GT 67. Povos indígenas e abordagens transversais: etnologia, história e arqueologia
Coordenador(es):
Vicente Cretton Pereira (UFV - Universidade Federal de Viçosa)
Spensy Kmitta Pimentel (UFSB)
Sessão 1
Debatedor/a: Rafael Fernandes Mendes Júnior (BN)
Sessão 2
Debatedor/a: Fabíola Andréa Silva (USP - Universidade de São Paulo)
O objetivo deste GT é reunir pesquisadores cujos trabalhos explorem a transversalidade entre a antropologia, história e arqueologia relacionada aos povos ameríndios, a fim de iniciar uma discussão sobre novos paradigmas analíticos possíveis em função dos avanços registrados na pesquisa nas duas últimas décadas. Por exemplo, as relações entre os diversos povos indígenas amazônicos e seus patrões da borracha no século XIX, ou entre os grupos guarani e as missões jesuíticas e franciscanas entre os séculos XVI e XIX apontam para a relevância da história para o debate sobre as transformações pelas quais passaram esses e outros grupos ameríndios. A crítica etnográfica de fontes históricas tem trazido à tona dados preciosos acerca de muitos contextos americanos, permitindo reconstruir, ainda que parcialmente, determinadas realidades sociais – bem como repensar as realidades presentes vividas por esses indígenas. Além da antropologia e da história, trabalhos recentes em arqueologia têm contribuído decisivamente para uma maior compreensão de tais realidades, seja desvelando o caráter antropogênico da floresta amazônica por exemplo, ou ainda desenvolvendo uma perspectiva antineolítica para esta região, diferenciando as trajetórias dos povos ameríndios e as dos povos do velho mundo, permitindo vislumbrar traços do que seria uma História Antiga da América.
Resumos submetidos |
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Arqueologia, Colonialismo e Resistência dos Tupinambá de Belmonte na Costa do [Des]cobrimento do Brasil Autoria: Lorena Luana Wanessa Gomes Garcia (UFS - Universidade Federal de Sergipe), Spensy Kmitta Pimentel Autoria: A presença indígena no Nordeste do Brasil foi quase sempre invisibilizada no conjunto da formação populacional brasileira. Essa ‘invisibilidade’ ilusória, calcada na ideologia historicamente construída de ‘índios misturados’ foi [e ainda é] empregada para negar o direito à terra aos indígenas, retirando-lhes também, o reconhecimento de sua própria existência, colocando grandes desafios a arqueólogos e antropólogos. Na região conhecida como ‘Costa do Descobrimento do Brasil’, vivem os povos Tupinambá. Há alguns anos atrás, os tupinambás de Belmonte, um dos coletivos Tupinambá do sul do Estado da Bahia, propuseram a escavação arqueológica de uma urna funerária e reivindicaram a guarda da vasilha, mantida in situ após a escavação. Como disseram os tupinambás, a urna funerária foi a ‘retomada’. Retomada é o que diversos povos indígenas do Nordeste têm vivenciado cotidianamente e historicamente para recuperação de suas terras tradicionais. Em meio a um contexto histórico de violência e conflito, o lugar da urna funerária tornou-se espaço de reivindicação política e resistência dos Tupinambá de Belmonte na luta por seu território ancestral. Assim como os Tupinambá, a urna pertence ao ‘lugar’ e está sob os cuidados dos seres Encantados que protegem a Terra. A partir dessa experiência de arqueologia com o povo Tupinambá de Belmonte, propomos refletir sobre a influência da visão colonialista de ‘índios misturados’ na primazia dos discursos não-indígenas sobre o passado dos povos indígenas do Nordeste e dos Tupinambá em particular.
