GT 35. Entre arte e política: articulações contemporâneas em pesquisas antropológicas

Coordenador(es):
Vitor Pinheiro Grunvald (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Glauco Batista Ferreira (UFG - Universidade Federal de Goiás)

Em continuidade às reflexões desenvolvidas em Grupos de Trabalhos nas Reuniões de Antropologia do Mercosul e em Simpósios de Pesquisas Pós-Graduandas nos Encontros Anuais da ANPOCS, este grupo de trabalho se foca nas relações entre arte e política, pensando-as a partir dos diferentes modos pelos quais as articulações entre estas esferas se engendram de modos distintos e se expressam nos cenários sociais contemporâneos. Pensar a arte em seus efeitos políticos e refletir sobre a política através de ações, de objetos, de imagens e performances artísticas tem sido uma constante em diferentes pesquisas realizadas no campo das ciências sociais e especialmente no campo antropológico nos últimos anos. Propomos acolher investigações que refletem sobre agências através de imagens, materialidades, objetos, trabalhos realizados a partir de performances e de expressões e práticas corporalizadas, de práticas de organização coletiva e de ações e mobilizações sociais que apontam o rico potencial transformativo dessas formas sociais que são ao mesmo tempo artísticas e políticas. Dessa maneira, incentivamos a submissão tanto de trabalhos que problematizam as relações entre arte e política em suas intersecções com marcadores sociais da diferença quanto pesquisas que exploram como as maneiras pelas quais a prática etnográfica se dá nos interstícios de práticas artísticas.

Palavras chave: Artes; Políticas; Agência
Resumos submetidos
"Dorem não catalogadas": fotografia, violência e colonialidades a partir do arquivo
Autoria: Alfredo M. Pontes (Laboratório de Antropologia Visual em Alagoas)
Autoria: "Em 1844, dois indígenas Botocudos do Brasil sao trazidos para França por Marcus Porte para ficar em Paris por alguns meses. Foram batizados de Manuel e Marie pela imprensa e despertaram o interesse dos antropólogos do Museu de Historia Natural. Werner, pintor do museu, fez seus retratos em aquarela, enquanto Thiesson fotografou-lhes usando um daguerreótipo. Também fizeram parte de uma sessão de moldagem no laboratório de antropologia. Os daguerreótipos que nos restam hoje da sessão de fotografia nos mostram duas pessoas com a parte de cima do corpo nu e a parte de baixo com roupas que parecem ser europeias." Esta descrição foi feita em 2012 pela curadora da coleção fotográfica do museu francês Quai Branly das primeiras cinco imagens de indígenas do Brasil. Através da narrativa de um arquivo institucional, proponho-me a refletir acerca da violência na qual se dão os processos fotográficos, neste caso as imagens feitas pelo francês E. Thiesson do casal indígena Nacnenuck. Por isso, a partir deste recorte, questiono a forma e as condições que estas imagens foram feitas. Questiono também as estruturas que levaram a essa construção. Questiono, inclusive, a minha autoridade enquanto antropólogo e artista em expor estas imagens nesta pesquisa. Como, na antropologia, fazer uma representação - visual ou não - não-violenta, se a matriz da disciplina por si só é violenta?
(Cosmo)política do brilho
Autoria: Alberto Luiz de Andrade Neto (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina)
Autoria: Esta comunicação parte de um conjunto de pesquisas que realizei junto aos works fotográficos de Claudia Andujar, com a literatura de Davi Kopenawa e Bruce Albert e com a produção na arte contemporânea de Cristiano Lenhardt. Ela trata de retomar essas reflexões e se inclinar, com maior fôlego e com certa ênfase, sobre o “brilho” emergente dessas realizações artísticas. Por exemplo, em uma série de fotografias de Andujar o “brilho” de seus works pode apontar para um movimento de tradução do cosmos indígena amazônico. A artista faz uso desse elemento intrínseco à fotografia como uma forma de dar a ver aquilo que aprendeu junto aos Yanomami. No livro, “A queda do céu”, de Kopenawa e Andujar, essa recorrência brilhante é uma correspondência direta com a cintilância dos "xapiri" (“espíritos primordiais”) e seus esforços para que a floresta possa se manter de pé. Mas não só, a fulgurância também adquire uma qualidade de poder transitar entre o "lado de cá" e o "lado de lá". Já para uma série de works de Lenhardt, tentei demonstrar como o “brilho” faz parte de um exercício artístico que direciona atenção sobre os diálogos possíveis entre diferentes cosmologias. Neste caso o “brilho” seria um elemento responsável por aproximar mundos, linguagens, e evidenciar as diferenciações sobre formas indígenas e não-indígenas. É nessa direção que tento seguir por vias reluzentes e levantar discussões sobre certa (cosmo)política que o “brilho” pode luzir.
