GT 45. Etnografias da natureza: repensando dualidades

Coordenador(es):
Glaúcia Oliveira da Silva (PPGMA UERJ)
Bernardo Lewgoy (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Sessão 1
Debatedor/a: Caetano Kayuna Sordi Barbará Dias (IPHAN)

Sessão 2
Debatedor/a: Annelise Caetano Fraga Fernandez (UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)

A postura relativizadora que acompanhou o desenvolvimento da Antropologia como disciplina vem ganhando novos contornos com a crítica ao antropocentrismo e ao determinismo cultural. Com esse GT, pretendemos discutir textos teóricos ou etnográficos que instrumentalizem a compreensão sobre práticas humanas de modo a questionar a existência de um grande divisor e todas as outras fraturas dele decorrentes. Nessas últimas incluímos, a título de exemplo, as dicotomias presentes em contextos de colaboração, predação ou activity produtiva, estabelecidas por grupos humanos com outros seres vivos; são algumas delas: selvagem/domesticado/animais de companhia, caçador/caça, pescador/pescado, agricultor/culturas, etc. Outras oposições, tais como espécies nativas/ espécies exóticas, saber científico/saber popular/tradicional, podem ser acionadas quando espécies se tornam alvo de preservação ou de extermínio. Nas práticas científicas podem surgir ainda as distinções entre sujeito/objeto, pesquisador/cobaia, homem/máquina, artificial/natural, moderno/tradicional e seus desdobramentos. O GT pretende assim reunir trabalhos que convidem a pensar em novas possibilidades de descrever, analisar e interpretar esses e outros contextos, que vão deixando de ser exclusivamente sociais, como queria a antiga Antropologia, pressupondo a dissolução das fronteiras entre natureza e sociedade/cultura, na prática etnográfica.

Palavras chave: relações natureza-cultura; humanos e não humanos; diálogos intercientíficos
Resumos submetidos
A seleção natural como narrativa sobre o grande divisor, a biossemiótica e as etnografias das pessoas humanas e não-humanas.
Autoria: Glaúcia Oliveira da Silva (PPGMA UERJ)
Autoria: Proponho uma leitura do neodarwinismo a partir de a works de cientistas que pesquisam sobre o efeito de mutações não aleatórias (também chamadas dirigidas ou epigenéticas), a exemplo de Eva Jablonka, Marion Lamb e Kalevi Kull, sempre no intuito de evidenciar a existência de visões diferentes da hegemônica. Discuto as críticas formuladas por Tim Ingold à biologia contemporânea e sua alternativa às metáforas dos geneticistas, afirmando que as considero fiéis à teoria, que é o que deve ser criticado. Finalmente, aponto que há, em alguma medida, convergência entre alguns biólogos e antropólogos, na percepção dos seres vivos como “pessoas” e como dotados de “mundo interior”, sua Umwelt, tal como formulada por Jakob Uexküll. O perspectivismo, as etnografias multiespécie e as etnografias inspiradas na biossemiótica evidenciam formas de lidar com a subjetividade dos não-humanos, interesse relativamente recente na antropologia.
Coleções de materiais humanos para uso em pesquisas: seres híbridos e associações transfronteiriças.