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As explicações produzidas pelos Mbyá-Guarani para as construções de Cerritos e Sambaquis Autoria: Mártin César Tempass (FURG - Universidade Federal do Rio Grande) Autoria: De modo bem resumido, Cerritos são elevações de terreno de forma circular ou elíptica, constituídos de terra e restos alimentares e construídos por grupos ameríndios do passado. Já os Sambaquis são grandes amontoados de conchas e outros materiais, igualmente produzidos pela ação humana, localizados no litoral brasileiro. Tanto os Cerritos quanto os Sambaquis continuam sendo um grande mistério para a Arqueologia, pois ainda não foram alcançadas explicações conclusivas sobre as motivações para a realização de tais construções. Assim, no presente artigo buscamos apresentar as explicações tecidas por algumas lideranças Mbyá-Guarani do Rio Grande do Sul para a construção dos Cerritos e dos Sambaquis. E, ao mesmo tempo, busca-se fazer uma releitura de obras etnográficas e etnológicas sobre diferentes grupos ameríndios e de relatos de alguns cronistas para ver possíveis concordâncias e/ou discordâncias com as versões apresentadas pelos Mbyá-Guarani. Pretendemos, assim, através da Etnohistória e da Etnoarqueologia, valorizar os saberes êmicos e fornecer novas hipóteses para futuras investigações sobre Sambaquis e Cerritos. Cabe destacar que os Mbyá-Guarani não reconhecem os Cerritos e Sambaquis como obras realizadas pelos ancestrais da sua parcialidade étnica, eles apenas usaram a sua cosmologia para pensar essas construções realizadas por grupos distintos.
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História e territorialidade kaiowa nos cantos guahu de Atanásio Teixeira Autoria: Spensy Kmitta Pimentel (UFSB), Izaque João
Tatiane Maíra Klein Autoria: O work propõe uma discussão sobre a importância do estudo dos cantos xamânicos como instrumento para a reflexão sobre história, memória e territorialidade indígena, a partir do caso dos cantos guahu registrados entre os Kaiowa de Mato Grosso do Sul. O rezador Atanásio Teixeira elegeu um conjunto particular dentre os cantos guahu, os chamados “guahu de animais”, para um projeto editorial recentemente realizado pelos pesquisadores, que agora se propõem a sistematizar reflexões sobre esse processo. Descritos como cantos míticos por João e Pimentel (2016), os cantos guahu dos Kaiowa são narrativas em que os animais contam sobre seu modo de ser (teko) no princípio (ypy), histórias do tempo em que os "homens e os animais não eram realmente distintos uns dos outros" (LÉVI-STRAUSS, 2009). A pesquisa com o conjunto selecionado pelo rezador Atanásio Teixeira para a publicação tem mostrado a importância dos guahu não apenas como instrumento para manutenção da memória indígena a respeito do nhandereko – modo de ser tradicional dos Kaiowa – e dessas narrativas míticas, mas também, na articulação entre territorialidade e história, como dispositivos da memória sobre o meio ambiente da região, anteriormente conhecido pelos indígenas como Ka’aguyrusu (mata grande). A pesquisa dialoga com experiências passadas e presentes, como os Talleres de Historia Oral Andina (THOA), coordenados por Silvia Rivera Cusicanqui, na Bolívia, e os Laboratorios de Historia Indigena, grupo atualmente organizado na Unam (Mexico), buscando compreender epistemologicamente o ponto de vista expresso por Atanásio ao escolher valorizar um conjunto de cantos que remete tanto ao mitos, quanto ao processo histórico de expropriação territorial e devastação ambiental dos tekoha, territórios kaiowa - dos quais o próprio rezador é testemunha. Ao mesmo tempo, também está relacionada ao work do pesquisador kaiowa Izaque João como professor de história na comunidade de Panambi e também formador de professores no Magistério Indígena Ara Verá, realizando, portanto, uma reflexão sobre a prática que envolve a relação entre a escola indígena e os cantos xamânicos.
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Laboratorios de historia contemporánea: el caso de los los cucapá en Baja California, México Autoria: María Isabel Martínez R. (UNAM) Autoria: El objetivo de esta presentación es compartir, de manera general, en qué consiste el proyecto titulado Laboratorios de historia contemporánea y exponer los resultados del proyecto piloto co-construido con algunos cucapá que residen en el desierto de Baja California en México, enfocado en la generación de conocimiento en torno a la geografía, la historia y la enseñanza del cucapá (una lengua en riesgo).
Fundamentado metodológicamente en una forma de relacionalidad radical –bajo la cual, la definición de la historia indígena depende de las redes que condicionan su producción y registro, y no de sus cualidades intrínsecas–, el objetivo general de los Laboratorios de historia consiste en documentar los efectos analíticos y sociales de procesos de co-producción de conocimiento e impulsar la generación de productos académicos que simultáneamente funjan como insumos para las poblaciones con las que trabajamos. El fin ulterior es crear nuevos vínculos entre la investigación histórica y los actuales contextos en los que viven los pueblos amerindios.
