GT 73. Religião e materialidades: novos horizontes empíricos e desafios teóricos

Coordenador(es): 
Renata de Castro Menezes (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Rodrigo Toniol (Unicamp)

O objetivo desse GT é dar continuidade às discussões desenvolvidas na última RBA, a partir da constatação de que nas últimas décadas, há um crescimento do interesse e uma diversificação de abordagens teórico-metodológicas sobre materialidades, objetos e coisas que para alguns configuraria quase um subcampo disciplinar, com debates próprios, eventos específicos e publicações regulares a ele dedicadas.O propósito deste GT é reunir trabalhos dedicados às variadas formas de articulação entre religião e materialidades. Trata-se de dar centralidade às formas materiais de produção da experiência religiosa, apostando, com isso,na possibilidade de que novos horizontes empíricos e desafios teóricos sejam explorados.Entre outras questões possíveis, destacamos três que poderão orientar as reflexões dos trabalhos reunidos pelo GT. Primeiro, como a religião acontece na cultura material? Trata-se de enfatizar como imagens,objetos litúrgicos e devocionais, arquitetura e espaços sagrados mobilizam e são mobilizados em práticas religiosas. Segundo,como alguns objetos ocupam um lugar ambíguo — e controverso— na relação com a religião? Estátuas,obras de arte e templos históricos são apenas alguns exemplos daquilo que pode ocupar o centro dessa modalidade de relação entre materialidade e religião. Terceiro, como as variadas conformações de vínculo entre religião e materialidade também implicam em “formas sensacionais” diferenciadas da experiência com o sagrado?

Palavras chave: antropologia da religião; materialidades; religião e objetos.
Resumos submetidos
A maternidade mariana materializada
Autoria: Adriano Santos Godoy (Fapesp)
Autoria: A Basílica de Aparecida também é conhecida como a Casa da Mãe. Ao abrigar a estatueta original e miraculosa de Nossa Senhora Aparecida, aquele templo é reconhecido principalmente por ser o lugar de moradia da Santa Maria, a mãe de Jesus. Em minha apresentação, baseada em uma pesquisa de doutorado sobre a construção dessa igreja, explorarei como é que aquela basílica, produzida para ser a sede do catolicismo brasileiro, é fabricada tendo como referência essas duas categorias que são tão caras a antropologia: casa e maternidade. O meu argumento é o de que a construção da igreja é, ao mesmo tempo, uma constatação e uma proposição católica sobre essas duas categorias. Ao criar e discursar sobre um ambiente acolhedor, belo, confortável e reconfortante, entre outras adjetivações, a instituição católica a todo tempo relaciona essas qualidades tanto a feminilidade como a maternidade de Maria. Em consonância com os discursos oficiais, a cada nova etapa de construção do prédio a maternidade de Maria é materializada em cada um dos detalhes. Assim, seguindo a proposta do Grupo de work, ao acompanhar a criação dessas mediações e a efetivação dessas materializações, buscarei falar de como o catolicismo praticado no Santuário de Aparecida propõe concepções religiosas específicas de maternidade e de casa, ao mesmo tempo que domina e se filia a elas.
