GT 02. Amazônia e Nordeste indígenas: por uma etnologia transversa

Coordenador(es):
Maria Rosário Gonçalves de Carvalho (UFBA)
Florêncio Almeida Vaz Filho (UFOPA - Universidade Federal do Oeste do Pará)

Sessão 1
Debatedor/a: 
Ugo Maia Andrade (UFS - Universidade Federal de Sergipe)

Trata-se de reeditar o fórum de debates – iniciado há quase uma década nos espaços da RBA e REA – em busca de confluências etnográficas entre sistemas ameríndios na Amazônia e no Nordeste/Leste brasileiro, regiões cujas etnologias tradicionalmente vêm conservando, uma em relação à outra, reservas e antíteses de naturezas conceitual, metodológica e ideológica. Mais que ratificar distinções, cabe procurar as membranas e intersecções entre as etnologias produzidas sobre ambas as regiões, seja, por exemplo, através de pesquisas sobre sociogêneses na Amazônia ou sobre o xamanismo atinente ao complexo do Toré no Nordeste/Leste. Nesse espírito, o GT pretende reunir comunicações interessadas na construção de comparações etnológicas Amazônia-Nordeste/Leste a partir de eixos comuns que modulam relações interindígenas ou entre índios e não índios – sob olhares etnográfico, histórico ou etno-histórico – preservando o espírito salutar de propor alternativas à dicotomia “externalismo X internalismo” que tem balizado a produção antropológica sobre o Nordeste/Leste e a Amazônia indígenas, nas últimas décadas, e que urge problematizar, mediante a criação de um espaço que acolha os distintos contextos etnográficos e as diversas perspectivas teórico-metodológicas que compõem a etnologia indígena no Brasil, assegurando-lhes interação e permanente exercício comparativo. Trabalhos de pesquisadores indígenas serão especialmente bem vindos.

Palavras chave: sistemas ameríndios; Amazônia; Nordeste/Leste
Resumos submetidos
A "alegria" dos Xucuru-Kariri de Caldas de dançar, brincar e jogar com parentes e brancos
Autoria: João Roberto Bort Júnior (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo)
Autoria: O work tratará sobre os Xucuru-Kariri do município de Caldas-MG. Compõem, com exceção dos bem jovens, um grupo de pessoas vindas das aldeias de Palmeira dos Índios-AL e de Nova Glória-BA. O problema ao qual nos dedicaremos refere-se à socialidade e à política xucuru-kariri que, nos últimos anos, pesquisamos nessa área indígena no Sul mineiro. Demonstraremos que a "alegria" nos jogos de futebol e nas apresentações de toré xucuru-kariri de Caldas, eventos na cidade ou na aldeia que envolvem brancos, é a mesma emoção que os indígenas expectam quando, entre si, realizam suas festas na mata e relacionam-se na parte do território que habitam cotidianamente. Isto é, esse sentimento e o "respeito" são os ideais da socialidade humana. Embora isso, as relações inversas que essas ocasiões sociais pressupõem são inevitáveis, a saber, há sempre brigas que instauram uma situação de "guerra" entre parentes ou com os não indígenas. Se formos bem-sucedidos na descrição desses eventos, então poderemos confirmar que, também em nosso contexto de pesquisa, a festa é mesmo a face complementar da guerra. A vida ameríndia acontece entre festa e guerra (PERRONE-MOISÉS, B.. "Festa e guerra", USP, 2015). Os efeitos de relação em cada uma dessas circunstâncias festivas são, embora isso, diferentes para os Xucuru-Kariri de Caldas. Os aliados conquistados em apresentações e jogos são geralmente ditos amigos – ainda que fora observado um filho e irmão –, aos quais normalmente o cacique dirige o termo que qualifica os próprios indígenas, i.e., cumprimenta-os dizendo meu guerreiro. No que se refere ao ouricuri, pessoas genealogicamente distantes ou não relacionadas genealogicamente são reclassificadas por terminologia da consanguinidade; avó (neta) e avô (neto) são os termos usados. Enfim, a proposta é pensar dimensões estruturais de festas salientando quais são os distintos nexos sociológicos produzidos. Desse modo, avançaremos no ensaio analítico pelo qual focalizamos as variações corporais em função das diferentes capacidades perceptuais dos participantes (índios e não índios) dessas ocasiões (BORT JR, J. R.. "O corpo dos Xucuru-Kariri e de seus ancestrais no mato, na aldeia e na cidade". 3º CIPIAL, 2019). A socialidade e a política xucuru-kariri de Caldas não é, no entanto, estritamente um fenômeno terreno e humano. Acontece mediante ação de seres não humanos no ar. Ao que parece, a aliança política e a aproximação sociológica, respectivamente, com gente da exterioridade (categorizada rua ou cidade) e de gente da interioridade (definida aldeia) processam-se com participações de seres que os Xucuru-Kariri consideram inomináveis aos Outros. A dificuldade tem sido a evidenciação de como agem esses entes, o que não significa que inexistam indícios que permitam alguma descrição.