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Mitologias indígenas ameríndias na centralidade dos estudos decoloniais Autoria: Clovis Antonio Brighenti (UNILA - Universidade Federal da Integração Latino-Americana) Autoria: A presente proposta parte da necessidade de pensar as mitologias indígenas na centralidade dos estudos decoloniais. As novas abordagens das teorias decoloniais a partir das perspectivas dos povos indígenas, seus saberes, suas práticas, seus sistemas de vida, relações socioeconômicas e com o meio ambiente, possuem um potencial de gerar novas relações e produzir novos saberes.
Os estudos decoloniais ganharam importante espaço nas produções acadêmicas nas últimas décadas, estabelecendo novas e profundas viradas epistêmicas ao criticar profundamente a colonialidade do poder, do saber e do Ser. São produções que questionam a dominação colonial e propõem uma nova forma de pensar e de relacionar-se a partir de novos lugares e de outros valores, rompendo com a dominação histórica e o racismo epistêmico. Os saberes dos povos indígenas são centrais nesse processo, porque além da rica diversidade estão ancorados em experiências milenares, que se formaram a partir das próprias ciências nativas, de experimentos e vivências com o ambiente latino-americano. Ao longo da história dos últimos 528 anos da invasão Ibérica no continente, os saberes dos povos originários não foram considerados, exceto aqueles usurpados para serem transformados em mercadoria. Ocorreu o processo que o professor Boaventura de Sousa Santos definiu como epistemicídio, ou seja, tentativas de eliminação e substituição dos saberes nativos.
Apesar da violência história, os povos originários resistiram. As mitologias indígenas revelam o grande desafio de conhecer a história e os saberes desses povos, são elas os fios condutores do novo. Enfim, são temas que partem do pressuposto da interculturalidade e interdisciplinaridade não apenas nas áreas da antropologia e história, mas nas diversas áreas do conhecimento.
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O ‘antigeométrico’: golas, molduras e inter-historicidade Autoria: Leonardo Tomé de Souza (UFG - Universidade Federal de Goiás) Autoria: Neste work, ao analisar a produção e o uso dos grafismos indígenas atuais e passados, explorando questões relacionadas aos diferentes contextos envolvidos, aplica-se o exercício da alteridade referenciada entre conceitos que possuem a mesma forma - homônima, mas significados diferentes, realizado no perspectivismo indígena, balizando assim a atividade arqueológica entre as possibilidades e seus limites. O patrimônio arqueológico em suas diversas formas de expressão, apesar de ilusoriamente transparecer um caráter estático e inerte, não escapa aos embates, apropriações e conflitos inerentes às culturas. No âmbito de uma representação mais democrática e dos direitos humanos indígenas, determinadas narrativas arqueológicas - ou a ausência delas - podem não só erodir possibilidades de autoafirmação e a construção de inter-historicidades, mas também perpetuar eixos históricos de subordinação e exclusão.
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Órfãs com pais vivos e capazes: uma história do tratamento de crianças de minorias étnicas em Manaus (1870-1940) Autoria: Ana Luiza Morais Soares (University of Illinois at Chicago) Autoria: Era janeiro de 1877 quando em São Joaquim do Rio Negro, uma pequena vila no extremo noroeste da província do Amazonas, duas irmãs vivenciaram a situação mais assustadora de suas vidas. Angela Simões tinha nove a dez anos e Benedicta Simões tinha sete a oito anos quando foram sequestradas em sua própria casa. Elas estavam dormindo em suas redes quando o inspetor de quarteirão, Joaquim Pinheiro, e cinco Praças da Guarda Nacional cercaram sua casa e as levaram à força sem nenhuma documentação legal que justificasse tal ato. O tenente Emílio Augusto d'Oliveira, subdelegado da polícia distrital e comandante do forte