Cinque Terre
GT 019. Antropologia dos estudos de folclore e cultura popular: imagem, corpo, ritual e performance.
Oswaldo Giovannini Junior (Universidade Federal da Paraíba) - Coordenador/a, Daniel Bitter (UFF) - Coordenador/a, Nilton Silva dos Santos (Universidade Federal Fluminense) - Debatedor/a, Léa Freitas Perez (Ufmg) - Debatedor/a)
Na história da antropologia brasileira, os estudos em torno das culturas populares ou folclore tiveram destaque, desenvolvendo um campo de pesquisa com especificidade epistemológica e metodológica. Este GT propõe retomar esta temática, valorizando trabalhos etnográficos com especial atenção aos processos de construção do corpo, das imagens e do espaço em diálogo com a antropologia simbólica e dos rituais. Corpos e paisagens constituem o locus de realização concreta das festas, das sociedades e das culturas, assim como também as condicionam. Seu registro imagético está presente nos estudos e expressões da cultura brasileira e é usado como recurso metodológico para a elaboração do conhecimento etnográfico. A proposta destaca 3 eixos de investigação etnográfica e teórica: 1- na direção de uma antropologia dos estudos de folclore, focalizando as categorias, valores e práticas dos próprios atores que constituíram o campo; 2- no sentido do estudo de festividades, ritos e celebrações sob novos enquadramentos teórico-metodológicos de uma antropologia simbólica e/ou de rituais, da performance, da perspectiva da corporeidade e da antropologia da paisagem; 3- referente às relações metodológicas e epistemológicas nas fronteiras da antropologia e das artes visuais, sonoras, imagéticas, cênicas. O GT pretende reunir pesquisas que valorizem as especificidades do campo de estudos da cultura popular em suas diversas dimensões e conexões com fenômenos contemporâneos da vida social.
Resumos submetidos
A guerra é um festa. Notas acerca do processo de criminalização de um evento festivo no sertão baiano.
Autoria: Rodrigo Gomes Wanderrley
Autoria:

A Guerra de Espadas é uma manifestação cultural que acontece anualmente na cidade de Senhor do Bonfim, sertão da Bahia. Consiste, a grosso modo, na circulação de pessoas e grupos denominados espadeiros por ruas e avenidas da cidade, no dia de São João, soltando e "devolvendo" um artefato pirotécnico denominado Espada. Eles percorrem as ruas entrando em casa de Festeiros, realizando o dom e o contra dom, comendo e bebendo nas casas e em contrapartida soltando espadas nas porta das casa em homenagem ao Festeiro que abriu a porta para que entrasse. A espada atua sobre o corpo do Espadeiro que enfrenta seus medos adentrando ao fogo para participar da festa. A queimadura é algo comum, e muitas vezes e sinônimo de coragem. A cicatriz muitas vezes torna-se um "estigma positivo". Nesse sentido, pretendo discorrer sobre o que pensa o espadeiro sobre seus corpos e as "brincadeiras" com as espadas de fogo. Quais as táticas que utilizam para se proteger das queimaduras e como compreendem o local do ritual em suas vidas. Em tempo, buscarem entender a posição dos espadeiros que passaram a ser tratados como criminosos por polícias militares, polícia civil e ministério público locais, a partir de uma sentença proferida por juiz de direito da cidade e de que modo os espadeiros estão atuando para a manutenção da manifestação cultural que apreenderam com seus antepassados. Busco apresentar a imagética da manifestação, com imagens que ressaltam o contexto de emoção, fogo e fumaça.

A potente experiência conceitual do corpo nos Diablos de Yare, Venezuela
Autoria: Amarildo Ferreira Júnior, Berta E. Pérez Rosa Elizabeth Acevedo Marín Silvio Lima Figueiredo
Autoria: Os Diablos Danzantes de Corpus Christi são um conjunto de festas realizadas em localidades do centro e da costa da Venezuela, inscritas desde o ano de 2012 na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Na sua realização, comunidades afrodescendentes saem às ruas com indumentárias e máscaras de diabos, realizando performances rituais durante a celebração do Corpus Christi pela Igreja Católica, ao som de idiófonos e outros instrumentos de percussão. Cada uma destas confrarias de diabos que dançam diante do corpo de deus cultiva características estéticas, rituais, hierárquicas e organizacionais específicas. Entre estas confrarias, apresentamos neste artigo reflexões etnográficas a respeito da Cofradía del Santisímo Sacramento de los Diablos Danzantes de Yare. Para tanto, utilizamo-nos de abordagens da antropologia da performance de Richard Schechner e das formulações de Mikhail Bakhtin acerca das formas e imagens da festa popular e do corpo grotesco. Fazemos uso de dados coletados em pesquisa documental e bibliográfica e em works de campo feitos entre os anos de 2015 e 2018, nos quais realizamos registros sistemáticos em cadernos de campo, entrevistas e fotografias. Entendemos a festa estudada como um campo de relações prenhe em arenas simbólicas, escenas de performances e discursos, com inversões e subversões simbólicas e (re)construção e (re)afirmação de identidades coletivas. Desse modo, afastamo-nos da concepção de corporeidade prevalecente, a qual perfilha o corpo de forma meramente instrumental, tomando-o apenas por utensílio primário usado por mulheres e homens em seus relacionamentos com o mundo. Assumimos a corporeidade como campo de investigação e potente experiência conceitual, discutindo-a neste work a partir da composição e complexidade das experiências dos Diablos de Yare na formação e (re)formulação de um campo de saberes manifestos nos espaços de convergência e conversão de suas performances, cujos fundamentos percebemos localizados numa matriz de disposições para a ação e na ação matricial destas disposições. É assim que tomamos a festa em perspectiva e como perspectiva para discorrer sobre aspectos étnico-sociais e religiosos, e, utilizando-nos de registros imagéticos realizados e obtidos em nossas incursões ao campo de pesquisa, buscamos repor à discussão em torno dos corpos em festa o que o enquadramento hierocrático e a concepção de religião dada pela ciência tradicional retiraram de corpóreo, sentimental, sensível e material em seus comércios interpessoais individuais e coletivos.
