GT 61. Novas Epistemologias E Perspectivas No/Do Fazer Antropológico

Coordenador(es): 
Edilma do Nascimento Jacinto Monteiro (UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Angela Maria de Souza (UNILA)

Sessão 1 - Conhecimento em movimento, Corpo Negro e "Afroestratégias" na elaboração Antropológica.
Debatedor/a: 
Alexandra Eliza Vieira Alencar (UFSC)

Sessão 2 - Quem fala? Quem escreve? Os deslocamentos na produção de conhecimento.
Debatedor/a: 
Joziléia Daniza Jagso Inacio Jacodsen Schild (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina)

Sessão 3 - Confluências no fazer antropológico.
Debatedor/a: 
Maíra Samara de Lima Freire (UEPB - Universidade Estadual da Paraíba)

“Nós somos os outros, você é a menina preta do nordeste, e eu, o indígena do norte”. Visamos reunir neste espaço, estudos que abordem propostas de pesquisadores(as) que se deslocam deste lugar do outro e constroem uma narrativa de subjetividade implicada com epistemologias antropológicas, na construção das ciências humanas, a partir da perspectiva de sujeitos que existem em diferentes contextos que outrora foram locais centrais para a reflexão sobre alteridade. Hoje, estes contextos passam a ser locus participativo num processo de transformação social ocorrido na última década (Munanga, 2016; Gomes; 2012; Benites, 2018). Partindo da ideia de que os sujeitos que agora constroem suas propostas teóricas são pessoas que experenciaram seus cotidianos de vida nos contextos historicamente conhecidos como locais de “trabalho de campo” da antropologia brasileira. Visamos expandir o debate a partir das reflexões propostas por estes pesquisadores, partindo de suas produções, vivências e experiências em reflexões antropológicas. Objetivamos assim, construir espaços que fomentem o debate sobre novas epistemologias no fazer antropológico, como forma de expansão de suas lutas produções de conhecimentos e reivindicações por direitos, localizadas no campo acadêmico. A proposta é ampliar e aprofundar o debate sobre as produções e os intelectuais, traçando paralelos, num ponto de intersecção cruzado de pensar novas e outras perspectivas de ser intelectual na antropologia brasileira.

Palavras chave: Antropologia;Novas Epistemologias; Teoria Antropológica.
Resumos submetidos
"Japa do rap": perspectivas de uma existência hemisférica racializada
Autoria: Henrique Yagui Takahashi (OSU)
Autoria: Esta apresentação pretende realizar uma reflexão crítica a respeito da posição de sujeito-pesquisador racializado amarelo em relação aos estudos culturais latino-americanos. Parto do ponto de vista acadêmico enquanto pesquisador amarelo da cultura hip hop brasileiro a mais de dez anos. Em 2009, iniciei minha pesquisa a respeito do grupo de rap paulistano Racionais MC’s, no segundo ano de graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal de São Carlos. Durante este período era apresentado informalmente como o “japa do rap”. O uso do termo adicional “japonês” para “japonês de alguma coisa”, significa a incompatibilidade com qualquer aspecto relacionado à brasilidade ou, mais precisamente, à normalidade hemisférica do continente americano. Ou seja, busco apresentar o caráter colonial que relaciona identidade nacional e processo de racialização. Organizarei a análise sobre de minha perspectiva racializada enquanto pesquisador amarelo em três contextos de racialização distintas: o “japonês” no Brasil como o “japa do samba” e “japa do rap”; o “brasileiro” no Japão como operário de fábrica; e a mais recente com o início no programa de doutorado em estudos latino-americanos nos Estados Unidos. Neste último ponto, pretendo ressaltar o processo de racialização vivenciado enquanto um pesquisador amarelo estudando rap latino-americano, onde realizou pesquisa de campo em Cuba e no México. E também, a experiência enquanto editor assistente da revista ¿Qué Pasa, OSU? da Universidade Estatal de Ohio voltada para a comunidade latinx. Esta apresentação busca realizar uma reflexão teórica e existencial sobre a identidade racializada a partir de uma reflexão sobre uma experiência racializada amarela que não se enraíza à identidade latino-americana dominada pela branquitude. Logo, me utilizo de minha própria experiência racializada em três contextos culturais e identitários distintos: “japonês” no Brasil, “brasileiro” no Japão” e latino-americano não-latino nos Estados Unidos. A partir daí busco fazer uma reflexão da identidade latino-americana em contexto hemisférico longitudinal-latitudinal. De modo a apresentar, uma perspectiva intelectual partindo do ponto de vista da amarelitude ou da imigrância ou, mais radicalmente, da alienidade (alienness).
A gestão de si no fazer antropológico: refletindo os desafios de fazer pesquisa em um campo perigoso
Autoria: Antonio Leonardo Lopes e Silva (UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Autoria: Partindo do work de campo desempenhado no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, busco refletir os desafios que a pesquisa colocou em meu caminho. Ao debruçar-se sobre o campo da prostituição e envolver-se afetivamente com as histórias e relatos pessoais de quem usa o corpo como garantia de vida, expondo-se aos mais variados riscos que a rua oferece, em termos de violência e conjugo da circulação de poder, tende-se a acreditar que é quase impossível fazer antropologia nesses espaços, em detrimento dos perigos e riscos que tal campo impõe ao ofício. Como continuação de uma pesquisa realizada em outro bairro da cidade, a Cinelândia, foi possível observar a estruturação de um “circuito do prazer”, cujo mote seria o de prover entretenimento de forma variada à população e atores sociais que ali frequentam, mas sempre com o foco no prazer envolvido pelos indivíduos, em termos de socialidade e interação. Agindo com lócus de análise sobre a prostituição michê (ou masculina), expandi o campo de atuação até a Lapa. Se a performance envolvida nos ritos de sedução e negociação com os clientes faz parte do jogo da prostituição, no caso dos michês e das travestis, as relações de gênero e poder se intensificam e se complexificam. Valendo-me da “observação participante” como estratégia primeira para identificar os atores políticos no campo, tive por interlocutor primário um ex-michê da Cinelândia que ascendeu socialmente graças às regras políticas impostas em um território na Lapa que denominei como “território do prazer”. Tal território-rede de cunho político é administrado por um policial militar que foi posto para gerenciar e administrar não apenas os ganhos financeiros, mas de coordenar ações e estabelecer contratos e parcerias locais tanto com o Tráfico, quanto com a Milícia. Esse viria a ser o momento mais complicado e perigoso do work de campo, pois tive de estabelecer contratos e regras foram estabelecidas a mim por esse policial, que se tornou o interlocutor secundário na pesquisa. A partir do exposto, viso construir uma narrativa sobre o que entendo por “gestão de si” em contextos e situações de perigo à que o(a) pesquisador(a) são submetidos durante sua inserção e ofício no work de campo. No ponto de vista epistemológico, a ação pessoal no campo em tela foi importante para a definição do quadro de análise, uma vez que se espera que o centro de uma cidade tenha marcas da modernidade, isto é, seja pelo sentimento cosmopolita, pela atitude blasé e pela impessoalidade. Dessa forma, pretendo contribuir ao meio acadêmico-científico com a minha inserção no campo e as estratégias adotadas para estabelecer contratos com atores estatais e não-estatais, em consoante acordo com as relações de poder e formas outras de observação.
