GT 03. Antropoéticas: outras (etno)grafias

Coordenador(es): 
Alexsânder Nakaóka Elias (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas)
Patrícia dos Santos Pinheiro (UFPB - Universidade Federal da Paraíba)

Sessão 1 - Entre cidades, memórias e imaginação: As poéticas das imagens e das grafias.
Debatedor/a:
Fabiana Bruno (Pesquisadora)

Sessão 2 - Metodologias etnográficas subversivas: Experiências e experimentações compartilhadas.
Debatedor/a:
Cláudia Turra Magni (UFPel)

Sessão 3 - O trabalho do antropólogo: sentir, desenhar e escrever.
Debatedor/a: Daniele Borges Bezerra (UFPEL - Universidade Federal de Pelotas)

Em continuidade às activitys desenvolvidas no 18º Congresso Mundial da IUAES, na 31ª RBA e na XIII RAM, o grupo de trabalho Antropoéticas: outras (etno)grafias tem como objetivo reunir pesquisadoras/es em Antropologia e áreas afins que promovam em suas pesquisas a relação entre poética e antropologia na composição de uma “antropografia” (Ingold, 2015), levando em conta diferentes metodologias e formas de expressão, tais como hipermídias, filmes, fotografias, desenhos, cartografias, poesias, colagens e outros. Ao pensar, escrever e questionar (e ser questionada/o por) textualidades e imagens, as discussões neste grupo se voltam para tensionamentos e reinvenções do fazer antropológico no contexto contemporâneo, reunindo trabalhos que apontem para uma política da produção de saberes nos quais inscrições do corpo e do cotidiano são parte da textualidade, como sugere Florentina Souza (2005), resultando em expressões éticas, poéticas e políticas. Dessa forma, o intuito será potencializar os diálogos entre conhecimentos acadêmicos e conhecimentos populares anti-hegemônicos, assim como realizar experimentações que extrapolem as fronteiras entre pesquisa, ensino e extensão. Diante de novas visibilidades, texturas, montagens e processos multi interpretáveis, este grupo se propõe a acolher pesquisas inspiradas em teias de fabulação especulativa (Haraway, 2016) que permitam expressar modos de recriar o mundo e, ao mesmo tempo, sejam capazes de desestabilizar e promover a crítica social.

Palavras chave: antropoética; (etno)grafias; experimentação
Resumos submetidos
A etnografia em modo sonoro
Autoria: Renato Jacques (USP - Universidade de São Paulo)
Autoria: Ao longo dos últimos 10 anos, venho realizando works de campo junto a práticas e processos criativos em contextos de dança, em especial em contextos de dança contemporânea, tendo o improviso como elemento central. Seja como observador, seja como experimentador dessas práticas, uma questão importante com a qual venho lidando é, justamente, a transposição de tais vivências para a linguagem escrita. Em uma conversa recente com uma colega antropóloga surgiu a ideia que proponho para este GT. Percebendo o paradoxo que é ler no papel, de corpo sentado, experiências vividas e improvisadas em movimento, tivemos a ideia de criar áudios etnográficos, produzindo assim ouvintes mais que leitores. A proposta é, então, experimentar junto às colegas do GT uma apreensão ouvida de tais etnografias, permitindo que o corpo das pessoas em escuta se libere para deitar, caminhar, mover de qualquer modo, enquanto os relatos etnográfico-poéticos dessas danças vão se desdobrando em ondas sonoras pelo espaço. Afastamos as cadeiras, retomamos a relação com o chão, e têm início os áudios. A ideia é, posteriormente, podermos discutir a eficácia de tal procedimento, sua justeza ou não aos acontecimentos e as mudanças provocadas por uma apreensão auditiva de danças e experiências de movimento.
Canto, imersão e experiência: Notas sobre um ensaio audiovisual acerca da experiência musical no Toré dos Kariri-Xocó
Autoria: Alice Martins Villela Pinto (USP - Universidade de São Paulo)
Autoria: Este work apresenta o processo de realização de um ensaio audiovisual acerca da experiência de imersão junto à música e os rituais Kariri-Xocó. Os Kariri-Xocó são um povo indígena que vive na beira do Rio São Francisco no estado de Alagoas e as imagens foram capturadas em 2017 na ocasião da produção de uma série documental. A proposta aqui é uma remontagem do material a partir da seguinte questão: como o filme pode comunicar a intensidade da experiência musical que envolve todos os sentidos? A aposta deste ensaio audiovisual é não apenas que o ritual e a experiência musical são multisensoriais, mas que o tipo de conhecimento experimental multissensorial através do filme nos permite “conhecer” de diferentes maneiras (Gubner, 2018). Que tipo de etnografia pode-se fazer com este tipo de imagens? Que experiência é tematizada e como ela pode ser acessada pelo filme? Estas são algumas das questões que esta comunicação pretende tangenciar em diálogo com a ideia de MacDougall (1998) de que o filme, como uma forma expressiva, se aproxima do ritual, das festas e das performances musicais de uma maneira mais efetiva do que a escrita etnográfica, pois seu significado é proposicional e performativo (MacDougall, 1998).