Autoria: Rosanita Ferreira e Baptista (SESAB)
Autoria: As biociências, ao tomarem o corpo humano como objeto de escrutínio e experimentação, mobilizam questões e atores que não são apenas científicos e técnicos, mas também políticos, legais e éticos. A imbricação dessas esferas parece tornar problemáticas as perspectivas que se fundamentam em dualidades, como natureza x cultura, fato x valor. Este é o caso dos biobancos, cujas práticas de manusear e colecionar material biológico humano e informações associadas para uso em pesquisas futuras, ao tempo em que gera expectativas para o desenvolvimento da saúde e da medicina, também trazem incertezas e controvérsias sobre a natureza e destino das coleções, bem como sobre as consequências dos experimentos. É um contexto em que as práticas científicas engendram entidades que não se enquadram confortavelmente nas ontologias modernas e, mais especificamente, tornam ambíguas as fronteiras do “humano”, demandando novas regulamentações e ordenações. Assim, com base em pesquisa empírica sobre os biobancos e sua regulamentação bioética no Brasil, este work explora as associações transfronteiriças e as mediações que surgem das práticas de extrair, formatar, colecionar e usar como objeto de pesquisa fragmentos do corpo humano e suas informações associadas. Para além de práticas puramente técnicas e científicas, são muitos os agenciamentos que entram em conta nas práticas dos biobancos e que os caracterizam não, apenas, como produtores de materialidades, – artefatos técnico-científicos − mas também de sociabilidades. O que se percebe da situação empírica investigada é que as coleções de material humano são seres de contornos incertos e mal definidos − ora são meras matérias biológicas, ora são protegidas por direitos, ora são partes do corpo e, portanto, propriedade de algum humano, ora são novas entidades ou entidades derivadas, invenções passíveis de patenteamento e comercialização. A regulamentação bioética aparece neste contexto como um importante mediador que torna viável e aceitável a circulação dessas entidades híbridas e a sua articulação com as esferas da ciência, da assistência, do paciente/humano-cedente, das instâncias de regulamentação e sanitária. Em que pese as restrições e os mecanismos protetivos para o uso das amostras de origem humana, o empreendimento da moralização, posto na regulamentação, é aquele que dobra o da sua socialização.
Desdomesticar: desafios humanos e não-humanos na reintrodução de animais silvestres
Autoria: Joana Silva Macedo (UERJ FFP)
Autoria: Em cenários alarmantes de defaunação de ambientes naturais, a reintrodução de fauna localmente extinta constitui importante agenda positiva para a biologia da conservação. No entanto, o sucesso das iniciativas de reintrodução é historicamente baixo. Um dos desafios é adaptar animais silvestres criados em cativeiro para a vida livre, o que inclui a busca por alimentos, reação à predadores e a desvinculação da figura humana como provedora de alimentação. Neste work apresentarei a experiência de “desdomesticação” de antas (Tapirus terrestris) em um projeto de reintrodução desse animal nas florestas do estado do Rio de Janeiro. Desde dezembro de 2017, dez animais foram reintroduzidos na RPPN Reserva Ecológica de Guapiaçu, contígua ao Parque estadual dos Três Picos e localizada no município de Cachoeiras de Macacu. A relação de pesquisadores, tratador, moradores do entorno e turistas com as antas foram sendo moldadas com os limites e falhas dos equipamentos de monitoramento, as idiossincrasias comportamentais dos animais e os afetos despertados pela sua presença. O comportamento dócil e a aproximação ativa de antas em busca de alimento trouxeram problemas práticos que demandaram o desenvolvimento de técnicas de afugentamento, e, ao mesmo tempo, provocaram fornecimento de comida, contatos físicos e muitas selfies. Felizmente, os animais foram aos poucos assimilando a nova condição e passando a ter atividade mais noturna e comportamento um pouco mais arisco. Assim como a domesticação é um processo, o contrário também é observado. Não tratar como doméstico animais em processo de “desdomesticação” e assumir a independência e as dificuldades da vida na Floresta Atlântica são desafios postos para humanos e não-humanos, no processo de restabelecer populações silvestres.
