GT 70. Processos identitários coletivos e lutas territoriais

Coordenador(es): 
Alexandra Barbosa da Silva (UFPB - Universidade Federal da Paraíba)
Claudia Mura (UFAL - Universidade Federal de Alagoas)

O objetivo do presente GT é buscar agregar reflexões empíricas sobre os processos identitários coletivos que têm nas lutas territoriais um elemento-chave. O intento é, precipuamente, impulsionar reflexões sobre quais fatores dão vida a processos de luta, em situações históricas e configurações específicas. Parte-se da hipótese de que a articulação e a consolidação de coletivos têm sua base no parentesco e em alianças políticas, bem como em experiências vividas e desenvolvidas localmente, ao longo do tempo, considerando-se, por exemplo, aspectos econômicos, ambientais, cosmológicos e rituais, a partir de configurações de poder específicas. Compreende-se, portanto, a relevância e pertinência, por exemplo, dos conceitos de conhecimento tradicional local, formulado por Ingold e Kurttila, e de morfologia social, elaborado por Mauss, sem deixar de atentar que estes desconsideram configurações diferenciadas de poder ao longo do tempo, bem como processos de constrição territorial, aspectos que vieram a ser ressaltados pelos conceitos de situação histórica e processos de territorialização, cunhados por Pacheco de Oliveira. O desafio, de fato, é analisar como, caso a caso, constrições territoriais impostas pelo Estado e por agentes privados são administradas, com base em modos de vida desenhados (sempre dinamicamente) por grupos domésticos e comunidades políticas locais, antes que necessariamente por grupos étnicos pré-definidos como tais.

Palavras chave: Dinâmica territorial; Processos identitários; Conflitos.
Resumos submetidos
(Re)construindo a memória, fortalecendo o território. A importância das mulheres kaingang na luta pela terra na comunidade de Kandóia (RS-Brasil).
Autoria: Clémentine Ismérie Maréchal (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: A retomada da T.I kaingang Kandóia iniciou no início dos anos 2000 encabeçada por uma descendente do cacique Votouro, Maria Keso Kandóia que estava determinada a retornar ao seu território ancestral. Até hoje, a população kaingang de Kandóia está confinada em 2 hectares de terras, sofrendo pressões dos políticos e ruralistas da região. Na época da retomada, além da parentagem de Maria Keso, outras famílias acompanharam a família Kandóia nessa empreitada, trata-se de grupos familiares que foram expulsos do Toldo Ventarra e realocados no Toldo Votouro nos anos 1960 na época da reforma agrária levada a cabo pelo então governador do estado do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Após uma série de conflitos entre estas duas fações – resultados dos processos de territorialização e desterritorialização proporcionados pelas políticas governamentais – há hoje um grande esforço de parte das lideranças kaingang por estabelecer uma estabilidade política no seio da comunidade. Este equilíbrio se tece notadamente através de alianças matrimoniais e divisão de cargos de responsabilidade na liderança política. Porém, além disso, a reconstrução do território, da memória e das identidades dos grupos kaingang que moram hoje na T.I Kandóia está sendo agenciada principalmente pelas mulheres da comunidade que mobilizam a trajetória de vida de outras duas mulheres, já defuntas, que pertenceram a cada uma das fações mencionadas anteriormente: Maria Keso Kandóia, a iniciadora do movimento de retomada, ligada ao tronco familiar Kandóia, e Madalena De Paula, uma kujà (liderança política-espiritual) oriunda de um grupo familiar que foi expulso do Toldo Ventarra quando fora extinto. A kujà, junto com sua família, foi então obrigada a se instalar no Toldo Votouro, onde teceu novos vínculos com o território a partir dos conhecimentos dos seus kofá (antepassados). Através de este work etnográfico, pretendemos entender como se (re)constroem hoje na T.I Kandóia, as relações dos Kaingang com seu território – sendo que a maior parte deste segue sendo invadido por fazendeiros - a partir por um lado, da restauração da memória de essas duas mulheres, cujos ensinamentos respectivos permeiam as ações quotidianas de novas lideranças, possibilitando assim um fortalecimento da luta pela terra e, por outro, do compartilhamento do sofrimento relacionado com uma constante perseguição política e com processos violentos de apagamento das marcas territoriais e fontes documentais sobre a história dos Kaingang na região.