A Região do Oiapoque: intersecções entre a etnologia da Amazônia e do Nordeste
Autoria: Antonella Maria Imperatriz Tassinari (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina)
Autoria: Ao finalizar um doutorado sobre os Karipuna do Oiapoque (1998), no auge das discussões sobre etnogênese no Nordeste, concluí estar diante de uma situação de sociogênese semelhante, mas vivenciada por essa população num período anterior, no final do século XIX, sem o mesmo contraste com políticas de Estado. Essa diferença temporal teria dado a essa população, e aos vizinhos Galibi-Marworno, tempo para amadurecer padrões particulares de organização social e o que chamam de “sistemas” xamânicos próprios. Estes, em contraste com os sistemas ameríndios, abarcavam também outras referências religiosas, principalmente católicas, mas também de origem africana. Esta comunicação pretende revisitar esse material, instigada pela proposta do Grupo de work, buscando intersecções entre as contribuições da etnologia da Amazônia e do Nordeste. Usando este caso etnográfico, pretende-se refletir sobre a potencialidade de modelos explicativos regionais, mas também sobre o perigo de seu encapsulamento
Antropologia, ciência e política: situação de perícia e etnologia na Amazônia e no Nordeste.
Autoria: Sidnei Clemente Peres (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Autoria: O debate público em torno da demarcação das terras indígenas alçou um nível de qualidade acadêmica que permitiu ao antropólogo contribuir com a sua competência profissional, exercendo sua responsabilidade social. Isto aconteceu devido às inovações teóricas e metodológicas introduzidas pela incorporação do debate conceitual e das pesquisas sobre Estado, etnicidade e territorialidade que reorientaram os estudos sobre as relações dos povos indígenas com a sociedade nacional. A ciência, no caso a antropologia, pode contribuir com a formação e melhoria da esfera pública, exatamente afirmando a sua competência e qualidade acadêmica, como no caso dos laudos, cuja força política e fundamentação científica estão entrelaçados. Pretendo abordar as relações entre teoria e método antropológicos e a elaboração de laudos, a partir da minha experiência como antropólogo-coordenador de equipes de identificação de terras indígenas no Nordeste (no estado da Paraíba) e na Amazônia (no Médio Rio Negro). Deste modo, questiono dois tipos de dicotomia: entre antropologia acadêmica e aplicada; assim como entre as etnologias na Amazônia e no Nordeste.
Arara da Volta Grande do Xingu: etnogênese e reforma social
Autoria: Eduardo Cezar Cândido Xavier Ferreira (PPGSA)
Autoria: Este artigo pretende abordar o processo de etnogênese dos Arara da Volta Grande do Xingu (VGX). Esse povo que habita a Terra Indígena homônima empreendeu um processo de resgate de sua identidade indígena em fins do séc. XX, período associado a um acirramento da disputa por território na região da Volta Grande do Xingu com o incremento na chegada de não-indígenas e também de grandes empreendimentos. É nesse contexto que Leôncio, importante pajé e antiga liderança Arara, hoje já falecido, toma consciência da importância de garantir o território de ocupação de seus parentes e começa a mobilizar diferentes estratégias para isso. Na década de 2000, no contexto de crescente pressão para implantação da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, Leôncio, mobilizando a identidade indígena Arara, reivindica a demarcação de uma Terra Indígena. Além de importante liderança política e um dos anciões da Volta Grande do Xingu, ele foi um pajé de renome na região. Todas essas qualidades e seu histórico de vida o transformaram em uma peça central no destino do povo Arara. É importante qualificar esse processo de resgate da identidade indígena, pois o fato de se “certificarem”, nas palavras de Leôncio, como Arara não quer dizer que são ou querem ser como seus parentes da TI Arara e Cachoeira Seca. Um ponto curioso desse processo é que, apesar de Leôncio guardar em sua memória certas práticas e instituições rituais dos Arara, os quais aprendeu com sua mãe, e mobilizá-las durante o processo de demarcação da TI e “certificação” Arara, esses recursos tradicionais, embora salvaguardados na memória social do grupo, não parecem serem mobilizados no cotidiano da vida em aldeia. Essa aparente contradição pode sugerir que se a identidade Arara foi resgata, ela está fundamentada em outras bases. O objetivo deste artigo é ser um primeiro passo de uma pesquisa que visa analisar a relação entre o contexto externo aos Arara, seu processo de etnogênese e reforma social implementado por Leôncio. Para tanto, este artigo se baseará na leitura de uma fatia da bibliografia disponível e procurará colocar em diálogo duas correntes de pesquisa etnológicas a fim de iluminar o caso em questão. Por um lado, procurarei relacionar a história recente dos Arara e sua relação com agentes externos, incluindo grades empreendimentos, por meio de autores como Oliveira (1998) e Arruti (1997) e o papel de Leôncio Arara enquanto um reformador social, a partir de autores como Brightman, Fausto e Grotti (2016), Fausto, Xavier, Welper (2016) e Santos (2019).