Do mantra da sustentabilidade ao evangelho da resiliência
Autoria: Caetano Kayuna Sordi Barbará Dias (IPHAN)
Autoria: Bastante arraigado contemporaneamente em áreas do conhecimento como a ecologia de paisagens, o manejo ambiental e a gestão de riscos e desastres, o conceito de resiliência pode ser definido como a capacidade de um sistema absorver e processar distúrbios que lhes afetam sem perder sua capacidade de auto-organização, sua identidade e feedbacks fundamentais. Da mesma forma, seu uso tem sido frequente na psicologia, tanto leiga, quanto erudita, para se referir à capacidade do sistema psíquico do sujeito lidar com situações adversas e traumas de diversas ordens, o que aponta para uma grande polivalência do conceito. Para alguns críticos, entretanto, trata-se de um novo “evangelho” do discurso socioambiental (Nadasdy, 2007; Hornborg, 2009), em substituição ao - ou paralelamente ao - já clássico “mantra da sustentabilidade” (Hanningan, 2009; Zhouri e Oliveira, 2012). Esta apresentação tem por objetivo, portanto, refletir sobre o que está em jogo quando o discurso ecológico passa ser informado pela noção de resiliência, em especial: (1) o que constituiria, para cada ambiente ou paisagem, uma identidade a ser perdida; (2) em segundo, quem define qual seria esta identidade; (3) em terceiro, o que qualificaria um distúrbio como distúrbio. Por fim, mas não menos importante, (4) quais seriam os traços e componentes do sistema importantes de serem mantidos e/ou cultivados para que ele seja considerado resiliente. A partir de uma análise da literatura produzida a respeito do tema nos campos da conservação ambiental, ecologia crítica e patrimônio cultural, trabalharemos com a hipótese de que se o paradigma da sustentabilidade implica em uma crença na capacidade de se “transpor a crise ambiental sem deixar o caminho da modernização” (Spaargaren e Mol apud Hanningan, 2009, p. 47), o paradigma da resiliência, por outro lado, parece sugerir outro tipo de arrazoado, calcado em certo espírito do tempo antropocênico. Neste, prevaleceria a constatação de que a crise ambiental e seus distúrbios são irreversíveis; que a “intrusão de gaia” de que fala Latour (2013) é iminente; por fim, de que só nos restaria a construção de meios de sobrevivência e adaptação às condições adversas que com certeza se seguirão, na esteira da degradação geral das condições de vida dos sistemas terrestres.
Elas não estão sozinhas e sabem muito bem disso
Autoria: Jéssica Zaramella (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: As mais variadas formas de relação entre os humanos e os demais seres vivos têm sido objeto de discussão e investigações antropológicas desde o começo da disciplina. Contudo, é a partir das últimas décadas que as análises e perspectivas a cerca destas relações vêm ganhando novos contornos, deixando em suspensão, ou pelo menos propondo fortes questionamentos sobre o grande divisor entre os humanos e os demais seres. Colocando em conexão os mais diversos saberes, sejam aqueles provenientes das comunidades, sejam aqueles advindos das mais diversas áreas acadêmicas, a Antropologia tem compreendido que para se conservar em um cosmos – complexamente povoado por uma miríade de seres e entidades capazes de agir e interferir na vida dos humanos – é preciso conhecê-lo, saber vivê-lo e habitá-lo. E mais, é fundamental que os humanos saibam como se relacionar com os outros seres vivos. Diante disto, as artes da política, outrora pensadas apenas entre humanos, passam a ser observadas em suas outras dimensões, fazendo emergir nos debates antropológicos a cosmopolítica. Se os humanos se relacionam com os outros seres, estes também se relacionam com os humanos. Ora, estas redes de conexões incomensuráveis exigem dos humanos saberes e conhecimentos específicos que os tornam capazes de habitar o mundo. Isto posto, este work tem como objetivo trazer para o debate o caso etnográfico das mulheres Kawaiwete desenvolvendo suas atividades na roça. Distante de ser um espaço vazio, a roça é habitada por uma diversidade de seres, os quais podem se relacionar positiva ou negativamente com os humanos. Conhecer e saber se relacionar com as paisagens, os animais que habitam as roças e, sobretudo, com as plantas de cultivo e o seu espírito dono é indispensável para a garantia da alimentação de seus parentes. Para tanto, as mulheres estão em uma contínua negociação com os seres para conseguir alimentar e dar continuidade à sua descendência, o que expõe habilidades cosmopolíticas fundamentais para uma vida cotidiana bem-sucedida. Se para os Kawaiwete alimento verdadeiro é a comida da roça, é vital para a comunidade que as mulheres obtenham êxito em seus works. Cuidar da alimentação, das roças, das plantas, é cuidar da própria existência da comunidade. Sendo assim, a horticultura não é apenas uma atividade de subsistência, mas uma prática que borra as fronteiras entre o doméstico e selvagem, entre o dentro e o fora, entre os lugares harmoniosos e perigosos, e aponta que a cosmopolítica feminina exercida ali pode promover novos caminhos para se pensar o cotidiano e as relações que se desdobram nele com outros seres, bem como nos fazer repensar muitos de nossos conceitos e dicotomias.
