GT 76. Risco, patrimônio e cidadania.
Coordenador(es):
Manuel Ferreira Lima Filho (UFG - Universidade Federal de Goiás)
Edmundo Marcelo Mendes Pereira (MN/UFRJ)
Risco, patrimônio e cidadania. Manuel Lima Filho (MA/UFG); Edmundo Pereira (MN/UFRJ). A produção e gestão do risco vêm crescendo como fenômeno e chave analítico-investigativa, articulando campos disciplinares científicos, técnicos e jurídico-administrativos. Diversas áreas têm salientado como o conceito condensa agendas ambientais, tecnológicas, humanitárias e patrimoniais como “sociedades de risco”. As reflexões se concentram nas condições sociais e históricas de produção diferencial da vulnerabilidade, ou de “culturas do risco”. Etnografias de situações de risco, de eventos críticos catastróficos, de operações de resgate e processos de reorganização social pós-desastre têm imbricado economias políticas de distribuição da vulnerabilidade. Agentes do desastre - ‘curtos-circuitos’, ‘sirenes desligadas’, ‘hidrantes sem água’, ‘falhas humanas’, ‘quebras de protocolo’ - configuram pontos culminantes de processos de produção do risco. O GT objetiva reunir etnografias de situações de risco, de desastres, de processos de resgate e (re)construção patrimonial de instituições museais, bibliotecas, centros culturais, acervos históricos, artísticos e científicos, entretecendo dimensões pessoais, comunitárias e institucionais e reunir investimentos no mapeamento da diversidade definitória da noção de risco, das narrativas e idiomas do desastre como expressões de cidadanias culturais e patrimoniais, dos debates sobre reconstrução e tombamento de ruínas e coleções desaparecidas
Resumos submetidos |
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Da efemeridade da matéria à rigidez das relações: as coisas do xamã inỹ nas coleções do Museu Nacional (RJ) Autoria: Rafael Santana Gonçalves de Andrade (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro) Autoria: Os “bastões” do xamã Karajá colecionados pelo antropólogo estadunidense William Lipkind em 1938, estavam abrigados no acervo do Setor de Etnologia e Etnografia do Museu Nacional desde 1939. Os Obi, como são nomeados na língua Karajá, são usados pelos xamãs para inúmeras finalidades que envolve a relação entre eles e outros seres que habitam o cosmo. Como suportes materiais de vínculos mais profundos mediados pelo xamã, os “bastões” são, normalmente, queimados quando não são mais portadores da sua condição original, ou melhor dizendo, quando o Obi se torna apenas “matéria sem vida”.
Os “bastões” coletados por Lipkind tinham outro destino, diferente da queima, quando passaram a integrar a sua coleção e foram depositados no acervo do Setor de Etnologia e Etnografia do Museu Nacional. Contudo, um evento crítico provoca uma ruptura na história da instituição. O incêndio que atingiu o Museu Nacional em 2 de setembro de 2018 e consumiu grande parte das coleções abrigadas no palácio da Quinta da Boa Vista, dentre elas as coleções etnográficas, impôs outra condição às coisas acervadas no Museu.
No caso dos “bastões” Karajá colecionados por Lipkind, vemos uma situação no mínimo peculiar. Observamos que, apesar de terem sido incorporados ao patrimônio do Museu, estavam agora consumidos pelas chamas. Destino este, muito provavelmente, estranho ao desejo do seu colecionador, mas que por outro lado seria um “fim normal” em condições estabelecidas no contexto Karajá.
Impulsionado pelo evento crítico que marcou a história do Museu Nacional, aliado ao exercício da biografia das coisas (Appadurai, 2008) e da “recontextualização dos objetos etnográficos” (Ribeiro; Van Velthem, 1992) proponho algumas reflexões sobre as diferenças e proximidades que se pode notar nos dois casos a respeito da queima dos “bastões” Karajá, com o intuito tanto de recuperar uma pesquisa desenvolvida no contexto anterior ao incêndio na instituição, quanto de trazer novas perspectivas para o processo de reconstrução do Museu Nacional.