A Sala das Promessas e o Museu Nossa Senhora Aparecida: práticas expositivas, objetos e narrativas no Santuário Nacional em Aparecida (SP)
Autoria: João Frederico Rickli (UFPR - Universidade Federal do Paraná)
Autoria: Este work analisa comparativamente dois espaços expositivos que fazem parte do Santuário Nacional em Aparecida (SP), o maior e um dos mais importantes complexos religiosos do Brasil. O primeiro deles, a Sala das Promessas, fica no subsolo da Basílica e é o espaço dedicado aos ex-votos relacionados com a devoção a Nossa Senhora Aparecida. Nele são organizados e exibidos, através de recursos expográficos variados, um grande número de objetos ofertados pelos devotos à santa. Além de espaço expositivo, a Sala das Promessas é também o local onde se faz a gestão do enorme volume de coisas que fluem de forma constante na dinâmica dos ex-votos, que ali são recebidos, classificados, armazenados, exibidos, descartados, doados ou destruídos. O segundo espaço é o Museu Nossa Senhora Aparecida, localizado no último andar da torre da Basílica, que abriga uma coleção de objetos relacionados à trajetória da santa e à história da devoção a Aparecida, bem como aos milagres atribuídos a ela. Encontra-se também no museu uma coleção de imagens dos séculos XVII e XVIII. O objetivo deste work é abordar as práticas expositivas que organizam estes espaços a partir de duas perspectivas. A primeira delas relaciona-se aos diferentes modos de mediação do sagrado implicados nas dinâmicas de exibição e ocultação de objetos na Sala das Promessas e no Museu. Em ambos os casos, noções como ordinário e extra-ordinário, corriqueiro e miraculoso, prosaico e artístico são re-embaralhadas e os objetos em exibição parecem estar em constante movimento entre estes domínios, ainda que de modos muito distintos em cada um dos espaços. Enquanto os objetos na Sala das Promessas estão diretamente integrados ao fluxo constante e interminável de ex-votos, a coleção exibida no museu parece apartada do cotidiano do santuário. A segunda perspectiva diz respeito ao modo com os objetos se relacionam com as narrativas expositivas (ou expográficas) aos quais são submetidos. As diferenças entre os dois espaços em questão aqui são bastante pronunciadas. Enquanto as narrativas sobre o poder da Aparecida na Sala das Promessas parecem complexas e polifônicas, o Museu busca produzir um discurso claro, uníssono e cronologicamente ordenado. Em ambos os casos a análise procura demonstrar como os objetos não são completamente disciplinados por estas narrativas, mas atuam como mediadores capazes de contestar, subverter, desafiar e propor alternativas aos discursos em jogo.
As casas e seus altares: uma análise etnográfica sobre as narrativas e as materialidades na devoção aos santos na Cidade da Bahia
Autoria: Debora Simões de Souza Mendel (IF Baiano)
Autoria: Os altares domésticos são espaços rituais montados para e em louvor aos santos. A partir dessa breve definição, analisarei espaços privados de devoção à Santa Bárbara e à Iansã em Salvador. Imagens tridimensionais dos santos, doces, rosa ou um conjunto delas (muitas vezes de plástico), velas, santinhos, fitas decorativas, fotografias, a combinação destes elementos formam o altar. Em dias extraordinários, eles recebem pratos com acarajés e/ou caruru. Por meio das narrativas de devotos e das materialidades dos altares, apresentarei as categorias “família dos santos” e “santos das famílias” e como essas duas concepções colocam em operação e em relação termos como: herança, infância, tradição, público, privado, gratuidade, obrigatoriedade entre outros. A “família dos santos” são grupos de imagens que estão sempre juntos nas casas. Em geral, esse espaço ritual agrupa um panteão que envolve Santa Bárbara, São Jerônimo, Santo Antônio, São Jorge, São Lázaro, São Cosme e São Damião. Esse conjunto de santos são justificados pelas narrativas míticas dos devotos que os relacionam com as entidades das religiões de matrizes afro-brasileira. Nesse contexto, cada uma das imagens é associada aos seguintes orixás: Iansã, Xangô, Ogum, Oxóssi, Obaluaiê e os Ibejis, respectivamente.Os “santos das famílias” referem-se às devoções de cada membro familiar a um ou mais santos específicos componente dos altares domésticos. Eles podem ser definidos como um grupo de santos que uma família possui e que, em muitos casos, englobam as mesmas imagens componentes das “famílias dos santos”. A materialidade presente nos altares domésticos é essencial para compreender tanto os “santos das famílias” quanto às “famílias dos santos”. Ao seguir o caminho das coisas e pessoas (santas e não santas) pelos cômodos das casas focalizo nas integrações alicerçadas na ideia de religião vivida (Morgan, 2019), ou dito de outra maneira, nas práticas religiosas (Meyer, 2012). Assim, me direciono para as ações que envolvem corpos, coisas, imagens e narrativas por meio dos quais as práticas religiosas tornam-se concretas e presentes (Meyer, 2012).