A produção fotográfica na Bahia do seculo XIX e a cristalização de uma subalternidade dos corpos negros.
Autoria: Ismael Silva dos Santos (UFBA - Universidade Federal da Bahia)
Autoria: Tomando como referência a Antropologia Visual, neste artigo debruço-me, a partir de um olhar antropológico interpretativo, sobre a representação dos corpos negros na produção fotográfica na Bahia produzidas no século XIX. Assim, a proposta norteadora deste work é, sobretudo, uma imersão à estética: a construção e consolidação de uma ideia sobre esses corpos. O material iconográfico fonte de análise desta pesquisa foi coletado nos acervos da Biblioteca da Fundação Gregório de Matos e o Instituto Historio Geográfico da Bahia. Parto aqui da urgência de pensar sobre os impactos dessa memória na/para a comunidade negra, em especial no Estado da Bahia. Entre o oculto e o visível, essas imagens estão encarretadas de subjetividades e discursos. Assim, partindo das fotografias produzidas no século XIX, pretendo refletir e analisar a textualidade do imaginário do homem branco sobre corpos negros e sua consolidação discursiva calcada no racismo colonial escravista, na qual, por sua vez, invisibiliza e oculta sujeitos e subjetividades. Metodologicamente, a proposta investigativa ora apresentada se propõe a tensionar o espaço da imagem na pesquisa antropológica como o lócus etnográfico, proposta ainda pouco explorada no Brasil. Essa memória imagética nos afeta, mas que tipo de “afeto” suscita na comunidade negra? Quais sensações são potencializadas ao estar diante dessa memória? Nessas questões residem os desafios deste artigo – que dialoga entre o invisível e o oculto na compreensão de que é no corpo, na leitura feita sobre ele e no texto que reside nele, que o racismo toma forma.
Antropologia com parentes: "Você fica falando como se não fosse da família!".
Autoria: Ana Clara Sousa Damásio dos Santos (UFG - Universidade Federal de Goiás)
Autoria: Em pesquisa de campo realizada no primeiro semestre de 2019 em Canto do Buriti-PI me deparo com uma surpresa, a de decidir fazer campo com os “parentes”. Esse não era o roteiro inicial da pesquisa sobre curso de vida e envelhecimento em cidades pequenas. O interessante é o “Outro”, o de fora de casa, o distante e o do “outro” lado do oceano. O que os de dentro de casa teriam à oferecer para a pesquisa? Foi assim que em meio ao campo e virando a pessoa que teria que “tomar de conta” da minha avó, percebi que as de dentro de casa também poderiam ser interlocutoras, ou melhor, parentes-interlocutoras. Entretanto, estranhamentos éticos, metodológicos, teóricos e morais emergiram. Afinal, eu não fui ensinada a fazer a pesquisa com os de dentro de casa como “objetos” de interesse, mas e quando eu estou no centro desse “outro”? Na dualidade “eu” e o “outro” ou o “Nós” x “Eles”, a pesquisa com parentes na verdade embaralha e dissolve, em alguma medida, essa dicotomia. Por vezes estou trabalhando com o “nós”, por vezes, através de dinâmicas de estranhamentos e afastamentos poderia estar trabalhando com “eles” e “os outros”. Eu nem me dissolvia absolutamente na similitude/proximidade/ do “nós”, nem me associava totalmente com a diferença do “outro/eles”, esse jogo dependia das circunstâncias e de questões conjunturais. Assim, esse artigo pretende discutir as implicações de fazer pesquisa com parentes que “expiam”, “ajudam” e tem “direitos” sobre as histórias contadas e escritas. Essa também é uma antropologia de aproximação e não necessariamente de distanciamento, sendo a proposta última e primeira a proposição de novas categorias analíticas para a metodologia antropológica.
Dançar e ser dançada: corpos e saberes em cruzo no Brasil e em Moçambique
Autoria: Jaqueline de Oliveira e Silva (UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais)
Autoria: O subject desta tese é uma mulher-negra-pesquisadora. Olho para a especificidade do fazer antropológico enquanto mulher negra e falo sobre os questionamentos trazidos pelo fazer antropológico, especialmente quando arriscamos usar métodos que mobilizem o corpo, como a dança. Tese-encruzilhada, escrita na margem, no encontro entre os saberes do corpo, na África e no Brasil. O objetivo é pensar o que as experiências de pesquisa junto as práticas comunitárias de dança das mulheres makuas nos ensinam sobre o fazer antropológico, em cruzo com realidade de ser uma pesquisadora negra brasileira.
De morador a pesquisador: a participação observante em um bairro de expansão urbana de uma cidade de porte médio do interior do estado do Rio de Janeiro.
Autoria: Renan Assis (UVV - Universidade Vila Velha)
Autoria: Intenta-se nesta proposta uma discussão sobre o processo de realização de work de work de campo no bairro de Custodópolis, uma área de expansão urbana localizada na cidade de Campos dos Goytacazes – RJ. Trata-se de uma pesquisa vinculada a um work de doutoramento em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte-Fluminense Darcy Ribeiro. A proposta discutiu os estigmas sentidos pelos moradores do bairro ao circularem em outras áreas da cidade, sobretudo, na sede de formação do município, contígua à margem direita do rio Paraíba do Sul. Durante o work de campo realizado entre os anos de 2013 e 2015, em um espaço com o qual possuía alta familiaridade, me deparei com rotinas e situações que até então não me eram típicas, logo, me percebi apenas como uma parte do contexto que observava. Este aspecto foi importante para que eu pudesse acessar a complexidade que envolvia uma área periférica de treze mil habitantes. Fora do bairro eu era um morador, no seu interior, o neto do Seu Francisco. Este aspecto me levou à compreensão dos diferentes contextos de sociação que envolviam os rituais de interação presentes na vida cotidiana dos diferentes moradores que compunham aquele cenário. Além do work de participação observante realizado no bairro, a pesquisa contou ainda com a realização de vinte e duas entrevistas com moradores jovens e idosos, cuja orientação metodológica foi a história de vida. Esta me auxiliou na compreensão das diferentes perspectivas sobre aspectos rotineiros que envolvem a sociabilidade no bairro, e situações vivenciadas na fase inicial da ocupação do bairro por trabalhadores urbanos, nas décadas de 1950/1960. Os relatos dos “moradores antigos”, categoria local muito presente no bairro, me conduziam para o entendimento do modo como os primeiros habitantes vivenciavam situações de desqualificação ao circularem em espaços considerados nobres nas representações vigentes na cidade. Os jovens, ao acessarem instituições de ensino nas áreas consideradas nobres, se depararam com uma imagem do bairro desqualificada em comentários jocosos e works acadêmicos realizados. Esta interação dos jovens tem sido significativa para a crítica de imaginários genéricos criados sobre o local de moradia desses.