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Desastres nos rios Doce e Paraopeba: Investigações sobre riscos a partir das águas Autoria: Bianca de Jesús Silva (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas), Lúcia da Costa Ferreira Autoria: Com base nos rompimentos das barragens de rejeitos de mineração de Fundão em Mariana e do Córrego do Feijão em Brumadinho, ambas localizadas no estado de Minas Gerais (MG) na região sudeste do Brasil, busca-se investigar formas de analisar riscos a partir das águas dos rios Doce e Paraopeba. Após os rompimentos das barragens e os rejeitos de mineração chegarem aos rios citados, levaram ainda elementos para além das características físicas dos materiais compensados nas minas. Os rios têm como origem o estado de Minas Gerais, mas devido ao carreamento dos rejeitos ao longo do rio Doce, o estado do Espírito Santo também é caracterizado enquanto atingido pelo rompimento da barragem de Fundão no dia 05 de novembro de 2015. Em 25 de janeiro de 2019 ocorreu o rompimento da barragem no complexo do Córrego do Feijão, que chegou ao rio Paraopeba e ampliou o número de cidades atingidas por rejeitos de mineração em Minas Gerais. Observa-se nas regiões atingidas alterações nas relações com as águas que podem ser indicadas a partir da emergência de incertezas, mudanças nos usos/consumos das águas e aumento de investigações científicas sobre as condições dos rios. O rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG) evidenciou uma acentuada atuação das práticas de conhecimento local e das práticas de conhecimento tecnocientífica em relação às condições das águas. Dessa forma, busca-se analisar os dois desastres indicando de que modo os atores e as instituições estão envolvidos nas discussões sobre as águas dos rios Doce e Paraopeba, apontando também de que forma os contextos de desastres são observados enquanto elementos constituidores de reflexões etnográficas sobre riscos e conflitos. As discussões sobre os riscos invisíveis e os espalhamentos dos rejeitos até a chegada na foz do rio Doce, o que ampliou as discussões para as águas do Oceano Atlântico, serão abordadas como modos de refletir sobre os desastres ligados à grande mineração de ferro nas sociedades de risco.
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Fogo nas aldeias e no museu: um paralelo entre desastres ambientais e patrimoniais Autoria: Marília Caetano Rodrigues Morais (UNB - Universidade de Brasília) Autoria: O presente work pretende construir uma articulação entre estudos de coleções de etnologia e antropologia do risco/desastre. Tomo como ponto de junção/encontro um tema que tem permeado minha experiência etnográfica de pesquisa junto a professores indígenas do povo iny; Karajá (MORAIS, 2018) e que consegue interligar diversos aspectos relacionados ao estudo da bykyrè (esteira) e da coleção William Lipkind (1938) do Museu Nacional (RJ): o fogo.
No estudo sobre a bykyrè, o fogo se fez presente na preocupação que os iny; demonstraram ter em relação aos incêndios que todos os anos atingem a Ilha do Bananal, que, provocados nos arredores das aldeias, diminuem o acesso a juncos e aguapés, onde ficam os buritizais, e influenciam na produção e circulação das esteiras, entre outros artefatos feitos a partir da palha do buriti, bem como dos conhecimentos e técnicas relacionados a cada um deles. Por outro lado, o fogo apareceu, também, no incêndio que em 2 de Setembro de 2018 atingiu o edifício histórico que abrigava o Museu Nacional (RJ) e destruiu fisicamente inúmeras coleções, dentre elas aquelas que foram produzidas pelos antepassados dos professores e pesquisadores iny; com os quais dialogo.
No período entre janeiro e agosto de 2019, foi registrada a presença de 1256 focos de queimadas apenas na Terra Indígena Parque do Araguaia (Ilha do Bananal, TO). A região é um ponto estratégico para adentrar a Amazônia e o interior do Brasil, especialmente devido a navegabilidade do Rio Araguaia. O que colocou os iny; diante de diferentes frentes de colonização e projetos políticos desenvolvimentistas (LIMA FILHO, 1994). Ainda hoje são intensos os conflitos fundiários e sócio/ambientais entre indígenas, fazendeiros, políticos, pequenos produtores/camponeses e órgãos indigenistas e ambientais, com destaque para a ameaça representada pelo agronegócio em torno das discussões em torno construção e pavimentação da Rodovia Transbananal (TO-500).