As escolas de samba em Manaus (AM): carnaval, sociabilidade e performance
Autoria: Ricardo José de Oliveira Barbieri
Autoria: Esta comunicação apresenta as relações entre as escolas de samba na cidade de Manaus(AM) durante a produção dos desfiles, durante os desfiles e após os desfiles carnavalescos. Nela buscamos ressaltar as particularidades das escolas de samba na cidade e acompanhar as redes de sociabilidade produzidas por seus componentes. A comunicação organiza-se em em três momentos, sendo o primeiro a abordagem das estratégias de identificação frente à cidade por parte de uma escola de samba em um bairro estigmatizado. Logo após, enfocamos o processo de reafirmação simbólica da escola de samba em um bairro socialmente valorizado. Finalmente, analisamos como as escolas de samba que vivem o dilema de estar entre o desejo de ascender ao topo da hierarquia competitiva e possibilidade de fracasso com a sua consequente extinção do grupo das escolas de samba lidam com a elaboração de sua performance. Os dilemas enfrentados pelas escolas de samba na cidade se explicitam na situação social da apuração com a leitura das notas a elas atribuídas pelos jurados e com os desenlaces advindos dos resultados.
Bicentenário da Independência do Brasil: construção de imagens, rituais e performances celebrativas.
Autoria: Alexandre Fernandes Correa
Autoria: Reflexões apoiadas em pesquisas desenvolvidas nas últimas duas décadas acerca das festas cívicas públicas, com destaque para a proximidade da comemoração histórica do Bicentenário da Independência do país. Reunidos sob o título Teatro das Memórias (CNPq) realizamos estudos de ritanálise dos processos comemorativos na sociedade moderna na perspectiva da antropologia simbólica. A sociedade brasileira é atravessada por uma espécie de máquina comemorativa estruturada desde o Triunfo Eucarístico (1733), modelo primordial que vem assumindo variações locais, incorporando novas tecnologias audiovisuais, mas permanecendo em sólidas bases socioculturais (neo)barrocas (Canclini, 2003). Na aproximação do bicentenário da Independência detectamos a manutenção desse maquinismo celebrativo intensificado pela dramatização midiática. A partir do olhar aberto para as mutações histórico-culturais da máquina comemorativa (Centenário, República, Descobrimento, Independência etc.), analisamos seus efeitos na contemporaneidade, observando continuidades e descontinuidades no processo de construção do panteão identitário nacional. Assim, indagamos sobre quais paralelos e comparações são possíveis traçar entre o contexto sócio-histórico das comemorações do centenário (1922) e do bicentenário (2022). Investigamos aspectos propostos no item 2, no sentido do “estudo de festividades, ritos e celebrações sob novos enquadramentos teórico-metodológicos de uma antropologia simbólica e/ou de rituais”. Nessa perspectiva aprofundamos a reflexão ao perscrutar quais mudanças socioculturais podemos identificar no decorrer do século XX quando se aproxima a celebração dos duzentos anos da “nacionalidade”. Nas últimas décadas desenvolvemos pesquisas sobre o tema das festividades cívicas nos campos empíricos: IV centenário de São Luís/Ma (2012), o bicentenário de Macaé/Rj (2013) e de Nova Friburgo (2018). Nas pesquisas realizadas nesses espaços sociais fomos fustigados por inquietações próximas aos temas sugeridos nesse GT-19. Assim nos propomos apresentar dados atualizados recolhidos com foco nos “processos de construção das imagens e do espaço em diálogo com a antropologia simbólica e dos rituais”. Nosso objetivo é compreender a evolução das formas rituais que contribuem para a manutenção e transformação do maquinário comemorativo na sociedade brasileira, analisando-as em perspectiva histórica e comparativa, tendo em vista aproximação da celebração do bicentenário de independência.
Carnaval das águas: um breve estudo sobre a paisagem ribeirinha e a memória coletiva do cordão última hora.
Autoria: Rosangela Marques de Britto, Renan D'Oliveira
Autoria: Este work é uma pesquisa parcial de dissertação de mestrado. A mesma tem como objetivo fazer uma análise sobre a paisagem ribeirinha e a memória do cordão carnavalesco "Última Hora" que integra a manifestação cultural chamada Carnaval das Águas, localizada no Rio Tentén, próximo a Cametá, interior do Pará. Liderada pelo mestre Vital 2, como é conhecido pela região, o cordão Última Hora é um dos cordões carnavalescos que integram essa tradição cultural do povo ribeirinho que apresenta características de uma tradição constituída entre gerações. É uma pesquisa interdisciplinar que se constitui na interface sobre Artes Visuais, Cultura Popular e etnografia. Mostraremos como a visualidade do cordão criam paisagens ribeirinhas e como elas se interligam através da memória coletiva tanto do lugar como dos membros do grupo, mantendo o cordão vivo nos seus 84 anos.
Cultura e Política: reflexões sobre as culturas populares no carnaval do Recife a partir de uma experiência no Polo Descentralizado do Ibura de Baixo
Autoria: Rafael Moura de Andrade
Autoria:

Falar sobre Cultura Popular no Brasil, e em especial em Recife, é falar sobre um campo de disputas e conflitos que está (quase) sempre em relação direta com o campo da política e, em especial, das políticas públicas. Em sua acepção nacional, cultura popular encontra-se, como categoria analítica, localizada entre o folclore e o patrimônio imaterial, sendo possível identificar sua trajetória histórica de desenvolvimento de um maneira mais ou menos linear. Gilmar Rocha (2009), em artigo onde apresenta a problemática do desenvolvimento do conceito de Cultura Popular, oferece uma leitura histórica sobre esse processo de transformação das ideias. Considerando esta perspectiva como ponto de partida, é possível desdobrar os questionamentos que cercam a categoria da cultura popular com o objetivo de ampliar as possibilidades de compreensão de um campo complexo e dinâmico. Neste sentido, propomos aqui ampliar tal leitura com o objetivo de passar da Cultura Popular às culturas populares, enfatizando assim sua pluralidade e complexidade. Para tanto, propomos uma associação de ideias que nos forneçam subsídios suficientes – ou pelo menos nos apontem caminhos – para a compreensão das culturas populares como algo além de um simples meio do caminho entre o folclore e o patrimônio imaterial. Roy Wagner, Bruno Latour e Ernesto Laclau serão acionados nesta empreitada ainda que nenhum deles tenha se dedicado especificamente a esta temática. Além deles, Néstor Garcia Canclini, Jesús Martin Barbero, Aníbal Quijano e tantos outros autores mais ou menos relacionados com os estudos das culturas populares fazem parte do escopo teórico das reflexões aqui apresentadas.