Maracás, troncos, abanicos, tambores e vassouras – as coisas nas cerimônias da Native American Church
Autoria: Rodrigo Iamarino Caravita (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas)
Autoria: O propósito deste work é investigar a materialidade (os materiais, as coisas) nas cerimônias da Native American Church (NAC), uma igreja nativa fundada por indígenas e não-indígenas no final do século XIX com o propósito de garantir o uso ritual do peyote frente a legislação dos EUA, que proibia seu uso sob a alegação de ser uma substância psicotrópica, uma droga. Como a legislação garantia a liberdade de culto e crenças, os fundadores da NAC conseguiram o direito para seu uso ritual – direito este que continua até os dias atuais. Tais cerimônias possuem uma estrutura extremamente rígida. Primeiramente, um sponsor, como é chamado, membro da igreja, convoca uma cerimônia para algum propósito: comemorar um aniversário, pedir a cura por alguma doença, agradecer alguma bendição recebida etc. O sponsor também é responsável por convidar as pessoas, convidar o chefe cerimonial (roadman) e organizar toda a estrutura básica. No dia da cerimônia uma tipi (famosa estrutura cônica dos indígenas norte-americanos) é erguida seguindo estritos preceitos: quantidade exata de troncos de madeira, orientação da porta de acordo com o nascer do sol, maneira correta de erguer e dispor os troncos, um modo específico para a montagem da lona que cobrirá a estrutura etc. Durante a cerimônia, o desenho é igualmente rígido: 12 horas sentado sem poder esticar as pernas e sem poder sair da tipi. A cerimônia é também orientada por uma série de objetos cerimoniais extremamente importantes e por todo um cuidado em manuseá-los: tambores, penas, cachimbos, chocalhos, cigarros feitos em palha de milho etc. Sem falar na diversidade de objetos cerimoniais manuseados pelo chefe. A NAC segue dois preceitos básicos: beleza e harmonia. O desenho cerimonial é seguido à risca como forma de garanti-los: em diversos momentos o chão, geralmente de terra, é varrido e limpo; o fogo central é organizado a todo o momento, tanto na forma correta de disposição da lenha quanto na organização das cinzas, que, aos poucos, formam desenhos cerimoniais; um pau de madeira circula por todos os participantes, que, em sua posse, podem entoar canções, sempre acompanhados pelo responsável em tocar o tambor; as próprias canções devem ser belas, harmônicas e condizentes com o momento cerimonial. Todas estas coisas e as relações dos participantes com elas organizam e orientam a experiência cerimonial – isto é, não são detalhes, são fundamentos. Fundamentos que às vezes passam desapercebidos nas etnografias, mas que são essenciais para o bom funcionamento da cerimônia e também na vida cotidiana dos participantes.
Materialidades da religião na produção do patrimônio cultural imaterial: reflexões sobre a patrimonialização da ayahuasca
Autoria: Henrique Fernandes Antunes (Pesquisador)
Autoria: O presente work explora o aparente paradoxo da materialidade em torno das políticas públicas sobre o patrimônio imaterial, a partir de uma análise do processo de reconhecimento do uso religioso da ayahuasca como patrimônio imaterial da cultura brasileira. Assim, pretende-se evidenciar que o processo de reconhecimento de determinadas práticas religiosas enquanto parte do patrimônio cultural imaterial brasileiro perpassa uma série de mediações que envolvem a construção de diversas formas de materialidades. Para além da própria bebida, cerne das práticas religiosas, trata-se de apresentar uma análise sobre o conjunto de materialidades presentes no processo de reconhecimento como patrimônio imaterial, dentre elas, a organização de eventos, congressos e conferências, a formulação de documentos institucionais, a produção de vídeos e documentários, a expressão de manifestações artísticas, dentre outras. Tais materialidades são elementos chave para as formas de apresentação e os modos de reivindicação por reconhecimento nas disputas, negociações e articulações que envolvem a produção de políticas públicas de patrimonialização do uso religioso da ayahuasca.
