “Eu grudei na capa daquele livro [de Mário de Andrade]. Dizem que fui raptado, que fui lesado, roubado, injustiçado, que fui traído, enganado. Não! Fui eu mesmo que quis ir na capa daquele livro. Fui eu que quis ir fazer a nossa história. Vi ali todas as chances para a nossa eternidade”, confessa Makunaima através de seu neto, Esbell (ESBELL, 2018). Desde 2018, Esbell tem produzido uma inflexão ética crucial para a descolonização de práticas antropológicas e artísticas. Ao lado de Denilson Baniwa – que tem performado vinganças às violências da arte –, Jaider tem produzido um giro epistêmico que esvazia o messianismo ocidental em sua relação otimisticamente etnocida (CLASTRES) de “inclusão” da arte indígena ao questionar seu exclusivo protagonismo. Portanto, a partir das estratégias performativas e discursivas desses artistas, o artigo analisa a inscrição da arte contemporânea indígena no contexto da arte brasileira a partir das noções de violência epistêmica, guerra e vingança, sublinhando seus projetos ético-políticos.
“Na hora da tua ronda, tu te benze!” : experiências e narrativas sobre os casarões do Centro Histórico de São Luís
Autoria: Gabriela Lages Gonçalves (UFMA - Universidade Federal do Maranhão), Abigail Vale Rocha
Autoria: Este texto parte do work de campo que temos construído sobre a convivência entre pessoas e seres intangíveis (visagens, assombrações, espíritos etc.) no Centro Histórico de São Luís, capital do Maranhão. No bairro da Praia Grande, onde temos aprofundado relação estreita de pesquisa, encontram-se casarões centenários que marcam a trajetória histórica e social da cidade que recebeu o título de Patrimônio Mundial da Humanidade desde 1997. Com base em minha pesquisa etnográfica para dissertação e investigações em andamento pelo projeto "Casa e Mobilidade no Maranhão: uma pesquisa antropológica", percebemos as relações moldadas entre pessoas e casarões através de histórias de vida, experiências ou narrativas sobre presenças intangíveis que por ora se materializavam através de ações, objetos, superfícies, aparições e outras diversas formas de manifestação. Buscamos refletir aqui sobre a figura do vigilante como um porta-voz de experiências dessa natureza – um conhecedor da dinâmica das “assombrações” do Centro Histórico que conecta casarões, ruas e espíritos através da sua profissão de vigiar prédios antigos. Para tanto, elaboramos a reflexão a partir de três pontos neste texto: a. a figura do vigilante narrador e “solitário”; b. mapeamentos sobre as visagens entre ruas e casarões; c. notas sobre lugares, presenças e emoções. Nesse sentido, consideramos que as vivências dos profissionais da segurança colaboram para um ciclo de narrativas e performances que são constantemente associadas ao Centro Histórico da cidade de São Luís.
“Os sapos e os pobres cada vez mais longe” : mapas mentais de imaginação etnográfica e patrimônios culturais
Autoria: Geslline Giovana Braga (UFPR - Universidade Federal do Paraná)
Autoria: Na geografia cultural desenvolveu-se a metodologia dos “mapas mentais”, na qual as pessoas são convidadas a desenhar seus lugares, a partir da fenomenologia, demarcando aquilo que lhes convém e assinalando suas percepções e emoções diante da paisagens, relevos e construções. No meu estágio pós-doutoral em geografia cultural (UFPR) busco a aplicação dos mapas mentais na antropologia, principalmente direcionados a pesquisa em arquivos no “momento etnográfico” (Marilyn Strathern) do antropólogo. Imaginando mapas mentais do passado de pessoas e formas de sociabilidade, que não mais existem. Trajetos e roteiros nos mapas são imaginados a partir de dados de pesquisas em arquivos e jornais, com uma linguagem e estética contemporânea, transpondo a noção da verossimilhança da imagem etnográfica, evidenciado a criação e imaginação do pesquisador ao cotejar dados e observar lugares no passado. Neste traçar (Tim Ingold) é possível pensar como a geograficidade das cidades foi imaginada pelo urbanismo e suas posições ideológicas, diante dos registros deixados, bem como a literatura e a poesia (Andreas Huyssen) consolidaram imaginários sobre as cidades. Diante de tais mapas imaginados de trajetos no passado é possível compreender o que a cidade elegeu como seus patrimônios culturais materiais e imateriais. No caso, de Curitiba os intensos processos de urbanização para conter o charco, no início do século XX, pretendiam e conseguiram afastar sapos, pobres e negros do centro histórico, repaginando a cidade com leis e construções e, assim, se fizeram o patrimônio edificado e os patrimônios imateriais associados a noção de europeidade, onde discursos e prédios edificaram uma dimensão uníssona de patrimônio e cidade. Os mapas mentais apresentados nesta comunicação relembram a cidade a presença de negros, mulheres e operários no centro histórico da cidade, por meio dos lugares e das associações operárias e negras do início do século XX.