Despir-se do mundo, vestir-se para o “santo”: aspectos da liminaridade e da performance no Batuque sul-riograndense
Autoria: Carina Monteiro Dias, Rafael José dos Santos
Autoria: O Batuque constituiu-se historicamente como a variante dos cultos afro-brasileiros predominante no Rio Grande do Sul, abrangendo parte de Santa Catarina e Paraná, estendendo-se também para algumas regiões de países platinos. Seus preceitos são repassados por meio da aprendizagem multissensorial, que envolve a oralidade, a repetição mnemônica da gestualidade, os modos de vestir-se e de lidar com as comidas sagradas e também por prescrições de cunho moral e ético nas preleções do sacerdote. A partir de uma etnografia em andamento em uma casa de Batuque, o Ilê Kabinda Kamuká Tubadê, situado na cidade de São Leopoldo/RS, focaliza-se, em particular, os trânsitos dos sujeitos entre os momentos sagrados e profanos, trânsitos de onde emergem uma multiplicidade de aspectos relacionados ao estar “dentro” e “fora” do contexto religioso. Ao escutar as falas de alguns neófitos a respeito de suas atividades profanas, chama nossa atenção um posicionamento contrário ao discurso religioso e aos preceitos morais afirmados dentro do terreiro, em particular os discursos sobre a valorização da vida humana por sujeitos ligados às profissões no âmbito da Segurança Pública. A questão que emerge, então, é a de como esses sujeitos que se tornam praticantes do Batuque, transitam na fronteira entre dois estados de existência: o de seu convívio social e o religioso, ambos repletos de convenções e dinâmicas variadas. Com o aporte teórico de Turner no que se refere à performance e liminaridade e por meio dos relatos obtidos no work etnográfico, objetiva-se refletir sobre como se dá o processo de transição do sujeito, do “cotidiano” para o “sagrado” e, nesta transição, as falas que, em princípio, aparecem como contraditórias. O vestir-se para o “santo” delimita uma transição a uma situação marcada por uma sequencia de performances rituais, mas também a assunção de um discurso indissociável do tempo/espaço religioso, assim como o despir-se envolve não só o retorno ao tempo/espaço profano, mas também a um universo de valores morais que permaneceu suspenso, mas não desapareceu. Uma das indagações que acompanha a etnografia diz respeito às possibilidades de interpretar a aparente contradição como ambiguidade, como elementos que são colocados e retirados de cena pelos sujeitos de modo igualmente performático através dos discursos. Trata-se, portanto, não de entrada e saída de situações rituais performáticas, mas, antes, de uma multiplicidade de situações de performances que envolvem tanto a liminaridade como o contexto cotidiano.
Encontro de saberes na/da UFF. Diálogos com saberes fundados na oralidade, na imagética e na corporeidade.
Autoria: Daniel Bitter
Autoria: O “Encontro de Saberes na/da UFF”, criado em 2016, tem como objetivo principal, a inclusão de mestres das artes e ofícios dos saberes tradicionais, como professores colaboradores, em atividades de ensino, em parceria com Docentes da Universidade. Fundamenta-se na problematização dos limites históricos da produção intelectual e da formação universitária no trato com as culturas afro-indígenas e tradicionais. Constata-se que foi, sobretudo a partir do século XIX, que as universidades passam a privilegiar o “conhecimento científico” acabando por desqualificar outros saberes. Esse processo foi acompanhado de uma notável hipertrofia da escrita e consequente atrofia da oralidade e da corporeidade nos processos de produção e transmissão de conhecimentos. O Encontro de Saberes busca alternativas a este modelo, propondo diálogos interepistêmicos em convergência com a política mais abrangente de cotas étnico-raciais nas universidades. Esta comunicação procura explorar alguns aspectos dessa pedagogia intercultural, a partir da experiência concreta de sua realização na UFF. Busca-se enfatizar o potencial agentivo da palavra no discurso oral, de forma geral enfraquecida em decorrência do distanciamento entre o pensamento e os textos escritos, de um lado, e a realidade das coisas concretas, de outro. Constata-se que na produção discursiva dos mestres, a mensagem não está separada do contexto em que a esta é fornecida. Nesse sentido, enfatiza-se o papel central que a memória das coisas, guardada na forma de imagens sensuais e/ou disposições corporais, tem na produção de outros regimes de verdade.
Entre camisas e fantasias: a arte de fazer o chão do Salgueiro
Autoria: Vítor Gonçalves Pimenta
Autoria: Neste work, busco pensar esteticamente e politicamente a performance do chão nos ensaios e desfiles da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro na cidade do Rio de Janeiro, a partir da cultura material, principalmente, as camisas e fantasias dos componentes. O chão da escola corresponde à comunidade do Salgueiro, ou seja, um grande grupo de corpos, que se subdividem nas diversas alas que compõem a agremiação dessa Escola de Samba, responsável pelo assentamento da escola. A comunidade é formada pela ala das baianas, a ala da Velha Guarda, os três casais de mestre-sala e porta-bandeira, a ala dos(as) passistas, a ala da bateria, ala dos compositores, as alas que contam o enredo da escola, os/s componentes das alegorias, e, ainda, a equipe do carro de som composta por instrumentistas e intérpretes e os diretores de harmonia. Assim, partindo de uma observação participante e dançante e da utilização de entrevista semiestruturada, o objetivo é refletir sobre a comunidade que faz o carnaval na sua dimensão performática, focando na sua produção identitária através dos objetos.