Concepções acerca dos "encantados": espiritualidade e território no Norte e Nordeste indígenas
Autoria: Larissa Santiago Hohenfeld (UFBA - Universidade Federal da Bahia)
Autoria: Durante a Primeira Marcha das Mulheres Indígenas, realizada neste ano em Brasília, a liderança Glicéria Tupinambá chamou a atenção para o fato do seu povo, em contato com os portugueses desde 1500, resistir há tanto tempo em seu território, não obstante o avanço da empresa colonial. Com a fala direcionada para as mulheres da região amazônica, a qual estaria no atual momento sofrendo uma nova fase da colonização, Glicéria afirmou que a continuidade da existência dos seus territórios sob os cuidados dos indígenas, ocorre mediante a intensa relação com os encantados, conclamando-as a fortalecer este vínculo através dos rituais. Nesse sentido, esta comunicação tem como objetivo analisar o “encantado” enquanto vocábulo comum para designação de entidades não-humanas consideradas divinas, presentes nas religiosidades indígenas e sincréticas nas regiões do Norte e Nordeste brasileiro, e sua relação com a preservação dos territórios indígenas e seus recursos naturais, considerados a morada e força dos “encantados” por estas populações. A comunicação tem como proposta aferir este tema a partir do meu work de campo realizado na aldeia Tupinambá Serra do Padeiro, bem como a produção bibliográfica produzida acerca da temática na região Amazônica.
Cosmopolíticas interculturais: dispositivos indígenas de tradução e conhecimento do Baixo Amazonas ao Submédio São Francisco
Autoria: Ana Letícia de Fiori (UFAC - Universidade Federal do Acre), Leandro Marques Durazzo
Autoria: Investigações americanistas recentes têm investigado diferentes modos de produção e circulação de conhecimentos a partir das quais formas de coletivização, alteridade, trocas e conflitos são desenvolvidas em diferentes esferas intra e interétnicas, bem como cosmopolíticas. O presente artigo propõe conexões parciais entre os modos Sateré-Mawé, povo do tronco Tupi habitante do Baixo Amazonas, de manejo dos dispositivos de interculturalidade na produção de utopias políticas e educacionais guiadas pelo complexo do Guaraná no contexto da formação no Ensino Superior e os modos Tuxá, do Submédio São Francisco (BA), de, por meio do “complexo ritual da ciência”, articular a autodemarcação de suas terras, projetos de revitalização linguística e o estabelecimento de redes cosmopolíticas heterogêneas. Baseando-nos em etnografias desenvolvidas respectivamente para o doutoramento na Universidade de São Paulo e Universidade Federal do Rio Grande do Norte, evidenciamos como projetos políticos e educacionais dos coletivos indígenas, conquanto enredam-se pelas constrições das estabilizações jurídico-estatais da sociedade nacional que enquadram enunciados por direitos, acionam também agências múltiplas de diferentes regimes ontológicos, que desestabilizam categorias e promovem encontros os mais diversos. Assim, se a busca Sateré-Mawé pelo acesso à universidade potencializa e energiza redes e práticas políticas que se desenrolam há séculos e atualizam os atributos da chefia e ao mesmo tempo modos de relação com os brancos, mediados pelo professor waranã-sese (o guaraná verdadeiro em oposição ao waranã-rana) e prefigurados nas dicotomias inscritas no puratig (o remo mágico que encontra-se em analogias com a Bíblia, as cartilhas escolares e a Constituição Federal); os projetos linguísticos e político-pedagógicos dos Tuxá instauram uma dimensão de estudo ao conhecimento da ciência, na qual as relações - marcadas pela cautela - com eles (os encantados) é determinante para o acesso à língua e ao complexo ritual, por meio do qual se compreende a força da terra. Em ambos os contextos etnográficos, elementos festivos e rituais - a Dança da Tucandeira, o Toré - delineiam enquadramentos interétnicos ao serem performados em diferentes contextos com intensidades distintas, mas também delimitam saberes restritos, esotéricos, para os quais outras concepções de tradução e compreensão se fazem necessárias.