Busco tomar o tema do fogo para entender mais sobre a relação dos iny; com o ambiente, pensando na produção e circulação de artefatos e conhecimentos (BARTH, 2000). Recorro a múltiplas versões de narrativas mitológicas para entender o lugar do fogo na cosmologia iny. Para tecer a relação aldeia-museu, me proponho um paralelo entre desastres ambientais e patrimoniais, no sentido de desvelar a lógica que opera por trás desses “eventos”. Explorando o potencial político das catástrofes (BECK, 2010), busco refletir sobre a lógica de um estado que queima florestas e museus em favor de determinadas projetos de desenvolvimentismo econômico, produzindo e distribuindo de forma desigual riscos e ameaças entre grupos específicos, legitimando a lógica da necropolítica, da colonialidade e do genocídio de populações e grupos étnicos.
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Impacto, degradação e perda: dimensões simbólicas e enquadramentos técnicos da recuperação de paisagens desaparecidas Autoria: Rachel Paterman (UFF - Universidade Federal Fluminense) Autoria: Esta comunicação focaliza o contexto de trocas discursivas de agentes envolvidos em projetos de recuperação de paisagens desaparecidas na Barra da Tijuca e Baixada de Jacarepaguá, áreas da chamada zona de expansão da cidade do Rio de Janeiro. Parte-se de works do escritório do arquiteto paisagista Fernando Chacel entre as décadas de 1980 e 2010, e de suas negociações com construtoras e agências de estado, para discutir como categorias de caráter técnico presumem processos mais complexos de elaboração simbólica no interior de relações de conflito e interesses de determinados grupos. Por este caminho, noções como as de "impacto" e "degradação", e "mitigação" e "recuperação", revelam-se associadas a dimensões semânticas que desafiam os contornos estritamente objetivantes que podem lhes ser atribuídos à primeira vista. Conforme se pretende argumentar, no domínio de mediações simbólicas que garantem o deslocamento dessas categorias entre dimensões morais, éticas e estéticas, e registros discursivos técnicocientíficos e jurídicos, podem ser encontrados elementos capazes de iluminar as relações de poder que legitimam certas intervenções materiais e autorizam como seus agentes determinados grupos em detrimento de outros, que pelos mesmos mecanismos passam a ser classificados como "destruidores" de paisagem. O que exatamente noções como as de "degradação" e "recuperação" significam, e para quem, são perguntas que emergem do enfoque sobre este universo de redes de relações sociais e categorias de pensamento, e que apresentam potencial para um aprofundamento de dinâmicas mais gerais em torno de noções de risco e perda.
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Mario Pedrosa e o incêndio do MAM-RJ: pós-modernismo experimental, solidariedade artística e a investigação das ‘origens brasileiras’ Autoria: André Leal (PPGAV EBA UFRJ) Autoria: O incêndio do MAM-RJ, em 1978, foi o maior desastre patrimonial brasileiro até aquele momento, destruindo a quase totalidade de seu acervo. Ao analisarmos o pensamento do crítico de arte Mario Pedrosa antes e depois do incêndio, muitas ideias sobre a concepção de arte que ele tinha vêm à tona. Para tanto, iremos apresentar três momentos do pensamento ‘museal’ de Mario Pedrosa: sua proposta de exposição de arte indígena ‘Alegria de viver, Alegria de criar’, prevista para o MAM-RJ antes do incêndio, sua proposta de reconstrução do museu depois do incêndio como ‘Museu das Origens’ e sua atuação junto ao Museu da Solidariedade Salvador Allende no Chile. Esses momentos expressam o potencial de atuação do crítico frente a diferentes momentos de esgotamentos e crises de modelos, seja da arte, da tragédia ou da política.