De objeto a sujeito de pesquisa: o confinamento racial da antropologia brasileira, ações afirmativas e a reação da branquitude
Autoria: Tiago Heliodoro Nascimento (UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais)
Autoria: Em artigo publicado no início de 2006, José Jorge de Carvalho apostava que a implementação de políticas de ações afirmativas nas universidades públicas brasileiras promoveria uma “revisão epistemológica radical” no ambiente dessas instituições (p.89). Para ele, diante de um histórico “regime completo de apartheid” (p.91), as cotas significavam um rompimento radical com “a lógica de funcionamento do mundo acadêmico brasileiro”, configurando um “reposicionamento concreto das relações raciais no nosso meio acadêmico” (CARVALHO, 2006, p.88). Em outras palavras, a política de reserva de vagas para pessoas negras e indígenas nas universidades colocava no lugar de produtores de conhecimento aqueles que sempre foram objeto de conhecimento do mundo acadêmico brasileiro. Neste work, a partir das minhas experiências enquanto estudante de graduação, mestrado e doutorado no curso de Antropologia e Arqueologia da UFMG, meu objetivo é refletir sobre as resistências a esse reposicionamento das relações raciais no meio acadêmico. Pretendo responder por que esse reposicionamento, longe de ser tranquilo e natural, tem se configurado num processo conflituoso e traumático, mesmo em disciplinas e pesquisadores teoricamente mais próximos desse tipo de reflexão. Tendo em vista a minha condição de estudante negro, cotista de graduação e de pós-graduação, destacarei desse percurso as experiências que considero mais relevantes para o estudo do processo de construção da política de ações afirmativas do programa de pós-graduação ligado àquele departamento, movimento iniciado em 2015, e do qual participei ativamente. Inspirado por Carvalho (2006), argumento que, a despeito de abrigar um sofisticado debate sobre o papel dos “outros” no desenvolvimento de novas epistemologias, o efetivo deslocamento do lugar de “outro” para o lugar de “sujeito” na Antropologia encontra barreiras na própria configuração racial do “topo” da carreira. Argumento também que, mais que a brancura, há muito comentada e admitida, um dos obstáculos ao surgimento de novas e outras perspectivas de ser intelectual na antropologia brasileira decorre de um certo compromisso com a branquitude (MAIA, 2017) – percepção desracializada da desigualdade brasileira, apego à meritocracia, resistência a nomear a raça e o racismo, indisposição para revisões de métodos, práticas e avaliações. CARVALHO, Jose Jorge. Confinamento racial do mundo acadêmico brasileiro. REVISTA USP, São Paulo, n.68, p. 88-103, dezembro/fevereiro 2005-2006. MAIA, Suzana. A branquitude das classes médias: discurso moral e segregação social. In: MULLER, Tânia M. P.; CARDOSO, Lourenço (org.). Branquitude: estudos sobre identidade branca no Brasil. Curitiba, Appris, 2017. p.107-123.
DENEGRINDO A ANTROPOLOGIA: Políticas Negras, Afroestratégias, Mandinga e o Drible Contra-Colonial
Autoria: Jade Alcântara Lôbo (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina)
Autoria: O presente work busca refletir sobre a construção de políticas teórico-metodológicas negras dentro da antropologia e os desafios que seus autores encontram. As políticas de ações afirmativas ampliaram as possibilidades da crítica negra dentro dessa disciplina, que desempenhou um papel crucial no processo de colonização e na arquitetura da colonialidade do poder. Mediante a este contexto, pode-se notar a repercussão de práticas impulsionadas pela desigualdade, que se conectam com o racismo institucional, tornando a academia um espaço de violência e de disputa de narrativas. A coreografia contra-colonial, essencialmente negra, tem como características primordiais a ação/movimento e disputa, ambas necessárias para não somente compreender a colonialidade, mas enfrentá-la. Para compor nossa análise, iremos adotar enquanto metodologia, o ensinamento de Nego Bispo, que nos convida a nos posicionarmos enquanto relatores de saberes de nossa comunidade negra e nordestina. Logo, a crítica contra-colonial aqui apresentada, faz parte do acumulado de saberes negros de nossos mais velhos, familiares e/ou educadores, aqui compreendidos enquanto intelectuais da diáspora negra.
Desontologizar e contra colonizar a antropologia por meio de uma perspectiva negra
Autoria: Luiz Carlos Silva dos Santos Junior (UFBA - Universidade Federal da Bahia)
Autoria: Nessa apresentação, vou propor um convite à Antropologia para tentarmos fugir/sair dos mecanismos de enclausuramento epistemológico. Ou seja, minha tentativa é demonstrar como a Antropologia canônica, ao longo do tempo, apesar de todos os giros reflexivos, ontológicos e pós-coloniais, ainda não foi capaz de livrar-se da ontologia ocidental, calcada nos padrões do hileomorfismo que não possibilita pensarmos uma prática antropológica sem a dualidade: antropólogo e nativo. Interessante ressaltar, que faço essa análise enquanto ocupo minha posição de antropólogo e negro e por essa razão, quero discutir como uma epistemologia afrodescendente ou o “afroperspectivismo” pode contribuir com a proposta de desontologizar a disciplina. Nessa intenção de desdisciplinar, convoco referenciais contra hegemônicos que tem contribuído com a pluralização das praticas antropológicas e que em resumo tratam da contra colonização e da negritude a partir do giro ontológico. De pano de fundo, tentarei analisar minha atuação como antropólogo negro em campo, em relação com os afrochilenos e demonstrar o que tenho aprendido nos últimos 3 anos.
Entre a margem e o centro: narrativas etnográficas de uma antropóloga negra e periférica
Autoria: Mona Lisa da Silva (UFBA - Universidade Federal da Bahia)
Autoria: Ao decorrer de sua consolidação, a antropologia passou por mudanças teóricas, metodológicas, paradigmáticas e de foco de estudos. Assim, saiu de estudos voltados para os povos tidos como “tribais ” e “primitivos” para o estudo da constituição do mundo moderno e da sociedade contemporânea. Antropólogos passaram a estudar suas próprias sociedades e grupos (sociais, étnicos e identitários) e diversas críticas a própria antropologia e ao fazer etnográfico foram tecidas. Agora o “Outro” não é mais aquele ser distante, coisificado e visto apenas como objeto de pesquisa; ele é sujeito, protagonista e produtor de novas epistemologias e narrativas contra hegemônicas. Face ao exposto, neste work buscou-se refletir sobre o fazer antropológico a partir da perspectiva do sujeito que sai da margem para o centro – neste caso a antropóloga negra, pobre e periférica – e busca se construir enquanto intelectual negra produzindo conhecimento em uma arena onde sistematicamente os discursos de intelectuais negras/os são invalidados e tidos como menos científicos, nos ajudando a pensar sobre a relação entre academia e negritude.