Entre Caboclos de pena e os encantos do meio-dia: notas sobre territórios cosmológicos entre indígenas Kalankó no Alto Sertão alagoano e os Munduruku no Planalto Santareno, Baixo Amazonas, Pará.
Autoria: José Moisés de Oliveira Silva (SEDUC-PA), Katiane Silva
Autoria: Diante de uma caminhada de works de campo no Nordeste Semiárido, especificamente entre os grupos rama de Pankararu no Alto Sertão de Alagoas, como é o caso dos Kalankó, e o campo amazônico, junto aos Munduruku no Planalto Santareno, na região do Baixo Amazonas, propomos o presente diálogo. Desde a Caatinga Nordestina à Floresta Amazônica, encontramos estes grupos que possuem fortes vínculos com seus biomas, vínculos existenciais, com terminologias cosmológicas de fundamentação etnobotânicas. Estes territórios do ser e saber, operam as forças que impactam a realidade concreta, desde o território do Juremá, aos encantos de rios e florestas, compõem o complexo cosmológico onde habitam os encantados inerentes a determinados cultos de origem indígena e afrodescendente, entre eles o “tronco” e a “rama” Pankararu. Neste sentido, a ressignificação do termo caboclo, categoria classificatória polifônica, que pode ser observada como a representação do “homem simples” no sertão Nordestino e do “homem simples” nos seringais do Norte, também passou por um processo de ressignificação pelos grupos indígenas e tradicionais. Durante determinado momento histórico tratou-se de uma categoria conceitual imposta, foi traduzido e passou a ser utilizado por alguns dos sujeitos, assim categorizados, de modo a interligar variados processos históricos e cosmológicos, que vão da identidade nacional às identidades étnicas que legitimam os territórios geográficos, por seus usos e costumes. Esses contextos apontam para uma semelhança de elementos históricos, rituais, sonoros e rítmicos, como, por exemplo, dos Kalankó, a prática de consultar os encantados antes de tomar uma decisão política, e no ato de pedir permissão para entrada na floresta com a finalidade da caça, entre os Munduruku do Planalto. Compreendemos a produção da identidade e a cultura para além da categoria índio de cunho jurídico homogeneizante, assim como o caboclo é entendido enquanto recorte que assemelha, une, mas, não define nem limita a pluralidade étnica. De modo que, entre os Kalankó e os Munduruku as encantarias se manifestam na forma de conhecimento sobre os elementos da natureza, traduzidos em letras de toré e mitos fundantes, aqui representados pelos caboclos de pena e os encantos do meio dia.
