GT 38. Estudos etnográficos no mundo dos psicoativos
Coordenador(es):
Edward John Baptista das Neves MacRae (UFBA - Universidade Federal da Bahia)
Regina de Paula Medeiros (PUC MINAS - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais)
Nos últimos anos, o campo do estudo do uso de substâncias psicoativas, até recentemente apanágio quase exclusivo dos estudos em saúde ou direito, vem também se desenvolvendo de forma muito rápida na antropologia. A nova, mas não inédita, atenção dada aos seus aspectos culturais traz uma série de implicações teóricas, metodológicas, políticas e éticas. Destacam-se aí conflitos entre abordagens teóricas baseadas no interacionismo simbólico e as norteadas pela teoria ator-rede e as questões metodológicas relacionadas a uma maior ou menor participação nas práticas pesquisadas e na militância de diferentes movimentos sociais. Surgem diversas indagações. Pode/ deve o pesquisador usar substâncias psicoativas em campo junto com seus interlocutores? Qual o lugar da autoetnografia? Tampouco podem ser deixadas de fora questões éticas relacionadas ao estudo de populações com práticas ilícitas ou socialmente estigmatizadas. Que proteção se oferece aos sujeitos da pesquisa? E aos pesquisadores? Pensando nestas, propõe-se um grupo de trabalho para refletir sobre instrumentos metodológicos-teóricos- éticos que possibilitam a compreensão dos contextos sociais onde pesquisadores investigam distintas práticas de uso de psicoativos, sejam eles lúdicos, espirituais ou terapêuticos possam trazer à discussão os vários dilemas encontrados em seus estudos.
Resumos submetidos |
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A presença do autor em etnografias sobre usos rituais de psicoativos Autoria: Rodrigo de Azeredo Grünewald (UFCG - Universidade Federal de Campina Grande) Autoria: No verão de 1997 aprendi a fazer a juremahuasca e logo iniciei os pioneiros works espirituais regulares com uso dessa bebida no Brasil. Paralelamente, no verão de 2000 eu comecei a colocar em prática, também em uma das minhas residências – e independentemente de qualquer centro espírita institucionalizado –, works religiosos que seguem uma das linhas daimistas. Em 2002 orientei uma monografia de TCC sobre os vários sujeitos brasileiros que realizavam works com juremahuasca. O orientando/amigo, que frequentava assiduamente os works rituais (com juremahuasca e com daime) na minha casa, entrevistou e reportou os works espirituais que os novos juremeiros que se seguiram aos meus works faziam, utilizando seus nomes verdadeiros e suas metodologias espirituais. Junto com a monografia, o mesmo autor dirigiu um importante e premiado vídeo apresentando alguns desses sujeitos da jurema, com pesquisa e produção fortemente programadas por mim. E aparecemos no final do filme, inclusive. Nesse mesmo ano, saiu meu primeiro capítulo de livro escrito sobre a jurema (a edição formal de algo que já havia sido inadequadamente colocado na internet sem minha autorização em 1997) e no qual narro também a entrada da juremahuasca no Brasil. A partir daí artigos e capítulos de livro foram escritos por mim sobre a jurema (sempre mencionando a juremahuasca) e nos quais sempre me coloquei como um sujeito no processo de promoção e difusão do uso ritual dessa bebida no Brasil. Agora em 2020 está sendo lançado um livro sobre a jurema, que a trata de forma extremamente ampla, e no qual me coloco, algumas vezes, como sujeito promotor de rituais e como interlocutor de importantes sujeitos dos usos rituais tradicionais ou de criações pós-modernas rituais e lúdicas em torno não só da bebida mas de outras formas de uso da molécula de DMT contida na jurema. Além disso, fui recentemente convidado a escrever um capítulo de livro sobre os works espirituais que realizo em torno da religiosidade ayahuasqueira a qual me vinculo. Neste capítulo (livro ainda não publicado), tenho a minha própria trajetória pessoal como fio condutor do processo analisado. Sou, ao mesmo tempo, sujeito-objeto de investigação sobre uma casa espiritual não institucionalizada. Isso me levou, no texto, a levantar desafios de ordem ético-político-acadêmico que se punham em tal tarefa. A partir desse pano de fundo, pretendo, na minha exposição oral, evocar exemplos desse amplo cabedal a fim de trazer à roda uma discussão em torno do valor heurístico da presença do autor em textos que tratam de assuntos sobre psicoativos, os quais têm sua legitimidade muitas vezes em suspeição, tendo em vista inclusive a disputa no campo político-jurídico em torno da licitude sobre seus diversos usos.