O lugar de escrita e o lugar de fala – as narrativas de testemunho e a virada antropológica
Autoria: Elaine Rodrigues Perdigão (FACESGRANRIO - Faculdade Cesgranrio)
Autoria: Este work aborda duas obras consideradas como narrativas de testemunho a fim de discutir sobre a perspectiva situada na antropologia. Objetiva-se com o estudo compreender como os sujeitos – antropólogos ou não – estão identificando os problemas e desafios de suas culturas e como estão esboçando isso em narrativas antropológicas de cunho fortemente autobiográfico. Quarto de Despejo (JESUS, 1960) e Me llamo Rigoberta Menchú y así me nació la consciência (MENCHÚ, 1983) suscitam reflexões e retratam situações históricas que ultrapassam a perspectiva do indivíduo. O seu valor reside menos na experiência individual que desejam relatar do que a possibilidade de pensar e refletir sobre modos de vida, situações de opressão e miséria relacionados ao ponto de vista do nativo. Os testemunhos visibilizam um relato não mais vinculado à observação e a interpretação do outro, no caso o pesquisador. Se os espaços de fala e de escrita dos sujeitos subalternos são reivindicados, não seria o caso de nos questionarmos sobre os espaços de onde fala o intelectual? (SPIVAK, 2010). Os discursos dessas mulheres nos ajudam a relativizar a vantagem epistemológica do discurso do pesquisador em detrimento do discurso do nativo e/ou informante. Em ambos os testemunhos, o tom predominante autoral, autobiográfico lança luz sobre outros textos, incluindo os antropológicos. Esses relatos nos dizem que aqueles que seriam nossos nativos possuem, também, a autoridade de dizer por eles mesmos (VIVEIRO DE CASTRO, 2002). A perspectiva situada, fundada na primeira pessoa, nos habilita para uma revisão crítica acerca das produções antropológicas que se valeram da representação sobre o outro para, em seu lugar, privilegiar o discurso de pessoas oprimidas. Emerge, assim, uma nova produção acadêmica, cuja pauta possibilita a formação de um pensamento “capaz de refletir um ponto de vista especial" (HILL COLLINS, 2016, p. 99). Privilegiando essas outras formas de expressões e narrativas, podemos avaliá-las como instrumentos heurísticos poderosos para uma abordagem polifônica (onde estão inclusas outras falas e discursos) nos/dos processos sociais. Por fim, propõe-se refletir sobre um sentido de uma antropologia situada, que se pretende desviada de um discurso hegemônico de poder.
O que o corpo sente: notas comparativas sobre o racismo anti-indígena e anti-negro latino-americano na experiência de duas pesquisadoras racializadas
Autoria: Camila Daniel (UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), Ketty Aire Laureano
Autoria: Este work tem como objetivo analisar de forma comparativa as maneiras como o racismo anti-negro e anti-indígena se manifesta transnacionalmente entre brasileiros e peruanos na experiência de duas pesquisadoras racializadas, uma brasileira negra desenvolvendo work de campo com peruanos no Brasil e nos Estados Unidos, e uma peruana quechua wanka pesquisando imigrantes andinos no Brasil. Nas negociações entre Brasil e Peru, as pesquisadoras se deparam com olhares, comentários e manifestações corporais de rejeição ou de exotização que revelam as múltiplas formas do racismo velado (Gonzalez, 1988) na América Latina. A partir do seu encontro, elas desenvolvem uma análise comparativa que lhes permite desafiar a mestiçagem etnocida (Segato, 2010) que insiste em ignorar o racismo como estrutura de poder que impõe a racializados - como negros e indígenas -, o lugar de subalternidade, revelando a atualidade da ferida colonial (Kilomba, 2019). Realizaremos esta análise a partir de nossos relatos em primeira pessoa, como exercício autoetnográfico que ressalta o cárater intersubjetivo e sistêmico das discriminações raciais transnacionais. Diante do silêncio hegemônico de peruanos e brasileiros sobre o racismo estrutural, o diálogo inter-racial que estabelecemos entre nós e os interlocutores de nossas pesquisas nos permitiu analisar nossos corpos não-brancos nos dois países e as emoções neles suscitados como critério central para identificarmos as formas veladas de racismo, muitas vezes ignoradas cotidianamente, inclusive pelas epistemologias que reivindicam a imparcialidade e a separação entre objeto e sujeito de pesquisa como fundamentos para a pesquisa científica. Assim, contribuímos para o debate sobre as emoções como forma de ação política, que demonstra que os racializados não aceitam o racismo passivamente e desafiam seu poder de minar as subjetividades racializadas, assim como chave analítica para entendermos as múltiplas formas de reprodução das hierarquias raciais na América Latina, muitas vezes ignoradas nas análises que as comparam com os Estados Unidos e/ou realizadas por pesquisadores brancos e brancas.
O work etnográfico e a análise situacional: entre a experiência e a teoria
Autoria: Dulcídio Cossa (UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Autoria: Neste artigo pretendo propor uma análise situacional partindo de alguns pressupostos levantados por Max Gluckman e outros antropólogos. Pensar na forma como nos relacionamos com o nosso campo de pesquisa tendo em conta as situações que o mesmo nos proporciona, algumas previstas e outras imprevistas; a forma como nós enquanto pesquisadores nos relacionamos com os nossos informantes e os limites dessa relação. Através de eventos ocorridos na minha entrada no campo de pesquisa procuro refletir como é que de situações espontâneas ou não programadas o campo pode se revelar ao pesquisador. Portanto, o artigo sugere olhar para os obstáculos não como dificuldades a serem ultrapassadas, mas, a serem pensadas com o intuito de aperfeiçoar o work antropológico e compreender melhor a realidade social que pesquisamos.
Os Saberes Indígenas e o Tensionamento do Método Etnográfico
Autoria: Maria Carolina Arruda Branco (não possui)
Autoria: O presente work é uma reflexão bibliográfica acerca do método etnográfico na antropologia. Tomado diversas vezes como metonímia para a disciplina, ele se metamorfoseou ao longo dos anos, este método foi largamente debatido e os parâmetros sob os quais ele repousa não se livrou dos tensionamentos que contribuíram para o atual momento da discussão em que o método se encontra. Os tensionamentos possibilitaram que o aperfeiçoamento do método seja constante. As questões que nortearam este work se encontram no dilema da autoridade e saber antropológico e sua face política, tendo como horizonte os questionamentos dos interlocutores que com o passar do tempo assumiram posições de locutores e tensionam cada vez mais as bases da antropologia e seus métodos.