de São Gabriel, foi o mentor do sequestro e quem acompanhou as meninas a Manaus num barco à vapor. Quando o barco atracou em Barcelos, o juiz municipal da vila ordenou a libertação imediata das meninas, mas o tenente Emílio se recusou a obedecer a ordem. Quando as meninas chegaram em Manaus, elas foram separadas. Angela foi levada para a casa do comerciante João Maria Lourine e Benedicta ficou com o tenente Emílio, ambas então consideradas órfãs. Em 23 de abril de 1877, uma petição de habeas corpus, apresentada pelo pai das meninas, Joaquin Tinoco Simões, começou a ser analisada para libertar Angela e Benedicta. Uma série de testemunhos foram coletados para avaliar esta petição. Algumas perguntas podem ser levantadas após a coleta de todas as informações sobre o seqüestro de Angela e Benedicta. Antes de tudo, por que esse caso específico teve tão grande repercussão (também aparece no jornal de grande circulação na região: “Commercio do Amazonas”) se o seqüestro de crianças de minorias étnicas era tão comum desde o início do período colonial no Brasil? Por que só as meninas foram alvo do seqüestro se elas também tinham um irmão mais velho na casa no momento do ocorrido? Quantas outras situações semelhantes não tiveram a mesma visibilidade e, portanto, não tiveram o mesmo final feliz (as meninas retornam para seus pais ao final do processo)? O presente artigo combina perspectivas e métodos da antropologia e da história para desvendar o tratamento que crianças de minorias étnicas (indígenas e afrodescendentes) tiveram na cidade de Manaus do final do século XIX ao início do XX. Eu analiso processos judiciais, jornais, relatórios dos Presidentes de Província e Governadores e estatutos de instituições de ensino voltadas para crianças pobres e indígenas do período em questão para contar essa história. Processos judiciais como o que está no centro desse artigo ajuda a questionar a própria categoria de órfãos e mostrar como crianças pobres e indígenas eram tratadas em contexto urbano, além de evidenciar a manipulação agentiva das leis e instituições judiciais pela população, que demonstram plena consciência das querelas por trás dos cargos políticos.
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Os Guarani e o mato (ka’aguy): buscando pistas entre arqueologia, botânica e etnologia Autoria: Elizabeth de Paula Pissolato (UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora) Autoria: Os Guarani foram descritos na literatura como povo com grande capacidade de adaptação a diferentes ambientes e contextos de vida, o que remete ao deslocamento em tempos remotos que os levaram até a bacia Paraná-Paraguai, à sua presença contemporânea em um vasto território sulamericano, às situações ecológicas e modos de assentamento diversos por eles experimentados, incluindo, entre outros, a vida em Terras Indígenas em áreas de conservação ambiental, acampamentos na borda de rodovias, aldeias em áreas urbanas, a vida em fazendas e outros contextos. De todo modo, quando se trata da escolha e do comentário de muitos guaranis sobre lugares bons-bonitos para se viver, uma referência central é a noção de ka’aguy (mato), mesmo que a relação com ka’aguy certamente se transforme prática e simbolicamente conforme os contextos espaço-temporais em questão. O interesse deste work é buscar pistas nos estudos de arqueologia e botânica (com apoio da lingüística) para pensar aspectos relevantes da vida de grupos guarani perto do mato/floresta, focalizando relações com plantas (aqui buscando aprofundar o debate sobre “os Guarani agricultores” à luz de estudos contemporâneos sobre a “antidomesticação amazônica”), relações com animais, tematizando a caça, se possível em articulação com o xamanismo e suas transformações. A abordagem das práticas de plantio, da caça e outras formas de fazer a vida na relação com o mato permitirão possivelmente aprofundar ainda o tema da “mobilidade guarani”, em sua ligação mais estreita com modos de andar na floresta.