Os Fulni-ô no nordeste e seus princípios sociocosmológicos
Autoria: Ellen Fernanda Natalino Araujo (PPGAS MN)
Autoria: A comunicação que pretendo apresentar neste GT resulta do work de campo intensivo que realizo atualmente junto ao grupo indígena Fulni-ô, o qual habita a região da Serra do Comunaty, entre o Agreste meridional e o sertão sub-médio Rio São Francisco, PE, em uma terra indígena localizada na circunscrição do município de Águas Belas. Junto ao português, também são falantes de uma língua própria, o yathê. A literatura etnológica vem estudando os povos indígenas situados na região nordeste do Brasil a partir de uma abordagem histórica (Oliveira, 1999) que busca descrever os processos sociais desencadeados a partir do ‘contato’ com a sociedade ocidental. As análises centram-se, em geral, nas distintas estratégias políticas que tais grupos empreendem de modo a construir suas identidades étnicas (em uma dinâmica referida como etnogênese) e obter direitos territoriais e específicos diante do estado brasileiro. Sem desconsiderar a importância que tais works possuem na economia da disciplina antropológica e, principalmente, para as lutas reivindicatórias dos povos da região nordeste, a pesquisa aqui proposta se afasta dessa abordagem da ‘antropologia histórica’ “que pressupõe que os modos de vida dos povos que experimentam durante largo tempo os efeitos do capitalismo terão que ser compreendidos em resultado desses processos históricos de colonização política e econômica” (VIEGAS, 2007, p.61) para ir na direção de outra que busca compreender “o que esses povos fizeram da história” (VIVEIROS DE CASTRO, 1999, p.165). Isto é dizer que interessa a esse work compreender a vida social contemporânea dos Fulni-ô em suas múltiplas relações internas e externas, levando em conta eventos e transformações considerados importantes da perspectiva deles. Na esteira de Gow (1991), pretende-se aqui “lida[r] com a história de dentro da cultura dos povos nativos”. Minha experiência em campo (quase seis meses) tende a confirmar o que se diz sobre a interdição aos não-indígenas do conhecimento das particularidades de seus rituais sagrados, da cosmologia de seus mundos, etc. a questão do segredo, se é um limite para a pesquisa junto aos Fulni-ô certamente não é o no sentido geográfico daquilo que encerra e os separa do outro, impedindo qualquer ato comunicativo, mas sim no sentido matemático, o segredo, pregnante que é àquela vida, funcionaria então como uma espécie de vetor que aponta para as dimensões que importa àquela vida. Seguindo por essa linha, que pode contribuir para romper o isolamento da região etnográfica do Nordeste, no âmbito da etnologia brasileira, este projeto visa compor uma etnografia abrindo-se à possibilidade e ao desafio de descrever os princípios sociocosmológicos que constituem os Fulni-ô enquanto uma coletividade específica.
Os Kagwahiwa do Rio Madeira: Modelos de Gestação Tradicional.
Autoria: Angélisson Tenharin (FUNAI), Jordeanes do Nascimento Araújo Edmundo Antonio Peggion
Autoria: Os povos indígenas denominados Kagwahiwa, estão localizados no sul do estado do Amazonas e norte de Rondônia. Habitam a região entre as margens esquerdas do rio Madeira e as margens direitas do rio Roosevelt sentido Norte Sul. São eles: Os Tenharin do Igarapé Preto ( tynydé´hu ), que habitam as margens do rio Igarapé Preto (Piawuhuay), no município de Novo Aripuanã. Os Tenharin do rio Marmelos (Paranã Ytingy´hu), que habitam todo o território ao longo do rio Marmelos (Paranã Ytingy´hu) e rio Preto (Yumu´î) da nascente até onde ela deságua no rio Madeira, no município de Humaitá e Manicoré. O povo Indígena Jiahuí, também conhecidos na documentação histórica como “os bocas pretas”, por conta da pintura facial, que habitam a região entre o Igarapé Jaytyta´í e o rio Maici (Pykauay) no município de Humaitá e o povo indígena Parintintin na região do rio Madeira, rio Nove de Janeiro e rio Ipixuna. Observamos que cada povo tem o rio onde habitam como nos tempos passados. Os povos indígenas não usavam marcos ou picadas para definir seu território e assim, os rios definiam os limites de cada povo e que servia de zona de pesca e caça. Este work busca investigar como os Kagwahiva fazem uso e controle dos recursos dos seus territórios tradicionais através de modelos de gestar, fazer e criar. Por exemplo: Esses povos sabem que tudo o que eles precisam para manter o seu modo de vida e bem estar está dentro dos seus territórios, a floresta e os rios são como o supermercado, a farmácia e é a casa dos Kagwahiwa. É justamente esse território que garante a sustentabilidade dos povos que nele habitam.