Protocolo de Consulta aos Espíritos conforme a Convenção 169/OIT
Autoria: Priscila Barreto Sampaio (Ecology), Orivaldo Nunes Jr.
Autoria: A Convenção 169/OIT, em seu Art. 5o, afirma que "(a) deverão ser reconhecidos e protegidos os valores e práticas sociais, culturais, religiosos e espirituais próprios dos povos". Ainda, no Art. 7o, "(3) os governos deverão zelar para que, sempre que for possível, sejam efetuados estudos junto aos povos interessados com o objetivo de se avaliar a incidência social, espiritual e cultural e sobre o meio ambiente que as atividades de desenvolvimento, previstas, possam ter sobre esses povos". Contudo, Componentes dos Estudos de Impacto Ambiental são solicitados pelos órgãos licenciadores e demais envolvidos, conforme (PI60/15). Equipes com Antropólogos e Ambientalistas vão à campo carregados de metodologias para levantamento de informações para os Estudos quanto ao meio ambiente, valores, práticas sociais, culturais, religiosos, porém complica-se quanto a metodologias de consulta em quesitos espirituais. Como respeitar a C169, Art. 6o, e consultar espíritos? Temos que os Xamãs são os especialistas em consulta aos espíritos, que obtiveram treinamentos e formação tradicional, e devem ser consultados e solicitado que, como especialistas, consultem os espíritos, informando sobre os resultados à equipe que deve incluí-los nos Estudos. Como validação desta metodologia, segue-se a mesma lógica de consulta às comunidades, quando busca-se o cacique e lideranças que consultam a comunidade; busca-se o Xamã e auxiliares que consultam a "comunidade" de espíritos e aguarda-se a resposta.
Quando a academia fala “pretuguês”: epistemologias forjadas nos marcos da experiência colonial
Autoria: Carolina Gonçalves Alves (fgv)
Autoria: Historicamente homens e mulheres negros foram retratados como “os outros”. Abdias Nascimento (2016) denunciou há tempos o exclusivismo branco para falar de coisas nossas. Carecemos de histórias narradas em primeira pessoa, já que as grandes narrativas foram contadas através das lentes do poder, insensíveis às nossas experiências cotidianas. A violência colonial é marcada pela negação de humanidade aos sujeitos negros, em especial às mulheres negras. Nossas reivindicações foram silenciadas, nossos corpos violados, nossas tradições e saberes negligenciados. Inspirada pelo “pretuguês” de Lélia Gonzalez (2018), discuto a produção intelectual de negros e negras e sua importância na constituição de epistemologias forjadas nos marcos da experiência colonial. Grada Kilomba (2018) denuncia que a escrita acadêmica da mulher negra é, em geral, lida como subjetiva e excessivamente emocional. Que tipos de escrita são classificados como emocionais? A escrita negra, sobretudo da uma mulher negra, está conectada com experiências de violência. Da mulher negra se espera tudo, menos que ela escreva. Reivindicar uma escrita preta é se conectar com o conceito de "escrevivência", de Conceição Evaristo, para pensar um modelo de produção intelectual que não se desvencilha do "corpo-mulher-negra em vivência". Guiada por esse conceito, me proponho a discutir a experiência da escrita acadêmica negra, uma escrita criativa de “carne e sangue”, conectada com a vida e profundamente marcada pela subjetividade do pesquisador. Abdias Nascimento (2016) reivindica a não neutralidade intelectual, sob a acusação de que se o fizesse, estaria traindo e distorcendo aquilo que é e representa. Demonstrando desinteresse no exercício de “de qualquer tipo de ginástica teórica, imparcial e descomprometida”, Abdias nos provoca a produzir fora das fórmulas acadêmicas convencionais. Nesse artigo, pretendo discutir as experiências intelectuais negras, suas críticas às produções hegemônicas e sua contribuição na constituição de novas epistemologias. Vivemos um momento em que a história se volta para os negros e que a Europa deixa de ser o “centro de gravidade do mundo” (MBEMBE, 2018). Os chamados estudos pós-coloniais têm reivindicado a produção de conhecimento nas periferias. Essa virada epistemológica revela uma trama de poder, saber e representação, capaz de intensificar a produção de works que revisitam a história e a reescrevem a partir dos sujeitos que experimentaram a condição de subalternidade e que foram lidos historicamente pelas Ciências Sociais como “os outros”.
work de campo, relacionalidades e antropologia
Autoria: Alline Torres Dias da Cruz (Colégio Pedro II)
Autoria: Proponho uma reflexão sobre as condições de produção dos "dados" etnográficos baseando-me na pesquisa que realizei em Porto Rico, ilha caribenha, sobre os espíritos do vodu herdados por pessoas da República Dominicana, imigrantes em Porto Rico, que cuidam e atendem tais entidades. Procuro, ao destacar as condições de obtenção do material etnográfico, refletir sobre as relacionalidades que foram criadas entre mim e os diversos interlocutores da pesquisa, seres humanos e espíritos; relacionalidades que passaram por compreensões ligadas à raça, gênero, família e mobilidade, e, assim, apontar algumas implicações dessa abordagem para a natureza do conhecimento antropológico. 
Trajetórias negras e racismos: memórias da convivência inter-racial na infância
Autoria: Sandra Tanhote Sousa (UFSC)
Autoria: O presente work tem como objetivo trazer um debate a cerca de dois acontecimentos que estão presentes em narrativas de inúmeros sujeitos “negros” quando lhe é proposto uma reflexão sobre suas trajetórias. Para exemplificar estes dois momentos a que me refiro, e as problematizações que pretendo levantar cito o poema de Victoria Santa Cruz “Me Gritaram Negra”. Na obra a autora narra sua história de vida enfocando o momento em que quando criança se descobriu negra passando a viver com a dolorosa descoberta da radicalização até a aquisição de uma compreensão do fenômeno e uma politização do assunto passando a positivar sua identidade. A proposta é então de pensar o racismo vivenciado desde a infância a partir das memorias de sujeitos adultos ponderando suas visões atuais em relação as experiencias que lembram. Pensar como estas memorias sao acionadas e como elas sao ou nao pelos sujeitos negros na luta anti racismo. Refletir sobre a questao do silencio, do silenciamento e da fala.