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Sobre as (in)devidas misturas: notas sobre origem e história de um povo kichwa amazônico Autoria: Marina Ghirotto Santos (USP) Autoria: Este é um exercício de pensar com o povo kichwa (ou quíchua) Sarayaku, localizado na Amazônia equatoriana, sobre alguns dos eventos considerados como estruturantes de sua história e origem. Os Sarayaku Runa integram o conjunto dos Canelos Runa, povos que estiveram desde muito cedo em contato com as missões religiosas – além das pressões epidemiológicas e do tráfico de escravos. Em muitas pesquisas, são tratados como uma “etnia neocolonial” formada a partir das reducciones de distintos povos pelas missões. Por essa razão, mas também por manterem um regime de territorialidade que oscila entre as purinas do rio Rotunu e as comunidades, e por falarem uma variante do quéchua andino, os kichwas das terras baixas foram por muito tempo tratados como amazônicos aculturados, incaizados, imigrantes dos andes ou andinos aculturados. À estes povos lhes foi negado um caráter “propriamente amazônico”, ao mesmo tempo em que não chegavam a ser “efetivamente andinos”; em suma, não eram povos de um genuíno interesse analítico – um reflexo da divisão, nos estudos americanistas, entre as análises das sociedades de montanha e amazônicas. Após uma série de etnografias – como as de N. e D. Whitten com os Canelos Runa; M. E. Reeve com os Curaray Runa; M. Uzendoski com os Napo Runa; Descola e Taylor com os Shuar e Achuar vizinhos (e em parte parentes) dos Canelos Runa, dentre outras – esse paradigma foi, no interior da antropologia, transformado. O problema foi em parte abordado através da categoria de etnogênese e de reflexões etnográficas sobre regimes de historicidade, complexos mitológicos, oníricos e xamânicos, agenciamentos envolvidos na produção da cerâmica, etc. que recobraram a esses povos um lugar propriamente amazônico e dinâmico, abrangendo suas relações com/contra o Estado equatoriano e outros povos – amazônicos e andinos. Na esteira desses e outros works, o que busco realizar é um exercício simultaneamente histórico (a partir dos relatos de missionários e de uma certa produção historiográfica) e etnográfico (a partir do que aprendi com meus interlocutores). Ao caminhar por diferentes regimes de tempo (o tempo do mito, o tempo das missões, as guerras e os personagens importantes dessa história, etc.) e pelo idioma da “mistura” – que, sugiro, propõe uma linha de fuga à etnogênese – muito do que se assume como sendo “aculturação” pode ser uma forma propriamente Runa de fazer e desfazer coletivos através de uma delicada diplomacia que institui as devidas aproximações e afastamentos. Se aprendi corretamente, a etnogênese e o “problema” que ela buscou resolver dizem respeito aos nossos mundos, e não aos deles, uma vez que os Sarayaku Runa reafirmam que “nós sempre fomos”, ao mesmo tempo em que, sendo orgulhosamente “kichwas de Sarayaku”, são também misturados.
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Sobre mulheres e acusações de feitiçaria entre os Guarani e Kaiowa Autoria: Lauriene Seraguza Olegário e Souza (USP - Universidade de São Paulo) Autoria: Neste texto, pretendo apresentar reflexões parciais de minha pesquisa de doutorado em antropologia social (PPGAS/USP 2016-2020), a partir de conexões entre dados etnográficos junto as mulheres guarani e kaiowa em Mato Grosso do Sul acerca de acusações de feitiçaria e os relatos de missionários jesuítas sobre a questão. Em estudos preliminares foi possível perceber que as mulheres eram percebidas como feiticeiras em potencial por estes missionários, como apontam os seus registros históricos, principalmente as mais velhas, tidas, de maneira geral, como insubordináveis aos ensinamentos cristãos, e por isso, compulsoriamente sob suspeição. Estas conexões possibilitam um olhar para estas acusações na atualidade, que quando ocorrem, geram sanções sociais e disputas narrativas que sinalizam as transformações na organização social destes indígenas. Desta maneira, a proposta é compartilhar estas reflexões, num esforço de articular antropologia e história numa temática sensível ao mundo guarani.
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SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO: Territorialidade Indígena Kaimbé e os conflitos sociopolíticos no contexto dos sítios arqueológicos Autoria: Vanessa Cosma da Silva Mello Iguatemy (USP - Universidade de São Paulo) Autoria: A pesquisa trata sobre a relação entre territorialidade, memória e símbolos, no Submédio São
Francisco, norte da Bahia, com a população Kaimbé do povoado Brejo da Brásida no
município de Sento Sé-BA. Eles procuram a legitimação de suas reivindicações através da
defesa dos sítios arqueológicos frente à hegemonia econômica e aos impactos de grandes
empreendimentos como barragens, parques eólicos e mineradoras. Pelas vozes da
comunidade, buscamos refletir sobre o discurso de identidade e seus referenciais simbólicos.