Cartas etnográficas de um guardião do Oco do mundo: o peregrino como uma linha de viagem
Autoria: Luan Gomes dos Santos de Oliveira (UFCG - Universidade Federal de Campina Grande)
Autoria: As pegadas dos dinossauros, enquanto cartas de histórias da natureza (INGOLD, 2015) e as histórias narradas por Robson Marques, o Velho do Rio, guardião do Vale dos dinossauros, em Sousa/PB, constituem a base de referência dessa pesquisa, desdobrada desde a graduação em Ciências Sociais/Antropologia (UFRN) até o doutorado em Educação (UFRN) defendida em fevereiro de 2019. A vida e as ideias de Robson Marques compõem-se na multiplicidade de um intelectual da tradição que se assume como um guardião de histórias, desde 1975. Ele narra a história das pegadas dos dinossauros sob um viés de uma narrativa mítica herdada de seu avô Anísio Fausto da Silva – um tropeiro, um viajante, auxiliada pelo saber científico da Paleontologia e do diálogo com o Paleontólogo Giuseppe Leonardi. Seu work é uma combinação de pesquisador, especialista em linguagem simbólica, narrador de histórias, interlocutor do absoluto e viajante do tempo. O modo de pensar e de viver do Velho do Rio expressou uma compreensão tecida em quatro linhas vitais entrelaçadas: O vale dos dinossauros; o sítio Jangada; a cidade de Sousa/PB e o Rio do Peixe. O método epistolar foi o artíficio para a construção de uma etnografia antropoética, em que foram escritas sete cartas, orientadas por horizontes temáticos: a politização do pensamento e a emergência de um intelectual da tradição; a relação entre espiritualidade, artes e ciência; e a interface educação e antropolítica como antídotos contra o utilitarismo das ciências. Os caminhos tecidos na tese compuseram o que denomino de Oco do mundo, como uma expressão que compreendo como movimento de perambulação (INGOLD, 2015) eco do Pensamento do Sul (MORIN, 2010) enquanto reserva antropológica (ALMEIDA, 2017), um lugar de gestação da Terra-Pátria, que se coloca como um convite a peregrinar (INGOLD, 2015) nos entornos do mundo narrado e vivido. Os principais autores com quem estabeleci interlocução foram: Maria da Conceição de Almeida, Edgar Morin, Clarissa Pinkola Estés, Francisco Lucas da Silva, Teresa Vergani, Norval Baitello Jr., Daniel Munduruku, Walter Benjamin, Nucio Ordine, Karl Marx, Claude LéviStrauss e Michel Serres. A lição de Robson Marques é a de que a Educação para a vida deve levar em consideração o ensino da condição humana, apostando no imperativo ético: “ESPERAR NÃO CANSA, CANSA É NÃO ESPERAR NUNCA”.
Contando outras histórias: experiências que inscrevem poesias e produções negras nas batalhas poéticas de slam
Autoria: Maria Aline Sabino do Nascimento (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: Este artigo é fruto da minha pesquisa de mestrado, a qual se trata de uma experiência etnográfica relacionada às batalhas poéticas denominadas slam. A etnografia foi feita, especificamente, com dois grupos que organizam essas batalhas, sendo eles Slam da Quentura, localizado em Sobral, Ceará, e Slam Laje, disputa poética realizada no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro. Guiada por questionamentos como: por que no Brasil o slam configurou-se em um movimento de pessoas negras e periféricas? Por que essas pessoas escolheram a poesia como instrumento amplificador de suas vozes? O que esse movimento tem a ver com uma diáspora negra? Esta pesquisa busca compreender como as poesias faladas, movidas dentro e a partir da realidade vivida, são inscritas por experiências e memórias corporais e ancestrais geradas desde os porões dos navios negreiros. A gramática do racismo, inscrita nos corpos e no cotidiano dos/das poetas, conduz minha análise e evidencia poesias que são constituídos pelos atravessamentos de marcadores sociais, como racismo, classe e gênero. Neste artigo, as poesias são lidas como geradoras de conhecimento e confeccionadoras de imagens do mundo, recebendo o status epistêmico que possuem dentro do campo e, também, por mim enquanto pesquisadora, poeta e ex organizadora de eventos das batalhas poéticas. Foi considerando minha trajetória de imersão dentro do slam, ora como organizadora e ora como poeta, e acionando, sobretudo, minhas memórias e experiências marcadas social, racial e geopoliticamente, que apresento ao leitor uma etnografia itinerante entre Ceará e Rio de Janeiro, unindo experiências etnográficas transeuntes – assim como também o são as poesias do slam. São as poesias, e não a dinâmica dos núcleos que as organizam, que se mostram centrais na construção da minha reflexão antropológica. Como transitantes, uma mesma poesia navega por diversos slams de uma mesma cidade e, até mesmo, de outros estados, demostrando não somente o caráter de competição que possui as batalhas, com seus campeonatos estaduais, nacional e mundial, como também uma poesia que transita e encontra espaço em outros slams, pois existe nesse caminho uma realidade compartilhada inscrita em “poesias-escriviventes”, no sentido dado por Conceição Evaristo (2016) ao seu conceito de escrivivências. Confrontando o lugar estabelecido, colonialmente, de um saber branco, e que foge de memórias corporais, os escritos desses e dessas jovens unem “saber” e “ser” como formas cruzadas, e também legítimas, de saberes e criações de mundos que extrapolam a lógica colonial de escrita e conhecimento.
De Cabo Verde a Salvador: A música e as estéticas negras femininas contemporâneas em toda sua potencialidade
Autoria: Roberta Filgueiras Mathias (IUPERJ), Fabiana Pereira da Silva - Mestranda(PPCULT- Programa de Cultura e Territorialidades/UFF)
Autoria: O objetivo desse artigo é pensar a música contemporânea negra através da cantora portuguesa de origem cabo-verdiana Sara Tavares e da brasileira Luedji Luna. Ambas utilizam em sua obra multiplicidades de referências, mas sempre acompanhadas por uma ascendência (no caso de Tavares, cabo-verdiana), no caso de Luna (baiana). Ainda assim, nenhuma delas deixa de ser “do mundo”, como o próprio nome do álbum de Luedji sugere, ao contrário, é a mistura que torna os works das duas tão atual. Ademais de traçar um paralelo entre as duas, pretendemos analisar as letras dos álbuns “Um corpo no Mundo”(2017) no qual Luedji deixa clara suas referências africanas e baianas e “Fitxadu”( também de 2017), álbum pelo qual a cantora portuguesa recebeu uma nomeação para o Grammy Latino. A riqueza das cantoras está exatamente em não abandonar suas origens e, ainda assim- talvez por isso, conseguir circular com sucesso por diversos espaços. “Filingadu”, de Tavares e “Banho de Folhas” de Luedji são exemplos dessa música extremamente conectada às origens africanas, mas que se transfigura em uma atualização que revela múltiplas referências. Em suas músicas, além do próprio ritmo, da estética negra marcada nos clipes, da corporalidade há também a religiosidade (bem mais presente no algum de Luedji), mas há principalmente um movimento de renovação da musicalidade negra que podemos perceber através de outras cantoras (como Mayra Andrade- cabo-verdiana- ou Bia Ferreira- mineira). Dessa forma, a análise dos clipes das artistas será essencial para analisar essa estética em (re)construção. Em “Um Corpo no Mundo”, música que dá nome ao álbum de Luedji, ela canta “Eu sou, um corpo, um ser, um corpo só Tem cor Tem corte Na história do meu lugar. Nessas estrofes da cantora há muito de sua mudança da Bahia para São Paulo e do sentimento de inadequação com que conviveu durante seus primeiros anos na cidade. Mas, há também uma rememoração dos atravessamentos, apagamentos e dores pelos quais os corpos negros foram submetidos em ocasião da escravização. A duas cantoras, cada qual a sua maneira, falam sobre a liberdade do corpo negro. Talvez a voz de Tavares seja mais sutil nesse sentido, mas está lá. As duas reclamam um espaço para a música, o corpo e a(s) estética(s) negras femininas e ,ainda que possuam suas diferenças, no estilo e nos versos há algo de transcendental que muito se assemelha. Talvez seja essa relação entre Portugal-Cabo Verde- Brasil.