As décadas de 1960 e 1970 são vistas por muitos pesquisadores como um momento de inflexão na produção artística que indica o início do que hoje se convencionou chamar de pós-moderno ou ‘contemporâneo’. O crítico de arte Mario Pedrosa foi um dos primeiros a captar o que chama de um ‘esgotamento’ da arte moderna e em 1966 já chamava a produção ambiental de Hélio Oiticica de ‘pós-moderna’, muito antes do termo se tornar comum. Dentro dessa sua visão de certo esgotamento da produção artística da época, Pedrosa propôs, junto com uma série de artistas, antropólogos e arqueólogos, a exposição 'Alegria de viver, Alegria de criar'. Essa exposição iria reunir centenas de peças indígenas no MAM-RJ no início de 1979, o incêndio, porém, acabou por interromper sua produção.
Mario Pedrosa pensaria então, como saída para o impasse que a reconstrução do MAM impunha, o 'Museu das Origens', reunindo cinco núcleos para o que seria seu novo modelo ‘ideal’ de um museu para aquela época: o Museu do Índio, Museu do Negro, Museu de Arte Virgem (do Inconsciente), Museu de Artes Populares e Museu de Arte Moderna. Há nessas iniciativas de Pedrosa um impulso decolonial avant la lettre e intrinsecamente ligado à sua atuação como crítico em contato estreito com a produção artística da época. Do mesmo modo, tal pensamento é informado e potencializado por sua experiência com iniciativas do governo de Salvador Allende durante seu exílio no Chile no começo da década de 1970. Além do contato com políticas governamentais de potencialização da arte popular e de modos de vida indígenas, ali Pedrosa organizou o Museu da Solidariedade com a revolução de Allende. Como compor um acervo de arte moderna à partir da solidariedade dos mais variados artistas? É entre essas questões que iremos nos mover para pensar como tragédias museais e políticas podem desencadear processos intelectuais e modelos de atuação que potencializem uma solidariedade ‘terceiro-mundista’.
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O fogo e o patrimônio: aproximações e distanciamentos entre os incêndios do Museu Nacional (Rio de Janeiro, Brasil) e a Catedral Notre-Dame (Paris, França). Autoria: Mariane Aparecida do Nascimento Vieira (PPGAS) Autoria: A proposta deste work se volta para análise do desastre no patrimônio a partir de dois estudos de caso: o Museu Nacional (Rio de Janeiro, Brasil) e a Catedral de Notre-Dame (Paris, França). O investimento em uma perspectiva comparativa objetiva evidenciar as semelhanças e os distanciamentos da produção do risco e das ações realizadas em resposta a estes desastres, em que pese as especificidades de cada patrimônio.
O Museu Nacional (denominado como Museu Real e, posteriormente Museu Imperial até ser conhecido pelo nome atual) é a primeira instituição científica do país, sendo mais antiga que a própria república, pois sua origem remete ao decreto real de D. João VI assinado em 06 de junho de 1818. O museu funcionou em uma edificação no Campo de Santana até a sua transferência para o palácio de São Cristóvão em 1892, após a instauração da República e realização da primeira constituinte do país.
Em 2 de setembro de 2018, a sede do Museu Nacional (Rio de Janeiro, Brasil), o palácio de São Cristóvão, teve todos os seus cômodos consumidos por chamas. Em consequência, as coleções salvaguardadas na edificação foram duramente atingidas, além do próprio palácio, que teve seu telhado e andares parcialmente destruídos por conta do fogo.
A catedral de Notre-Dame teve sua construção iniciada em 1163 e concluída em 1345. A imponente construção gótica está localizada na área central de Paris. Após a conclusão da sua construção passou por diversas reformas, sendo as mais significativas foram realizadas em decorrência da Revolução Francesa. A estrutura do telhado conhecida como “a floresta” por cada viga ser proveniente de um carvalho, coberta por um telhado de chumbo, juntamente à flecha, estrutura construída no século XIX substituindo a original, foram consumidas por um incêndio em 15 de abril de 2019.