Dos 950 sítios de Sento Sé, 60 estão no Brejo da Brásida, cadastrados pela população local e
pesquisadores após a inundação da barragem de Sobradinho em 1974. Como essa comunidade
estabelece seu sentindo de pertencimento relacionado ao território e ao patrimônio
arqueológico e ambiental? A problemática se profere a partir de quais são suas ações para
expressar a afirmação identitária. Além disso, como eles se veem na preservação de seus
signos e significados nas paisagens e nestes sítios. A metodologia baseia-se na observação
participante para compreender o cotidiano, as estratégias e ações de preservação, bem como
acompanhar e refletir sobre como se articulação perante os agentes impactantes e a gestão
pública. No exercício da história oral, junto às fontes documentais e iconográficas em
diretrizes antropológicas aplicáveis à semiótica, interpretamos os significados dados pela
população Kaimbé ao ambiente, aos sítios arqueológicos, ao seu território e sua identidade.
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Teologia e Etnografia na Missão do Rio dos Peixes: entre índios católicos e missionários indigenistas Autoria: Enrique Polto Taborda (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Autoria: Este work versa sobre uma história de encontros, contato, tensões e coexistência, de três povos indígenas e o cristianismo, a partir do ponto de vista de um teólogo. Seu testemunho aparece na forma de um diário de campo que produziu durante a função que ocupou, de 1986 a 1996, como assessor teológico do Conselho Indigenista Missionário do Mato Grosso (CIMI-MT). O diário narra as impressões do pe. Taborda de sua vivência entre aqueles povos e entre aqueles missionários indigenistas que, de algum modo, procuravam colocar em prática o novo paradigma de missão fundamentado na chamada “Teologia da Inculturação” que, a partir dos anos 1950, começava a ser sistematizado por diversos agentes da Igreja em várias partes do mundo.
O conceito de inculturação conforma uma chave de leitura na preocupação por parte dos agentes da Igreja Católica com as relações entre evangelização e cultura. Pelos contextos e fins de seu uso, e por sua estreita ligação com uma certa ideia de “cultura”, tal conceito teológico é subsidiário da antropologia social e implica um diálogo mais ou menos estreito entre as duas disciplinas. Tomando, então, o documento como um certo tipo de material etnográfico – marcado pelo gênero discursivo do diário e atravessado pelas preocupações teológicas de seu autor –, a proposta deste work é discutir as observações “etnográficas” produzidas nos cadernos do teólogo em campo, à luz da literatura etnológica sobre os povos Kayabi, Apiaká e Munduruku que vivem na Terra Indígena do Rio dos Peixes. Ao dar paridade epistemológica a tais registros, ao lado de etnografias realizadas junto a esses povos por diferentes etnólogos, tem-se um cruzamento de perspectivas que lança luz sobre uma multiplicidade de perspectivas e fenômenos. Entre elas, a visão teológica do jesuíta sobre o que seria uma “evangelização inculturada” – que não é necessariamente a mesma dos missionários; o entendimento destes últimos sobre sua própria atuação junto aos povos indígenas e a atuação missionária contemporânea da Igreja Católica; e as noções cosmológicas dos coletivos ameríndios que vivem nas aldeias do Rio dos Peixes, suas práticas religiosas, suas tradições e “conversões”, assim como sobre as dinâmicas políticas interétnicas que fazem parte do cotidiano daquela missão.
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Um olhar sobre os Andes a partir da floresta: diálogos entre etnologia, história e arqueologia Autoria: José Antônio Vieira Pimenta (UNB - Universidade de Brasília) Autoria: Os Ashaninka integram a família etnolinguística dos arawak subandinos e ocupam um território que se estende da região da Amazônia peruana, conhecida como Selva Central, situada à leste dos Andes centrais, até a região do Alto Juruá no estado do Acre, no Brasil. Antes da colonização europeia, os Ashaninka e outros povos dessa região amazônica, tanto da família Arawak como Pano, tiveram contatos regulares com povos andinos, principalmente com o Império Incaico. Baseadas no comércio, mas também na guerra, as complexas relações entre as terras altas e baixas deixaram profundas marcas na cultura dos povos dessa região amazônica. Algumas dessas influências são visíveis, por exemplo, na cultura material e na mitologia desses povos. Tendo como foco a etnografia ashaninka, estabelecendo diálogos entre antropologia, história e arqueologia, esta comunicação procurará discutir as relações multifacetadas entre os povos das terras altas e das terras baixas e a dicotomia Andes-Amazônia.