A estética kayapó contemporânea: Tuíra, vestidos e miçangas, uma política através do corpo.
Autoria: Julia Sa Earp de Castro (IFCS)
Autoria: O presente work é fruto do campo realizado em 2017 nas comunidades do Povo Mebêngôkre/ Kayapó localizadas no sul do estado do Pará e campos mais recentes nas comunidades dos Menkragnoti/ Kayapó (2019). A partir do caso específico da casa de costura na antiga aldeia de Tuíra Kayapó busco tecer relações entre a estética feminina contemporânea e o vínculo político presente nas construções destes corpos preparados por pinturas, adornos de miçangas e vestidos. Por meio de uma perspectiva reflexiva sobre a imagem de Tuíra Kayapó, e o que sua personalidade e imagem impulsionam e impulsionaram, este work buscará tecer caminhos investigativos para além desta única figura feminina expandindo o olhar para a figura da mulher Kayapó em construção concomitante com o avanço de políticas ofensivas aos direitos dos povos originários. A resistência e a re-existência que pulsam destes sujeitos inspiram os olhares para os vestidos kayapó, adquiridos nas cidades, e os adornos de miçanga comercializados mundo afora. Elementos elencados nesta pesquisa como índices de suas estratégias estéticas e políticas que as vinculam com a sociedade envolvente a partir de suas demandas e maneiras. Portanto, a pesquisa em andamento observa o papel político que a construção da estética feminina agencia de forma interna e externa a suas aldeias enaltecendo as possibilidades de conexões e diálogos entre mundos realizados a partir de espaços, objetos e pessoas em uma política ativada a partir de seus próprios corpos.
A complexidade da cultura no bairro Floresta: visibilidade e configuração dos agentes no território.
Autoria: Vanessa Marx (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Luiz Henrique Apollo da Silva Gabriela Luiz Scapini
Autoria: Este work compõe uma parte da pesquisa sobre o 4º Distrito: olhares dos atores no bairro Floresta. O 4º Distrito de Porto Alegre é uma área pouco densificada com histórico de formação urbana destinada às antigas indústrias aglomeradas no local. Na pesquisa visualizamos a complexidade neste bairro, por um lado próximo à área mais valorizada da cidade, o bairro Moinhos de Vento, e por outro lado próximo ao Centro e a Rodoviária território que apresenta vulnerabilidade social. Para trabalhar nesta complexidade e com os diferentes usos urbanos visualizamos a existência de um “alto” e “baixo” Floresta delimitados pela Avenida Farrapos. Esse é um território em disputa entre o avanço de projetos público-privados para a área articulados a interesses financeiros e imobiliários. Constatamos que o alto Floresta recebe investimentos devido a aglomeração dos recém-chegados empreendedores individuais autônomos de economia criativa. A economia criativa se relaciona com novos paradigmas de atividades em fluxos de rede e de work flexível, que constrói um upgrading cultural (ZUKIN, 1989) no espaço para criar novas vantagens de um capitalismo simbólico de lazer (HARVEY, 1992). Conforme menciona Otília Arantes (2000) a cultura não age como um elemento neutro e pode estar de acordo com os interesses do capital. Beatriz Sarlo (2014) também atenta para o fato que arte transborda podendo evidenciar a perda de direitos de cidadania e o declínio no espaço público. A partir desta problemática, analisamos o papel da Associação Cultural Vila Flores localizada em uma antiga edificação preservada do alto Floresta. Ela foi reformada para ocupação de empreendedores criativos que alugam o espaço e promovem diferentes eventos, gerando um impacto econômico e cultural no local. Sua atuação é visível não só no âmbito privado como no público transformando-se na vitrine da cultura para o poder público em Porto Alegre. De outro lado, no baixo Floresta temos a Escola de Samba Bambas da Orgia localizada na rua Voluntários da Pátria. A mais antiga Escola de Samba de Porto Alegre foi transferida para este local e possui uma intensa relação com a comunidade local em seus ensaios e apresentações. Vemos neste caso que o Carnaval, como expressão da cultura popular, está cada vez mais ameaçado e invisibilizado na cidade de Porto Alegre. Para tentar compreender essas contradições no território realizamos pesquisa de campo onde o caminhar e os registros fotográficos foram importantes ressaltar o papel destes agentes e lugares. Estes registros imagéticos das intervenções urbanas no bairro são relevantes na construção de narrativas que reivindicam os seus lugares no bairro, evidenciando os conflitos e abordando a cultura em seu caráter político de visibilidade e configuração do cotidiano.