Tupinambá do Baixo Tapajós: cultura e territorialidade, reflexões a partir construção de casamentos na contemporaneidade
Autoria: Raquel Sousa Chaves (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: Sou mulher indígena integrante dos Tupinambá do Baixo Tapajós, povo que vêm (re)construindo sua história, após o processo de colonização iniciado no século XVII. Esta pesquisa tem por proposição a descrição etnográfica das relações sociais e seus reflexões na cultura e território a partir da construção de casamentos entre os tupinambá na contemporaneidade. As comunidades atuais têm forte relação com o catolicismo, a Missão de Santo Inácio/Tupinambarana, foi instalada em 1740 em nosso território. Os processos de aldeamento e integração ocasionaram a ideia de grupo étnico uníssono, entretanto, as tradições de cada povo é marcante nessas comunidades o que faz delas distintas uma das outras. Assim, descrevo nessa pesquisa a construção de casamentos através das histórias de compromisso vividas por nós, entre nós e com pessoas exógenas. Como funcionam as relações de troca de serviços entre as famílias na construção das roças; as trocas de alimentos (peixe e caça); etc.; em união entre o mesmo povo. Que implicações podem existir sobre as relações sociais, cultura e território em casamentos com pessoas exógenas. Os relatos são parte da vivência da autora, residente de uma das comunidades, as experiências e as memórias de seus familiares no contar das histórias do cotidiano. Os casamentos entre indígenas se mostram fundamentais na construção das relações sociais a partir da dádiva e a reciprocidade nestas comunidades, e trazem reflexões sobres as adaptações pelas quais os sistemas de casamento se dão na contemporaneidade, com a inserção de pessoas exógenas.
Um outro fazer antropológico: resistente e marginal
Autoria: Juliana Marques de Sousa (UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)
Autoria: Antes de qualificar a antropologia como resistência é necessário pensar: o que é a antropologia afinal? A antropologia não é. Ser isso, além de uma vantagem poética, é uma condição permanente de autoconstrução metodológica, paradigmática e política. Cabe na teoria antropológica “as linguagens estranhas – dos índios, camponeses, operários e minorias” (GOLDMAN, 2006, p. 163); a adoção do irracional (VERDE, 1997); cabe, ainda, o pessimismo no intelecto diante da vida em materialidade, ao mesmo tempo, o otimismo da vontade na teimosia crente da urgência de “algum tipo de amanhã ”. A antropologia da resistência não anula a gravidade dos fatos da experiência humana em sociedade atravessada por poder e distinções, nem a exime de analisar o poder da morte (necropolítica) institucionalizado e normatizado (MBEMBE, 2016); tampouco é desatenta aos impactos subjetivos e objetivos do conjunto de práticas econômicas e políticas e, principalmente, não nos desobriga da construção teórica mais doída. A defesa de uma antropologia da resistência não é, estritamente, o contrário das “teorias darks” (ORTNER, 2016), tampouco a conjugação de histórias para salvar da desesperança a expectativa militante é, maiormente, a produção da existência em termos absolutos. É o lidar com a realidade contraditória que comporta morte e vida. O fazer de uma antropologia da resistência está no volume crítico de sua teorização e a capacidade dessa de romper com respostas totalizantes que afugentam o sujeito a consequências inequívocas, retroalimentando uma posição estanque da sociedade o que a torna, fatalmente, murcha e sem vida. Diante do exposto convido a pensar uma antropologia da resistência que aceita a dor, o sofrimento, mas também consiste em um não sofrimento: a felicidade clandestina dos marginais sociais. Que reconhece a extensão das estruturas e racionalidades espremedoras de humanidade enxergando a resistência não apenas em suas quebras, mas na maciez produzidas pelos sujeitos para evitar ou diminuir o quebramento.
Uma antropologia para além do “Outro”: reflexões de uma antropóloga negra entre os Mapuche
Autoria: Karine Lopes Narahara (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: Ao longo do tempo, o conhecimento antropológico construiu-se fundamentalmente com base na ideia de outrem: na ideia de que a antropologia é o produto de uma descrição e de uma análise sobre um “Outro” – diferente, por vezes de maneira radical, daquele que produz o texto etnográfico. Por mais que essa alteridade radical marque em especial o início da disciplina, e que, obviamente, muito tenha mudado desde então, a ideia de uma relação de outridade, em que prevalece a diferença, como base do fazer antropológico persiste. Em tempos mais recentes, a maior presença de pesquisadores negros e indígenas nas universidades brasileiras vem colocando novas questões à disciplina de uma maneira geral, especialmente no que diz respeito ao chamado “work de campo”. E muitas dessas questões colocam problemas para a ideia de que a antropologia se constrói no encontro com esse Outro. Se a antropologia é a ciência que se dedica ao estudo do Outro, como explorou Marimba Ani (1994), o que acontece quando esse Outro deixa de ser “objeto” dos estudos antropológicos e passa a assumir a posição de antropólogo? O que acontece quando aqueles sistematicamente silenciados nos espaços acadêmicos, como alerta Grada Kilomba (2019), retomam sua voz na posição de produtores de conhecimento antropológico? O par que funda a antropologia – a divisão “nós”/“eles”, sujeito de um lado objeto(s) de outro – se desestabiliza. Também a divisão “campo” (aquele local distante onde o antropólogo encontra seus “nativos”) e “casa” (onde se produz o texto etnográfico) tende a perder sentido (NARAHARA, 2018), ou pode até mesmo se dissolver por completo (DOLLIS, 2017; VIRGILIO, 2018). No presente work, pretendo apresentar uma série de reflexões sobre a premissa de que a antropologia se faz, necessariamente, no encontro com o Outro. Tais reflexões têm como ponto de partida fundamental a minha experiência etnográfica com Mapuche que vivem na região de Neuquén, norte da Patagônia argentina. Esta vivência originou a minha tese de doutorado, que se centrou em práticas cosmopolíticas mapuche relacionadas à presença de empresas de petróleo na região. Além disso, também usarei como base alguns textos etnográficos produzidos por antropólogos negros e indígenas.
“Anthroposociulogos ”: Uma forma de ser e fazer Antropologia
Autoria: Damaris de Oliveira Santos (UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)
Autoria: O objetivo deste artigo é problematizar os paradigmas do fazer antropológico, a partir de uma narrativa imaginada baseada em memórias vivenciadas, através de uma ficção criada espelhada em um “outro” atrelado a uma forte influência de tradição cristã e missionária junto a um grupo indígena . Neste sentido “ela” é o “outro” vista pela ótica de quem observa, é um reconstruir-se numa relação compartilhada em dado tempo. Discutiremos os principais conceitos que entram em conflito com a produção do saber científico (noções de diferenças; etnocentrismo; colonialismo; cultura...); alicerçados no pensamento de Goldman (2006) que a Antropologia pode ser vista ou não como ciência, que deve sempre buscar fazer melhores teorias antropológicas e que muitas vezes utiliza o método etnográfico a partir da observação participante. Com uma postura ética que permita desprender como somos afetados por aquilo que estudamos . Nos arriscamos juntamente com Verde (2000) a propor a anthroposociulogos, também nos consola que devemos nos prender em tentar entender aquilo que nos é caro e difícil de compreensão, sendo este o propósito da reflexão antropológica. Observamos as diferentes possibilidades de se pensar cultura por meio de Geertz; Sahlins; Manuela da Cunha; Descola e aproveitamos dentro dos limites a contribuição de cada um destes autores, a saber, interpretativo, histórico e simbólico. Desprendemos de Sahlins que a cultura sempre estará em transformação; Em Geertz a cultura é como um texto que permite interpretar o mundo; Manuela da Cunha que devemos pensar a cultura em aspas; e com Descola a superação da oposição do mundo dividido em meros conceitos binários. Também nos apropriamos da noção de tempo proposta por Fabian (2013) e a crítica da noção de espaço de Gupta (1992). Concluímos nestas breves páginas sobre pensadores que nos ajudam a compreender o papel da antropologia no mundo que por si mesmo parece afetado de muitas formas. Admitimos no início deste work que a Antropologia tem uma pretensão de ser cientifica e que alguns autores problematizam seu status, inclusive se está seria literatura, uma forma própria de fazer arte e poesia. A disciplina se torna de fundamental relevância uma vez que põe em cheque suas próprias “verdades”, e contribui com o fazer científico ao repensar novas possibilidades de atuação no mundo. Devo questionar a mim mesma se fiz antropologia? E se consegui fazer realmente uma etnografia? Então a resposta para as duas perguntas seria talvez. Deixamos em aberto para o leitor, que com sua contribuição pode fazer sua própria interpretação.