De uma invencionática antropológica: poéticas de um fazer com a cidade e suas imagens
Autoria: Alice Diógenes Olimpio Dote Sá (UFC - Universidade Federal do Ceará)
Autoria: No fazer antropológico com a cidade, o caminho se faz ao caminhar. Atraem-me imagens nômades, que mobilizam e são mobilizadas pelo movimento. As escritas urbanas (frases e palavras que deslizam pelas superfícies citadinas em pixações, estênceis, lambe-lambe) são imagens passantes, infixas, fugidias, convocando tanto quem as cria como quem é por elas afetado ao deslocamento. Perceber tal movência impeliu-me a adotar métodos de pesquisa que consideram as maneiras pelas quais elas existem e se fazem ver. Em caminhadas pelas ruas do Centro de Fortaleza/CE, coloco-me à cata desses rastros, sendo o andar-encontrar-fotografar um disparador de outros encontros. Habitar os entremeios, portanto, é uma questão de “objeto” e de método, caracterizando um tipo de “conhecimento ambulatório” que surge de uma disposição ao “fazer com” (INGOLD, 2015). Esse é também um movimento de abertura às possibilidades do campo, de modo que a contaminação pela qual a cidade procede disparou-me o desejo de relacionar-me com ela de outras maneiras, como através do audiovisual e do desenho, além de também intervir em suas superfícies. Experimentando deslocamentos também metodológicos, inventei outras táticas (CERTEAU, 1994), maneiras de provocar encontros com a cidade e as imagens que a habitam e, também, de produzi-las. Compreendo, assim, a imagem não somente como “objeto”, nem como “representação” do que vemos em campo, mas como produção. Descobridores e fazedores de imagem, inventamos modos de riscar e recriar a cidade na medida em que nos misturamos a ela, como num corpo-a-corpo amoroso, sendo a própria produção antropológica uma via dessa criação. Assim, entre as múltiplas grafias das escritas urbanas, fotografia, audiovisual, desenho, intervenção, criei uma combinatória de métodos-táticas que caracteriza a “poética” de um fazer (e de um saber) antropológico com as imagens da cidade caminhante. Tateio também essas linguagens, experimentando novamente os entres e descobrindo algo nas suas dobras. Por isso, operando uma “montagem” entre elas, criei uma “mesa de imagens” (DIDI-HUBERMAN, 2018) virtual, uma outra superfície onde elas dispõem-se e atravessam-se: cidadecaminhante.tumblr.com. Ali, intento partilhar os caminhos da pesquisa por outras vias, ao dar passagem às imagens em uma forma visual de conhecimento. Busco, na comunicação proposta, trazer as experimentações desse fazer no qual, arriscando uma “invencionática” antropológica, fui criando uma poética da pesquisa, ou seja, um modo de fazer, de dizer, de partilhar, em suma, de inventar maneiras de implicar-se na e com a cidade através do fazer antropológico, que pode ser entendido, assim, como um movimento generativo, uma “uma voz de fazer nascimentos”, como diz o poeta Manoel de Barros (2015).
Escrituras com imagens: (re)narrando as memórias da cidade através de acervos fotográficos
Autoria: Ana Luiza Carvalho da Rocha (Universidade), Felipe Rodrigues
Autoria: O work a ser apresentado, de autoria de Ana Luiza Carvalho da Rocha e Felipe Rodrigues, ambos pesquisadores do BIEV, trata do processo de uma pesquisa sobre a remontagem do tempo na Praça da Matriz de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. A pesquisa parte da premissa que a cidade é tempo e não somente espaço, a pesquisa se propôs, através de reescritura do tempo com imagens fotográficas de acervo, a compreender a figuração da rítmica temporal que regula a fundação da cidade de Porto Alegre. Para tal lançou-se mão de uma busca imersiva em acervos de diversos museus a fim de se criar uma coleção etnográfica das formas de ocupação da área central da cidade. As fotografias recolhidas foram separadas, segundo o isomorfismo das formas urbanas por elas re-presentadas. Em particular, dedicamo-nos a produção da coleção etnográfica tendo como foco as estruturas espaço-temporais da Cidade imperial. A crônica fotográfica que resultou desta pesquisa encontra-se publicado no site do BIEV, https://medium.com/livrodoetnografo. A obra apresenta a Praça da Matriz em Porto Alegre, através dos instantes fotográficos que retratam a rítmica das metamorfoses de suas estruturas espaciais, e onde o antropólogo assume a figura do narrador ao restaurar as lacunas presentes no processo de superposição das fotografias descoberta em acervos, no esforço de restaurar a escritura do Tempo no/do teatro atual da vida urbana portoalegrense.