Acionismo na Rússia: arte/ativismo em perspectiva histórica e o contexto social contemporâneo
Autoria: Cristina Antonioevna Dunaeva (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: O objetivo da apresentação é traçar um resumo das manifestações artísticas nomeadas de “acionismo”, na Rússia contemporânea. O desenvolvimento desta linguagem artística pode ser dividida em três períodos/ondas, separadas tanto temporalmente, quanto em relação ao modo de interação e de repercussão/ fricção na/com a sociedade. A primeira onda do acionismo/artivismo na Rússia corresponde ao período que se inicia com o fim da URSS e acontece durante a década de 1990, marcada pelo rápido crescimento de desigualdade social, pelo desmoronamento de relações sociais constituídas anteriormente e pela inserção violenta das políticas econômicas neoliberais no país. A primeira onda foi marcada pelas performances realizadas por grupos pequenos de artistas ou pelos artistas individualmente, e em espaços “sacralizados” política e socialmente (Praça Vermelha, o Mausoléu de Lênin). As ações continham mensagens políticas facilmente decifradas pelas pessoas que as assistiam ou que tomavam conhecimento destas devido à repercussão em meios de informação. A segunda onda inicia-se a partir das ações artístico-políticas do Grupo “Voina”, herdeiro das vanguardas históricas e do não-conformismo soviético (vertente “clandestina” de arte contemporânea na URSS), já que seus/suas integrantes foram aprendizes do artista e filósofo Dmítri Prígov, figura central do conceitualismo moscovita. A segunda onda do acionismo, entre 2008 (primeira ação do Grupo “Voina”) e 2012 (última ação do Grupo “Voina” resultando na entrada de integrantes do grupo na ilegalidade; e a prisão das integrantes do Grupo “Pussy Riot” após a ação na Catedral de Cristo Salvador, em Moscou), foi marcada por performances de grande repercussão midiática e que dialogavam, principalmente, com as estruturas repressivas do Estado (as forças policiais e de segurança); além disso, foi notória a inscrição destas ações, apesar de seu caráter radical, no sistema institucional artístico. Já a terceira onda do acionismo, inicia-se em 2013 com as performances de Pyotr Pavlénski e chega ao momento atual. A segunda e a terceira ondas do acionismo são marcadas pelas performances realizadas em espaços públicos, no contexto de recrudescimento do autoritarismo do governo de Pútin, de aumento drástico do racismo, da LGBTQI+fobia, da misoginia e dos feminicídios na Rússia (tais processos causados, em muito, pela nova legislação, tristemente conhecida como “proibição de propaganda gay” (2013) e a “despenalização da violência contra as mulheres” 2019)). O protagonismo de mulheres artistas destaca-se em ambas as ondas. Na terceira onda - ações que privilegiam as práticas artísticas comunitárias e a inserção social (“piquetes silenciosos” inspirados por Darya Serenko ou ações da Ekaterina Nenasheva).