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As vantagens e os desafios da pesquisa em plataformas digitais: o caso dos desafios de consumo de alcool hospedados no Youtube Autoria: Tiago Coutinho Cavalcante (Fiocruz - Fundação Oswaldo Cruz), Suely Deslandes Autoria: Partindo de dados preliminares de uma pesquisa em andamento chamada “Internet: espaço de disseminação e enfrentamento da violência em crianças e adolescentes” o objetivo desta apresentação é explorar as vantagens e desafios para o pesquisador que se propõe a trabalhar o mundo digital como objeto de pesquisa. Dentro dos objetos abordados nesta pesquisa mais ampla, a comunicação oral partirá dos desafios hospedados no site Youtube que tem como principal tarefa o consumo de álcool excessivo por adolescentes. Tendo como base de discussão uma analise qualitativa preliminar deste material áudio visual que é compartilhado por milhões de jovens no Brasil, a apresentação discutirá questões éticas da pesquisa, a prevenção de possíveis danos aos participantes, o consumo de substancias psicoativas em adolescente e ainda, apresentará as diferentes formas de prevenção que estão sendo desenvolvidas para diminuir os danos a estas práticas.
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Cultura cannábica: dilemas e questões de sobrevivência face ao paradigma proibicionista no Brasil Autoria: Francisco Savoi de Araujo (UFBA - Universidade Federal da Bahia) Autoria: Este work consiste em uma etnografia realizada em uma igreja do Santo Daime chamada Céu de Santa Maria de Sião, situada em Embu das Artes/SP. O Santo Daime constitui-se como uma religião aberta a reinvenções e experimentalismos, o que revela uma autonomia para que cada igreja elabore a seu modo toda uma arquitetura religiosa local sem perder o seu pertencimento à identidade daimista. No Céu de Santa Maria de Sião a aliança que vem sendo desenvolvida, desde 2009, é entre o Santo Daime e a cultura Rastafari, o que se dá não sem conflitos, evidenciados na negociação singular desta igreja com uma totalidade que compreende o Santo Daime e o Rastafari a partir de uma perspectiva mais ampla.
O Santo Daime é uma religião nascida no Acre que faz uso da ayahuasca, uma bebida psicoativa que esteve na década de 1980 proscrita no Brasil. Após intensas negociações com a legislação o uso religioso da bebida foi liberado, o que favoreceu a sobrevivência e expansão do Santo Daime por todo o país. Contudo, sabe-se que os daimistas fazem uso também da Cannabis, introduzida ao sistema religioso por jovens da contracultura atraídos pelas plantas de poder tão difundidas na Amazônia. Com isso, a sua associação com o uso de uma substância ilícita comprometeu a credibilidade que o Santo Daime conquistou constitucionalmente enquanto prática religiosa legítima, o que se transformou em uma das principais fontes de conflitos internos entre os daimistas.
Por outro lado, o uso da Cannabis é abertamente declarado enquanto expressão cultural rastafári, um movimento de resistência política nascido nos guetos da Jamaica com fortes críticas ao sistema de valores eurocêntricos perpetuados pela sociedade ocidental ao longo da história. Considerando as bases racistas e etnocidas que sustentaram a sua proibição em diversos países, com o encarceramento em massa e genocídio da população negra e pobre via política de guerra às drogas, o uso desta erva adquiriu para os rastas um viés bastante marcado de contestação política, pois diz respeito à sobrevivência de suas práticas culturais e de seu próprio povo.
Diante do que foi exposto resulta a problemática central deste work. Ras Kadhu, enquanto dirigente do Céu de Santa Maria de Sião, uma igreja daimista, deve encarar com descrição o uso da Cannabis para preservar a imagem social do Santo Daime - o que implica o próprio "fazer etnográfico" - porém, como um rasta, expõe abertamente o uso da erva. Assim, vemos que a Cannabis é atravessada por ambiguidades e controvérsias geradoras de muitas tensões sociais, o que configura a importância deste work enquanto uma pesquisa engajada com o ativismo voltado especialmente à cultura cannábica, de modo a superar o moralismo ainda bastante difundido no Brasil que recai sobre o uso desta planta.