Etnografismos: cartografias da pandemia
Autoria: Olivia von der Weid (UFF - Universidade Federal Fluminense), João Pedro de Oliveira Medeiros Mateus Sayão da Silva Nathália Christina Pinheiro Pinho Pedro Henrique Dutra Novaes Souza Pietracci Potira de Siqueira Faria Ra
Autoria: A familiaridade de um mundo cada vez mais precariamente estável, ao qual mal estávamos acostumados, já vinha dando seus claros sinais de esgotamento. De uma hora pra outra, desabou. Nos últimos tempos experimentamos a interrupção dos fluxos, o confinamento do espaço, a suspensão da rotina, a fragilização da vida, a intensificação do aspecto mutável dos contextos, dos cenários, das previsões. Vivemos sob o medo do contágio, a sombra do fim e a suspeição do futuro. Como um dos efeitos dessa onda vemos a produção avassaladora de instabilidades em subjetividades que nem sempre estão equipadas para absorvê-las. Para atravessar o deserto sem ceder à sede do colapso e suas conhecidas patologias - medo, neurose, pânico, perda de sentido – é possível fazer do estranhamento um ninho. Reintegrar o sensível à existência, ativar corpos capazes de serem afetados sem sucumbir, respirando possibilidades criadoras e derramando novos mundos com suas existências vivas. Etnografismos: cartografias da pandemia, é um projeto coletivo do CONATUS (Laboratório de pesquisas sobre Corpos, Naturezas e Sentidos - GAP/UFF) que surgiu no contexto da quarentena com a proposta de nos ajudar a pausar e elaborar sentidos para o que nos acontece. Encontrar na dinâmica extra-ordinária em que vivemos palavras que possam nomear o que sentimos, a forma como a realidade atual nos expõe. Nos munimos de um conjunto aberto de ferramentas (conceitos, imagens, trechos literários, sensibilidades, materiais e grafismos) que nos convidam a reconquistar a liberdade de experimentação, mantendo ativa a escuta antropológica, povoando nosso campo de histórias, alimentando o fogo da criação de novos sentidos para o que hoje nos investe. Nos convidamos nesse projeto à desindividualização. Praticamos a colaboração em cada etapa do percurso, o desprendimento de si, a partilha dos processos, a coletivização dos meios, o desdobramento dos achados. Sem saber o que virá, improvisamos nossa itinerância, seguindo os modos do mundo à medida em que as coisas se desenrolam. Cultivamos a potência transformadora do estranhamento no cotidiano, princípio antropológico por excelência. Damos as mãos e nos lançamos na vertiginosa atividade de criação de sentidos para as turbulências que nos alcançam. O diário como ferramenta para não arrefecer diante do colapso de antigos padrões, interna e externamente constituídos. Apresentamos neste work um relato coletivo desta experiência, que vem sendo construída desde abril de 2020 por meio de reuniões regulares e do exercício criativo de grafismos e poéticas do tempo presente que também encontraram expressão no formato de um blog. Nossa escrita aqui é como a vida, porosa, movente, um work interminável em contínuo andamento.
Linhas, tintas e imagens indígenas e antropológicas
Autoria: Gustavo Hamilton de Sousa Menezes (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: Trata-se de uma pesquisa que visa explorar dois movimentos complementares: 1) por um lado, observar e refletir sobre as pinturas corporais do povo indígena Yanomami de Maturacá-AM, povo com o qual trabalhei e desenvolvi minha pesquisa de Doutorado em Antropologia Social pela UnB, compreendendo tais pinturas como técnica, estética, identidade e comunicação, e como aporte à análise das ideias subjacentes a campos e domínios sociais, religiosos e cognitivos de um modo geral (Vidal, 2000) ; e 2) fazer tais análises a partir de registros fotográficos (alguns dos quais compuseram um ensaio fotográfico premiado em 2016 com a 2ª colocação no Prêmio Pierre Verger) e também desenhos, alguns da época da pesquisa e outros recentes, valorizando as potencialidades dessas mídias na construção de narrativas e na produção de conhecimento antropológico. As pinturas observadas tem distintos usos cerimoniais, com padrões específicos para os gêneros e classes de idade. Há também padrões específicos para atividades xamânicas, de uso dos pajés em suas incursões no mundo dos espíritos. Um aspecto de promoção da crítica social está na problematização da pintura Yanomami — sociedade tradicionalmente rotulada como sem escrita (Goody, 1977, 1986) — como uma forma própria de (icono)grafia e de saber. Quanto ao uso do desenho, ele se insere no movimento de renovação do work etnográfico (Kuschnir 2016), com o qual pretendo dialogar.
Mulherio urbano: o lugar de uma artista pesquisadora entre a academia e o artivismo
Autoria: Marielen Baldissera (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: Em minha pesquisa de doutorado fotografo intervenções urbanas (lambes, pichações, adesivos, etc.) que contenham mensagens feministas e que tenham sido produzidas por mulheres. A partir dessas fotografias realizo colagens e desenhos que retornam à paisagem urbana levando a assinatura de @mulheriourbano. Mulherio Urbano é um coletivo de artivistas feministas do qual sou integrante. Iniciamos nossas atividades em Porto Alegre no ano de 2019 e, até o momento, nossa formação é de três artistas/pesquisadoras que trabalham com feminismo e produção de imagens. Em nossos works pessoais utilizamos diferentes suportes, como fotografia, desenho e graffiti e, no coletivo, realizamos intervenções urbanas principalmente com a colagem de lambes e adesivos pelas cidades em que habitamos e pelas quais nos deslocamos. O objetivo dessas ações é espalhar mensagens sobre questões relacionadas à ocupação dos corpos femininos nos espaços públicos, sobre sexualidade, racismo e afetividade. Buscamos dialogar com outras mulheres por meio de imagens e frases, nas ruas e no meio virtual, em nossa conta no Instagram, pensando em modos de fazer política de forma poética. Nesta comunicação apresento uma série de ilustrações em que replico frases que encontro escritas nas paredes da cidade e utilizo fotografias realizadas por mulheres como referência para desenhos. Também apresento o processo de inserção dessas criações no ambiente urbano e no meio virtual. Ao mesmo tempo, busco tensionar o lugar de pesquisadora acadêmica e o de artista e ativista, bem como a criação coletiva e individual realizada pelo Mulherio Urbano. Sendo mulher, assim como minhas interlocutoras, coloco-me nas ruas da cidade intervindo sobre ela e lidando com problemas que os corpos femininos enfrentam em espaços públicos, levando em consideração as diferenças de que cada uma de nós carrega. É gerada uma espécie de movimento circular que tem início no espaço urbano e vai ganhando força e se reinventando para voltar a atuar no mesmo meio. Dessa maneira, proponho-me a pensar como esses movimentos produzem conhecimento antropológico, artístico e político em uma pesquisa de doutorado e no viver de um coletivo de mulheres, relacionando as ações práticas com a produção teórica de autoras que abordam assuntos como feminismo, artes visuais e antropologia visual.