Entre Trotar e Caminhar: pensando na dualidade entre o corpo do cavalo e do paciente na clínica Equo-Aventuras na cidade de Niterói
Autoria: Nathália Christina Pinheiro Pinho (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Autoria: Este work tem como objetivo discutir sobre a relação entre animais humanos e não humanos a partir de work de campo na clínica de Equoterapia na cidade de Niterói, no estado do Rio de Janeiro. O termo “equoterapia” foi cunhado no Brasil pela ANDE- – Associação Nacional de Equoterapia (2020), como: “método terapêutico que utiliza o cavalo dentro de uma abordagem interdisciplinar nas áreas de saúde, educação e equitação, buscando o desenvolvimento biopsicossocial de pessoas com deficiência e/ou com necessidades especiais”. Esta terapia, além da relação social e da interação homem/animal, tem o corpo dos seus praticantes como norteador para realização da mesma. Dialogando com Tim Ingold, Dominique Lestel, Bruno Latour e Philippe Descola pretendo discorrer sobre as reflexões de animais humanos e não humanos a partir da relação entre os pacientes e o cavalo no âmbito da Equo-Aventuras. De acordo com Inglold (2015), a noção de humanidade no Ocidente moderno implica uma diferença entre a humanidade enquanto espécie e a humanidade enquanto condição (esta última exclusiva da espécie humana), no tratamento da equoterapia, ao se atribuir uma certa subjetividade aos animais, os praticantes acabam encontrando uma forma de se recolocar como sujeitos na sociedade. Discutindo com a dualidade entre o corpo do paciente e o corpo do cavalo podemos pensar no conceito natureza/cultura não pelo viés dicotômico, mas sim como uma relação mútua entre os seres na clínica Equo-Aventuras, na qual o presente work se propõe salientar.
Moralidade e Natureza na endemia de Leishmaniose Visceral Canina no Brasil
Autoria: Bernardo Lewgoy (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: Esse work procura rastrear, a partir de pesquisa etnográfica e exame de processos judiciais, como a endemia de Leishmaniose Visceral Canina desencadeou não apenas o maior processo de judicialização das relações humano animais. Esses processos resultam da proibição ministerial de 2008 de tratamento de animais infectados com remédios de uso humano. Somados a uma tradição jurídica de retirada da guarda do animal pela autoridade sanitária para eutanásia verificou-se a eclosão de discursos judiciais divididos sobre ambiente, especismo e defesa dos animais de um lado, e os imperativos de biossegurança de outro. Esse quadro complexifica-se a partir de 2017 quando um leishmanicida caro e acessível a uma minoria foi autorizado para uso canino. Assim pretende-se discutir os sentidos e relações entre moralidade, natureza e sociedade envolvidas nesse processo.