“Eu trago no meu corpo os conhecimentos da minha ancestralidade”.
Autoria: Marta Quintiliano (UFG - Universidade Federal de Goiás)
Autoria: Nos últimos anos a Universidade Federal de Goiás ( UFG) vem recebendo um número expressivo de estudantes indígenas e quilombolas que ingressam pelo programa UFGInclui. Este que reserva 1 vaga adicional para indígenas e 1 vaga para quilombola em quaisquer curso de graduação da instituição e 15 vagas para estudantes surdos com curso Letras-Libras. Os discentes vêm alterando o cenário com uma diversidade de corpos ( não separamos o corpo da mente) em sala, corredores, restaurante universitário que antes era ocupado pela branquitude. “Os outros”, “os objetos” de pesquisa estão transformando não apenas cenários, mais também as epistemologias que normalmente privilegia “um lado único da história” estamos provocando essa estrutura. Por isso esse artigo busca trazer refletir sobre a produção de conhecimentos no espaço acadêmico da UFG, por nós estudantes que viemos de realidades distintas com saberes infinitos que contribui e produz conhecimento a partir do nosso lugar de fala e das nossas experiências enquanto minoria politicamente, em um espaço que nem sempre é aberto para todos.
“Onde o eu que não era eu tinha morada”: Narrativas Escravas e a Reconstrução do Sujeito Negro
Autoria: Osmundo Santos de Araújo Pinho (UFRB - Universidade Federal do Recôncavo da Bahia)
Autoria: A linha divisória entre narrativas biográficas factuais e narrativas ficcionais, que reconstroem uma voz que nos fala desde um passado presumido, é problemática e poderia ser encarada como uma tensão produtiva, tanto na literatura como na antropologia. Desde as proposições de Walter Benjamim em “Sobre o Conceito de História”, onde a consciência de um sujeito histórico que em um “momento de perigo” se apega a um flash momentâneo carregado de sentido e dramaticidade. Até Trouilllot, que nos diz como a consciência da História é ela própria histórica e sujeita a esse relampejo imediato do presente. No caso do povo negro na Diáspora, a memória é também um antidoto contra a desumanização e a aniquilação mais profunda. Reconstruir um vínculo, uma narrativa ou lugar, onde o corpo, “máquina da memória” possa relembrar é assim essencial. No cenário histórico, e em suas disposições estruturais, a escravidão negra é a cena primordial para a narrativa de si de um sujeito que busca o seu lugar na História como está S. Hartman. O que acrescentaria aqui é que esse pensamento, ou figuração histórica da liberdade em um momento de perigo, foi manufaturada com os recursos e estruturas desenvolvidas e comandadas pelos mesmos opressores, que fizeram do sonho da liberdade uma luta selvagem, inglória, incerta e constante como vemos nas narrativas, o que emula contradições presentes na teoria antropológica. Foi usando a língua do homem branco, suas formas expressivas convencionais, como a autobiografia, apelando a seus sentimentos e buscando sua empatia, que a voz escrava, indicadora de formas subjetivas tão particulares e tão universais em sua humanidade, pôde se constituir e chegar até nós, nesse momento histórico, como aparece exemplarmente em “incidentes na Vida de uma Menina Escrava” de H. Jacobs. Não gratuitamente, poucas são as narrativas escravas de próprio punho, e mais raras ainda as produzidas por mulheres. Em função disso, iremos considerar privilegiadamente nessa comunicação a narrativa autobiográfica de Jacobs e as narrativas ficcionais encontradas em “Kindred” de Octavia Butler e “Amada” de Toni Morrison, assim como as narrativas afro-brasileiras de Ana Maria Gonçalves em “Um Defeito de Cor” e o romance “Úrsula”, escrito por Maria Firmina dos Reis em 1859, para desenvolver a discussão sobre memória, ficção e reconstrução de si no mundo Anti-Negro como base para novas epistemologias negras na antropologia crítica.
“Tia, meu cabelo é igual o seu?”: notas sobre o (re)encontro de uma pesquisadora negra entre o “cuidar” e o fazer pesquisa entre crianças.
Autoria: Ranna Mirthes Sousa Correa (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: A presente proposta apresenta um ensaio de reflexões decorrentes da minha pesquisa de doutorado que visa discutir estratégias de acesso a vagas em creches na educação infantil de Porto Alegre/RS. O foco do work de tese consiste em estar atenta às diversas experiências de cuidado articuladas pelas mães e famílias. A partir da inserção em espaços conhecidos como casas de “cuida-se”, creches informais lideradas por mulheres nas comunidades do Morro do Polícia e no Campo da Tuca, proponho esboçar as principais implicações teórico metodológicas de um fazer antropológico etnográfico referenciado a partir do meu corpo negro. O intuito deste paper é refletir sobre as relações estabelecidas em campo tanto com as cuidadoras quanto com as crianças que estão sob suas responsabilidades. Ao explorar os sentidos de “cuidar” dentro dos “cuida-se”, a discussão propõe uma análise sobre como a etnografia pode ser uma contribuição possível que me permite problematizar enquanto pesquisadora negra, minha experiência e presença compartilhada nesses espaços, tendo como referência o conhecimento produzido por sujeitos que são hegemonicamente tidos como o “outro”. Para assim emergirem processos de construção de saberes compromissados com a descolonização do conhecimento em busca da potência desses caminhos e atravessamentos.