A rede e as lutas das mulheres indígenas do Baixo Tapajós
Autoria: Luana da Silva Cardoso (UFPA - Universidade Federal do Pará), Luana da Silva Cardoso
Autoria: O processo de constituição de uma mulher indígena enquanto liderança produz contradições, conflitos sociais e pessoais e redefinição de relações de poder nos universos sociais em que ela transita. Assim, proponho reflexões sobre os processos de mediação social, construção da autoridade acadêmica/militante e estratégias políticas em uma interpretação analítica sobre a identidade da mulher indígena, parte da minha vivência junto à história de vida de mulheres que atuam como lideranças. A abrangência dessa atuação é marcada pelo início da organização do Departamento de Mulheres Indígenas na região do Baixo Tapajós, pelas trocas e contribuições com as diversas perspectivas sobre o movimento, contrapondo e/ou convergindo com o papel político (militância) das principais lideranças femininas que atuam na mobilização e no enfrentamento à violência, em defesa da vida e de seus territórios indígenas. Somos parte da história de (re) existência do Brasil.
Aliança e parentesco kiriri na “luta pela terra” em Caldas/MG
Autoria: Fernanda Borges Henrique (UNICAMP)
Autoria: No ano de 2017 dezesseis famílias kiriri vindas do município de Muquém de São Francisco, região Oeste da Bahia, ocuparam uma área de aproximadamente trinta e nove hectares no bairro rural Rio Verde, município de Caldas, no Sul de Minas Gerais. A área ocupada pelas famílias indígenas, todas parentes entre si, que impulsionadas por um conflito local deixaram a aldeia de Barra, no Oeste baiano, possui trinta e nove hectares e tem como seu proprietário legal o estado de Minas Gerais. Os Kiriri não reconhecem o estado mineiro como legítimo dono da terra ocupada e, através da Ciência, um ritual realizado e meio à mata, entraram em contato com o verdadeiro dono da área: um antigo índio Tapuia que, após a morte, teve suas terras apoderadas pelo estado. O Tapuia permitiu que os Kiriri ali estabelecessem morada em troca de cuidar das matas e nascentes de sua terra. O estado mineiro, através de seus agentes que lembraram, em diversas ocasiões, que “esses índios não são de Minas Gerais”, expediu, entre os anos de 2017 e 2018, três liminares de reintegração de posse para a ocupação de terra do Rio Verde, sendo uma delas responsável pela ida dos Kiriri para Patos de Minas, região do Triângulo mineiro, onde passaram dois meses. Antes de saírem do Rio Verde, os Kiriri, que se intitulavam povo Kiriri de Caldas, após participarem intensamente de eventos realizados na comunidade durante a “semana santa” de 2018, disseram que, diante da acolhida dos moradores locais, a partir de então se autodenominariam povo Kiriri do Rio Verde. O retorno para o Sul de Minas se deu com a ajuda de moradores do bairro rural, sobretudo aqueles ligados à igreja católica local, que disponibilizaram ajuda financeira e um caminhão para trazer os pertences das famílias de volta ao Rio Verde, além de afetos manifestos em ligações telefônicas enquanto estavam na região do Triângulo mineiro, e no compromisso de manter a área como foi deixada pelos Kiriri até que as famílias retornassem ao local. Quando voltaram para o Sul mineiro, os Kiriri disseram que dali não sairiam mais, já que aquela era uma terra verde - categoria êmica utilizada por meus interlocutores para descrever a área ocupada. A partir de então, para permanecer na terra desejada, as famílias indígenas iniciaram uma empreitada para consolidar alianças no que chamam de luta pela terra. Nesse sentido, este work busca refletir como as famílias indígenas do Rio Verde têm conseguido permanecer na terra verde a partir da produção de parentes e de relações de aliança firmadas entre aliados humanos e não-humanos na aldeia e além dela.