Do que é feito o que se vê: masculinidade e eurocentrismo na construção da narrativa cinematográfica de Hollywood
Autoria: Thais Farias Lassali (Não)
Autoria: Em The carrier bag theory of fiction (1989), Ursula Le Guin cria um paralelo entre narrativas voltadas para a ação e a necessidade de um personagem heróico, argumentando que esse modo de contar histórias está inerentemente ligado a uma forma que privilegia uma certa masculinidade. Isso é especialmente notável no cinema hollywoodiano, que também tem contra si a alegação de ter um evidente viés eurocêntrico (Shohat e Stam: 2006), observável tanto no modo como seus tropos são construídos, quanto na maneira como suas imagens são ligadas a modos ficcionais eurocentrados. Considerando isso, a presente comunicação oral busca esmiuçar e analisar a maneira pela qual a masculinidade e também o eurocentrismo se apresentam e se interrelacionam na narrativa cinematográfica produzida por Hollywood por meio do exame de dois métodos de escrita de roteiro bem estabelecidos na indústria estadunidense - a jornada do herói (Vogler: 2016) e a teoria dos sete passos (Truby: 2007). Sendo o cinema arte imagética, por que se focar em roteiros? Ora, sendo os roteiros guias para o desenvolvimento da narrativa, podendo eles próprios serem feitos em forma de imagem, eles tornam-se estratégicos para a compreensão das estruturações que envolvem um filme. Dessa maneira, tem-se por objetivo iluminar os distanciamentos e as proximidades tanto entre esses métodos quanto das imagens que deles derivam. Ainda que esses sejam modos de narrar específicos e imersos em constrições e marcadores sociais, eles se apresentam, muitas vezes, como neutros e universais. Não obstante, neutralidade e universalidade são dois conceitos centrais para a manutenção do eurocentrismo e da masculinidade como forças motrizes na construção de representações bastante proeminentes no cinema estadunidense, justamente o que se pretende argumentar. A presente proposta está relacionada à minha pesquisa de doutorado, em andamento, sobre a representação de marcadores sociais no cinema de ficção científica hollywoodiano, que conta com financiamento da FAPESP.
Entre o popular e o engajado: João do Vale, performance e estratégias estético-políticas
Autoria: Marina Alves Dutra (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: Ao longo de sua carreira, o compositor maranhense João do Vale transitou entre as categorias de artista "regional, sertanejo e popular" e "engajado". Nos seus primeiros anos no Rio de Janeiro, no início da década de 1950, sua carreira era baseada primordialmente na venda de composições a artistas identificados com o forró e o baião. Sua participação no Show Opinião representou uma inflexão na sua carreira, inserido-se em um novo imaginário "romântico-revolucionário" voltado para a ideia de "povo", em que a utopia do progresso ligava-se à busca das suas raízes nacionais, representando o retirante nordestino, na proposta que trazia três personagens constituindo a tipificação de uma brasilidade a ser buscada e construída. Porém, o recrudescimento do regime empresarial-militar, após dezembro de 1968, vai materializar uma nova correlação de forças no campo da cultura nacional, representando uma virada nessa disputa pela construção do que seria música a popular do país, com perseguição à arte política e novas formatações em torno da música regional e João do Vale passa a estar associado à categoria de arte engajada e passou um período de autoexílio em Pedreiras, sua cidade Natal, retornando ao Rio de Janeiro, a fim de retomar a carreira artística, em 1971. Nesse momento, de nova perspectiva para o projeto de música popular brasileira, João e sua obra não tenham mais se enquadrado na universalidade proposta para a proposta de MPB, volta a identificar-se com as autênticas canções regionais, que não tinham o mesmo prestígio no mercado da música. Diferentes contextos da disputa pela unificação de uma identidade musical brasileira, o que pode revelar as relações de poder entre os grupos sociais e o que isso diz sobre legitimidade e prestígio no campo artístico.Dentre a articulação e o acúmulo dos capitais econômico, social e cultural que, segundo Bourdieu, baseiam o poder de legitimação que os diversos agentes da arte disputam no campo artístico, buscamos compreender os determinantes sociais e epistemológicos que atravessavam a constituição do quadro sociocultural de possibilidades em que João do Vale exerce sua carreira. Também analisaremos a sua performance enquanto manifestação da obra na experiência compartilhada com o público e apreensão do sentido da experiência estética, nesses diferentes contextos, a partir das tentativas de enquadramento, seus sucessos e deslizamentos tensionados, a partir sua trajetória.
Gênero, raça e sexualidade em performances de pole dance
Autoria: Annelise Campos Gonçalves (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: O pole dance, atividade que consiste na realização de acrobacias em uma barra vertical, teve um crescimento considerável na última década no país, e vem se tornando cada vez mais popular. Anteriormente desenvolvida apenas por acrobatas circenses, a atividade passou a ocupar academias e studios de dança, onde foi encarado como um exercício que pode ser praticado por qualquer pessoa. Em seus vieses esportivo, artístico e/ou sensual, o pole dance abre uma gama de possibilidades performáticas através de apresentações em campeonatos, festivais, mostras e plataformas virtuais. Particularmente sobre campeonatos, é preciso considerar que estes se dividem de acordo com estilos específicos do pole dance, alguns dos quais já mencionados acima. Em seus regulamentos, estes campeonatos abrem e fecham possibilidades artísticas e estéticas, que são também políticas. Grande parte das performances realizadas dentro de um contexto artístico e/ou sensual, abordam temáticas como racismo, homofobia, violência de gênero e empoderamento feminino. Performances estas que contrastam com aquelas realizadas em campeonatos esportivos, uma vez que nestes há uma proibição de temas considerados políticos. A intenção deste artigo é se debruçar sobre essas performances, explorando as temáticas que elas fazem emergir, bem como articulá-las com uma discussão mais ampla sobre a legitimação da atividade e seu atual cenário. Entendemos através desta pesquisa que estética e política são categorias que andam juntas, e que a divisão do pole dance em vertentes, assim como a criação de estilos e campeonatos, estão diretamente ligadas a questões como classe, gênero, raça e sexualidade.