Estágios de transformação entre brincantes e personagens: O agenciamento de objetos na produção de performances no maracatu cearense Rei de Paus
Autoria: Laís Cordeiro de Oliveira, Roberto Marques
Autoria: Em pesquisa sobre o maracatu cearense, venho observando as performances do maracatu Rei de Paus para o desfile carnavalesco na cidade de Fortaleza (CE). Ali, enquanto produzem encenações de personagens, como índios, balaieiro, princesas e rainha, dentre outros, brincantes experienciam estados de transformação. O participante que encena a rainha, personagem principal do cortejo, relatou: “Quando eu visto a fantasia, coloco a coroa e vou para a formação do cortejo eu sei que ali não sou mais eu. Eu me transformo numa rainha. E isso é lindo, porque você vê a força do personagem de transformar uma pessoa toda! E eu me deixo passar por essa transformação, mudo meu jeito de andar, de vestir, de falar com as pessoas, uso peruca, passo batom, pinto meu rosto”. Schechner explica que desempenhos artísticos e rituais conferem sentidos de liminaridade aos sujeitos que os realizam por permitirem viver outros construtos sociais distintos do cotidiano. Para a conquista de tal sentido de transformação, o antropólogo explica que objetos são acionados para agenciar performances, sendo indispensáveis para a conquista do estado de ilusão e criação da liminaridade. Nos estudos dos objetos, pesquisadores ensinam que máscaras, vestuários e adereços compõem um rico sistema de materialidades, central na produção de identidades culturais e significações simbólicas. Dessa forma, percebo que no maracatu Rei de Paus, balaio, coroa, vestimentas, bijuterias, máscara são mobilizadas para a produção dos estágios de liminaridade entre brincantes e personagens. Compreendendo os objetos como portadores de agência, o presente artigo se propõe a pensar as significações produzidas pelas materialidades que compõem o desfile dos brincantes. Tomo como foco os estágios de liminaridade entre participantes e personagens, atendo-me às relações sociais envolvidas na produção e uso dessas materialidades.
Festa como performance e contradição : negros e índios , caboclos e escravos em conflito
Autoria: Vanessa Regina dos Santos
Autoria:

A festa conhecida como “teatro a céu aberto” tem como cenário as ruas de Laranjeiras, uma pequena cidade localizada no interior do Estado de Sergipe-Brasil em que sua história foi construída por conflitos de classes entre brancos, negros e índios, seu nome é Festa dos Lambe Sujos versus Caboclinhos. A luta apresentada teatralmente é a saga do negro em busca de liberdade, fugidos das fazendas de cana de açúcar, constroem seus refúgios nas matas, caçados e capturados pelos índios. Revelam-se por meio dos gestos, da oralidade (perceptível pelas músicas, suas letras entoadas e falas elaboradas) pelas indumentárias como roupas e adereços, símbolos que buscam compor a história pungente da cidade de Laranjeiras.

Festas de Reinados/Congados: agrupamentos, versões locais e contraste comparativo
Autoria: Daniel Albergaria Silva
Autoria: Estudados ora como exemplos de sincretismo, ora como subterfúgios no intuito de resistência, agrupamentos de negros em festejos de Coroação de seus Reis e Rainhas, e saudação a santos, católicos e não católicos, foram documentados em diferentes períodos e locais do continente americano para onde foram enviados africanos escravizados entre os séculos XVI e XIX. Seja no Brasil ou nas Antilhas revelam-se formas semelhantes de um esquema festivo similar, mas com especificidades. Discute-se se os agrupamentos teriam se formado no período colonial em torno das origens étnicas africanas, ou se resultaram de especificidades dos regimes escravistas e das realidades subsequentes. Diferentes obras consideraram estes fenômenos expoentes de uma cultura popular e, mesmo que a religiosidade estivesse presente, o destaque estava em uma estética de cores, musicalidades e danças. Estas questões serão examinadas a partir da etnografia realizada em Festas dos Reinados/Congados que se atualizam em Minas Gerais, mas não apenas. Nas Festas dos Reinados/Congados agrupamentos rituais, os estilos de Ternos de Congado, percorrem ruas, praças e visitam igrejas, residências e casas de matriz africana. Em cortejo, os grupos executam cantigas e musicalidades, manipulam objetos e corpos, meios com os quais coroam reis, rainhas e atualizam reciprocidades, sejam entre atores humanos e/ou atores humanos e não humanos. A movimentação de um congado no festejo será pensada por meio da etnografia realizada junto a um estilo de congado na mesorregião do Campo das Vertentes, Minas Gerais. A expressão utilizada pelos congadeiros, o “estar no Rosário”, elaborada como teoria etnográfica, sugere que as dinâmicas dos congadeiros com atores humanos e não humanos, como outros congados, reis, santos e ancestrais, são articuladas e produzidas através do instrumental do rito. É por meio deste instrumental, que se vale de cantos, músicas, objetos, gestualidades e corpos, que se agenciam discursividades diversas. O “estar no Rosário” ainda ressalta que congadeiros vivenciam e compreendem enquanto fundamento e, sobretudo, segredo, os saberes acerca da atuação de seu grupo. O contraste entre realidades etnográficas, versões rituais, propõe testar o rendimento analítico do “estar no Rosário”. Por ocasião dos festejos é comum existirem versões do mito de aparição de Nossa Senhora do Rosário aos antigos negros. Dentre os motivos presentes nas versões destacamos aquele dos distintos atores que atuam na descoberta da santa. Assim, a reciprocidade presente no contexto festivo será pensada através da perspectiva etnográfica aliada ao contraste comparativo de motivos presentes em versões míticas e rituais atualizados em Festas dos Reinados/Congados locais.
HUMOR E PARENTESCO: Filiação e Aliança no Desafio entre Repentistas
Autoria: Amalle Catarina Ribeiro Pereira
Autoria: A cantoria, expressão poética improvisada, realizada no Nordeste brasileiro, é um jogo de palavras trocadas entre dois cantadores acompanhados de suas violas, num contexto de masculinidade. O presente work objetiva, através de uma análise que correlaciona teoria linguística com antropologia, compreender o humor explorado na cantoria, por cantadores, quando há entre eles laços de parentesco. Analiso neste artigo dois casos, um em que o parentesco é por filiação, em que o pai canta com o filho, o qual tem apenas seis anos de idade, e outro em que o parentesco é por aliança: marido e mulher ritualizam um conflito que também envolve relação de gênero. Para isso, aponto a contribuição da antropologia, no intuito de refletirmos sobre atitudes, comportamentos e condutas que alguém precisa tomar em relação a outrem, quando há entre esses sujeitos vínculos de parentesco, pautando o debate na teoria da Organização Social e Parentesco, dialogando com autores como Radcliffe-Brown e Lévi-Strauss. Além disso, é de relevância a teoria linguística que entende a subjetividade da linguagem através do estudo dos pronomes, em especial a teoria benvenistiana. O que se diz e o valor semântico do que se diz no jogo com o uso dos pronomes na cantoria são analisados para entender o comportamento ao inverso que tem efeito de humor em quem ouve o repente. A cantoria é analisada como um ritual no qual há inversão de valores e de comportamentos. No desafio entre pai e filho é possível perceber que o efeito do humor é produzido no espaço de masculinidade que é a cantoria, porque o filho desrespeita o pai, quando este o chama para o desafio, dando ao menino de apenas seis anos a condição de desafiante, de atualizador do discurso por ser o outro, o “tu”, que poderá responder ao “eu” que está desafiando, tornando a relação, que antes era de respeito e subordinação, uma relação de desafio entre iguais; como também na cantoria entre marido e esposa é possível perceber o efeito de humor porque os cantadores ritualizam publicamente uma briga que deveria ser da esfera privada, ela desrespeitando e desonrando o seu esposo e jogando com a sua masculinidade. O humor provocado pelos cantadores, no público que assiste à cantoria, é devido a essa inversão de valores, num contexto de masculinidade. A cantoria é um desafio entre dois cantadores – também conhecidos como repentistas, que disputam em versos, quem bate no outro. Palavras como bater e apanhar estão presentes na brincadeira. Cantadores se desafiam e dizem que se o outro não se cuidar, leva pisa de corda de viola – no sentido metafórico, é claro. Esse aspecto semântico da palavra cantada no repente torna a cantoria um ritual de inversão entre parentes, o filho batendo no pai e a esposa batendo no marido.