Antropologias em perspectivas negras: o campo das relações raciais e a produção de deslocamentos etnográficos na UNILAB
Autoria: Paulo Henrique Ferreira de Freitas (UNILAB - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira)
Autoria: Partindo da necessidade de promover revisitações as contribuições teóricas etnográficas negras, este work buscará apresentar as encruzilhadas como contribuição dos estudos das relações raciais, bem como suas potencialidades de/para/com experimentações etnográficas sob perspectivas negras, sendo estas: ontológicas (ser / devir negra/o), epistemológicas (de/contra/pós-coloniais), emancipatórias (negritudes, anti racismos e pan-africanismos) e ancestrais (arché/axé) como fatores constitutivos das contribuições das/os pensadoras/es negras/os com foco na antropologia. Buscaremos a partir dessa hipótese metodológica, evidenciar os constantes <> de racialização antropológica, por meio da circulação e produção de conhecimentos no campo das relações étnico raciais, não objetivando o esgotamento dessa discussão, mas para promoção de fruições diversas como nos apresentam as riquezas dos pensamentos e práticas de negras/os. Para tal, deteremo-nos sob entrevistas que serão realizadas com docentes negras/os da Graduação em Antropologia na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro - Brasileira (UNILAB) contextualizadas com insights endógenos presentes na negociação da teorização etnográfica. O esquema da encruzilhada é sempre presente em escritas, desde Abdias do Nascimento em “o genocídio do negro brasileiro”, Lélia Gonzáles em “lugar de negro” , Nilma Gomes em “o movimento negro educador”, Grada Kilomba “Memórias da plantação” até Carla Akotirene em “o que é interseccionalidade? (2018)”, passando por formulações teóricas de afro americanas e amefricanas, e também de vários autores negros africanos pós coloniais e porque não contra-coloniais, a citar o antropólogo negro sul-africano Archie Mafeje e também atualmente por teóricos decoloniais latino americanos, além também das escolas subalternas orientais e asiáticas.
Ativismo de cabelo: os efeitos do racismo na autoestima da mulher negra
Autoria: Rafaele Cristina de Souza Queiroz (Fiocruz - Fundação Oswaldo Cruz)
Autoria: O racismo com relação à estética negra e a estrutura do cabelo negro crespo/cacheado tem impactos negativos na autoestima da mulher negra. O estudo é centrado nas ações do Encrespa Geral Manaus, Instituto de Promoção Humana, desenvolvimento social e Cultura, grupo que trabalha a valorização e a afirmação da estética negra como um ato político de resistência, no qual abordo como uma onda de ativismo de cabelo protagonizado principalmente por mulheres negras. Trata-se também neste estudo dos efeitos do racismo na autoestima da mulher negra no que se diz a recusa do cabelo natural e as saídas para se enquadrar num padrão estético racista. Foi realizado um estudo de natureza bibliográfica, para melhor interpretação dos termos e conceitos apresentados na pesquisa. O work em questão é uma etnografia realizada junto ao grupo Encrespa Geral Manaus, que realiza atividades voltadas para a valorização da estética negra em grupos nas mídias sociais e com mulheres negras fora dessas esferas. Conta também com uma pesquisa quanti/qualitativa aplicada dentro dos grupos de mídias sociais. Através da pesquisa se perceberá a necessidade de sensibilidade ao ouvir e transcrever as narrativas dessas mulheres negras, pois são carregadas de emoções que remetem ao sofrimento delas referente à estética negra e à identidade étnico-racial e, mais ainda, eu sou uma delas, apesar de estar na posição de pesquisador nossas narrativas e vivencias são similares. O racismo tem grande impactos em nossas vidas influenciando como a gente se ver e percebe com os seus cabelos crespos/cacheados ao ponto de afetar a nossa autoestima, o racismo não dá descanso para as pessoas negras, levando mulheres negras internalizarem sobre si pensamentos ruins e de inferioridade tendo influencias negativas na saúde mental delas. O work em questão traz uma particularidade a qual consta nas discussões, em sua maioria, negras e mulheres.
Outros olhares novas epistemologias: A ficção cientifica não hegemônica no fazer antropológico
Autoria: Hellen Rodrigues Batista (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: A relação entre meio ambiente e um futuro distópico vem sendo objeto de imaginação nos mais diferentes campos de produção. Desde a segunda metade do século XX e com a consolidação das duas grandes Revoluções Industriais as interações ser humano natureza, ser humano e meios de produção vem acalentando diferentes embates. Os contra pontos gerados por estas discussões fez por surgir no imaginário humano como seria o futuro com um acelerado desenvolvimento tecnológico e o uso descomunal de matérias primas essenciais para o desenvolvimento do capital. Obras literárias tidas enquanto clássicas no mundo da ficção científica vem para afirmar tal premissa como por exemplo a distopia do escritor britânico Aldous Huxley “Brave new world”. A noção de fins dos tempos vem sendo explorado não apenas pela literatura ficcional científica, à antropologia também é tributária nesta perspectiva com os works antropológicos por exemplo de (Danowski e Viveiros de Castro 2017). Pensando por este prisma este work visa analisar a obra da escritora negra estadunidense Octavia Butler, mas especificamente seu livro “The parable of the sower” traduzido para o português brasileiro como “A parábola do semeador”(2017). Não interessa neste texto narrar de forma detalhada a obra analisada em questão, mas pretendo por meio desta fazer uma análise necessária entre este livro e outras epistemologias que vem construindo em um novo fazer antropológico.
Quem são os pesquisadores que nos pesquisam? O antropólogo e seus efeitos no work de campo
Autoria: Hugo Virgilio de Oliveira (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Autoria: Durante a pesquisa, tanto os interlocutores, como os pesquisadores são afetados de diversas formas e transitam dentro de diversos sistemas: segurança, cultura, opiniões, cotidiano, costumes, crenças, organizações etc. Meu interesse é investigar como a pessoa do pesquisador assume diferente perspectivas dentro dessas sociedades, tanto para ele próprio, como para os nativos; sejam elas próximas ou não da realidade social do antropólogo. O estudo parte da minha experiência pessoal enquanto morador de uma ocupação de moradia no centro do Rio de Janeiro que foi tomada como campo de pesquisa para um grupo de antropólogos interessados na luta pelo direito à moradia e se desenvolve durante a minha trajetória enquanto “pesquisado”, em seguida como estudante de antropologia e agora como pesquisador, que tem como interlocutores estes mesmos antropólogos. Diversas questões surgiram envolvendo a dicotomia pesquisado/pesquisador - neutralidade, expectativas, pessoalidade, conflitos - e que me motivaram então a tomar esses pesquisadores, as relações estabelecidas com os moradores e comigo e todo esse contexto como objeto de estudo. Nesse sentido, dialogando com clássicos e etnografias contemporâneas, busco refletir e questionar os efeitos da presença do antropólogo, controle de impressões entre o pesquisador e os pesquisados e a influência dessa soma de fatores ao final do estudo a partir de aspectos relacionados à identidade – classe social, cor, gênero, nacionalidade... - e valores – religião, hábitos, princípios, sentimentos... - são acionados ao longo da realização da pesquisa antropológica e como isso influencia na produção de conhecimento. Por fim, a proposta é pensar novas contribuições que busquem amenizar ou solucionar conflitos que possam obstruir o work de campo, violar os pesquisadores ou prejudicar interlocutores.