Análise dos processos de territorialização de dois povos indígenas guaranis de Corrientes: Yahaveré e Mboi kúa
Autoria: Ayalen Morales Michelini (UNNE)
Autoria: Nesta apresentação, proponho compartilhar alguns avanços de uma pesquisa antropológica em andamento correspondente à minha tese de mestrado. Nele, meu objetivo é caracterizar o processo de territorialização dos grupos indígenas de Corrientes, levando em consideração, no momento, os povos guarani de Yahaveré (Concepción, Corrientes) e Mboy Kúa (San Miguel, Corrientes). Com estatuto legal em 2013 (Yahaveré) e 2015 (Mboi Kúa). Por isso pretendo, por um lado contextualizar histórica e politicamente o processo de territorialização. Nesse contexto, considero pertinente divulgar os diferentes eventos e atores / agências envolvidos no processo e, por outro lado, levar em consideração o arcabouço jurídico que contempla os povos indígenas na Argentina após a reforma constitucional de 1994 e o consequentes leis criadas a partir dele. Por outro lado, procuro voltar às primeiras situações do work de campo, a fim de analisar, por um lado, as diferentes concepções de origem que cada um dos grupos adota, em diálogo com os processos de produção acadêmica da população histórica da região. Por outro lado, busco enfatizar os marcadores étnicos que cada um dos grupos explicita nas entrevistas, como parte do processo de produção da identidade e como eles conflitam com esses agentes não indígenas (residentes, turismo internacional, governos, municípios etc.).
Discutindo os deslocamentos que constituem a unidade do agrupamento familiar extenso dos Guarani Nhandewa na Tekoa Ywy Porã
Autoria: Patrícia Carola Facina (UFPB - Universidade Federal da Paraíba), Dra. Mércia Rejane Rangel Batista
Autoria: Agrupamentos familiares Guarani Nhandewa ocuparam tradicionalmente um território no norte do Paraná, onde hoje localiza-se o município de Abatiá. Nesta localidade foi instalado, por volta de 1932, o Posto de Atração Krénau pelo então Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Decorrido alguns anos da existência do Posto ocorre uma epidemia de febre amarela, o que levou sua extinção e ao deslocamento desses indígenas para outros territórios. Segundo os registros e relatos, podemos dizer que majoritariamente as famílias Guarani Nhandewa se fixaram em uma terra, a cerca de 12 km do Posto, que veio a ser denominada de Terra Indígena (T.I) Laranjinha. Após décadas, em 2005, famílias Guarani Nhandewa moradoras na T.I Laranjinha realizaram a ação identificada por eles enquanto a retomada das terras do Posto Velho, sendo, após a ação, rebatizado com o nome de Tekoa Ywy Porã (Aldeia Terra Bonita). Nos propomos a partir da pesquisa realizada analisar os deslocamentos constituídos pela situação colonial (BALANDIER, 2014) sobretudo em duas situações: a colonização do norte do Paraná e a atuação do SPI. A partir destas situações, e sobretudo da retomada, temos como objetivo neste work discutir a formação do atual agrupamento familiar extenso da Tekoa Ywy Porã, percorrendo com isto as trajetórias territoriais e as experiências vividas por estas famílias que antecederam a formação desse agrupamento familiar extenso. Destacamos que uma das famílias extensas Guarani Nhandewa, vivia na T.I Pinhalzinho e teve suas vidas marcadas pela situação de “viver em fazendas” no final da década de 1980 e início de 1990, experiência que marcou o processo identitário deste agrupamento e que, com a saída das fazendas, através do acionamento de outro agrupamento, passou a morar na T.I Laranjinha, tendo enfrentado processos de questionamento sobre a pertença indígena. Consideramos que estas trajetórias, vivenciados com sua parentela, levou ao acionamento e elaboração de novas articulações étnicas, ampliando suas redes de parentesco e desencadeando na configuração que se expressa atualmente na formação do agrupamento familiar extenso da Tekoa Ywy Porã. Ressaltamos ainda que, após a retomada, identificaram a possibilidade de um viver bem com seus parentes, enfrentando novos desafios em torno da reelaboração cultural Guarani Nhandewa, que vem sendo explicitadas por meio das tensões em torno das expectativas sobre casamentos interétnico em oposição aos chamados casamentos mistos, dentre outras situações. Como fio condutor destas discussões nos utilizamos da conceituação de situação histórica, proposta por João Pacheco de Oliveira, como meio de explicitar os atores que são acionados nestes processos de territorialização e reelaboração cultural.