Por uma antropologia dos sonhos no Nordeste indígena
Autoria: Jardel Jesus Santos Rodrigues (USP - Universidade de São Paulo)
Autoria: Esta proposta de comunicação pretende tematizar a distinta atenção que tem sido conferida pela literatura antropológica ao objeto da experiência onírica nos contextos etnográficos do Nordeste/Leste e Amazônia/Centro-oeste e Norte do Brasil. No primeiro desses contextos, o tema tem sido tratado lateralmente, como sugerem as esparsas referências, geralmente vinculadas ao ritual Toré. Em um primeiro momento pode-se supor decorrer a residualidade do tratamento do tema à especificidade da agenda de pesquisa no NE, até recentemente prioritariamente orientada para os processos de territorialização e identidade étnica, temas que prosseguem sendo fundamentais para a garantia do acesso à terra por aquelas populações ameríndias mas que já dividem a atenção com novos temas, a exemplo do tema dos sonhos entre os Kiriri estabelecidos na porção norte do estado da Bahia, meu objeto de pesquisa no mestrado. O quadro parece alterar-se, significativamente, quando nos voltamos para a Amazônia, onde os sonhos se apresentam em variados contextos empíricos e sob distintas abordagens teóricas. A comunicação se propõe a testar os supostos aqui formulados, tomando como ponto de partida os Kiriri e procedendo a uma revisão da produção bibliográfica do Nordeste, tendo como backgound comparativo a Amazônia indígena.
Reflexões acerca das línguas indígenas do Nordeste e sua invisibilização
Autoria: Vanessa Coelho Moraes (UFBA - Universidade Federal da Bahia)
Autoria: A maioria das línguas indígenas estudadas no Brasil, concentram-se nas regiões Norte e Centro-Oeste, devido a quantidade de línguas que são faladas constantemente, o que não foi observado no Nordeste, região que acabou sendo conhecida como tendo sua única língua viva o yaathe dos Funi-ô. Infelizmente, alguns cientistas acreditam que se uma língua não tem falantes necessariamente está morta, classificando assim as outras línguas que existem no Nordeste. Contrapondo-se a isso, algumas etnias vêm reivindicando o fato de que possuem uma língua, ainda que não falem cotidianamente. Em diálogo com alguns Kiriri eles têm afirmado que não faz sentido dizer que sua língua está morta. Apesar da maioria não saber se comunicar na sua língua muitos deles conhecem um conjunto de palavras e expressões, embora isso não permite eles conversarem entre si, permite uma maior comunicação com suas entidades sagradas, as quais lhes ensinam a língua no toré e seus usos para se comunicar com seres que habitam as matas e efetivas processos de cura. Eles também aprendem com os mais velhos e em suas escolas com a disciplina língua indígena. Tudo isso revela a vitalidade dessa língua Através da tese de Leandro Durazzo sobre os Tuxá e de Francisco Costa sobre os Tupinambá, podemos perceber que essas etnias se encontram em situação semelhante à dos Kiriri. Através dos works de Anari Bomfim, percebemos que os pataxós, não conheciam integralmente sua língua, mas hoje já estruturam a gramática do patxohã. Em diálogo com Bartolomeu Pankararu, ele narrou a importância do seu idioma para promoção dos seus ritos. No acampamento dos povos indígenas da Bahia de 2019, pude ver lideranças Tumbalalá solicitando que houvessem pessoas para auxiliá-los em seu processo linguístico. Assim, como é possível dizer que essas línguas estão mortas diante de etnias que revelam sua vitalidade. Novamente aspectos da identidade dos povos indígenas do Nordeste estão sendo invisibilizados. Antigamente, cientistas afirmavam que não existiam índios no Nordeste. Hoje, vemos movimento semelhante acontecer com suas línguas que devido aos processos de glotocídio são diferentes de outras línguas indígenas, o que não invalida sua existência. É preciso aprender com os estudos de língua indígena já existentes em outras regiões do país, para lidar e auxiliar as etnias do Nordeste com os desafios linguísticos de ampliar o léxico do seu idioma e estruturar uma gramática. Assim, essa apresentação, busca mostrar através do caso Kiriri e de um quadro comparativo com outras etnias, a existência das línguas indígenas do Nordeste e a necessidade de estarmos tão atentos aos seus processos linguísticos quanto dos índios de outras regiões.