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Do campo para casa: afetações e transformações da pessoa na construção de pesquisas sobre usos rituais de psicoativos Autoria: Klarissa Almeida Silva Platero (UFF - Universidade Federal Fluminense), Lígia Duque Platero Autoria: Com a redação deste artigo buscamos produzir reflexões sobre como é ser, simultaneamente, nativa e pesquisadora no campo do xamanismo ayahuasqueiro e de uma religião da ayahuasca, o Santo Daime. A partir da reconstrução narrativa de uma experiência que afetou as autoras de formas muito particulares, argumentaremos sobre como essa afetação pode influenciar nos resultados de pesquisas neste campo, especialmente as pesquisas sobre o Santo Daime. Apresentaremos como nossas trajetórias, enquanto adeptas da religião, foram se transformando à medida em que a pesquisa de tese de doutorado de uma das autoras foi ganhando substância e densidade acadêmico-científicas (Platero, 2018). De um lado, a pesquisadora cada vez mais mergulhada no campo; de outro, a familiar que acompanhava de muito perto tal imersão.
O exercício de trabalhar teoricamente a realidade vivida consiste no estabelecimento do diálogo com o conceito de afetação de Favrett-Saada (2005[1990]). Nesse sentido, o problema aqui abordado é a afetação em situações de pesquisa no campo do xamanismo ayahuasqueiro e religiões da ayauhasca, suas possibilidades e suas limitações na coleta e na análise dos dados. Mais que “estar lá” e “escrever aqui”, como nos ensina Geertz (2013[1983]), pretendemos explorar justamente essa transição entre dois mundos, esse caminho percorrido ao “voltar de lá e chegar aqui”, do work de campo à escrita e à análise.
Como objetivos, buscamos dialogar com a bibliografia sobre religiões ayahausqueiras e xamanismo ayahuasqueiro, que discuta metodologicamente esse lugar de mediação. Discutiremos também o problema da afetação em campo conjugada ao processo de transformação da pessoa ao qual a mesma está submetida, enquanto personagem diretamente implicada nas experiências simbólicas provocadas pelo uso ritual de psicoativos (ayahuasca, rapé, sananga). Vamos explorar, portanto, situações nas quais nos vimos como nativas e, simultaneamente, pesquisadoras, tratando dos riscos e dos cuidados a serem tomados em meio à observação participante, bem como as implicações no momento de análise dos dados observados e de escrita do work acadêmico.
Referências citadas
FAVRET-SAADA, Jeane. Ser afetado. Tradução de Paula Siqueira. Cadernos de Campo, n. 13: 155-161, 2005. [Edição original 1990]
GEERTZ, Clifford. O saber local – novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis/RJ, Ed. Vozes, 13ª ed., 2013. [Edição original 1983]
PLATERO, Lígia Duque. Reinvenções daimistas: uma etnografia da aliança entre uma igreja do Santo Daime e o povo indígena Yawanawá (Pano). Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2018.
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Doping acadêmico: o consumo de Ritalina entre estudantes universitários de Salvador Autoria: Igor Fidelis Maia (UFBA - Universidade Federal da Bahia) Autoria: Este work trata da relação entre universitários usuários de Ritalina e uma cultura de produtividade em ambientes como a universidade, pensando na inter-relação entre o setting ou contexto social (ZINBERG, 1984) e o consumo desses psicoativos. Através de entrevistas com usuários e observação participante em contextos de uso, procuro compreender como se dá nesse caso a dinâmica entre drogas, sujeitos e sociedade. Este medicamento psiquiátrico é oficialmente indicado para doenças como o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Narcolepsia, mas utilizado de forma não prescrita para aumentar os rendimentos cognitivos. É denominado quimicamente de metilfenidato, sendo classificado como uma substância com semelhanças estruturais com as anfetaminas e que só pode ser vendido com retenção de receita. A Ritalina é procurada em sua forma não prescrita pelo seu efeito estimulante, que reduz a fadiga mental e prolonga o tempo de estudo, mas também pelo aumento na concentração, fazendo com que seus usuários foquem em determinada tarefa e não se distraiam. Com este intuito de potencializar o desempenho em atividades de leitura e escrita, geralmente é consumida entre universitários ou pessoas que estão buscando a aprovação em processos seletivos para cargos públicos. Essa prática instiga seus usuários a estudar durante longas horas com concentração acentuada, facilitando atingir, dessa forma, um desempenho superior ao usual em provas, concursos, works acadêmicos, etc. Existe farto material de cunho sociocultural que analisa este medicamento em situações-problema relacionadas ao consumo indevido, porém, a literatura antropológica carece de descrições mais aprofundadas dos ritmos de utilização, técnicas de ingestão, níveis de disponibilidade das substâncias, sendo possível apreender essas variáveis através de um acompanhamento aproximado com os usuários.