Do deslocamento forçado ao Território Ribeirinho: o direito ao retorno ao rio Xingu
Autoria: Ana Alves De Francesco (Unicamp)
Autoria: Em meados de 2015 os moradores das ilhas e margens do rio Xingu foram expulsos de seu território para dar lugar ao reservatório principal da usina hidrelétrica de Belo Monte. As casas foram demolidas, a vegetação cortada, as ilhas alagadas. O deslocamento forçado provocou dispersão social, ruptura econômica e violação de direitos que, associados às transformações ecológicas e espaciais, resultou na perda dos territórios tradicionalmente ocupados e na interrupção do fluxo normal da vida. Minha proposta é discutir como, neste contexto, os ribeirinhos acionaram as redes sociais preexistentes e colocaram em movimento uma estratégia de resgate e fortalecimento de sua memória e identidade coletivas que serviram de alicerce para a constituição de um Conselho Ribeirinho, cujo principal objetivo é garantir os direitos territoriais das famílias deslocadas. Descrevo as estratégias de resistência colocadas em prática pelo Conselho Ribeirinho, sobretudo o reconhecimento social das famílias e a construção de uma proposta de reparação que garantisse seu retorno para as margens do Xingu e a continuidade de seu modo de vida. Procuro refletir como os dispositivos do deslocamento anteriormente usados pelo estado e o setor privado, como reuniões, listas e mapas, foram incorporados e subvertidos em tecnologias políticas de resistência que se mostraram eficazes para o fortalecimento de uma organização social que resultou, no âmbito do processo de licenciamento ambiental da UHE Belo Monte, na inclusão do Território Ribeirinho, como condição legal para o funcionamento da usina.
Experiências de work e deslocamentos geracionais de uma família quilombola na região do pampa gaúcho
Autoria: Vanessa Flores dos Santos (Incra)
Autoria: Esta apresentação tem por objetivo expor uma reflexão com base em pesquisa de caráter etnográfico realizada junto a pessoas e famílias que atualmente compõem o quilombo do Rincão da Faxina, situado no município de Piratini, no Rio Grande do Sul (RS). Busca-se elucidar aspectos da memória familiar e comunitária através das narrativas de duas gerações de uma família negra e quilombola. Da perspectiva intergeracional, intenta-se a reconstituição de experiências laborais de longo prazo de trabalhadores(as) rurais negro(a)s na região do pampa gaúcho. Os desafios empreendidos por essa família extensa apontam para processos mais amplos como, por exemplo, as mudanças na matriz produtiva regional e as condições laborais vivenciadas e marcadas nos corpos com a chegada de novos projetos de desenvolvimento à região de Piratini e na metade sul do RS. Por sua vez, os deslocamentos geracionais acionam relações territoriais “vivas”, tessituras afetivas e projetos de vida a partir das especificidades do lugar (ESCOBAR, 2015). Por fim, a autoatribuição coletiva enquanto comunidade remanescente de quilombos vislumbra novos investimentos familiares a uma terceira geração de jovens quilombolas que recentemente vêm acessando a política de ações afirmativas para acesso ao ensino superior.