Materialidades religiosas e carnavalescas: as mediações de Joãozinho da Gomeia
Autoria: Lucas Bártolo Martins de Oliveira (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: Este work discute a presença da religião nos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. Abordando o tema da materialidade e do sagrado fora de contextos usualmente reconhecidos como religiosos, indagamos de que maneira elementos a princípio pertencentes ao domínio da religião são incorporados por práticas e expressões carnavalescas, e como manifestações carnavalescas passam a apresentar uma interface religiosa quando acionam esses elementos. Para tanto, nos debruçaremos sobre a figura do pai de santo Joãozinho da Gomeia (1914-1971) como um mediador histórico entre o candomblé e a arte carnavalesca. Nosso objetivo é jogar luz aos debates e controvérsias mobilizados em torno desse personagem, homenageado no carnaval carioca de 2020, na medida em que a materialidade lúdica dos desfiles das escolas de samba tensione os limites entre o religioso e o carnavalesco.
Memorial judaico, ataque ao Patrimônio ou monumento (da) Universal? Notas de pesquisa sobre a construção do Memorial do Holocausto
Autoria: Edilson Sandro Pereira (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: O objetivo desta apresentação é analisar os elementos que permitem mapear uma controvérsia em torno da construção do Memorial do Holocausto no Rio de Janeiro. Diferentemente de um memorial homônimo existente em São Paulo, que se localiza no interior de uma antiga sinagoga, o exemplar carioca está sendo construído em área pública, em um parque no alto do Morro do Pasmado, em Botafogo. A área foi cedida pela Prefeitura Municipal, sob direção de Marcelo Crivella, e a construção está sendo gerida pela Associação do Memorial do Holocausto. A partir de observação in loco e de levantamento de materiais textuais e imagéticos disponíveis em mídias online, busco elaborar um quadro de análise que nos permita vislumbrar as imbricações entre religião, política e modos de produção (e apagamento) da memória no presente. Para tanto, proponho considerar a relação de três grupos principais de atores com o memorial, sua materialidade e sentido. O primeiro dos grupos de atores a seguir engloba certos representantes da comunidade judaica no Rio, incluindo o deputado estadual Gerson Bergher [falecido em 2016], responsável pela proposta de realização de um concurso para a construção do Memorial no fim dos anos 1990, e sua viúva, a vereadora Teresa Bergher, que integrava a gestão de Crivella quando a pedra fundamental do Memorial foi lançada. O segundo grupo é representado pela associação de moradores de Botafogo e órgãos representativos de arquitetos e do patrimônio no Rio de Janeiro. Juntos, eles manifestam forte crítica ao local escolhido para a edificação. Antes previsto para estar no nível do mar, junto à baía de Botafogo, a sua transposição para o alto do mirante seria um problema à paisagem carioca, sobretudo porque inclui a edificação de um obelisco de concreto, com 22 metros de altura, plenamente visível de todo o entorno. A terceira perspectiva considerada vincula-se, por sua vez, à atuação da Igreja Universal do Reino de Deus. Nos últimos anos, a IURD vem alterando sua identidade visual de modo a enfatizar referências e símbolos do Antigo Testamento e do judaísmo. Entre eles, destacam-se nos altares de seus templos certas réplicas das tábuas dos 10 Mandamentos bíblicos. Pois, na base do obelisco que se configura como o item de maior destaque do Memorial, estará inscrito o 1o daqueles mandamentos, “Não matarás”, iniciando uma contagem, vertical, a ser feita de baixo para cima. Isso posto, seria aquele um memorial histórico, judaico, iurdiano? Através do entrecruzamento das diferentes perspectivas sobre a edificação, lidas sob a influência de autores como Georges Didi-Huberman e Bruno Latour, entre outros, busca-se exercitar uma arqueologia do tempo presente, considerando as diferentes camadas de sentido que derivam e complexificam aquela edificação e lugar.