Ter raízes e histórias: encontros pataxó com Hamãy
Autoria: Antonio Augusto Oliveira Gonçalves (UFG - Universidade Federal de Goiás)
Autoria: Em Açucena (MG), os Pataxó vindos da Fazenda Guarani, em Carmésia (MG), e do território ancestral de Barra Velha, em Porto Seguro (BA), se reuniram e construíram uma nova aldeia dentro do então Parque Estadual do Rio Corrente, no Leste de Minas Gerais e, desde 2010, lutam para demarcar o novo território de Gerú Tucunã. Nessa caminhada à Tucunã, empreenderam movimento de fortalecimento espiritual, através do contato com os caboclos da mata e da água, índios do tronco velho, guerreiros ancestrais. A espiritualidade pataxó se relaciona, em grande medida, com as roças e o cultivo de árvores, sem as matas o contato dos Pataxó com determinados seres não se realiza. Em Tucunã se diz que em "terra boa, tudo que planta dá”, ao mesmo tempo que “botar roça” é uma forma de criar raízes e resistir no novo território. A condição da pessoa pataxó, txihi xohã – “índio guerreiro” em Patxôhã – se concebe na confluência entre o preparo de cultivares e a memória das caminhadas dos guerreiros (ancestrais e no presente). Nelas, os txihi se caracterizam pela falta de discrição e precaução, algo que aparece de maneira transposta – negativa e positiva – nas histórias que os/as anciãos/ãs contam aos/às mais jovens. Nesta comunicação, pretende-se descrever os encontros dos caçadores com Hamãy e as transformações que eles acarretam.
Terra de caboclo é terra de encantaria
Autoria: Deanny Stacy Sousa lemos (UFPI - Universidade Federal do Piauí), Deanny Stacy Sousa Lemos
Autoria: A presente pesquisa que é fruto da monografia na qual trabalhei sobre as retomadas realizadas no território indígena akroá gamella no estado do Maranhão, entre os municípios de Viana, Matinha e Penalva. O território possui 14,5 mil hectares, de acordo com a carta de doação da terra de 1759, porém os indígenas ocupam apenas 530 hectares dividida entre nove aldeias onde vivem mais de 700 famílias, as outras localidades que compõem o território são referidas como ‘’comunidades’’, ao total possuem 36, dentre algumas ficou evidente que há presença de não indígenas. Durante o processamento dos dados obtidos em campo, o assunto sobre os seres sagrados se tornaram temas constantemente falados nas entrevistas, nas rodas de conversa, nos passeios pela mata, durante a pesca, em vários espaços, as narrativas sempre puxavam os encantados como tema para a conversa, nestes lugares pude compreender que estes seres sagrados que são caracterizados por serem uma classe de seres humanos e não humanos que habitam a terra indígena, sendo responsáveis pela proteção do território e da cultura akroá gamella,pois nas narrativas que chamou atenção no que diz a respeito sobre os encantados, era que se distanciaram da sua identidade indígena porque foram afastado das águas e consequentemente dos encantados. Os encantados vivem em locais conhecidos como “pontos de índio” ou “pontos sagrados”, que são caracterizados como a sua morada, deste modo, a natureza também se torna uma entidade sagrada por abrigar os encantados e todo a gama de elementos sagrados que possuem, como por exemplo os animais que podem ser representação de alguns seres sagrados, João Piraí é um encantado que vive as margens do rio que carrega seu nome. Deste modo, este work busca retratar sobre os encantados presentes no território akroá gamella e a relação de simbiose que possuem com o território.
Uma gestão escolar compartilhada entre humanos e encantados no Colégio Estadual Indígena Tupinambá Serra do Padeiro (CEITSP).