Organização doméstica, gênero e habilidades técnicas: um estudo entre grupos domésticos na Paraíba
Autoria: Marianna de Queiroz Araújo (Doutoranda)
Autoria: A presente proposta focaliza atividades domésticas voltadas a transações técnico-econômicas, desenvolvidas por mulheres Potiguara no interior de ambientes diversificados, sendo estes partes constitutivas do território habitado por estes indígenas. Tais atividades são o resultado de escolhas e estratégias organizadas para atender às necessidades de grupos domésticos (grupos familiares de pelo menos três gerações), conformando propriamente uma ecologia doméstica. Os processos técnicos que resultam dessa ecologia estão centrados nas experiências individuais e coletivas em manguezais, várzeas e resquícios de Mata Atlântica, bem como em contextos urbanos, permitindo o desenvolvimento de habilidades e a aquisição de saberes sobre técnicas e materiais bastante diversificados, a partir do aprimoramento de um conhecimento tradicional local (Ingold e Kurttila, 2000) que lhes permite associar de modo eficaz materiais de origens diversas. A compreensão de base é a relevância de explorar um aspecto como o desenvolvimento das habilidades técnicas em mulheres e sua importância para a reprodução do grupo doméstico, além de entender como são construídas as estratégias de obtenção e uso de recursos. Palavras-chaves: ecologia doméstica, gênero, habilidades técnicas, indígenas potiguara.
Patrimônio cultural, território e identidade: O caso da Comunidade do Porto do Capim.
Autoria: Helena Tavares Gonçalves (aluna)
Autoria: Essa comunicação diz respeito às reflexões suscitadas por meio de pesquisa de campo junto aos moradores da Comunidade do Porto do Capim, localizada no centro histórico da cidade de João Pessoa/PB, em relação à luta em defesa do território. A questão que norteia a discussão é procurar compreender como a luta em defesa do território desencadeou processos, relações e sentimentos de pertencimento identitário dos moradores enquanto comunidade tradicional ribeirinha e como patrimônio vivo do centro histórico. Ao longo vinte anos os moradores locais convivem com a ameaça de remoção de suas residências em função de projetos de revitalização encabeçados por órgãos públicos nas instâncias federal, estadual e municipal sob a justificativa da recuperação ambiental e do patrimônio cultural. A partir de 2013, por meio do PAC Cidades Históricas, os moradores viram seu direito ao território mais uma vez ameaçado em função da aprovação de projetos que tinham por objetivo a recuperação do patrimônio cultural, por meio da remoção das 500 famílias que vivem na região. Essa conjuntura provocou a organização política dos moradores e a construção de redes de colaboradores externos. Nesse contexto surge a Associação de Mulheres do Porto do Capim, grupo que representa as reivindicações dos moradores nas instâncias de negociação política. As articulações tecidas entre a associação e colaboradores externos resultou na abertura de Inquérito Civil Público, que visava, por um lado, denunciar a violação de direitos humanos em curso e por outro fomentar campos de diálogo e negociação entre poder público e os moradores do Porto do Capim. No decorrer desse processo a comunidade foi reconhecida enquanto tradicional e ribeirinha via Parecer Técnico Antropológico (n. 03/2015 MPF/SR-PB)). Na tentativa de conquistar o reconhecimento enquanto ocupantes legítimos de um espaço protegido pela lei de tombamento que incidem sobre o patrimônio cultural edificado, os moradores do Porto do Capim recorrem ao reconhecimento de suas tradições, num processo de “tomada de consciência” (Arruti, 2004), o grupo assume a ideia de cultura viva, onde a dimensão da mudança pode fazer parte da coisa preservada, estabelecendo novos entendimentos sobre o patrimônio cultural local. Ao reivindicarem uma identidade tradicional, passam a operar também como tradutores de seus modos de vida. Aqui a cultura torna-se objeto de ação política, onde a noção de pertencimento é acionada por um conjunto de lembranças que estão conectadas às necessidades do tempo presente (Hall, 2006), fazendo com que a noção de identidade esteja conectada às formas pelas quais o grupo passa a ser externamente representado a partir de lógicas de natureza jurídica, política, social, econômica, ambiental.