Na Baía de Sepetiba: os diferentes usos dado a natureza nos conflitos socioambientais
Autoria: Jessica Stella Rodrigues Varanda (bolsista)
Autoria: A partir da análise dos conflitos socioambientais na Baía de Sepetiba, busca-se localizar as diferentes concepções sobre a natureza nesse território evidenciadas por projetos antagônicos de desenvolvimento. Em um primeiro momento, se discutirá os efeitos socioambientais da instalação de grandes empreendimentos em territórios com modos de vida tradicionais. Em seguida, por meio de uma análise etnográfica e de documentos judiciais e institucionais busca-se identificar como os atores envolvidos nos conflitos socioambientais na Baía de Sepetiba mobilizam em seus discursos ideias muito diversas acerca da natureza. A Baía de Sepetiba, nos últimos anos, recebeu uma série de empreendimentos no seu entorno, como: terminais portuários com capacidade de escoamento de diferentes produtos, um estaleiro e uma usina siderúrgica. Eles possuem um alto potencial de efeito social, ambiental e à saúde na medida em que se caracterizam pela exportação de commodities para o mercado internacional. A região possui importantes ecossistemas ainda preservados como: a restinga da Marambaia, os manguezais e áreas remanescentes de Mata Atlântica. Assim, a destruição desse ecossistema inviabiliza alguns modos de vidas tradicionais. A região é um local em que vivem populações tradicionais que praticam a pesca artesanal, atividade de work e cultural ainda muito presente na Baía de Sepetiba, que vem sofrendo inúmeros efeitos socioambientais desde a instalação de uma série de indústrias no local. Entretanto, os efeitos na pesca artesanal se agravaram, na última década, devido à intensificação da atividade industrial e siderúrgica no local, o que dificulta e/ou impossibilita a atividade pesqueira. Desta forma, pode-se observar que as empresas da região têm uma concepção de natureza como fonte de recurso econômico e matéria prima, já as populações tradicionais como um meio de reprodução de seu modo de vida e subsistência, pautado nas relações culturais estabelecidas de geração em geração. Como também, que os grandes empreendimentos buscam uma exploração intensiva da natureza sem atentar para outras formas de interpretação de uso da natureza, como a pesca artesanal, que está muito imbricada com práticas culturais muito antigas de produção em pequena escala, que provocam menos desiquilíbrios aos recursos naturais em relação aos usos dos grandes empreendimentos.
Não existe futuro sem partilha: pensando os serviços ecossistêmicos culturais em unidades de conservação e práticas religiosas de matriz africana no Brasil
Autoria: Valdevino José dos Santos Júnior (UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Carlos José Saldanha Machado Rodrigo Machado Vilani
Autoria: As religiões de matriz africana sempre encontraram dificuldades deste seu florescimento no território brasileiro, devido o desconhecimento destas liturgias. Os praticantes dessas religiões sofrem com intolerância religiosa, racismo ambiental, racismo institucional, injustiça ambiental atreladas ao preconceito racial. Houve casos em que praticantes de religiões de matriz africana tiveram direitos de liberdade religiosa impedidos ao adentraram em uma unidade de conservação federal e ainda, as práticas religiosas tidas como criminosas. Ataques recorrentes a uma minoria religiosa, representada por cerca de 3% dos brasileiros, são injustificáveis. Vivemos em um mundo diverso, e quando uma visão de mundo se torna dominante, as demais visões são, ofuscadas e reprimidas, direitos e liberdades são restringidos, o que pode até impedir o desenvolvimento humano digno, o livre exercício de liturgias e o acesso a áreas ambientalmente protegidas, como previsto em nossa constituição federal. Na atual perspectiva político-econômico-institucional de extrema direita, de exageros e de restrição de direitos socioambientais legalmente instituídos, estariam as práticas religiosas de matriz africana em risco fundamentada na proteção jurídica ambiental brasileira? Com base na interpretação das normas ambientais e do direito constitucional à liberdade de crença e de consciência, são garantidos o livre exercício de cultos religiosos e assegurado, conforme o artigo 5º, VI, da Constituição Federal/1988, a proteção de locais de culto religiosos e suas liturgias. Neste contexto, são os praticantes de religiões de matriz africana os detentores da garantia de realizar liturgias junto ao meio ambiente natural, uma vez que matas, rios, pedreiras e cachoeiras são locais sagrados de culto. As liturgias não violam os princípios da Política Nacional do Meio Ambiente, não se configurando, desta forma, uma ameaça à proteção de ecossistemas ou uma atividade potencialmente degradadora do meio ambiente. Nesta ideia de problemas de acesso a unidades de conservação, práticas religiosas de matriz africana, racismos e injustiças, adotar uma perspectiva sistêmica pode ajudar a sanar tais conflitos. Neste contexto, os serviços ecossistêmicos culturais, são tidos como benefícios imateriais que os seres humanos obtêm da natureza, para recreação, turismo, benefícios espirituais e religiosos, entre outros, podem nos ajudar a construir políticas públicas, tomar decisões, partilhar o meio ambiente sem restrições, incluindo a visão de uma população geralmente excluída, valorizando tradições, garantindo liberdade religiosa e desenvolvimento humano digno. Garantindo, portanto, um futuro partilhado de unidades de conservação para as presentes e futuras gerações.