Nas trilhas de Dona Almerinda: as relações entre arte e memória no fazer etnográfico
Autoria: Rumi Regina Kubo (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: Esta comunicação remete a uma obra, inicialmente apresentada em 2000, como um work de conclusão de curso de graduação em Artes Visuais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, intitulada “Dona Almerinda: trajetória de uma desconstrução”, sob a orientação de Élida Tessler, em que a interlocutora de todo o work de pesquisa foi uma anciã, já falecida, da etnia Kaingang, a época moradora de um bairro periférico e próximo a um morro com mata de Porto Alegre, RS. A obra era uma instalação, com uso de fotografias e objetos, como caixas de fósforo e caixas de tomate, em que toda a narrativa foi pautada pelo convívio e registro de conversas com Dona Almerinda. Daqueles encontros, perdura até hoje uma interação com a família de seu filho. A principal referência para o desenvolvimento da obra é Gaston Bachelard e seus escritos do regime noturno, refletindo sobre o espaço, a ação e a relação com a materialidade, o devaneio. Além deste, também as obras do artista Cildo Meireles e a vertente de artistas que trabalham com arte e cotidiano (inaugurada, no contexto da história da arte, por Marcel Duchamp) foram determinantes na proposição da obra. Ao narrar o cotidiano de Dona Almerinda, evoca-se também, além dos aspectos poéticos, a gama de questões que envolvem a condição de sua etnia, no convívio com/em ambiente urbano. A proposta para este GT seria revisitar e narrar a obra e refletir sobre as relações da obra com a etnografia em seus entrecruzamentos e limites; discutir sobre a materialidade (das coisas) na construção de narrativas, em sua artesanalidade e tensões entre o vivido e a vontade de re-presentar este vivido. E inevitavelmente falar de memória a partir da persistência das imagens, as relações que se perpetuam ou se perdem ao longo do tempo e a cidade que se modifica.
O autorretrato e o alter ego de Hildegard Rosenthal, mulher artista - duplos em diálogo com a fotografia moderna
Autoria: Yara Schreiber Dines (GEAC)
Autoria: Na comunicação, analisamos ensaios imagéticos de Hildegard Rosenthal, fotógrafa de origem alemã, que imigrou para São Paulo, em meados dos anos 1930. Editamos e interpretamos seus autorretratos e alter egos, contextualizando esta produção no cenário fotográfico da época e efetuando um diálogo entre esta tipologia imagética com a de outros artistas. Estas fotografias localizam-se em seu acervo, no Instituto Moreira Salles e no Museu de Arte Contemporânea (MAC/USP). Salienta-se que, na época, era praticamente inédita a presença de mulheres na produção fotográfica brasileira, enquanto opção artística e profissional. Sendo assim, conhecer a especificidade do olhar desta fotógrafa e o seu foco moderno traz à tona o pioneirismo de sua produção, num período em que São Paulo está apresentando amplas mudanças urbanas. Considero instigante ter encontrado os gêneros autorretrato e alter ego nas imagens de Hildegard Rosenthal pela particularidade desses tipos de fotografia e por terem sido produzidos por uma mulher na década de 1940. Discutem-se narrativas inovadoras para a área da fotografia no período entreguerras, geradas por uma mulher artista. Assim, se busca criar um debate sobre o recorte de imagem e gênero, flanêrie e performance feminina, a partir das representações, no centro antigo de São Paulo, no início dos anos de 1940. Ressalto a relevância da análise e interpretação dos ensaios fotográficos citados, por agregar um conjunto de autorretratos e do que denominei de alter ego, após ter feito uma reflexão sobre esta série de imagens. Também destaco a importância na divulgação dos ensaios fotográficos do alter ego, em virtude da fotógrafa realizar esta pauta e, assim dar visibilidade à mulher na rua, em meados do século XX. Os tipos de fotografias - autorretrato e alter ego – suscitam indagações singulares de temas clássicos da fotografia como retrato, pose e encenação (Bourdieu, 1979; Fabris, 2006,2004), em interação seja com o real ou com esferas ficcionais, o que aproxima essas narrativas da possibilidade de um diálogo com a vertente moderna da fotografia. Nos ensaios dos alter egos, a fotógrafa mostra um olhar instigante, ao produzir imagens ímpares para a época, em que o foco da cena é a presença do gênero feminino e sua performance no contexto urbano, da metrópole paulistana. Os dois tipos de narrativas apresentam um conteúdo imagético fecundo a ser analisado pela reflexão antropológica e da história da arte. Nestes ensaios as particularidades da linguagem e da expressão da fotografia, expõem perfis inusitados da personalidade e da personagem Hildegard Rosenthal e também da cultura visual do período.
Para além da etnografia tradicional: poesia e cinema enquanto práticas metodológicas
Autoria: Débora Arruda dos Santos (UFS - Universidade Federal de Sergipe), Layla Bomfim
Autoria: O presente work tem como objetivo apresentar a poesia e o cinema enquanto possibilidades metodológicas para o fazer antropológico. Tendo em vista a encruzilhada entre duas pesquisas que partem do pressuposto de construir epistemologias contra-hegemônicas, discutiremos como os caminhos percorridos na fase do campo extrapolaram a etnografia tradicional, e por isso se constituíram enquanto reivindicação política e, também, enquanto espaços de contestação. A partir do campo teórico consolidado na Antropologia enquanto Estudos de Performance, trataremos sobre a colisão entre dois works e o percurso percorrido em comum ao construírem artesanalmente suas metodologias. O primeiro work aborda a escrita enquanto uma ação descolonizadora, por meio de performances poéticas realizadas em saraus de rua e em Slans, em Aracaju, no ano de 2019, e a partir de uma experiência sensorial, o segundo work retrata a 36º edição do Festival de Artes de São Cristóvão. Traremos nossa trajetória, a qual vai do uso da poesia em primeira pessoa à utilização do cinema na construção de narrativas antropológicas, evidenciando como essas linguagens, para além de suas dimensões artísticas, quando encaradas como ações políticas emancipadoras comportam um potencial gerador de rupturas e, consequentemente, criador de uma ciência que não segrega tampouco compreende as vivências como formas subjetivas de conhecimentos.