Resistir é preciso! A experiência de coletivos indígenas frente ao avanço do agronegócio na Amazônia
Autoria: Katiane Silva (UFPA - Universidade Federal do Pará), José Moisés de Oliveira Silva
Autoria: Este work visa apresentar reflexões preliminares sobre pesquisa de campo realizada na região conhecida como Planalto Santareno, Baixo Amazonas, no município Santarém (PA), a respeito dos modos e sentidos de resistência dos indígenas Munduruku ao avanço do agronegócio. Esta proposta tem como foco a atuação de indígenas e aliados contra os efeitos nocivos da exploração indiscriminada dos recursos naturais da Amazônia, pensando a atuação dos indígenas a partir da noção de situação histórica, tendo como recorte temporal o período entre 2010 e 2019. Neste caso específico a ser estudado, trata-se da análise sobre as transformações territoriais pelas quais agentes externos vêm imprimindo à região (exploração da borracha, pasto e soja) e as lutas históricas dos indígenas a estes processos. Neste texto, o foco será dado aos casos de resistência à monocultura da soja que vem se expandindo desde o início doas anos 2000. Tal empreendimento é estimulado pelo Estado brasileiro como parte do projeto político de formação da Nação. O território Munduruku é composto por quatro aldeias que fazem fronteira fazendas de cultivo de soja e territórios quilombolas. Esta região está localizada nas proximidades da Fazenda Taperinha (engenho escravista administrado por na segunda metade do século XIX por um confederado oriundo do sul dos Estados Unidos) e entre a Rodovia Estadual Santarém-Curuá-Una, PA 370 e o lago Maicá (situado no Baixo Amazonas), uma importante fonte de recursos naturais, de reprodução cultural e cosmológica para a população local e que é visada por multinacionais para escoamento de produção de commodities. A expansão dessa fronteira agrícola no Planalto Santareno se intensificou com o estabelecimento de um porto administrado por uma empresa multinacional, que escoa grãos para o mundo, via BR-163 e o pelo terminal graneleiro construído pela empresa entre 1999 e 2003. A partir disso, as aldeias do território indígena do Planalto têm sido pressionadas, a paisagem local foi drasticamente modificada e a saúde da população está em risco, pois o veneno empregado no cultivo da soja destrói as roças, as nascentes de igarapés e rios, deixando um rastro de doenças. A partir do contexto histórico e social observado no campo, pretendemos examinar as condições sociais e históricas da luta e focalizar os indígenas que participam dos coletivos, seus engajamentos, desafios e conquistas nos enfrentamentos ao quadro político atual e nossa principal pergunta de pesquisa é: como os Munduruku se organizam frente ao violento processo de esbulho territorial capitaneado pelo Estado.
“É de família, é tradição”: território e organização social entre os Xukuru-Kariri no agreste alagoano
Autoria: Wemerson Ferreira da Silva (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: O work apresenta os resultados de uma pesquisa de mestrado recém-concluída que analisou aspectos das organizações territorial e social dos Xukuru-Kariri que habitam o agreste de Alagoas. Em vez de centrar-se na fronteira étnica, a reflexão partiu das unidades familiares que compõem essa coletividade indígena, atentando para as suas diferentes trajetórias e para as relações que elas entretecem cotidianamente, entre si e com atores não indígenas. Tais famílias organizam-se como grupos domésticos e compõem específicas “comunidades políticas locais” nas aldeias Xukuru-Kariri. Como foi possível concluir, são essas famílias os alicerces da identidade étnica e os princípios de organização social mais operativos no cotidiano dos indígenas em foco, de um ângulo simultaneamente educacional, econômico e moral. Baseado em dados etnográficos produzidos em 2017 e 2019, buscarei, por um lado, demonstrar como os "conflitos de família" que marcam o relacionamento dessas unidades sociais podem ser catalisadores de processos de “dinâmica territorial”, levando à realização de "retomadas de terra" e à criação de novas aldeias; por outro lado, considerando a importância que essas famílias assumem no que diz respeito tanto à indução da cultura entre seus integrantes, quanto no que se refere ao controle das experiências deles, refletirei sobre como elas dão vida a específicas "tradições familiares" e a específicos “projetos étnicos”, isto é, diferentes compreensões dos caminhos que foram, são e devem ser trilhados pelos Xukuru-Kariri.