Objetos que circulam entre espacialidades: a missa da Consciência Negra no bairro de Fátima
Autoria: Lívia Rabelo (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: Neste work reflito sobre como vestimentas, instrumentos musicais e adereços podem ser pensados como pontos estratégicos para se analisar expressões religiosas do catolicismo negro no bairro de Fátima em Ponte Nova, município da Zona da Mata mineira. A partir de um longo envolvimento com as matriarcas do Grupo Afro Ganga Zumba, selecionei a missa da Consciência Negra como evento que condensa materialidades que permeiam o cotidiano religioso dessas mulheres. A Igreja de Fátima, uma igreja construída por negros num quilombo urbano, está espacialmente em frente à sede do grupo onde ocorrem reuniões, eventos festivos, encontros de entidades negras, aulas de dança, de percussão, de maculelê etc. Após a missa os participantes são convidados para a kizomba – festa com samba, apresentação de músicas das mulheres, e farta alimentação – em frente à igreja. Corpos e objetos – como os instrumentos e os adereços – circulam e são mobilizados entre os dois espaços também nesse momento. Nesse sentido, reflito sobre a sacralidade de objetos que circulam entre a espacialidade de eventos conformadas como mais ou menos sagrados/profanos, bem como seu papel na construção da expressão de um catolicismo negro. Diante disso, mais do que expressar um sentimento de pertencimento e inspiração, a mobilização ou não de tais objetos provoca e articula o próprio sentimento de pertencimento.
Objetos, Museus e Memórias: as diferentes possibilidades de abordagem sobre acervos de objetos sagrados de matriz africana
Autoria: Juliana Cintia Lima e Silva (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: Esta proposta se volta a uma reflexão acerca das estratégias de pesquisa sobre coleções de objetos sagrados das religiões de matriz africana que se encontram em coleções de museus no Brasil. Partindo da análise da experiência da pesquisadora Marta Heloísa Leuba Salum (Lisy Salum) com o acervo da Coleção Africana no Museu de Arqueologia e Etnologia de São Paulo (MAE), pretendo ressaltar possíveis percursos metodológicos que levem ao desenvolvimento de estratégias de pesquisa dentro deste recorte. As contribuições de Lisy Salum servem como ancoragem para questões relativas a pesquisa sobre os objetos sagrados, sua produção acerca da Coleção Africana do MAE acompanha um percurso de anos de debate sobre a presença destes objetos em Museus e as abordagens que foram se fortalecendo ou sendo descartadas em torno deles. Por outro lado, meus interesses se voltam a uma reflexão acerca dos desafios para construir uma abordagem sobre estes objetos e as complexidades nos quais eles estão imersos partindo de algumas questões iniciais: Como trabalhar nas entrelinhas, nos silêncios, a partir de arquivos, ou, até mesmo, considerando os objetos enquanto arquivos e/ou agentes produtores de memórias? Como pensar as relações entre as pessoas e as coisas e compreender as conexões implicadas na biografia de objetos como os que estão em instituições museais? Estas questões emergem a partir das reflexões sobre a produção de Lisy Salum e se conectam com as de outros autores como, por exemplo, Gonçalves (2007, p. 15) que destaca a importância de acompanharmos os deslocamentos dos objetos a partir dos diferentes contextos nos quais eles transitam. Além disso, considero relevante pensar outros aspectos relacionados com objetos sagrados em museus como, por exemplo: os processos de artificação, estetização e recontextualização que eles passam ao serem incorporados em coleções e inseridos em exposições museais (STOCKING JR., 1985); as questões acerca das formas de classificação e colecionamento; as representações coletivas e narrativas construídas em torno deles e, os desafios metodológicos impostos as/os antropólogas/os para abordarem os objetos em si. Estas vicissitudes interferem diretamente nas possibilidades de pesquisa acerca destes objetos e nas relações que a/o antropóloga/o poderá desenvolver com e através deles. Se não pensamos acerca das emoções que eles podem provocar, nas ações eles mobilizam, nas memórias que acionam ou ajudam a construir continuaremos enfrentando dificuldades para desenvolver capacidades metodológicas que nos auxiliem numa aproximação dos objetos em si mesmos. Deste modo, esta comunicação se volta essencialmente a propor a reflexão sobre nossa capacidade para lidar com os objetos em si considerando suas múltiplas possibilidades de engajamento e ação.