Diante desses dois incêndios, percorreremos as políticas patrimoniais, os atores que emergem no contexto situacional pós-desastre, as respostas internas e externas, ressaltando a reorganização das comunidades relacionadas à ambos os bens, sob a luz da literatura da antropologia do desastre, a observação-participante nas ações realizadas no Museu Nacional durante um ano após o incêndio e notícias de jornais que nos permitem colocar os dois estudos de caso em perspectiva.
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Onde mora o risco? Autoria: Rodrigo Gomes Wanderley (Uneb) Autoria: Guerra de Espadas é uma manifestação da cultura popular que ocorre em diversas cidades do interior de estados como Bahia, Sergipe e Pernambuco. Nos últimos anos uma série de ações judiciais movimentadas pelo Mp-BA tem agenciado as ideias de que as Guerras de Espadas são atos criminosos utilizando analogia do artefato pirotécnico popular tradicional, fabricado a décadas pela população, a uma arma de fogo. As populações dessas cidades, a partir das sentenças ou das liminares interlocutórias proferida por juízes recém chegados nas cidades, em resposta a provocação de Promotores vindos de outras cidades, com culturas bem diversas das do interior da Bahia, tem a maior festas locais, maior manifestação da cultura popular, definida como “Crime”. Pretendo a partir desse projeto de pesquisa compreender de que forma se dá o agenciamento dos diversos conceitos, como: “não definição conceitual nativa”, “cultura”, “tradição”, “patrimônio” e crime, pelos diversos atores envolvidos nos processos de litígio provocado a partir da interpretação do Estatuto do desarmamento, agenciado pelo poder público, representado pelo MP-Ba, pelo Exército, pela Polícia Civil e pelo poder Judiciário, e pela desobediência civil e a defesa da “tradição” por parte da maioria da população, pelo executivo municipal e pela Câmara de vereadores. Tentando perceber que a criminalização das Culturas populares não é algo novo na história do Brasil. De que forma nasci o Crime!? A partir da Narrativa de que a manifestação demonstraria um "risco" a segurança pública, a saúde pública e o patrimônio privado foi proibida, sendo transformada em Crime. O Risco sempre foi considerado algo positivo, inclusive as queimaduras sempre foram pensadas pelos nativos como algo positivo, um estigma positivo de valor moral relacionado a coragem. No ano de 2019 após a crimanalização o Risco contra a saúde pública tornou-se o risco contra a manifestação e a integridade dos brincantes, que mesmo após a proibição judicial, continuaram a brincar nas noites de São João. A partir de ação truculenta da Polícias dezenas de espadeiros se machucaram. E uma jovem estudante perdeu a visão por conta de projétil de bala de borracha da polícia. Onde mora o risco? Na Manifestação cultural ou na truculência das polícias em acabar com a manifestação, considerada pelos Bonfinenses seu Patrimônio Cultural e identitário. Essa comunicação pretende discutir as nuances, do ponto de vista da etnografia, desses processos de crimalização, patrimônialização e do "risco". Acreditando que a prática da manifestação nada mais é do que o exercício da cidadania de um povo e dos seus direitos culturais.