Informalidade e formalidade no improviso: as associações, os festivais competitivos e a profissionalização dos repentistas
Autoria: João Miguel Manzolillo Sautchuk (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: Tendo como horizonte as relações entre Estado e culturas populares, procuro realçar facetas menos evidentes da ideia de política cultural, sobretudo os modos de associação popular e suas relações com processos de formalização e oficialização de práticas estéticas. A atuação estatal é elemento importante desses processos, mas não centro deles. O caso em pauta é a poesia improvisada no Nordeste do Brasil (o repente ou cantoria). A partir da segunda metade do século XX, a formação das associações de cantadores repentistas como um modo de ação política e de organização artística, laboral e de apoio mútuo esteve relacionada ao surgimento de uma consciência (e uma autoimagem) profissional entre os repentistas e à popularização de seus festivais, uma modalidade de apresentação competitiva mais normatizada, com contagem de tempo, julgamento oficial do desempenho dos poetas e maior diferenciação entre cantadores e ouvintes durante a apresentação. Reflito sobre a consolidação e as contradições desse esforço de formalização e oficialização como estratégia para legitimar e valorizar uma prática artística que historicamente tem como princípio a informalidade da performance e de seus processos de reprodução. Atento à natureza complexa, dinâmica e ambígua das culturas populares, invisto em diálogos com a antropologia da política e a antropologia linguística para colocar em perspectiva categorias como “política”, “formalidade” e “informalidade”. Assim, procuro compreender as estratégias desenvolvidas pelos repentistas para a legitimação de sua arte frente aos agentes estatais e a novos circuitos e mercados culturais.
Movimentando corpos, produzindo estéticas: a cena preta LGBT a partir de conexões transnacionais
Autoria: Bruno Nzinga Ribeiro (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas)
Autoria: Na interface das pautas pelos direitos das populações negras, LGBT e periféricas a “cena preta LGBT” emerge no Brasil em meados da década de 2010 por meio de um conjunto de relações e de iniciativas como festas, debates, oficinas de dança, sessões de discotecagem, cursos livres, espaços de sociabilidades digitais ( grupos nas redes sociais) e eventos de ballroom-voguing organizados por pessoas negras LGBT artivistas e produtoras culturais que se reunem em coletivos. Tal cena se tornou referência político-artística por proporcionar lugares de sociabilidade e debate para pessoas negras LGBT, mas também por constituir o corpo e a experiência como terrítórios do fazer político, alçando a dança e a estética como elementos fundamentais na luta por direitos e contra “todas as opressões” (ZANOLLI, 2020). Este processo é acompanhado pela reivindicação de um amplo conjunto de referências negras e LGBT que aglutina artistas, ativistas e saberes que colocam sob rasura narrativas oficiais e reafirmam a presença negra nas lutas sociais- a exemplo, a reivindicação de figuras como Xica Manicongo, Jorge Lafon, Madame Satã, Marsha P. Jhonson, Marielle Franco, Luana Barbosa, Matheusa, Crystal Labeija e outras . Me interessa compreender como os discursos constituídos e constituidores desta cena se expressam a partir da estética e dos corpos das sujeitas e sujeitos, como se produzem classificações, prestígios, relações com o mercado, e redes nacionais e transnacionais. Com análises ancouradas em produções do campo de estudos de gênero e sexualidade, com foco nos estudos interseccionais, e no material dos works de campo realizados no âmbito da pesquisa de mestrado em São Paulo e numa pesquisa de estágio no exterior em Nova York, pretendo partilhar reflexões sobre a transnacionalização desta cena preta e LGBT, tomando os fluxos e trânsitos de pessoas, obras e referências estéticas, organizacionais e de atuação política como foco desta comunicação.