Por uma escritura do corpo como oráculo
Autoria: Augusto Maciel Waga (RJ)
Autoria: A investigação sobre o que procuro chamar de ‘oráculo corporal’ surge das preocupações de pesquisa em torno da temática da ‘percepção extrassensorial’, ou ‘mediunidade’, entendidas, aqui, como habilidades corporais/incorporadas (embodied). No decurso de três anos de pesquisa, em contato com cartomantes, oraculistas e videntes no Rio de Janeiro, construiu-se, coletivamente, o Grupo de Experimentações em Oráculo Corporal (GEOC), resultado de um esforço coletivo de um grupo de seis oraculistas cariocas. Nossa hipótese de pesquisa é que a percepção extrassensorial, como é chamada, na verdade, não está além dos sentidos do corpo, integrando, todavia, uma modulação das atenções do corpo que requer escuta corporal específica. O oráculo corporal surgiu como um processo de pesquisa que integra a propriocepção, entendida como percepção do corpo enquanto modulação das atenções relacionais segundo Caroline Potter, que é ativada em cenas construídas a partir de demandas dos consulentes. Nesse sentido, o oráculo corporal integra dimensões da dança, artes da cena e sincronicidades, em que são ativados movimentos significativos espontâneos que integram cenas construídas para as demandas dos consulentes, as mais diversas: desde problemas familiares até profissionais; da saúde à espiritualidade. O projeto conta, ainda, com a leitura imago-poética do Tarô, enquanto recurso oracular, na esteira da semiótica do Tarô de Inna Semetsky. O projeto procura articular uma desterritorialização da cultura visual e do logocentrismo, a partir da categoria escritura, de Jacques Derrida, partindo de uma escritura que integra corpos em relação, oráculo e escrita. Foram realizados 10 encontros com 6 membros fixos do GEOC, variando o número de consulentes. Explorarei, a título de uma investigação preliminar, a partir do registro escritural e cartomântico/cartográfico dos encontros, traçar os rastros que conectam oráculo e corpo no bojo desses encontros. Nossa pergunta de pesquisa, antes de uma hipótese, constitui uma metapergunta, sobre como podemos registrar escrituras de acontecimentos, que operam, muitas vezes, como catarses, cujos significados escapam às representações e simbolismos? Para isso, propomos discutir sobre a sobrevivência das imagens no Ocidente, a partir de Aby Warburg, até a tensão entre a apresentação e a representação das imagens, a partir de James Hillman, passando por Tim Ingold, que propõe, em consonância com o projeto, uma habitação dos domínios da imagem e do corpo, capaz de traçar linhas de vida.
Refletindo sobre Love is... by Samuel Widmer
Autoria: Sílvia Aguiar Carneiro Martins (UFAL - Universidade Federal de Alagoas)
Autoria: Abordo nesse work a produção de um dos filmes etnográficos produzidos dentro de experiência de visitante acadêmica no Granada Centre for Visual Anthropology da Universidade de Manchester (2019-2020). É um filme realizado a partir de materiais de pesquisa de campo desenvolvida sobre uso ritual de ayahuasca em Alagoas. O contexto etnográfico investigado envolveu registros de dados audiovisuais em workshops realizados pelo psiquiatra suíço Samuel Widmer. Conduzi pesquisa de campo nesses settings no período de 2007 a 2015, que consistiam em encontros terapêuticos e espiritualistas. Nesses workshops, que aconteciam a cada dois anos, com duração de cinco dias, participantes suíços, alemães e brasileiros se reuniam em roda de ensinamentos (leituras de textos filosóficos, poesias, etc.), práticas de meditação e relaxamento (músicas, etc.) e experiências com psicoativos (“Santo Aloisos”, “Santa Clara” e ayahuasca). Utilizando antropologia visual enquanto método em pesquisa de campo, descrevo aqui a experiência da realização do curta-metragem Love is... by Samuel Widmer (04’07”, 2020, disponível em: ), cuja versão inicial não é autorizada para publicação devido às imagens de prática do nudismo. Considerando o filme etnográfico filme científico, as duas versões filmicas consistem em formas de embodied representation (Ferrarini, 2017) no âmbito da antropologia sensorial. Enquanto forma de expressão de conhecimento etnográfico, caracterizam-se pela capacidade de tocar o coração (Biella, 1992), o que nos conduz implicitamente à classificação seguindo Bill Nichols (1988) de documentário poético. Cabe aqui interrogar e refletir acerca da articulação entre filme etnográfico sensorial, poético e observacional
Semânticas da criação, o conhecimento pelos pés: notas sobre o Corpo Ativista através da dança com refugiados menores desacompanhados em Atenas.