“Toda essa Fazenda é assombra”: as agências das assombrações entre quilombolas em contexto de luta territorial.
Autoria: Claudivan Silva Soares (INCRA)
Autoria: A proposta desta apresentação é expor um dos resultados parciais da dissertação de mestrado em antropologia (em andamento), sobre os processos identitários dos quilombolas de Jequitibá, do município de Mundo Novo, Bahia. Jequitibá é uma comunidade que recebeu o reconhecimento oficial da sua autodefinição como quilombola no ano de 2016, e demanda do Estado, desde 2017, a titulação do território quilombola. Os quilombolas vivem um conflito de terras com os padres e monges católicos administradores do Mosteiro de Jequitibá, representantes da Fundação Divina Pastora, hoje proprietária do imóvel que se sobrepõe ao território reivindicado pelos quilombolas. Para esta apresentação, tratarei especificamente das agências das assombrações que perturbam agentes humanos na comunidade de Jequitibá, compreendendo as narrativas dos quilombolas sobre tais agências como um aspecto da diacriticidade identitária articulada pelos quilombolas. As agências das assombrações, tratadas como diacríticos - ou seja, no sentido de Fredrick Barth, sinais diferenciadores que um grupo escolhe para traçar uma fronteira social diante de outro grupo - compõem, então, a dinâmica identitária e autopercepção do grupo enquanto comunidade quilombola em um contexto de luta territorial. O conhecimento inicial desse pesquisador sobre essas narrativas se deram durante os dias introdutórios em campo, ainda como antropólogo a serviço do INCRA, quando alguns jequitibaenses me narravam espontaneamente e frequentemente, como algo que o antropólogo deveria ouvir e se interessar, ocorrências de assombrações que perturbam as pessoas por toda a Fazenda Jequitibá. Essas agências foram apresentadas como algo tão localmente específico que no momento que eu cheguei na casa de lideranças locais para me instalar, me foi dado um banco para sentar e passaram a narrar intensamente diversos casos. Vê-se que em Jequitibá, os quilombolas elegem, entre outros elementos, as assombrações e suas perturbações como elemento marcador do grupo, sobre as quais as narrativas o antropólogo do INCRA deveria ouvir para elaborar o relatório que poderia ajudar a garantir a existência deles no território reivindicado.
Demarcações territoriais e identitárias no campo brasileiro: A identidade Sem-Terra em perspectiva.
Autoria: Karoline Beatriz Oliveira Barroso (UFPA - Universidade Federal do Pará), Carla Wanessa Oliveira da Silva
Autoria: Considerando que a construção da identidade é tanto simbólica quanto social, a terra representa para classe campesina além de espaço de work, o local de produção simbólica e cultural, logo, o processo de desenraizamento desta classe configura-se como situação limite da estrutura capitalista, os conflitos territoriais no campo brasileiro o tornam, de fato, um campo de batalha de interesses irreconciliáveis que produzem uma demarcação tanto territorial quanto identitária. Este work visa compreender o processo de construção da identidade sem-terra a partir da relação entre o camponês e a terra no Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). Buscou-se discutir o deslocamento do conceito de identidade do campo conceitual para o campo político, analisando a dinamicidade e a utilização de sistemas representacionais para militância política. As etapas da pesquisa consistem em revisão bibliográfica e entrevista semiestruturada, investigou-se as mudanças de significação do conceito de identidade e o cenário do campo brasileiro. Analisamos trajetória de vida de um integrante do MST, escolhido pelo tempo de militância, compreendendo a utilização dos símbolos e princípios organizativos do MST na formação da identidade coletiva de resistência, as informações foram coletadas a partir de entrevistas, que conciliaram relatos orais de histórias de vida com perguntas. Ademais, foi utilizado o material presente no site oficial do MST, analisando fotos e textos produzidos pelos sem-terra. Os sistemas representacionais utilizados vão desde hinos, poemas e cantigas criadas pelo MST aos objetos utilizados para representá-los, o camponês tem sua figura ligada ao facão, enxada e afins enquanto as máquinas ao latifundiário, o grande capital. Assim, destacamos o caráter relacional da identidade, que é afirmada a partir da existência do outro, como afirma Kathryn Woodward, os sistemas simbólicos atribuem sentido à experiência das divisões e desigualdades sociais a forma que alguns grupos são excluídos e marginalizados. Através do relato obtido constatamos que o espaço do acampamento configura-se para além de local de work e cultivo, é o ambiente de convivência e produção cultural que exerce seu papel enquanto local de resistência política e cultural. Em síntese, o MST é produto da necessidade de organização de uma classe marginalizada dona de uma cultura própria e um relacionamento com a terra que diverge da lógica da estrutura vigente. A construção de uma identidade de resistência localiza-se historicamente como alternativa para a classe campesina, o sentimento de pertencimento e a necessidade de sobrevivência tanto física quanto cultural mesclam-se e desembocam na organização política pela defesa de direitos negligenciados, de uma cultura constantemente ameaçada.