Não foi Mèlies: notas sobre o movimento #metoo e a notoriedade retrospectiva do cinema feito por mulheres
Autoria: Débora Wobeto (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: Este work propõe um olhar para o movimento #metoo e suas reverberações políticas e estéticas na indústria do cinema. O recente movimento #metoo, de caráter internacional, mas de grande expressão nos Estados Unidos, levou à público uma série de denúncias de assédio e agressões sexuais cometidas em Hollywood. Na cerimônia de entrega do Oscar 2018, não faltaram referências ao #metoo e críticas ao modelo masculino e branco de fazer filmes em Hollywood. No mesmo ano, durante o Globo de Ouro, as atrizes foram à premiação vestidas de preto, demonstrando solidariedade às colegas vítimas de assédio que finalmente encontraram meios para denunciar os abusos que sofreram nas mãos de poderosos homens do setor, também fazendo referência aos movimentos Time's Up e Me Too. Em 2020, algumas atrizes se retiraram da premiação do César, o Oscar Francês, após o anuncio do prêmio de melhor direção para Roman Polanski, também alvo de investigações. Nesse campo, sabe-se que poucas mulheres ocupam cargos de destaque, como direção e roteiro, e que a maioria dos filmes de grande circulação ainda é carregada de padrões visuais masculinos, o que Laura Mulvey chamou de “male gaze”. Piault (1992), argumenta que o cinema está profundamente atrelado à política, ao modo como se concebe a representação e pelo próprio método de pesquisa que fomenta a produção do conhecimento em um filme. Do mesmo modo, para MacDougall (1998), o autor nunca está fora da obra, ainda que corporalmente não se insira na cena, seu filme não pode ser entendido sem considerar sua existência. O renome, ou mesmo o conhecimento sobre mulheres como Alice Guy Blaché, reivindicada agora como autora da primeira obra de ficção do cinema, fazem parte de uma notoriedade retrospectiva, nos temos de Mariza Corrêa, e jogam luz sobre a biografia de realizadoras esquecidas também por pesquisadores preocupados em registrar “fatos relevantes” na história do cinema. Assim, o esquecimento de Alice Guy Blaché e a notoriedade de seu pupilo, Georges Mèlies, nos instigam agora a pensar a distinção entre “conjunturas favoráveis ou desfavoráveis às memórias marginalizadas”, como sugere Michael Pollak. Este work parte do argumento principal de que as questões suscitadas pelo movimento #metoo publicizaram uma série de outras questões que envolvem a participação de mulheres na indústria do cinema, não se restringindo aos casos de assédio.
Notas sobre a emergência de um sagrado contra-hegemônico na arte de Linn da Quebrada e Baco Exu do Blues
Autoria: Paola Lins de Oliveira (UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Autoria: Esta comunicação tem o objetivo de explorar algumas pistas que indicam a emergência de um sagrado contra-hegemônico na obra de Linn da Quebrada e Baco Exu do Blues, artistas que usam a música como principal plataforma de expressão. Diversos autores têm sublinhado os efeitos sociais das parcerias entre arte e política, tanto para o desenvolvimento de novas linguagens e conteúdos artísticos quanto para a lapidação das regras do jogo democrático. Um vetor determinante nesse contexto é o conjunto de reflexões sobre gênero interconectado às lutas e teorias feministas e pelos direitos das pessoas LGBTQIA+, identificados aos estudos queer/cuir. A abordagem interseccional tem orientado ainda outras composições (principalmente raça e classe) para pensar e trabalhar na arte os marcadores sociais que discriminam modos de vida produzidos socialmente como precários daqueles considerados vivíveis. Um elemento pouco considerado nessa equação é a dimensão do sagrado como interface social que tem potencial para contestar a heterossexualidade compulsória associada à branquitude e à masculinidade como paradigmas da vida desejável. Nesse trilho, recupero alguns elementos da obra desses dois artistas que podem ajudar a delinear os contornos de um sagrado feminista, queer/cuir e antirracista. Antes de seguir, algumas palavras sobre eles. Linn da Quebrada, artista multimídia, lançou em 2017 o álbum Pajubá combinando rap e funk. No mesmo ano, Baco Exu do Blues, nome artístico de Diogo Moncorvo, cantor, rapper e compositor, lançou seu primeiro álbum solo, Esú. Além dos nomes, os sinais sagrados se multiplicam em diversas músicas dos álbuns, assim como no mais recente de Baco, Bluesman. Entre versos contundentes que denunciam o extermínio das travestis e transexuais, e que afirmam a importância do enfrentamento, Linn aborda o sagrado em Blasfêmea, título do clipe da música Mulher. Nele, performa uma travesti em becos escuros. “BlasFêmea é um ato profano de ocupação e invasão”, afirma em uma entrevista. Baco mescla mitologias afro-brasileiras, romanas e nórdicas para falar de vida, morte, divino, humano, racismo, violência, sexo e amor. Ele canta o torpor da vida minada pelo racismo; a sede de justiça culminando em juízo final, entre outras referências. A trama urbana tem um relevo particular na obra de ambos. É nas ruas que Linn e Baco vislumbram a morte, a violência, o risco de aniquilação. Nelas experimentam o medo e também o desejo, ao mesmo tempo em que inspiram medo e desejo, acionando o mecanismo de atração e repulsão de um sagrado ambíguo e transgressor. Ainda na rua experimentam uma potência transgressora e blasfema que os impulsiona à resistência e reexistência. A proposta é identificar as feições desse sagrado transgressor que emerge à margem do sagrado hegemônico.