Autoria: Mariana Ferreira Vieira (USP - Universidade de São Paulo), Bianca Beneduzi – Mestranda do Programa de Mestrado Conjunto Erasmus + / Choreomundus – International Master in Dance Knowledge, Practice and Heritage da Univers
Autoria: É possível dizer que as palavras não exprimem totalmente uma singularidade, no sentido de que esta singularidade não se reduz a um determinado discurso, como a experiência existencial do homem. Há uma impossibilidade de comunicação nas palavras que as tornam repletas de furos, fendas e abismos que desafiam a lógica e a própria forma da teoria que se pretende produzir. Se algo é suprimido, escondido ou mesmo diluído por meio do discurso, exprimimos o que se pode, usando os recursos possíveis a fim de enfrentar a complexidade da vida. Como trabalhar com dança dentro de abrigos para refugiados? Como a dança pode criar afecções nos espaços dessa comunidade? Essa reflexão tem o objetivo de promover a discussão e o compartilhamento de metodologias para criação de projetos em dança com comunidades em situação de vulnerabilidade social e deslocamento. Levando em consideração que o corpo é um fundamento existencial da cultura, a experiência corpórea constitui um caminho fundamental para análise da interação humana em um mundo cultural (Csordas, 1993). Nesta reflexão ousaremos estabelecer uma conexão, ou melhor, uma ponte, concebendo uma espécie de travessia entre a palavra, a escrita, e a caminhada e a busca de sentido. Partimos de processos e metodologias experimentadas no desenvolvimento de um workshop de dança como parte do work de campo etnográfico realizado em Atenas, dentro de cinco abrigos para refugiados menores desacompanhados. Se o estado do nosso corpo nos coloca no mundo e nos conecta ao ambiente que forma nossa corporalidade, como então pensar num corpo inscrito sob o signo do sofrimento, que necessita de aderência simbólica para se colocar no lugar do real quando a “pessoa” se materializa na figura de um “santo” ou de um refugiado? De fato, a experiência no campo revelou a necessidade de mudar o foco, em um determinado momento para as políticas de negociação que precederam o work, que determinaram os papéis desempenhados pela etnógrafa e na maneira como a dança foi inserida em um contexto equivalente ao espaço casa, onde os participantes comem, rezam, dormem, entram em conflito, encontram ou não esperança. Analisar esses processos de constante negociação revelou-se tão importante quanto os momentos de dança em si. Assim, é um caminhar que não acontece linearmente no espaço e no tempo. Os pés dos refugiados revelam uma imanência própria? Eles se deslocam buscando sentido para a vida almejando alguma ruptura com a ordem de um sistema decadente? Até que ponto é possível inscrever e reinscrever uma vida? Estas são as principais questões que serão levantadas na escrita, sobre a escrita e metodologia, pensando propriamente numa semântica própria de criação, as formas de experimentar o conhecimento etnográfico contemporaneamente.
Sensibilização para a diferença: imagens, sons, experimentação e engajamento em oficinas de antropologia com crianças
Autoria: Valéria Cristina de Paula Martins (UFU - Universidade Federal de Uberlândia)
Autoria: Este work está voltado à descrição – a partir de imagens, sons, palavras, desenhos... – da experiência de realização de oficinas de antropologia junto a crianças entre 7 e 12 anos em diferentes espaços públicos na cidade de Uberlândia, em Minas Gerais. Iniciado em 2014, é atualmente registrado como um projeto de extensão da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), mesmo que não possa ser enquadrado somente nessa categoria, já que alia, também, as dimensões de ensino e de pesquisa. Considerando, com Ingold (2010), o conhecimento como associado à educação da atenção e não à transmissão de representações, buscamos criar, por meio das oficinas, contextos ambientais em que tanto as crianças quanto nós (a coordenadora e monitores graduandos em Ciências Sociais) pudéssemos ser instigados e nos engajar em um processo de ensino-aprendizagem delineado em torno da construção de habilidades e produção de saberes múltiplos associados ao olhar, ouvir, sentir, perceber e agir na lida com a diferença. Por meio do envolvimento e da experimentação a partir de materiais diversos e variadas atividades, tais como a audiência de filmes, leitura de livros (em prosa e poesia), realização de desenhos, brincadeiras musicais, rodas de conversa, jogos coletivos, apreciação de fotografias, áudios e músicas etc., buscamos em suma uma sensibilização para a diferença, tratando de temáticas e ideias caras ao debate antropológico em uma antropologia com crianças e não para crianças ─ nos atentando para o histórico de desconsideração das crianças como sujeitos plenos (Cohn 2005) e nos colocando no sentido de atuar, juntamente com elas, em um processo de ensino-aprendizagem poético-político em que todos, crianças ou adultos, associados ou não à universidade, tenham vez e voz.
“Fazer Cultura” na BF: reinventando resistências e imaginários sobre a Baixada Fluminense
Autoria: Stella Maris Nunes Pieve (UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), Maria Lúcia Bezerra da Silva Alexandre, doutoranda em História, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fu
Autoria: A Baixada Fluminense, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, costuma ser conceituada e definida a partir de suas características históricas, geográficas e políticas, e retratada a partir de um cenário de violências, precariedades e ascensão e decadência de seu desenvolvimento econômico. Para falar de Baixada Fluminense, é comum destacar a importância da região enquanto passagem e transporte de produtos e mercadorias, narrar fatos relacionados a grupos de extermínio e práticas violentas desencadeadas na região e/ou apontar o grande número de migrações a partir dos meados do século XX, transformando-a em periferia da metrópole e num aglomerado de cidades dormitórios. No entanto, tais definições e retratos, acabam por expor apenas parte da realidade da região, deixando por vezes encoberta ou até mesmo invisibilizada a vida cotidiana no lugar, especialmente no que diz respeito à arte e cultura. Considerando que a Baixada Fluminense, para além de periferia ou apenas uma região de desenvolvimento, se constitui enquanto lugar de moradia, work e lazer, podemos destacar também uma Baixada Afetiva (Silva, 2013)*, constituída de memórias e práticas cotidianas, conhecimentos e saberes populares e acadêmicos. É nesse sentido que, nessa pesquisa, lançamos nosso olhar sobre os grupos que “fazem cultura” na Baixada, procurando destacar o que se apresenta e quais os principais marcos destacados nessa produção sobre a região. Nossa proposta aqui é analisar a produção de grupos e coletivos criativos de três municípios da Baixada Fluminense: 1) Centro Cultural Donana de Belford Roxo, 2) Cineclube Buraco do Getúlio de Nova Iguaçu e 3) Cineclube Cinema de Guerrilha de São João de Meriti, buscando entender o que esses buscam apresentar sobre a Baixada e de que maneira, uma vez que tais produções promovem conhecimentos e críticas sociais sobre a região, acessam políticas públicas direcionadas à arte e cultura e democratizam a cultura nas cidades em que atuam. Além disso, nos propomos a observar o discurso subjetivo sobre a região e as questões que nela afloram, considerando as condições históricas, políticas e sociais que permeiam o processo criativo desses grupos e coletivos. Sem negar as vulnerabilidades sociais e econômicas da Baixada Fluminense, o que podemos observar de antemão, é que os grupos e coletivos criativos da Baixada se comprometem a contar a história da BF a partir de roteiros criados por cidadãos da região que desencadeiam histórias de resistência e narrativas do seu próprio cotidiano. * SILVA, Lúcia Helena Pereira. De Recôncavo da Guanabara a Baixada Fluminense: leitura de um território pela história. Recôncavo Revista de História da UNIABEU, v. 3, p. 47-63, 2013.