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“Essa terra para nós significa tudo”: território, poder tutelar e agências entre os Tenetehar-Tembé na fronteira Pará-Maranhão Autoria: Benedito Emílio da Silva Ribeiro (Museu Paraense Emílio Goeldi) Autoria: Este work visa debater sobre o processo de construção do território Tenetehar-Tembé ao longo do século XX, sobretudo a partir da criação de uma reserva situada entre os rios Guamá e Gurupi (futuramente denominada Terra Indígena Alto Rio Guamá), cujas terras foram doadas, em idos de 1945, pelo então Interventor Federal no Estado do Pará, o coronel Magalhães Barata. Entendo que a finalidade desta reserva era de agrupar e acomodar esta população indígena em um único espaço comum, haja vista que até aquele momento os Tenetehar-Tembé estavam dispersos pelo nordeste paraense, habitando a cabeceira dos principais rios da região. Observo que a dinâmica territorial dos Tembé, um povo da família linguística tupi, se construiu nesta espacialidade por séculos antes e durante o processo de dominação colonial europeia. Assim, opto por uma análise de longa duração para dimensionar como as relações sociopolíticas e as dinâmicas territoriais foram sendo erigidas naquele locus entre os vários sujeitos, indígenas e não indígenas. De forma mais central, parto para o século XX e observo os intentos do Estado-nação, via Serviço de Proteção aos Índios, em efetivar políticas de colonização naquela área de fronteira interna - "sertão", "vazio demográfico" -, reduzindo as terras ocupadas pelos indígenas e liberando os espaços necessários para a ampliação das frentes de expansão agropastoris, bem como viabilizar o processo de transformação do indígena em trabalhador agrícola. Em contrapartida, percebo que os Tenetehar-Tembé se apropriaram e reinventaram os discursos e as práticas que lhes foram impostos, submetendo-os às suas próprias lógicas de vivência grupal e suscitando um processo de r-existência de seu cotidiano. A partir dessas vivências, orientadas pela cosmologia e que se conectam com contextos atuais na Terra Indígena Alto Rio Guamá, observo a emergência de outras territorialidades entre os Tembé, que extrapolam as diretrizes racionalizadas e disciplinares do Estado direcionadas ao seu território étnico e modus vivendi. Desta forma, esta pesquisa proporciona compreender esses processos de territorialização-territorialidade entre os povos indígenas, observando os desdobramentos que as imposições territoriais do Estado-nação, com a criação de "reserva" indígenas com fronteiras marcadas e arbitrárias, geram nas vivências desses povos em tais espaço outros, em suas memórias sobre aquele tempo e seu papel perante os processos históricos, passados e presentes.
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“Para onde foram os Wèrè?” Etnoarqueologia e Práticas Colaborativas com os Karajá/Inỹ da Ilha do Bananal (Tocantins, Brasil) Autoria: Diego Teixeira Mendes (Museu Antropológico/UFG) Autoria: Os registros etno-históricos apontam que os Karajá/Inỹ já ocupavam a Ilha do Bananal no final do século XVI. Os dados arqueológicos regionais apontam para ocupações milenares, mas praticamente desconhecemos os processos de ocupação pré-coloniais no território Karajá da Ilha do Bananal.
Buscarei aqui discutir alguns pontos da literatura sobre os processos de ocupação pré-coloniais da região da bacia do Araguaia, bem como hipóteses sobre a origem e a relação dos Karajá com outros grupos étnicos, explorando as ideias de Pétesch (1987) – os Inỹ como um grupo de posição intermediária no continuum Jê-Tupi - e Rodrigues (2008) – que propõe os Javaé/Inỹ como o produto de uma fusão complexa entre povos de origem Arawak e Macro-Jê. Ao mesmo tempo, os Karajá narram histórias sobre o seu passado e explicam que a materialidade (arqueológica) dispersa sobre o seu território está associada a um povo chamado Wèrè, que desapareceram após a sua chegada.
Dessa forma, proponho uma pesquisa etnoarqueológica com os Karajá/Inỹ centrada nas ideias de história indígena de longa-duração (Neves, 1995; 2015; Silva & Noelli, 1996; 2016; Wüst, 1990), simetria e reflexidade (Shanks & Tilley, 1987) e colaboração (Atalay, 2006). O objetivo é investigar junto com os Karajá os processos de ocupação pré-coloniais e históricos da Ilha do Bananal, tomando a materialidade arqueológica, os mitos e as explicações nativas como eixos de pesquisa e reflexão.
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