Memórias dos cinemas no Vale do Vamanguape-PB
Autoria: José Muniz Falcão Neto
Autoria: Com base em métodos da antropologia visual (foto e vídeo elicitação, câmera compartilhada, etnografia virtual) reuni um acervo de fotografias antigas, entrevistas, comentários em rede e filmagens realizadas para um work de Conclusão de Curso em Antropologia, o qual serviu de base para um projeto desenvolvido atualmente no Curso de Mestrado em Antropologia na UFPB. A pesquisa se concentra acerca das memórias coletivas de dois grandes cinemas que foram ativos durante as décadas de 60, 70 e 80, o Cine Teatro Orion (1964) e o Cine Teatro Eldorado (1965), respectivamente, localizados no litoral norte da Paraíba nas cidades de Rio Tinto e Mamanguape. Estes cinemas do interior foram administrados pela família David (Walfredo David e Abel David), os quais passaram 40 anos trabalhando com exibições cinematográficas na região do Vale do Mamanguape-PB, porém, o Cine Orion foi construído pela Fábrica de Tecidos Rio Tinto em 1944, após 20 anos é que arrenda a família David. Vários foram os filmes exibidos nestes dois antigos cinemas, que formaram gigantescas filas e marcaram as memórias dos moradores, tendo em vista estas memórias passo agora a analisar os antigos filmes que foram exibidos nestes cinemas. Para esta comunicação o conceito de mimesis (Michael Taussig) e de expectorialidade (André Dib), entre outras referências (Canevacci, Satiko), serão articulados para analisar o filme Teixeirinha "coração de luto" dirigido por Eduardo Llorento, e sua recepção no contexto passado, acessada através dos sujeitos locais e suas memórias elicitadas pelas imagens dos cinemas e filmes antigos. Teixeirinha coração de luto é um filme produzido em 1966 e lançado em 1967. O filme passa de acordo com a narrativa da música, contando a história da morte de sua mãe e sua migração do interior à cidade grande para continuar a vida, o qual se torna um grande compositor no Brasil. O objetivo do artigo é apresentar aspectos e dinâmicas representadas no filme que se entrelaçam e constituem parte do ethos de uma população que se localiza no interior da Paraíba. Como, portanto, o cinema contribuiu, em meados do século XX, para “modernizar”, “encantar” ou “catequizar” uma população composta em grande parte por trabalhadores rurais e indígenas, admitidos a um regime urbano de work (marcado pela instalação de uma fábrica)? Em que medida, pois, pensar a recepção do cinema em cidades pequenas nos permite elaborar dimensões críticas das condições de vida em sociedades pós-coloniais?
Micropolítica das festas: Análise comparativa de grupos folclóricos, construção de protagonismo e longevidade do Jongo e da Folia de Reis do Norte Fluminense
Autoria: Lilian Sagio Cezar, Tarianne da Silva Pinto Bertoza; Daniel Luiz Arrebola
Autoria:

O Brasil e o brasileiro são internacionalmente reconhecidos por sua habilidade em fazer festas. As Festas Brasileiras constituem zonas de encontro e mediação, que institui uma quebra do cotidiano e ocupa tempo e espaço definidos. Nelas acontecem tanto a suspensão como a reiteração de rotinas a partir de sua repetição e/ou inovação. Os diferentes contextos de disputa que constituem as festas permitem que os problemas sejam coletivamente reconhecidos podendo ser tanto esquecidos como enfrentados. É por meio das Festas Brasileiras, que podemos compreender a importância do lazer enquanto meio de promoção de encontro, troca e reciprocidade, formas de constituição e reforço de vínculos de sociabilidade. Sendo fruto de ações coletivas, as festas são constituídas por regras e normas determinadas que ordenam expressões de demonstração pública de emoções, memórias, religiosidades, afetos, celebração de algo que, por meio da própria festa, se torna extraordinário. A presente comunicação visa discutir e analisar processos de valorização de grupos folclóricos que, historicamente sofrem processo de não reconhecimento e/ ou preconceito racial e religioso, e constroem estratégias de produção de performances e demonstração pública de protagonismo por meio de processos de comunicação de suas expressões culturais, mirando não somente instâncias produtoras de políticas de cultura, mas, e principalmente, os próprios membros de suas comunidades e familiares. Para tanto analisaremos comparativamente o Jongo e a Folia de Reis tendo como foco os processos de construção de suas performances em palcos e festivais de folclore locais, enquanto estratégia de incorporação de crianças e jovens aos grupos que passam assim a pertencer e participar de seus imbrincados e codificados processos de transmissão de conhecimento. A análise comparativa, feita a partir de pesquisa de campo qualitativa com observação participante de um grupo de Folia de Reis e um grupo de Jongo, ambos do Norte Fluminense, nos permitirá descrever e analisar as estratégias construídas pelos respectivos mestres para garantir a longevidade de seus grupos, enquanto expressões culturais e patrimônios imateriais que, apesar de serem reconhecidos pelo Estado, sofrem a instabilidade de não ter garantido meios financeiros que lhes permitam salvaguardar tais patrimônios, feitos por gente, diante das demandas de suas respectivas comunidades, no sentido de garantir, não apenas a sobrevivência dessas expressões culturais, mas também a melhoria das condições de vida das pessoas que dela fazem parte.