Os princípios constitucionais do respeito a Pachamama (Madre Tierra) e do suma qamaña (buem vivir) a partir de uma experiência etnográfica na Comunidade Yumani – Isla del Sol (Bolívia)
Autoria: Tamires Eidelwein (UFPI - Universidade Federal do Piauí), Jóina Freitas Borges Gabriel Eidelwein Silveira
Autoria: Trata-se de uma pesquisa antropológica em andamento em nível de mestrado que busca compreender os princípios do constitucionalismo andino relacionados a cultura do respeito à Pachamama (Madre Tierra) e ao suma qamaña (buen vivir), a partir de uma experiência etnográfica junto à Comunidade Yumani – Isla del Sol (Bolívia). A pesquisa está dividida em duas partes, sendo a primeira parte teórica, documental e bibliográfica, em torno da discussão do constitucionalismo andino, o pensamento decolonial, e o comunitarismo. E a segunda parte, etnográfica, a partir da experiência em campo. Assim, de início busco a compreensão dos fundamentos teóricos do Constitucionalismo Andino, do comunitarismo a distinção entre decolonialidade e descolonialidade. Isso porque, o pensamento decolonial é uma perspectiva teórica que extrapola a questão do constitucionalismo. Nesse sentido, parto do pressuposto que a decolonialidade e descolonialidade afeta o constitucionalismo ideologicamente, especialmente porque constatei em campo que os bolivianos utilizam a palavra “descolonizar” para resistir a dominação ocidental (colonialismo, capitalismo e intervencionismo). Percepções que tive tanto em campo, quanto nas manifestações culturais, em La Paz, me impressionaram, quanto à consciência que o povo boliviano tem a respeito da influência da colonização na sua cultura. Discuto ainda a mobilização política dos mitos fundadores andinos no discurso e em documentos produzidos pelo governo de Evo Morales, dentre outros a constituição de 2009 e o Manifiesto de la Isla del Sol. Para tanto, work “Mito e história” (Lévi-Strauss, Sahlins) relaciando-os aos discursos e documentos políticos que mobilizam mitos andinos (“Pachamama”, “bem-viver”, “Pachakuti”, etc.). Finalmente, a partir da experiência etnográfica realizada, relaciono os princípios constitucionais do respeito a Pachamama (Madre Tierra) e do suma qamaña (buem vivir) ao cotidiano da comunidade Yumani. Assim, percebo os princípios como um plano de fundo da Constituição Boliviana, assim como o principio da dignidade da pessoa humana na Constituição brasileira de 88. A comunidade Yumani, sendo a maioria de ascendência aymara, apresenta a dualidade do moderno e tradicional, pois embora sobreviva basicamente do turismo, vive do pastoreio da lhama, da alpaca e da ovelha, além de praticar a agricultura de forma tradicional, com o plantio em terraços, preservando uma técnica pré-colombiana de cultivo em terrenos íngremes (o socalco). A ilha apresenta também alguns sítios arqueológicos e ruínas, que são preservadas pelos locais e exploradas como atração turística. Além disso, narrativas sobre os mitos fundadores são conservadas como patrimônio cultural.