Um estudo sobre a comercialização e os sentidos sociais atribuídos aos objetos rituais afro-religiosos na cidade de Macapá-ap
Autoria: Lorran Lima (UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Autoria: O presente artigo está articulado a partir de duas dimensões: a) a narrativa sobre a construção de uma loja de venda de objetos utilizados em rituais afro-religiosos e b) os sentidos sociais mobilizados pelos sujeitos para qualificar tais objetos e produtos a partir das dimensões materiais e simbólicas. A pesquisa etnográfica foi desenvolvida em uma loja de comercialização de produtos e utensílios rituais em Macapá, capital do Estado do Amapá. A pesquisa focou na avaliação de como um estabelecimento atuava como eixo de difusão de materiais, informações e experiências. Este work possibilitou compreender como espaços de produção da religiosidade afro-brasileira proporcionam formas de entendimento e negociação dos sentidos atribuídos à eficiência e eficácia dos objetos, e entender como esses objetos proporcionam a produção de experiências religiosas e são utilizados como dispositivos dotados de possibilidade de agência através da prática ritual.
Um rito, duas missas: quantos catolicismos? – Materiais e sensações na “missa tridentina”
Autoria: Lucas Vanni (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: Neste work, procuro dar atenção às expressões materiais e sensoriais presentes na celebração de missas católicas de acordo com o “rito tradicional”. Esse rito, conhecido pelo uso do latim e do canto gregoriano e por usualmente ser celebrado com o sacerdote de costas para os féis difere bastante do cenário de “missas inculturadas” e com forte apelo carismático com que pensamos o catolicismo contemporâneo no Brasil. Entretanto, na última década, é crescente o número de comunidades a adotar o “rito tradicional” ou “rito tridentino” em suas práticas litúrgicas, caso das comunidades de Porto Alegre que venho acompanhando por meio da realização de work de campo. Esse crescimento foi possibilitado pela publicação de um documento do Papa Bento XVI, em 2007. Esse documento reconhece que a “missa tradicional” e a “missa nova” são ambas expressões, duas formas de um mesmo “rito romano”. A “missa tradicional” seria aquele celebrado de acordo com um missal promulgado nos anos 1960, mas que se propõe em conformidade com o que fora decretado, no século XVI, pelo Concílio de Trento, razão por que é chamada “missa tridentina”. A “missa nova” adota um outro missal dos anos 1960, feito depois do Concílio Vaticano II, e que foi produzido no contexto de uma reforma que possibilitou, entre outras coisas, a celebração em línguas vernáculas. Para a hierarquia eclesiástica, a diferença desses ritos refere-se à “forma”, não afetando a “essência” do rito eucarístico. Trata-se, portanto, de diferenças atinentes a aspectos materiais e/ou sensoriais: vestes, objetos, cantos, símbolos, postura corporal etc. A partir do work de campo etnográfico, busco identificar como essas diferenças materiais e sensoriais produzem experiências diversas do catolicismo. Sigo compreensões mobilizadas por interlocutores de pesquisa e em textos acerca das controvérsias a respeito dessas missas, a fim de entender se e/ou como diferentes catolicismos são feitos por essas “formas” e se e/ou como a “essência” da missa é feita diferencialmente por esses aspectos materiais e/ou sensoriais.
Velas, flores e champanhe: objetos ritualísticos ofertados no túmulo da Cigana Kostichi em Vitória-ES
Autoria: Barbara Thompson (UFBA - Universidade Federal da Bahia)
Autoria: No cemitério público e monumental de Santo Antônio, localizado bairro periférico da cidade de Vitória -ES, uma lápide de cor amarelo ouro se destaca na paisagem fúnebre. Trata-se do túmulo da Cigana Kostichi, uma morta especial, visto que concede graças àqueles que lhe ofertam velas, flores, champanhe, cigarro, entre outros, em sua lápide. Assim, a entrega de oferendas sobre o túmulo é um ato central na constituição do ritual de devoção a Cigana. Esta devoção surge a partir do culto às almas dos mortos que é tradicionalmente realizado no Brasil, no Dia dois de novembro, nomeado como Dia de Finados, segundo a cosmologia católica. Assim, especialmente nesta época do ano, o cemitério se torna cenário de práticas religiosas. Neste contexto, o objetivo deste estudo é analisar as agências e significados dos objetos ofertados no ritual de devoção que ocorre no túmulo da Cigana. Dessa forma, indaga-se como a materialidade das oferendas é instrumentalizada pelos praticantes do ritual para acessar um ente espiritual, no caso, a Cigana Kostichi. Por outro lado, busca-se compreender como o espírito da Cigana se apropria dos objetos-oferendas para manifestar graças no mundo dos “vivos”. O work utiliza Diana e Blanes (2014) para refletir acerca da pragmática dos efeitos, isto é, os efeitos dos espíritos na vida social, e o conceito de agência em Despret (2004). Assim, será possível revisar e atualizar a leitura de dados etnográficos sobre as oferendas presentes no culto à Cigana, ressaltando que tais dados foram coletados durante minha pesquisa de mestrado, desenvolvida em 2016. Em suma, práticas religiosas desenvolvidas no espaço do cemitério dissolvem as linhas que separam o mundo material dos vivos do mundo intangível dos mortos. Portanto, a oferenda entregue no túmulo é manejada pela religião e religiosidade para estabelecer diálogos com espíritos, os quais desenvolvem ações de transformação no mundo material.