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Gênero, Acesso e Confiança em Campos do Tráfico de Drogas Autoria: Lúcia Lamounier sena (PUC MINAS - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) Autoria: A proposta do work a ser apresentado é problematizar o gênero em campos de pesquisa sobre o tráfico de drogas em termos do acesso, da conquista de confiança e da própria geração e interpretação dos dados. No caso de um pesquisador que se apresenta como uma mulher, esse fato afeta o objeto pesquisado quando se analisam outras mulheres? Ser mulher franqueia ou inibe o acesso e a confiança em um campo de tráfico de drogas? O objetivo é apresentar a natureza das barreiras para o acesso e confiança na sua diversidade de situações interseccionadas pelo gênero em um campo sobre a participação as mulheres no tráfico de drogas realizada em Belo Horizonte e RMBH.
A pesquisa sobre tráfico de drogas têm historicamente uma abordagem sobre a participação das mulheres feita de um ponto de vista bastante enviesado, sobretudo por serem homens os pesquisadores ou pela perspectiva teórica de ser o crime um fenômeno predominante masculino. A participação dos homens tende a ser entendida como um comportamento normativo, um suposto ethos masculino, enquanto a participação das mulheres é posicionada como resultado das questões afetivas e vinculadas às posições femininos na família. Esse viés é também vivenciado em campo no que tange ao acesso às mulheres, às vezes interditando às vezes franqueando o acesso. Essa barreira já há alguns anos também foi mapeada pelas autoras na discussão sobre o acesso, na pesquisa de Adler(1985); Maher e Hudson (2007) em campos de uso do crack em Nova York. As autoras problematizam o underground sexism que, sobretudo nos níveis mais altos de comercialização, faz com que os homens impeçam o acesso às “suas mulheres” ou que essas neguem a sua participação para uma outra mulher, a pesquisadora.
Outro aspecto da pesquisa em um “universo outsider”, nos termos utilizados por Becker (2008) são as transgressões de ambos (pesquisador/pesquisado) que não se dão somente no âmbito moral, mas também no legal, como, por exemplo, o tráfico ilegal de drogas. Essa atividade é descrita como crime segundo a lei federal de n. 11.343/06, com penas que variam entre 5 e 15 anos.As dúvidas relativas aos interesses do “quem ganha com isso” são barreiras entre pesquisador e pesquisado cujas dificuldades, em princípio, não são muito claras. Os contatos obtidos, aqueles que ficam “na promessa” e todas as outras situações de pesquisa sempre tangenciam a confiança e o acesso no decorrer de um campo cujas especificidades no seu encontro com o gênero vão se mostrando aos poucos.
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Linguagem, corpo e antropologia da experiência no transe ayahuasqueiro dos xamãs urbanos Autoria: Carolina de Camargo Abreu (UNESP - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) Autoria: O principal desafio assumido por esta pesquisa é o de aproximar-se da experiência do transe sem aniquilar sua magia. Não se presta a desvelar o mistério do universo mágico da feitiçaria dos rituais de ayahuasca aos quais se debruça em etnografia. Dedica-se, sim, às formas narrativas, de linguagens, que se aproximem da experiência do transe e iluminem, profanamente, os conhecimentos produzidos pelos xamanismos urbanos ayahuasqueiros.
Considera que uma exploração séria do transe requer um lugar de estranhamento, um lugar para se olhar, como sugere John Dawsey: às margens das margens, capaz de olhar para o extraordinário evitando a ênfase no lado misterioso do mistério. Também a partir de uma perspectiva benjaminiana, Michel Taussig requer que a antropologia aponte o mito no natural e o real no mágico, e então, aprofunde-se na ambiguidade do mito para sentir a verdade que está em jogo. Diferente seria apontar reflexões morais do lado de fora ou expor as contradições que ocorrem sobre a questão.