Paisagens multiespécies, corpo e mente específicos: algumas pistas para o estudo das raças caninas
Autoria: Lucas Woltmann Figueiró (Bolsista)
Autoria: A presente comunicação trata de representações sociais sobre as raças caninas, mais precisamente dos modos pelos quais a Federação Cinológica Internacional (FCI) e a Confederação Brasileira de Cinofilia (CBCK) tecem representações e versões “oficiais” sobre suas origens e particularidades. De forma articulada com outras organizações do ramo, a FCI e a CBCK são responsáveis tanto pela promoção de eventos recreativos, competitivos, seminários e simpósios, quanto pelo controle de dispositivos dedicados a normatizar, regular e orientar criadores de cães de raça, expositores, árbitros e cinófilos em geral. Por se tratar dos primeiros passos de uma pesquisa qualitativa e etnográfica dedicada ao estudo de instituições cinófilas e criadores de cães de raça em seu ofício, nessa exposição me limito a apresentar elementos parciais oriundos de análises bibliográficas e documentais realizadas. Trata-se, mais especificamente, do exame de um dos principais dispositivos controlados pela FCI e CBCK, o documento de “Padrão Oficial da Raça”, parâmetro normativo sobre as origens, características físicas e comportamentais convencionadas como legítimas para cada uma das raças caninas institucionalmente reconhecidas. Do ponto de vista teórico e conceitual, essa comunicação possui influências diversas, mas encontra em Anna Tsing sua maior inspiração. Sem pretensões de fazer uma exegese de sua proposta analítica, a ideia é aproveitar certas pistas deixadas pela autora para examinar de que modo “paisagens multiespécies” são acionadas na elaboração de explicações sobre as origens e particularidades de raças caninas. Considerando o estágio inicial da pesquisa, nessa exposição me interesso sobretudo em apontar e discutir possíveis desafios e caminhos para a investigação.
“Vamos Supor Que Todas as Vacas Sejam Esfericamente Simétricas”: Uma etnografia no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).
Autoria: Cátia Inês Salgado de Oliveira (SEEDUC)
Autoria: Esse work apresenta um estudo etnográfico realizado no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/RJ): Entre físicos, laboratórios, mésons, bósons, ou, humanos e fenômenos físicos; entre o que muitos dos agentes presentes nesse texto definem como natureza, ou objeto da Física. O problema físico em questão constitui simetrias observadas nessa natureza como sistema que, transformado pelo físico, continua apresentando a mesma simetria, ou seja, o sistema continua inalterado. O presente texto mostra através das práticas de físicos do CBPF as oposições construídas nestas, como: físicos/objeto de estudo (natureza), humanos/máquinas, e outras, com o intuito de apresentar e questionar essas dicotomias, esse 'grande divisor' que há muito constitui o pensamento ocidental.
O humano entre visagens e bichos visagentos: a concepção simbólica de natureza em uma comunidade amazônica
Autoria: Vinícius Barriga dos Santos (UNIFAP - Universidade Federal do Amapá)
Autoria: O presente pôster almeja caracterizar a concepção de Natureza e suas implicações na vida cotidiana da comunidade do Rio Mararu localizada em Gurupá – PA, a partir de uma análise de narrativas da população local, coletadas in loco com o auxilio de um gravador em 2019, que versam sobre conflitos de moradores com os “caruanas”, categoria nativa que descreve uma entidade invisível passível a manifestar-se concretamente como animal (boto, guariba, cobra grande etc.), plantas/árvores ou locais (rios e matas), inserindo-se no sistema de crenças da Pajelança “Cabocla”, conjuntos de práticas xamanísticas que envolvem representações cosmológicas acerca da natureza e do humano (GALVÃO, 1995; MAUÉS, 2005). As narrativas selecionadas apresentam padrões de metamorfose animal-humano-animal e humano-animal-humano, processo este onipresente no mundo altamente transformacional proposto pelas culturas amazônicas (VIVEIROS DE CASTRO, 2017), as estórias são povoadas de seres que mesclam inextricavelmente atributos humanos e não-humanos formando um campo intersubjetivo humano-natureza, a partir do qual pode-se entrever as concepções simbólicas basilares que definem a relação homem/natureza e homem/animal para a comunidade. Com o auxílio metodológico da observação participante, desvelamos algumas das implicações das supramencionadas concepções simbólicas, presente nas narrativas, na própria dinâmica sociológica subjacente ao cotidiano de Mararu, principalmente no que tange a caça/pesca. Em suma, as narrativas não exprimem somente um antagonismo entre o homem e forças extraordinárias, mas exprime o fato de que os “caruanas” (conhecidos também como “visagens”) dominam diversos setores da natureza na medida em que são considerados entidades protetoras que guardam a natureza contra a depredação antropogênica. Destarte, povoando as matas e rios de intencionalidades e deslocando o humano do seu pretenso privilégio metafisico ocidentalista, as narrativas exortam uma ontologia amazônica da natureza que orienta modos de ser e estar no mundo indissociáveis de uma relação de reciprocidade com o ambiente e o Outro não-humano.