Autoria: Nathalie Genevieve Anna Le Bouler Santos (ANAÍ)
Autoria: Pretendo nesta apresentação evidenciar o papel dos encantados – principais entidades da cosmologia tupinambá - como “agentes educativos” na educação indígena tupinambá de forma geral, mas também na educação escolar indígena, no âmbito do Colégio Estadual Indígena Tupinambá Serra do Padeiro (CEITSP), localizado na aldeia Serra do Padeiro, na Terra Indígena Tupinambá de Olivença. Apontarei, assim, para o fato de que a transmissão de saberes na Serra do Padeiro, tanto aquela de caráter informal quanto aquela sistematizada no âmbito da educação escolar indígena, é indissociável das ações dos encantados. Definir quem são os encantados não é fácil para os Tupinambá – enquanto sujeitos que praticam sua religiosidade e se relacionam cotidianamente com eles –, logo, também não o é para nós pesquisadores. Contudo, podemos tentar entender melhor de que maneira atuam em determinada situação. As pesquisas desenvolvidas entre os Tupinambá já evidenciaram a agencialidade desses seres enquanto atores políticos, principalmente no campo do reconhecimento étnico e na luta pelo território. Há também uma rica literatura etnográfica – inclusive no Nordeste – que analisa o papel da esfera espiritual dos povos indígenas no movimento indígena, com base no toré (Carvalho, 1994; Nascimento, 1994; Grunewald, 2005; Andrade, 2008). Foi também examinado o papel político do toré que, ao ser realizado entre os indígenas do Nordeste, contribui para o fortalecimento da identidade de cada um desses povos (Oliveira, 1999). Assim, o toré (também chamado porancim, awê, praiá, Ouricuri) unifica ao mesmo tempo que distingue os povos indígenas na luta, cada um utilizando pinturas, trajes, cantos específicos. Em outros contextos etnográficos, também se analisou a atuação de entidades não humanas em situações de reconhecimento étnico e direito territorial, tais como os works de Surallés (2017) desenvolvidos entre os povos Candoshi e Shiwilu, na Amazônia peruana. Em uma sessão dos “Seminários Perspectivas Comparativas sobre os Direitos dos Povos Indígenas”, coordenados por Bellier e Ricaud, em novembro de 2018, na EHESS, na França, Glicéria e Jéssica Tupinambá e eu mesma tivemos a oportunidade de refletir com o antropólogo Surallés sobre a temática “direitos dos povos indígenas: até uma extensão dos direitos humanos para os não-humanos?” Considerando os works desenvolvidos tanto no Nordeste brasileiro quanto na Amazônia, evidenciarei como a gestão escolar do CEITSP é compartilhada com os encantados, uma vez que “trabalham”, de várias formas, no/para o Colégio e de que forma além desta particularidade, o CEITSP atende também estudantes não indígenas. Chamarei então a atenção para as relações interétnicas entre Tupinambá e não indígenas bem como entre humanos e encantados neste contexto.
“Meio índios, meio negros e pobres em Rio das Contas”: o desenho social das categorias raça e etnia no sul da Chapada Diamantina, Bahia
Autoria: Marcio Santos Matos (UFBA - Universidade Federal da Bahia)
Autoria: “Meio índios, meio negros e pobres em Rio das Contas”: o desenho social das categorias raça e etnia no sul da Chapada Diamantina, Bahia Márcio Santos Matos Resumo: Através de uma extensa revisão bibliográfica, este work, como parte de minha pesquisa de mestrado em antropologia, tem como objetivo revisitar as produções antropológica e historiográfica acerca das categorias raça e etnia que dizem respeito à cidade de Rio de Contas, no sul da Chapada Diamantina, buscando compreender de que forma itens como o primeiro tem sido pensado no bojo de leituras feitas por historiadores, majoritariamente, e antropólogos, minoritariamente. Analisar, também, como a presença de Marvin Harris em dois momentos, décadas de 1950 e 1990 poderia ter mudado ou não a construção do debate sobre grupos étnicos na antiga “Minas Velha” (Harris, 1956). Ademais, configura como questão de pesquisa observar por que ainda persiste um silenciamento acerca de uma presença indígena na chamada rua da Panelada, ocultando, por consequência, a percepção de um evento: uma “relação afroindígena”, nos termos do antropólogo Márcio Goldman (2015). Portanto, deseja-se compreender de que forma a questão étnica, através de uma conexão afroíndigena tem sido desenhada no município, tendo como cenário desse fenômeno a rua da supracitada.
Pisando na terra de Tupinambá: o encontro do povo Bantu na morada dos encantados
Autoria: Jessica Silva de Quadros (CEITSP)
Autoria: A aldeia Tupinambá da Serra do Padeiro (Terra Indígena Tupinambá de Olivença, Bahia) é conhecida pela sua atuação na luta pelo reconhecimento do seu território tradicionalmente habitado e pela garantia dos seus direitos. Ela também é referência por sua religiosidade específica: o culto aos Encantados, entidades fundamentais da cosmovisão tupinambá. O presente work envolveu a montagem de uma exposição fotográfica que focaliza como as comunidades indígenas e os povos de terreiros podem se unir para fortalecer suas respectivas culturas, enfrentar os preconceitos e avançar juntos na luta pela garantia dos seus direitos, respeitando suas diferenças. A exposição retrata um encontro organizado pelos povos de terreiro na aldeia Tupinambá de Serra do Padeiro. A XVI Mesa Redonda do Caboclo Camarada Amigo Meu, proposta pela Associação Nacional Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu (ACBANTU), foi acolhida e realizada na aldeia em julho de 2018.