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Quando a materialidade bate à porta: a salvaguarda dos patrimônios imateriais em situações de potenciais “impactos culturais” Autoria: Guilherme Eugênio Moreira (UFF - Universidade Federal Fluminense), Ana Paula Lessa Belone Autoria: O work pretende explorar interseções entre as políticas públicas de patrimônio cultural e licenciamento ambiental a partir de situações experimentadas pelas pesquisadoras como analistas de patrimônio imaterial no Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha). Desde 2014, técnicos/as do Iepha são responsáveis por avaliar “estudos de impacto cultural” elaborados por consultores para empreendimentos em processos de obtenção ou renovação de licenças ambientais. Os registros das Folias de Minas (2017) e dos Saberes, Linguagens e Expressões Musicais da Viola (2018) como patrimônios culturais do estado identificaram, através de um cadastro virtual, mais de 1800 folias e 1600 tocadores/as e fazedores de viola distribuídos por todo o território mineiro e expandiram exponencialmente as probabilidades de áreas impactadas por empreendimentos estarem sobrepostas a patrimônios. Diante de um cenário atravessado por rompimentos de barragens de rejeitos de mineração e flexibilizações da legislação ambiental, a equipe da Gerência de Patrimônio Imaterial deparou-se com o seguinte questionamento: como mensurar os potenciais impactos de um empreendimento aos patrimônios culturais? Nesse processo reflexivo, as limitações dos cadastros foram sendo cada vez mais expostas à medida que os estudos de impacto cultural exigiam informações que não estavam à disposição da equipe, mesmo com a reunião de um volumoso banco de dados. Ao mesmo tempo, reverberaram e ganharam vida própria na forma de dados espaciais e shapes compartilhados por outros setores e as reflexões das técnicas da Gerência não impediram a fixação de certas informações em detrimento de outras, na produção de verdades excludentes. Quando a materialidade bateu à porta, desdobraram-se fragilidades de uma sequência de processos de registro que se reservaram ao estudo sobre as imaterialidades, sem necessariamente abranger as dinâmicas territoriais. Em meio a negociações entre agentes mais poderosos que extrapolavam seu poder de decisão, restou às técnicas do patrimônio imaterial manterem-se alinhadas aos seus posicionamentos políticos e pensar em como formalizar processos que atenuassem os impactos sobre foliões e violeiros/as na elaboração de termos de referência e planos emergenciais para barragens.
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Reparação da cultura ou a dinâmica do imaterial após o desastre de Mariana Autoria: Bianca Pataro Dutra (Fundação Renova) Autoria: Este work analisa a continuidade das práticas imateriais na comunidade de Paracatu de Baixo, município de Mariana, após o rompimento da barragem de Fundão, em 05 de novembro de 2015. O estudo se pautou no acompanhamento, durante os anos de 2018 2 2019, das manifestações imateriais religiosas, principais momentos rituais que propiciam que membros da comunidade voltem à sua área de origem. Por meio das festas de santos realizadas no chamado "Paracatu antigo", a comunidade retorna ao seu local primordial, sendo que as celebrações se tornaram referências culturais fundamentais no processo de sacralização do território atingido pelos rejeitos. Foram analisadas as festas de Santo Antônio, padroeiro da localidade, Menino Jesus, celebração associada à Folia de Reis, e Nossa Senhora Aparecida.
O conceito de referência cultural, que, conforme Maria Cecília Londres Fonseca (2001) se refere às “representações que configuram uma identidade da região para seus habitantes” (FONSECA, 2001, p. 113), orientou a interpretação das celebrações religiosas como símbolos da memória, história e identidade cultural da comunidade de Paracatu de Baixo. Tal conceito direciona a perspectiva para além do patrimônio institucionalizado, abarcando as manifestações que a própria comunidade identificou como ícones de sua cultura, sem a necessidade da institucionalização desse reconhecimento por meio do registro de bens imateriais. Ao lado do conceito de referências culturais, a área de origem foi percebida a partir da noção culturalista de território discutida por Haesbaert (2004), que aborda a dimensão simbólica da apropriação do espaço.
Assim, tem-se que, por meio da continuidade das celebrações religiosas, a área de origem de Paracatu de Baixo se configura como território de afirmação da cultura da comunidade no contexto pós-desastre. A partir desses festejos, observa-se que a memória se perpetua na área hoje tomada pela lama, sendo que os rituais sagrados se configuram como conexão entre o lugar deixado em 05 de novembro de 2015, e o espaço do desastre que é apropriado a partir das celebrações católicas.