Narrativa e trajetória de um gênio: reflexões acerca de Nelson da Rabeca.
Autoria: Thiago Souza Santos
Autoria:

O presente artigo é resultado de pesquisa etnográfica realizada com Nelson dos Santos, mais conhecido por Nelson da Rabeca, alagoano residente na cidade de Marechal Deodoro. Nelson, que além de rabequista é também compositor, figura entre as personalidades de destaque na cultura popular alagoana, um Patrimônio Vivo do Estado. worku no corte da cana-de-açúcar na maior parte da vida laboral até consolidar-se como músico. O músico surgiu subitamente: depois do contato por televisão com o violino, aos 54 anos de idade, decidiu fazer seu próprio instrumento, a rabeca. Das apresentações para turistas na Praia do Francês no início da carreira até apresentações nos Estados Unidos e Europa juntamente com sua companheira, Dona Benedita, Nelson é reconhecido por sua genialidade e talento. Desse modo, a pesquisa trata de analisar as particularidades referentes ao artesão e sua rabeca, considerando as especificidades inerentes na relação entre eles na produção material e simbólica do instrumento como também do músico e sua capacidade autodidata de elaborar composições. Para isso, é utilizado recursos da antropologia visual, que permite maior riqueza na observação dos detalhes e nos possibilita reaver cenários vividos em campo. Além disso, por meio das narrativas orais acessadas e das entrevistas semiestruturadas com Seu Nelson e com sua companheira de vida e de palco, Dona Benedita, procuramos elaborar um rico arcabouço de informações advindas de suas memórias, fundamental para entendermos de modo aprofundado a particularidade de um gênio.

O registro audiovisual da cultura popular: a festa de Nossa Senhora dos Navegantes
Autoria: Oswaldo Giovannini Junior
Autoria: Trata-se de uma pesquisa sobre a festa de Nossa Senhora dos Navegantes, uma festa popular tradicional que celebra a santa padroeira da comunidade de Coqueirinho, aldeia indígena Potiguara, pertencente ao município de Marcação/Litoral Norte da Paraíba. A festa envolve romeiros, turistas e comerciantes oriundos de diversas cidades da região do Vale do Mamanguape e de outras cidades do estado e dos estados vizinhos, perfazendo milhares de pessoas de diversas origens sociais e culturais. O evento culminante é uma procissão marítima, fluvial e terrestre que sai de Coqueirinho e segue em direção à Barra de Mamanguape, município de Rio Tinto. Ocorre no segundo ou terceiro domingo de dezembro, dependendo da fase da maré e é organizada principalmente por pescadores e zeladores das capelas das cidades envolvidas diretamente: Baia da Traição, Rio Tinto e Marcação. A festa tem característica polifônica (BAKHITIN, 1987) e polissêmica (TURNER, 2005), perfazendo uma grande “arena de disputas” (STEIL, 1996) onde cada pessoa ou grupo se relaciona com o evento e com o sagrado e a paisagem de praia e mangue de modo diferenciado evidenciando uma grande diversidade de sentidos, por vezes complementares, por vezes conflitantes. Tal diversidade de sentidos é notado na forma como os envolvidos se comportam, como se postam corporalmente no ambiente e diante das imagens das santas, nos cortejos e nas situações festivas diversas, realçando de um lado a devoção com intensa experiência do sagrado e de outro a efervescência profana com intenso consumo de bebidas alcóolicas, dando à festa um caráter dionisíaco (PEREZ, 2017). O projeto tem como objetivo, sob aporte da antropologia visual, realizar um registro etnográfico audiovisual da festa, procurando abarcar a diversidade de sentidos e personagens através de entrevistas com os principais produtores e através do registro da festa em ato, compondo o cenário de pessoas e paisagens. Tais registros audiovisuais formarão um banco de imagens, a que chamamos de esboços (FRANCE, 1998), que serão assistidos posteriormente para análise juntamente com as pessoas filmadas, orientando assim a descrição e análise do evento social, realizando o que compreendemos como “antropologia compartilhada” (ROUCH, 2011). A festa e o ritual constituíram ao longo da história da ciência antropológica, como um significativo campo de pesquisa, tendo em sua produção e movimentação simbólica, uma fonte expressiva da vivência social e cultural dos grupos que a vivenciam. A festa é o momento em que a sociedade se reúne de forma extraordinária e se expressa (DURKHEIM, 1989).
Palhaços de Reis – tecnologia e novas mídias na performance e criação poética popular
Autoria: Andréa Rizzotto Falcão
Autoria: A partir de uma experiência de campo, realizada em Miracema, Noroeste Fluminense, este work busca refletir sobre o uso de recursos audiovisuais e plataformas digitais nos processos de transmissão e criação de versos entre os palhaços de Folias de Reis em diversas localidades do Estado do Rio de Janeiro. Esta comunicação visa também apresentar de modo sintético novas dinâmicas e práticas de sociabilidade identificadas nos processos de registro e circulação destas performances nos ambientes virtuais. Manifestações culturais populares, as Folias de Reis são expressões de grande representatividade no cenário cultural brasileiro, especialmente na região sudeste do país. Objeto de estudo de antropólogos, sociólogos e folcloristas, ao longo do século XX, sua importância tem sido reafirmada através de uma série de estudos realizados nos últimos vinte anos que exploraram novas perspectivas de análise e compreensão do fenômeno. Nesse work propomos discutir o modo como essa tradição secular tem se atualizado na contemporaneidade, focando no uso das novas mídias e tecnologias digitais no processo de criação poética dos palhaços. Personagem central no ritual, o palhaço realiza performances poéticos-acrobáticas de intenso efeito dramático e comunicativo. Suas apresentações são caracterizadas pela recitação de versos de temática muito diversificada e por movimentos de grande agilidade corporal. Feitos na hora ou tomados de um imenso acervo de referências poéticas transmitidas entre as gerações, a arte do palhaço insere-se no contexto da tradição da poesia oral improvisada. A pesquisa nos permitiu observar como tanto os foliões quanto o público que assiste às apresentações têm se valido, hoje, da proliferação das câmeras fotográficas, tablets e smartphones, para registrar e depois compartilhar o conteúdo dessas performaces em redes sociais como Facebook, Instagram, Youtube, Whatsapp, etc. Acreditamos que compreender a dinâmica de uso dessas novas ferramentas e plataformas, além de apontar para o surgimento de novas práticas de sociabilidade, e alterações nas dinâmicas intergeracionais, pode nos ajudar a repensar as bases daquilo que entendemos por tradição oral e deste modo contribuir para ampliarmos as discussões e rever as referências conceituais no campo de estudos da cultura popular e do folclore.