Protegido/urbanizado: o que as areias da restinga podem dizer sobre a história de Maricá (RJ)
Autoria: Matheus da Rocha Leite Antonio (Instituto), Viviane Fernandez Rosana Temperini
Autoria: Este resumo deriva da formulação teórica de um work de conclusão de curso (Ciência Ambiental). Desde uma perspectiva antropocêntrica, ambientalista e convencional, a história da restinga de Maricá é descrita considerando as intervenções humanas moldando a natureza, sejam elas do tipo negativa (modificadora) ou do tipo positiva (mantenedora). Tal oposição, urbanizado/protegido, repete a dicotomia entre o social e o natural, comum às políticas de conservação e aos discursos científicos (Diegues). O antropólogo das ciências Bruno Latour nos sugere que, diante de uma situação como esta, não tomemos partido rapidamente, buscando resolver a controvérsia, mas que adotemos a própria dualidade como objeto de estudo. Pensando então sobre a dicotomia urbanizado/protegido, recorremos às contribuições do geógrafo Erik Swyngedouw, para o qual as cidades são híbridos socionaturais (nem puramente sociais, nem puramente naturais). Este autor toma como exemplo um copo d’água para dizer que, a partir de um único elemento dessa cidade híbrida, podem ser descritas múltiplas relações. Nos questionamos, então: considerando a restinga como um híbrido socionatural, que elemento poderia ser utilizado para descrever sua história, interligando atores humanos e não-humanos e contribuindo para a superação da dicotomia protegido/urbanizado? E ainda, poderiam as areias representar esse elemento? Foi a impossibilidade de desapropriação de grande parte do terreno (arenoso) da restinga, à época da criação da Área de Proteção Ambiental de Maricá, que abriu brechas para atual proposta de instalação de um megaempreendimento turístico, imobiliário e "ecológico". Há Ciência, cientistas e atores sociais que se valem de argumentos técnico-científicos contestando os distintos planos para a área. Seguindo esses distintos planos os atores se multiplicam: alguns jornais, Estudo de Impacto Ambiental, pesquisadores e representantes do poder público apresentam a ideia de que a intervenção urbanística e modificadora é desejada pela população, indispensável à economia e ao desenvolvimento regional. Em oposição, Ministério Público, outros pesquisadores, movimentos sociais e pescadores evidenciam violações de direitos humanos e projetos de uso distintos para a região, mais ligados a uma perspectiva mantenedora. No entanto, para além de apresentar dois lados opostos, é a dinâmica entre eles que nos interessa descrever. Apostamos que o referencial teórico-metodológico da teoria ator-rede poderá nos auxiliar no desafio de superação da dicotomia protegido/urbanizado, bem como de outras dualidades, conforme contribuiu nas teses de doutorado sobre as águas minerais do sul de Minas (Raphael Vianna) e sobre a Reserva Florestal Thomas Van der Hammen (Gisele Osorio), nas quais esse work se inspirou.