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Restauração e a reparação da cultura depois do rompimento da barragem de fundão: a Reserva Técnica da Fundação Renova Autoria: Danielle Raquel Lima (Fundação Renova), Adebal de Andrade Júnior
Sérgio Norberto Costa
Autoria: Este artigo discute o processo de restauração de objetos resgatados da lama de rejeitos de minério após o rompimento da barragem de Fundão, da empresa Samarco Mineração, em Mariana/MG. Essa ação está sendo desenvolvida na Reserva Técnica, um equipamento da Fundação Renova, entidade criada para atuar na reparação dos danos provocados às comunidades que foram atingidos pela lama de rejeitos de minério. A maior parte das peças que estão sendo restauradas fazem parte do acervo da Igreja Católica e até o rompimento da barragem eram inseridas em celebrações religiosas. Para desenvolver nossa análise procuramos descrever a metodologia utilizada que contempla: práticas arqueológicas para recuperar as peças da lama, a qualificação das peças com a participação da comunidade, o processo de conservação/restauração e a sua destinação final. As questões que cercam a ação dos técnicos da Reserva orientam o nosso work como, por exemplo, como equilibrar as decisões técnicas com a expectativa das comunidades? Como inserir a comunidade nesse processo? Após os objetos restaurados qual a sua destinação? Foram ouvidos os técnicos da reserva e consultados os documentos que evidenciam o restauro e a conservação das peças na Reserva Técnica para realizar nossa reflexão.
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A plataforma Thesaurus Karajá no desastre ao resgate: a digitalização de uma coleção museal como possibilidade de preservação e circulação de conhecimentos Autoria: Emanuelle Bianca Dallara (UFG - Universidade Federal de Goiás), Emanuelle Bianca Dallara
Ian del Aguila Autoria: No dia 02 de setembro do ano de 2018 o Museu Nacional do Rio de Janeiro foi acometido pelo fogo e dentre os inúmeros itens que se perderam encontrava-se a coleção Willian Lipkind do Museu Nacional. É neste contexto, que se insere o presente work, como um dos inúmeros resultados possibilitados pelo Projeto “Thesaurus Karajá: diálogo intercultural e museologia compartilhada”. O projeto teve como uma de suas pretensões a elaboração de uma plataforma online, construída a partir de uma classificação compartilhada dos registros fotográficos da coleção Willian Lipkind do Museu Nacional, com foco nos 264 itens pertencentes ao subgrupo Karajá. A ação foi, também, uma forma de devolver ao Museu Nacional do Rio de janeiro contribuições, que somente são possíveis devido a um projeto de pesquisa, sediado nesta instituição e no qual nosso orientador Manuel Ferreira Lima foi integrante.
A plataforma foi construída com base na tipologia dos artesanatos indígenas de Berta Ribeiro, (1988), adotado em grande parte dos museus brasileiros, e buscou-se complementar as classificações já propostas com metadados de caráter antropológico, partindo de uma compreensão da coleção do ponto de vista estético e simbólico, tomando os objetos para além de sua materialidade, mas refletindo acerca de suas funções, quais são os atores que podem o confeccionar, de que maneira se relacionam com os mitos – dentre outras possibilidades que auxiliem na compreensão de um objeto que não é estático, mas transita em uma teia de significados construídos a partir de relações cotidianas e encontram-se em movimento.
Quanto a busca pela promoção de uma construção dialogada com os próprios agentes Karajá, realizaram-se oficinas visando um ensaio etno-classificatório além de estudos teóricos e pesquisas, afim aprofundar o conhecimento acerca dos itens da coleção e disponibilizar informações mais completas e elaboradas.
A plataforma já foi lançada para acesso ao público no Congresso de pesquisa, ensino e extensão (Conpeex) sediado pela Universidade Federal de Goiás (UFG) em outubro de 2019 e embora ainda não se encontre integralizada, pois seu desenvolvimento demanda intensa participação de estudantes e atores Karajá espera-se que a plataforma venha a ser uma ferramenta não apenas de informação para a comunidade em geral ou fonte de pesquisa, mas que possa auxiliar no processo educativo, principalmente de escolas localizadas em aldeias.
Sendo assim, apresentamos este work com a certeza de ele não se trata, somente, de uma maneira de preservação e circulação de conhecimentos, mas, também, de uma atuação política, uma resistência em tempo de retrocesso nas políticas sociais referentes aos povos indígenas.
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