Registros audiovisuais como recurso metodológico numa etnografia de rituais na festa de São Benedito em Almeirim/PA
Autoria: Vanessa Lima Brasil de Figueiredo
Autoria: A produção de registros audiovisuais é recorrente na antropologia, quer como recurso metodológico em pesquisas etnográficas, quer como suporte documental para formação de acervos e coleções voltadas para pesquisadores tanto quanto para uso próprio dos sujeitos dos registros. Tais registros tendem ainda a constituir suportes de memórias coletivas, alimentando de modo contínuo lembranças e experiências em torno de expressões relativamente efêmeras. No campo da cultura popular, registos audiovisuais são simultaneamente fontes e produtos de performances contextualizadas protagonizadas por sujeitos específicos. Neste sentido, o presente work surgiu do desejo dos devotos de terem documentada a festa de São Benedito que é celebrada anualmente em Almeirim/PA, entre 20 e 30 de junho. As festas de santo, em geral, são celebrações bastante comuns na Amazônia, que mobilizam emoções, tradições e trocas rituais de alto valor para seus participantes. Neste work abordamos essas e outras características da festa de São Benedito em registros audiovisuais realizados com vistas à produção de um documentário etnográfico como parte de um projeto extensionista que visa à preservação dos modos de fazer e das formas de expressão cultivadas na celebração por personagens específicos. Além das funções de memória e de difusão cultural que os registros cumprem, discutimos a partir deles algumas questões e dificuldades metodológicas inerentes às etapas de entrevistas com devotos, reprodução de imagens antigas e filmagens de momentos rituais.
Representações, Apresentações e Autorrepresentações dos grupos de Cultura Popular do Cariri Cearense
Autoria: George Wilson Feitosa Vieira
Autoria:

O presente projeto de pesquisa pretende investigar a relação entre os diversos modos de construção das imagens dos grupos de cultura popular na região do Cariri Cearense, a partir de documentos visuais e dos discursos a eles associados. Pretende-se confrontar os modos de apropriação do poder público e das instituições da sociedade civil organizada (Ongs e institutos) como a própria autoimagem produzida por indivíduos e grupos representantes da cultura popular, àqueles diretamente envolvido como a produção dos sabres e ofícios populares, os mestres de artes, capitães-de-folia, pais-de-santo, foliões, griôs, escritores, músicos, entre outros, a fim de que os mesmos se tornem cada vez mais os narradores de suas próprias histórias. Trabalhando com a articulação crítica entre os eixos representação dos grupos de cultura popular e o eixo da autorrepresentação, a pesquisa parte de um escopo amplo para pensar a construção do “Cariri como a capital cultural do estado do Ceará”, tomando as cidades de Crato, Barbalha e Juazeiro do Norte como ponto de observações amplos, conjugando esta coleta de dados – impressões, materiais de mídia, entre outros – com a escolha de um grupo para realização de work de campo desde uma observação participante sistemática objetivando entender como o grupo se pensa enquanto coletivo de cultura e como o grupo pensa as apropriações de suas produções, arte e estética.

Romaria de Nossa Senhora d’Abadia de Muquém- 270 anos da devoção e religiosidade do norte goiano, a cidade itinerante, sociabilidade e a experiência etnográfica e de narrativa digital
Autoria: Cláudia Peixoto Cabral
Autoria: O Santuário de Nossa Senhora d’Abadia de Muquém, no município de Niquelândia a aproximadamente 307 km de Goiânia, está localizado no distrito de Muquém a 45 km da cidade, e sedia a mais antiga romaria do Estado de Goiás. Em 2018, a celebração religiosa de Nossa Senhora d’Abadia de Muquém, que aconteceu de 5 a 15 de agosto, completou 270 anos de existência. A localidade onde está o Santuário e acontece a devoção secular a Nossa Senhora d’ Abadia de Muquém é uma região de natureza exuberante do cerrado brasileiro, cercada de montanhas e cachoeiras, onde no século XVII há registros da existência de um quilombo de mesmo nome do atual distrito, derrotado ainda na época colonial e da exploração de ouro em Goiás. Este work é o resultado inicial da pesquisa de doutorado realizada junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Goiás, orientada pela Profª. Drª. Janine Collaço versa sobre a dinâmica e práticas sociais na Romaria de Nossa Senhora d’ Abadia de Muquém e motiva-se pela característica singular dessa da devoção religiosa, a montagem de uma cidade de lona, uma cidade itinerante, em acampamentos familiares na área ambiental ao redor do Santuário de Nossa Senhora d’ Abadia de Muquém. A distinção em relação a outras celebrações votivas é que durante a festividade romeiros de várias partes do Estado de Goiás transferem seus domicílios para os arredores do Santuário em terrenos delimitados e alugados pela igreja. Algumas famílias mantêm a prática de sociabilidade e religiosidade do acampamento na Romaria do Muquém há mais de quatro gerações. São montadas amplas tendas, ou apenas barracas com estrutura sanitária improvisada, que são removidas após a Romaria, algumas famílias levam em caminhões fretados ou particulares itens mobiliários como camas, prateleiras, mesas, cadeiras e diversos eletrodomésticos como televisões e antenas parabólicas. Os domicílios itinerantes, a ocupação do espaço e as sociabilidades existentes durante a romaria chamam atenção pelo contexto etnográfico de relevante importância antropológica. A celebração que atrai cerca de 400 mil pessoas durante os 10 dias de celebração também reúne grande número de comerciantes em uma área destinada às atividades comerciais. Este work busca, portanto, apresentar a experiência de registro etnográfico e imagético da diversidade da ocupação do espaço do Santuário de Nossa Senhora d’ Abadia de Muquém, uma devoção da religiosidade popular do norte de Goiás que resiste ao tempo e se mantém na cidade de lona itinerante em que pessoas de várias gerações, classes e grupos sociais montam as suas casas “no pé da santa”, na casa de Nossa Senhora.