Esta pesquisa experimenta os ensaios fílmicos como ferramenta apropriada tanto para se aproximar do indizível do transe pela poética, como para acionar a experiência sensual do terreiro-corpo através das potências peculiares da linguagem audiovisual. O fazer fílmico neste estudo surge antes como um modo de engajamento que implica sujeito, espectador e cineasta num processo que favorece a explanação como experiência reflexiva, que procede mais por implicação do que por demonstração. Interessa-me menos exercitar retórica do documento antropológico e muito mais oferecer um campo para experimentação e pesquisa de linguagem para o filme etnográfico. Eis, de fato, um desafio essencial para a tarefa assumida: como envolver uma linguagem poética sem transformá-la simplesmente numa estética?
A problemática envolve também autoria e responsabilidade ética. E o que seria a estética de um filme senão uma expressão ética do seu cineasta?! O filme necessariamente reduz a complexidade das experiências vividas e trava a construção de outras, neste sentido não reproduz o real, mas pode tratar dele. De qualquer forma o filme produz consequências reais para todos os envolvidos.
Neste caso, será necessário fazer notar ainda a diferença entre os dois modos de experiência: a da antropóloga e a da nativa que também sou, ayahuasqueira há 10 anos. Operar um confronto de pensamentos.
Não se trata de propor uma interpretação do transe, mas de realizar uma experimentação com o seu pensamento - neste caso um pensamento-corpo - e, ainda, com o mundo possível que seus conceitos projetam.
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Mestres beberrões na Jurema Santa e Sagrada da Casa de Mestre Carlos (Extremoz –RN): epistemologia do sul no uso e circulação de drogas Autoria: Janaína Alexandra Capistrano da Costa (UFT - Fundação Universidade Federal do Tocantins) Autoria: Jurema é palavra que carrega em seu bojo uma profusão de significados, espécie vegetal, entidade espiritual, cidade sagrada no além, vinho sagrado, benção e substância psicotrópica, dentre outros. No campo das ciências sociais a Jurema tem sido estudada como culto popular de origem ameríndia cujo ritual, a despeito da grande variação de formato, gira em torno do consumo de uma bebida com propriedades psicoativas preparada a partir da junção de pedaços de casca do arbusto chamado jurema e outros elementos que também podem variar de acordo com cada grupo que dela faz uso. Entretanto, além do vinho da jurema outras substâncias podem fazer parte da trama ritual de cada casa ou terreiro, tais como o tabaco, que ocupa um lugar protagonista, o rapé –como testemunhou Câmara Cascudo- e as bebidas alcoólicas, principalmente o vinho de uva. No espaço sagrado aonde são celebrados os rituais, nenhum desses usos é fortuito, mas ao contrário, faz parte de um sistema de crenças que atua no controle dessa prática e direciona sua força e poder. Esta pesquisa se deteve no uso da bebida alcoólica e seus significados praticados por um grupo específico situado no nordeste brasileiro, procurando compreender como o controle sagrado dialoga com o papel profano que cumpre tal substância constituindo-se em contraponto a este, mas sem se opor ao mesmo ou execrá-lo. Após diversas incursões etnográficas ao longo de quase uma década, o material colhido revelou a relação com uma categoria espiritual, os chamados Mestres Beberrões, especializados em lidar com a dualidade sério-jocoso, doença-cura e discernimento-embriaguez. Sua forma de atuar e interagir com o público assistente, ou com os próprios adeptos, e especialmente suas cantigas características demonstram como o transito constante entre essas dualidades contêm lições de conduta para a vida cotidiana de todos os presentes. Dessa forma, o ritual da Casa de Mestre Carlos dialoga com o problema do álcool na sociedade contemporânea e sugere formas de mitigação do mesmo.
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Religião, Sexualidade e Psicoativos: Reflexões sobre o fazer etnográfico em contexto de uso ritual da Ayahuasca em Santa Izabel-PA Autoria: Rodrigo Calderaro Rocha (UFPA - Universidade Federal do Pará) Autoria: Esta comunicação toma como objeto de reflexão a diversidade sexual presente no Centro de Iluminação Cristã Luz Universal de Juramidã – Pará (CICLUJUR-PA), localizado no município de Santa Izabel-PA, bem como as relações estabelecidas pelos frequentadores LGBTQ e o ritual do Daime, a partir de uma etnografia resultante de dois anos de incursões em campo para a realização de work de conclusão de curso de graduação, que continua em curso durante o mestrado acadêmico. Também interessam-me os resultados e desdobramentos do consumo da bebida Ayahuasca na construção da sexualidade dos interlocutores, considerando-se as interfaces entre o consumo de psicoativos em contexto religioso e a diversidade sexual e de gênero.