A institucionalização do brega e a re(invenção) de suas tecnologias estéticas, políticas e sociais: o bregafunk enquanto “nova” expressão política das margens
Autoria: Vanessa Rodrigues Santana (UFPE - Universidade Federal de Pernambuco)
Autoria: O bregafunk é um gênero musical popular surgido em Recife, na segunda metade dos anos 2000, que se configura como um encontro entre a música brega nordestina, os ritmos caribenhos, as batidas oriundas do funk carioca e outros gêneros latino americanos. Caracteristicamente periférico, o bregafunk assumiu caráter político a partir da criação da Lei do Brega, que o institucionaliza e autêntica enquanto expressão popular pernambucana. O “movimento” bregafunk desponta, então, como precursor do encurtamento das fronteiras entre as comunidades periféricas e os centros urbanos; a princípio tendo como campo apenas a capital pernambucana e hoje alcançando o mainstream por meio de um processo de nacionalização iniciado em 2018, quando MCs pernambucanos figuraram no canal Kondzilla, apresentando o gênero ao resto do país. Esse processo de desterritorialização do bregafunk atinge seu auge em 2020, quando MCs de São Paulo e Rio de Janeiro apropriam-se dele. A caracterização enquanto um “movimento” político, a reivindicação de espaço e o impedimento social à que são submetidos, aproximam o gênero de uma contracultura, em especial pela maneira que os espaços públicos e midiáticos são disputados junto a outras expressões culturais. Uma vez que suas agências e discursividades políticas permeiam uma complexa teia de motivações (políticas, estéticas e sociais), o ethos do bregafunk ainda é amplamente discriminado. Essa apropriação do gênero pelo mainstream resultou em um grande processo de hibridização dentro do gênero. Se, inicialmente, a hibridização ocorreu em uma escala global, desta vez encaminha-se para um nível regional. Visto como “outro” em espaços além da margem, o discurso sobre o bregafunk no mainstream ainda é higienizador. Dentro desse cenário, o brega atua de maneira paralela ao discurso hegemônico, mas, sem pretensões de fazê-lo oposição. Conforme o gênero resiste às estratégias hegemônicas, também busca ocupar palcos de grandes festivais - dentro e fora do Estado. O “movimento” ainda esbarra em táticas governamentais que visam limitar ou proibir a ocupação desses ambientes, sejam pelos artistas ou pelo público consumidor. Portanto, à luz dos estudos decoloniais, este work busca entender como a comunidade bregueira (re)inventa e aciona mecanismos de afirmação cultural e identitária de seus modos de produção, já que seus códigos oscilam na tensão subalternidade/não-subalternidade (em termos estéticos, tecnológicos e sociais) e como participam da criação de um novo dispositivo político. Além disso, propõe-se a explicitar o “papel” do bregafunk enquanto um movimento cultural marginalizado e veículo que cria vínculos e experiências capaz de circunscrever uma cultura em sua completude, mediante aos aspectos sócio-tecnológicos da pop culture global.
Insurgências na construção de Contra Narrativas por Comunidades Negras de Pelotas - RS
Autoria: Martha Rodrigues Ferreira (UFPel), Louise Prado Alfonso
Autoria: Localizada na região sul do Rio Grande do Sul, Pelotas se constrói a partir de um imaginário turístico pautado nos doces portugueses e no patrimônio arquitetônico, figurado pelas grandes construções do século XIX. Os processos de patrimonialização e sua construção no imaginário da cidade, remetem à época em que a cidade desfrutava de grande poder econômico, sendo considerada um centro cultural e econômico importante no país. Os doces finos portugueses, reconhecidos nacionalmente desde 2018 como patrimônio imaterial pelo IPHAN, junto ao acervo arquitetônico, remetem ao período do ciclo do charque, que serviu para a alimentação do sistema charqueador escravocrata e a ascensão das famílias detentoras da base econômica da cidade. Até hoje a narrativa reconhecida, valoriza apenas as famílias charqueadoras. Neste contexto emergem os sujeitos que são invisibilizados e subalternizados nestas narrativas sobre a cidade, apropriam-se das ferramentas de patrimonialização e utilizam das mesmas metodologias que, por tanto tempo, visam objetificar e minimizar a existência de grupos não hegemônicos. O Grupo de Estudos Etnográficos Urbanos - da UFPel é acionado por duas comunidades negras, enquanto um parceiro potencializador e legitimador de suas narrativas, criando um vínculo entre universidade e comunidade, na elaboração de processos de patrimonialização. Estes processos passam a ser instrumentos de resistência e visibilização desses grupos, que começam a participar de eventos, exposições e rodas de conversa por toda a cidade, atuando como questionadores dos saberes colonialistas e hegemônicos que sustentam o imaginário da cidade. A Comunidade Tradicional de Terreiro- CBTT, casa de religião de matriz africana e a comunidade do Passo dos Negros que sofre processo de gentrificação, com apoio do Projeto de Pesquisa Margens: Grupos em Processos de Exclusão e suas Formas de Habitar Pelotas/RS, passam assim a destacar a importância da valorização de outras formas de habitar e construir a cidade de Pelotas tornando-se exemplos das dimensões criativas de repertórios culturais menos visibilizados. Para este work, apresentaremos a exposição “Patrimônios Invisibilizados: Para Além dos Casarões, Quindins e Charqueadas” montada pelas comunidades em 2019, durante as celebrações do Dia do Patrimônio.