Teatro de João Redondo do Rio Grande do Norte: transmissão, negociação e circulação da prática e do saber
Autoria: Zildalte Ramos de Macêdo, Luiz Carvalho de Assunção
Autoria: O teatro de João Redondo do Rio Grande do Norte, RN, é uma manifestação da cultura popular, com maior concentração no nordeste brasileiro, que ao longo dos tempos e percorrendo diferentes espaços, foi construindo a sua identidade e uma dinâmica própria onde os seus códigos e valores simbólicos se ajustam aos contextos sociais, imprimindo a si mesmo reelaborações de elementos ditos da tradição em diálogo com as inovações. Neste tipo de teatro são utilizados bonecos que são o duplo do brincante o qual segue uma estrutura durante a brincadeira com improvisação das falas, loas, música, dança, passagens rápidas e personagens-tipo. Assim como acontece com outras manifestações da cultura popular, o teatro de João Redondodo RN está em processo de transformação de sua prática e saber como forma de resistência e de adaptação a modernidade. A pesquisa objetivou compreender a dinâmica da prática e do saber através da observação de três fatores presentes no processo de construção e de reelaboração do teatro de João Redondo do RN: a transmissão, a negociação e a circulação do teatro pelos seus mestres. A suposição inicial é de que o teatro de João Redondo do RN está inserido num processo de espetacularização, segundo conceito de José Jorge Carvalho, em que uma manifestação da cultura popular se torna um espetáculo a ser consumido por um grupo desvinculado da sua comunidade de origem, sem conhecimento de seus códigos e não familiarizados com os seus sentidos. Dentre os diversos autores selecionados para as reflexões dos dados coletados destacam-se ainda Beatriz Sarlo, Paul Zumthor e Stuart Hall. Foi utilizada a observação participante tendo cinco mestres como referências para a pesquisa. O work de campo consistiu também em observar os Encontros de Bonecos e Bonequeiros do RN, meios virtuais, plateias e contratantes a fim de compreender o sistema complexo em que os cinco mestres selecionados para a pesquisa estão inseridos. A pesquisa se justifica pela observação de que os três fatores podem estar agindo na forma como cada mestre constrói e reelabora o seu teatro. Espera-se com esta pesquisa promover uma maior compreensão do processo de transformação de uma manifestação da cultura popular que resiste em suas tradições, mas que se espetaculariza podendo vir a se tornar um outro produto.
Um certo Capitão Edson Tomas: agência e liderança de reinadeiros nas redes de folclore em Minas Gerais
Autoria: Joana Ramalho Ortigão Corrêa
Autoria: A comunicação ressalta a agência de lideranças populares relacionadas aos Reinados e Congados em meio à organização do folclorismo em Minas Gerais entre as décadas de 1940 e 1960 e seus desdobramentos durante os primeiros anos do regime militar. Articulados às redes de movimentação do folclore, ao lado de estudiosos, políticos e jornalistas, nomes como Edson Tomas dos Santos, Maria Cassimira e Waldemiro Gomes de Almeida, entre outros, procuraram garantir legitimidade e espaço social para suas expressões de cunho religioso e cultural. Corroborando com uma antropologia dos estudos de folclore (Vilhena, 1997; Cavalcanti, 2012), a pesquisa acentua a necessidade de ampliar o reconhecimento de nomes pioneiros do campo das culturas populares que participaram do movimento folclórico e da organização de novos circuitos e modos de gerir suas práticas. A pesquisa foi escrita sob a forma de artigo para a coletânea "Enlaces: estudos de folclore e culturas populares" (CNFCP, 2018), organizada por Maria Laura Cavalcanti e Joana Corrêa, que será lançada durante a 31a. RBA.
“Matança” de Boi como play e ritual: antítese, agonística e agonia no Bumba-meu-boi de Fortaleza
Autoria: Thalyta Pinto Martins Vale
Autoria:

Este work aborda as relações entre espacialidade, visualidade e poder no contexto ritual da principal performance de Bumba-meu-Boi de Fortaleza, a “Matança” de Boi. Trata-se de uma festa de rua que combina música, dança, drama e comédia e se realiza anualmente em homenagem a São Sebastião, sobretudo em bairros “periféricos” da zona costeira oeste da cidade, onde residem a maioria dos brincantes de Boi. O foco da presente reflexão são ações e elementos simbólicos e poéticos que expressam, reforçam ou colocam em jogo posições de poder e estruturas estabelecidas dentro ou fora das fronteiras rituais. Parte-se do pressuposto de que a performance, enquanto “experiência emergente” (BAUMAN, 1977), é capaz de construir continuamente estruturas simbólicas, narrativas e sociais. Assim, para compreender o que ela diz sobre seu contexto social, o que cria nele e como movimenta relações de poder, articula-se a participação nos eventos, orientada pelo esforço de “análise situacional” (VELSEN, 2009), com a realização de entrevistas abertas com brincantes e a análise de registros imagéticos e audiovisuais, produzidos por mim em work de campo ou disponibilizados pelos grupos de Boi em páginas da Internet. Por ora, a pesquisa de cunho etnográfico tem proposto que a brincadeira do Boi, além de se constituir como um ritual estruturado por regras e etapas, organizado em torno de um “símbolo dominante” (TURNER, 2005), também possui muitas características que apontam para sua fluidez e para a proficuidade de ser analisada como “play” (SCHECHNER, 2002). Realizar o Bumba-meu-boi é jogar, no sentido amplo do termo, que funde jogo, teatro e brincadeira e pode envolver, a um só tempo, instabilidade criativa, disputa, voluntariedade, diversão e seriedade, tal qual na categoria de play. Considerando, como Schechner (2002), que a performance existe na tensão criativa entre ritual e play, sugere-se que a oposição visual e espacial característica da Matança não expressa apenas antítese, com seus contrastes semânticos, mas também polariza desigualdades sociais e simboliza relações agonísticas, que são movimentadas em jogos de rivalidade e competição, onde se busca definir vencedores e perdedores. Mas o resultado não é somente determinado pela desenvoltura dos jogadores: ele se define pelo jogo teatral, com um fechamento previsto e ensaiado, e é também dependente da graça de santos e entidades, o que envolve a valorização simbólica da agonia e a encenação de sacrifícios. Todo este play, que se enquadra e se vive como uma outra realidade, na verdade, pode ser lido como parte de um jogo maior pela própria definição do “real” e das relações de poder entre diferentes agentes e coletividades dentro e fora do universo das culturas populares.