Em decorrência da presença em campo e das particularidades da observação participante em um grupo que bebe uma bebida psicoativa, surgem ao menos dois questionamentos de natureza ética e acadêmica relacionados ao posicionamento do pesquisador: Em primeiro lugar, busco pensar os efeitos éticos e epistemológico de tomar parte no ritual fazendo uso do Daime ao invés de adotar uma postura de vigília. Em segundo lugar, me pergunto quais parâmetros éticos adotar para investigar o lugar dado pelos interlocutores à manifestação da sexualidade em um contexto religioso marcado pela distinção entre homens e mulheres, considerando-se os tabus e práticas inerentes ao consumo do Daime (dieta), a performatividade de gênero (masculino e feminino) e o espaço que a sexualidade de pessoas homossexuais ocupa neste contexto.
Observo o ritual do Daime como um uso urbano da Ayahuasca, no qual os grupos praticantes da doutrina encerram disputas marcadas por continuidades e contrastes dentro de uma mesma tradição que está em processo de expansão territorial. Também entendo o consumo ritual da ayahuasca como uma tecnologia biossocial que inscreve nos corpos dos participantes do rito os códigos inerentes à cosmologia do ritual, produzindo efeitos de ordem moral com desdobramentos na manifestação do gênero e da sexualidade. Este panorama revela a existência de uma multiplicidade de grupos que podem divergir ou assemelhar-se quanto à orientação ritual e vocacional dos ritos, gerando implicações e particularidades na socialização dos participantes e consequentemente, na manifestação da sexualidade e no acolhimento e integração de pessoas homossexuais nos grupos.
Portanto, esta comunicação contribui para refletir o fazer etnográfico na discussão da construção do gênero e da sexualidade de pessoas a partir do uso dos psicoativos em contexto religioso e a relação entre pesquisador-psicoativo-interlocutor, característica deste posicionamento.
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Um estudo Antropológico sobre o uso terapêutico da Jurema em rituais na Barra dos Coqueiros-Sergipe Autoria: Aparecida Santana de Jesus (UFS - Universidade Federal de Sergipe) Autoria: A presente pesquisa objetiva realizar um estudo antropológico sobre o uso terapêutico da Jurema, abordando-a como planta de poder, com enfoque na Jurema Preta (Mimosa tenuiflora) utilizada em diversos rituais, para compreender como se dá essa relação com os sujeitos que fazem o uso da mesma. Está sendo necessário realizar a pesquisa etnográfica, no intuito de conhecer mais o grupo, que fica localizado no estado de Sergipe, no município de Barra dos Coqueiros, e que realiza seus works de Roda Tolteca com Jurema uma vez ao mês e a cada Roda, trabalha-se com uma determinada terapia, cabendo ao presente estudo focar em apenas uma destas terapias, que é a Roda Comunitária de Terapias Integrativas que o grupo realiza em comunhão com a Jurema, numa ritualística onde a abertura dos works se dá com esta terapia.
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O que é a cura no Xamanismo? Percepções do ambiente-mundo no contexto do consumo terapêutico-medicinal de substâncias psicoativas na Amazônia Autoria: Alana Pereira da Silva (UNIFESSPA - Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará) Autoria: Este work é fruto de reflexões coletivas nas aulas da disciplina Religião e sociedade – “Novos xamanismos” e com os integrantes do Núcleo de Estudos Xamanísticos na Amazônia – NEOXAMAM, como também do works de campo em igrejas do Santo Daime na cidade de Marabá – PA, sudeste paraense, o artigo (tema do meu work de Conclusão de Curso em Bacharelado em Ciências Sociais) visa problematizar as concepções de cura ocidentalizadas em contraste com a concepção de cura das religiões ayahuasqueiras, onde o poder está nas medicinas da floresta. Afinal, o que é a cura no xamanismo?