Antropologia e Arquitetura social: uma etnografia de experiências
Autoria: Amanda Ramos (Não possuo)
Autoria: Na tentativa de fazer um exercício que vai contra a hegemonia de pensamento científico, busco como objetivo geral do meu work de conclusão de curso, trazer experiências metodológicas da área de Arquitetura no contexto brasileiro que busca construir projetos na forma de coprodução; ou seja, práticas que fomentam a colaboração com um público de não-arquitetos, cujo objetivo é aproximar e reconhecer outros saberes que não são institucionalizados, para além do modelo convencional técnico industrial (L. Rosa, M., e F. Montuori, B., 2019). Para a realização deste work que segue em curso, me inspiro na proposta metodológica do laboratório LaDA - ESDI/UERJ (Laboratório de Design e Antropologia) no sentido de uma ''antropologia por meio do design'' (Anastassakis, 2014), e do Núcleo de pesquisas em Inovação, Design e Antropologia (NIDA/UFMA). Ambos permitem um envolvimento com as pessoas e lugares para que seja construído projetos que visam a solução de problemas de acordo com as necessidades dos sujeitos que estão inseridos em diferentes contextos sociais, culturais e econômicos. Sendo assim, partindo do método de coprodução - que buscam trazer as pessoas no processo criativo e do fazer - estas experiências utilizam como referência o antropólogo Tim Ingold (2011), em que este debruça sobre a materialidade das coisas onde ocorre um fluxo do fazer e da vida. O antropólogo nos apresenta uma linha de pensamento na qual o conhecimento será dado no modo fazer, afirmando que o então aprendizado é, na verdade, um autodescobrimento. Em seus estudos, Ingold argumenta que a Antropologia, Arqueologia, Artes e Arquitetura, possui semelhanças visto que são formas de engajamento investigativo, assim, estas áreas partem da observação, participação e envolvimento com o ambiente pesquisado e/ou com os interlocutores, ao contrário de ser sobre elas. É sobre entender que a colaboração dos atores, sujeitos, interlocutores de pesquisas, enquanto seres dotados de sua própria metalinguagem elaborada e reflexiva (Latour, 2012), são válidos para a produção do conhecimento. Assim, com o apoio do conceito ''malha'' de Ingold, e ''rede'' de Latour, ao pensarem o lugar como história, e que por meio do fluxo - de pessoas e coisas - se entrelaçam de modo a ganhar novos significados e interpretações, proponho neste GT, levar duas experiências projetuais de Arquitetura onde focalizam a autonomia do sujeito, em que pude acompanhar os aprendizados e relações entre arquiteto e não-arquiteto no campo da coprodução, na cidade de Uberlândia - MG.
Desenhar a vida na cidade: experimentações (etno)gráficas num mercado público do interior da Paraíba - Brasil
Autoria: João Vítor Velame (monitor)
Autoria: O objetivo dessa pesquisa é refletir sobre a etnografia e o desenho como formas possíveis de compreender a relações de lazer e sociabilidade numa feira livre no interior do litoral norte do estado da Paraíba, Brasil. A observação das relações entre animais humanos e não humanos é o fio condutor para a narrativa construída a partir de uma experiência com base em conceitos e referências em antropologia urbana e visual. Desta forma em encontro com a obra de Tim Ingold, Goffman e Simmel se juntam com as reflexões sobre lazer e sociabilidade provocadas e alimentadas nesta pesquisa narrada, tratando de traçar as linguagens corporais, as técnicas e modo de se fazer vendas e as conversas entre copos de cachaça e cerveja que tornam este lugar dinâmico de trocas e vendas. Essa pesquisa teve como base um artigo sobre a feira e o mercado público municipal de Rio Tinto que foi desenvolvida para TCC com orientação de professor do curso de Antropologia; ambos trabalharam na concepção, elaboração e revisão final do presente artigo. Todos os desenhos presentes tem com Fonte: [autor]/Coleção Etnográfica do work de Conclusão de Curso de Antropologia da Universidade Federal da Paraíba/Acervo Arandu/AVAEDOC, Rio Tinto-PB
Humanos e não-humanos: para um debate acerca das relações entre afetados pelo crime-desastre da Samarco e o rio Doce a partir de materiais textuais e imagéticos
Autoria: Giovana Martins Araújo (UFES - Universidade Federal do Espírito Santo)
Autoria: Giovana Martins Araújo. Universidade Federal do Espírito Santo. Graduanda em Ciências Sociais (Bacharel). Link para currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4815561946534759. Linha de pesquisa do PGCS-UFES: “Relações entre Humanos e Não-Humanos”. Título do work: “Humanos e não-humanos: para um debate acerca das relações entre afetados pelo crime-desastre da Samarco e o rio Doce a partir de materiais textuais e imagéticos”. O subprojeto de pesquisa pretende colocar em debate as relações dos afetados pelo crime-desastre da Samarco com o rio Doce (focando na região da foz e imediações), para trazer à tona, a partir de análise de reportagens e documentos imagéticos, formas de relação com o mesmo e, assim, compreender se há, na profusão de imagens e reportagens sobre o ocorrido, disputas em torno das discussões de toxicidade do rio através da “lama” ou não. Desta forma, contará com aporte teórico, científico e antropológico que trata das relações entre humanos e não-humanos para entender estas relações e, com isso, permitir a análise crítica que se pretende. Objetiva-se, então, observar em materiais escritos como relatam sobre e como passam a imagem de diferentes agentes afetados (humanos e não humanos, sobretudo a água).