Entre memórias, imaginários e novas narrativas: que os evangélicos nos digam o que é ser judeu.
Autoria: Thayane Lúcia Fernandes da Silva (UFPE - Universidade Federal de Pernambuco)
Autoria: Dando continuidade às reflexões iniciadas na última RBA em 2018, esta comunicação busca trazer algumas conclusões sobre a recente e intensa aproximação entre pentecostais e a cultura e religião judaica no Brasil. A ressignificação da materialidade e cosmologia judaica em práticas de igrejas pentecostais tem transitado nos últimos anos em todo o Atlântico. Juntamente com a expansão destas igrejas brasileiras para países como Israel, Portugal e Angola, tendo como maior referente a IURD e agora, as inúmeras “igrejas independentes”. Ao utilizar artefatos como talits - xales de oração judaicos - e quipás, realizar viagens de peregrinação à Terra Santa e celebrar rituais como o Shabbat, pastores e membros das congregações evangélicas parecem reformular o status ontológico da cultura material judaica (SHAPIRO, 2016) e, consequentemente, o incorporam de acordo com sua própria lógica cultural. E, por este motivo, se remetem um imaginário e memória religiosa que, muitas vezes, encontra-se descolada dos fatos. A discussão aqui proposta decorre dos resultados obtidos a partir de work de campo realizado durante 15 meses numa igreja pentecostal na periferia da cidade do Recife, Pernambuco, a igreja Ministério Apostólico Bíblico da Graça/ MABG. Fundada em 1999 pela apóstola Conceição Oliveira e seu esposo Heleno Oliveira, a MABG tem incorporado e ressignificado práticas e símbolos judaicos - descritos ou não no Antigo Testamento - ao longo do ano em suas práticas cotidianas. Ao mesmo tempo, as classificações hegemônicas do pentecostalismo brasileiro são colocadas em xeque por serem insuficientes para compreender o conjunto da MABG no campo classificatório. Decorrente deste fato foi elaborada uma nova e preliminar conceituação para compreender o conjunto da MABG: judaico-pentecostalismo. Busca-se então, com base nos resultados da pesquisa, propor reflexões sobre como os fiéis incorporam e recriam significados e narrativas nessa relação entre pentecostalismo e um judaísmo imaginário. Desse modo, a pergunta norteadora desta comunicação pode ser resumida em: quais os fundamentos, efeitos e possibilidades dessa reinvenção e incorporação da cultura material judaica na MABG ?
Transecto entre o Rio Grande do Sul e o Acre: materialidade e técnica do Envase do chá Hoasca.
Autoria: Cammilla Rocha Soares (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina)
Autoria: Da materialidade as affordances, esse work analisa as relações entre o saber-fazer 'Vegetal' e determinantes locais da eficácia do processo técnico de 'Envase' do chá para os sócios da AGAEA – Associação Grupo de Amigos da Era de Aquário, presente em sete municípios do sul do Brasil. Ao receber o chá do Acre, longe de excluir o ‘Preparo’, o Grupo fortalece o ideal de ‘work com Vegetal’ que esta prática religiosa evoca ao mobilizar agências para o Envase.