Reflito sobre a trilha etnográfica de uma pesquisadora em busca de cura para depressão e crises de ansiedade, iniciada no campo com uso ritual da ayahuasca indago sobre onde e quando inicia e termina o work de campo, dialogando com antropólogos contemporâneos compreendo que pesquisar fazendo uso de substâncias psicoativas é como estar em um labirinto e segui-la exige atenção contínua. A partir desse percurso de percepção do ambiente-mundo faço uso dos meus desenhos e poesias registradas no caderno de campo e de fotografias dos integrantes do NEOXAMAM para descrever as experiências em campo.
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O uso da maconha como mecanismo de interação no ambiente universitário e os desafios da etnografia como método de pesquisa Autoria: Diego Vinícius Bernardes da Silva (Instituto Elo), Thiago Pereira da Silva Flores Autoria: Durante grande parte da minha graduação tive a oportunidade de participar dos movimentos políticos e culturais que se manifestavam a partir do ambiente universitário ao qual estava inserido. Inicialmente conhecendo e frequentando os coletivos de juventude e depois passando pela gestão do Diretório Acadêmico do curso. Posição que consequentemente me propiciou vivenciar toda a lógica do Movimento Estudantil. Um dos pontos dessa vivência foi uma grande circulação que foi realizada tanto pelo campus em que eu estudava, ao fazer contato com estudantes de outros cursos, quanto também transitar entre diferentes campus e universidades pelo país, a partir da participação em reuniões, congressos e festivais. Por conta da influência de ser usuário de maconha e de espaços que frequentei por isso, a repetição do uso no ambiente universitário foi uma situação que acabou me chamando atenção. A observação que pude fazer ao participar de variadas “rodas de fumo” me causou diferentes questionamentos. Os questionamentos giravam principalmente em torno da relação que os grupos construíam a partir do uso da maconha e qual seria o impacto na vida destes usuários. Com isso surgiram algumas perguntas como, por exemplo, sobre quando o interlocutor teria iniciado o uso, como havia sido a experiência, a influência desse uso na construção dos laços de sociabilidade e, além disso, a relação desse uso com o espaço da universidade. As respostas a estas questões surgiam na maioria das vezes em conversas informais que aconteciam nos lugares onde elegíamos para fazer o uso da substância. Ao me aproximar do fim da graduação e por conta da necessidade da produção de um work de conclusão, me propus a aprofundar os estudos sobre o tema, bem como coletar dados a partir do método etnográfico da observação participante. Além disso, me dispus a resgatar da memória eventos e situações vividas que pudessem ser utilizados como dados, o que resultou em um artigo científico. Avalio que foi possível obter um bom resultado ao final do work, com o texto sendo publicado em revista eletrônica e aceito para apresentação em alguns congressos. Entretanto, algumas questões que surgiram durante o processo de produção não foram sanadas, principalmente por conta do pouco tempo disponível pelos prazos de entrega. Questões que vão de encontro à proposta do GT e estão relacionadas tanto as deficiências teóricas, quanto aos limites metodológicos, éticos e políticos que surgiram durante o processo de produção. Sendo assim, apresento a proposta de um pôster onde eu possa expor este contexto, além de poder participar das discussões, compartilhar experiências e aprendizados com os demais pesquisadores.
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Proposta de filosofia de vida mediante a doutrina do Santo Daime. Autoria: Ana Carolina Magalhães Rocha (PPGAS) Autoria: O objetivo dessa proposta de work é refletir sobre as cerimônias ritualísticas do Santo Daime, na “Igreja Mestre Irineu”, localizada na Horta Terra Estrela, no município de Várzea Grande-MT. A Horta Terra Estrela desponta como um espaço de vivências múltiplas no contexto da baixada cuiabana, contrapondo-se à logica do agronegócio tão presente na região. Além de funcionar como uma horta de cultivo orgânico, também tem se estruturado como uma Ecovila, oferecendo residência à pessoas que busquem por um estilo de vida “menos acelerado” que o pressuposto nos grandes centros urbanos, mais coletivo e em contato com a “natureza”. O uso do Santo Daime e a constituição da “Igreja Mestre Irineu” nesse mesmo espaço colaboram com a visão dos organizadores de retomada de um estilo de vida “sustentável” e “orgânico”. Tendo em vista a pesquisa etnográfica recentemente iniciada, objetiva-se refletir sobre os usos que a ideia de “natureza” e de “sustentável” alcançam quando envoltas no contexto simbólico e sincrético oferecido pela cerimônia religiosa em questão.
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