Identidades familiares e lideranças femininas na luta pela terra dos Xukuru-Kariri em Palmeira dos Índios – AL
Autoria: Júlia Maria Correia Paredes (UFAL - Universidade Federal de Alagoas)
Autoria: A reorganização das famílias Xukuru-Kariri após o segundo processo de territorialização (OLIVEIRA, 2004) no município de Palmeira dos Índios (AL) propiciou a criação da aldeia Fazenda Canto, espaço reconhecido como território indígena em 1952. Essas famílias, que desde a extinção do Aldeamento de Palmeira dos Índios em 1872 viviam em lugares diferentes e sob condições e realidades distintas umas das outras, passaram a ocupar e dividir o mesmo espaço. A noção de territorialização é definida como um processo de reorganização social que implica na criação de uma nova unidade sociocultural, movimento pelo qual as comunidades indígenas vêm a se transformarem em uma coletividade organizada, formulando uma identidade própria, instituindo mecanismos de representatividade, e reelaborando aspectos culturais. A história da aldeia Fazenda Canto, desde 1952 até os dias de hoje, conta com a presença de figuras de lideranças política e religiosa que conduzem e organizam as reivindicações do povo Xukuru-Kariri e que participam da rotina da comunidade, sendo responsáveis pelo fortalecimento do pertencimento étnico por fomentarem a importância das lutas pelos espaços e direitos dos Xukuru-Kariri e da perpetuação de suas práticas culturais. Com um enfoque direcionado às figuras representativas nos âmbitos político e religioso nas aldeias Fazenda Canto e Fazenda Jarra (área de retomada conquistada em 2017), este work busca analisar os princípios organizacionais do grupo, dando especial atenção às identidades familiares e às relações de gênero. A pesquisa assentou-se em pressupostos qualitativos. Desse modo, os dados são resultantes de observações em espaços organizativos, de conversas informais e entrevistas com mulheres Xukuru-Kariri que estão envolvidas em mobilizações políticas, bem como com mulheres chefes de família e com uma liderança religiosa. As lideranças políticas e religiosas são referenciadas nas comunidades e enaltecem, através de suas ações, a identidade étnica Xukuru-Kariri com suas expressões e manifestações culturais que se tornaram sinais diacríticos (BARTH, 1969), fortalecendo o sentimento de pertencimento identitário, e enfatizando a importância de perpetuar as lutas pela garantia dos direitos indígenas. O povo Xukuru-Kariri tem mulheres que contribuíram sensivelmente à luta pela terra em sua história, referências notórias até mesmo nacionalmente, cujas memórias e trajetórias pessoais são largamente respeitadas. Buscou-se compreender como se estabelecem as lideranças femininas na comunidade a partir das relações no ambiente familiar, a formação da líder religiosa e da líder política, cuja atuação no grupo se destaca por serem detentoras de específicos conhecimentos.