Perambulação como presença insurgente nos filmes de Adirley Queirós: estética e política entre Ceilândia e Brasília
Autoria: João Paulo de Freitas Campos (USP - Universidade de São Paulo)
Autoria: Esta comunicação apresenta um experimento de pensamento sobre a reconstrução fabulatória de cidades do Distrito Federal (em especial Ceilândia e Brasília) em cinco filmes de Adirley Queirós. Nesta reflexão, pretendemos praticar uma abordagem que notabiliza, simultaneamente, as características formais das obras e a tematização ou crítica da vida social que estas apresentam. Inspirados nos works de críticos e críticas de arte como Ismail Xavier, Walter Benjamin e Susan Sontag, procuramos descrever os recursos expressivos agenciados pelos artistas a fim de compreender as formas produzidas nas obras para pensar o mundo sócio-histórico. Nessa empreitada, realizaremos uma alquimia teórico-metodológica misturando ideias da antropologia da performance, antropologia visual, antropologia urbana, crítica de arte e teoria crítica a fim de investigar a intersecção entre estética e política no contexto do cinema brasileiro contemporâneo. Nosso corpus analítico é formado pelos filmes: Rap: o canto da Ceilândia (2005); Dias de greve (2009); A cidade é uma só? (2011); Branco sai preto fica (2014); e Era uma vez Brasília (2017). Partimos da hipótese de que estas obras apresentam um pensamento cinemático sobre as cesuras de Brasília e o movimento de sujeitos subalternizados entre a cidade-monumento e sua extensa periferia. Estes filmes combinam registros documentários, alegorias históricas e especulações típicas de gêneros cinematográficos como a ficção científica, o filme policial e o faroeste para pensar as paisagens desiguais do Distrito Federal, os silenciamentos históricos produzidos pelas narrativas históricas oficiais e o movimento de sujeitos subalternizados entre o Plano Piloto e seu entorno. Ceilândia se torna uma usina de formas que pensam e questionam as narrativas do progresso da modernidade, afirmando a periferia como uma presença insurgente através da perambulação de seus personagens pelo espaço urbano - deste movimento emergem aparições capazes de notabilizar assimetrias sociais espacializadas entre a cidade radiosa e as cidades-satélites.
Re(co)memorar - Selfragmentos e Trave(st)ssias na Busca da Plenitude Travesti
Autoria: Iêda Figueiró de Oliveira (UFG - Universidade Federal de Goiás)
Autoria: A presença de pessoas trans no ambiente acadêmico hegemônico enquanto criadoras de conhecimento e não somente enquanto objetos de pesquisa se trata de um fato ainda bastante recente. Nesse contexto e a partir de minhas próprias experiências e percepções, posso notar que o sistema acadêmico em geral e também no Brasil permanece ainda definido por estruturas e pressupostos binários, muitas vezes totalizantes e em diversos âmbitos ainda analisando processos e dinâmicas sociais e da vida cotidiana a partir de uma ótica colonial e ocidentalizante. Nessa conjuntura e a partir de meu ingresso na Pós-graduação em Antropologia Social na UFG, para realização de pesquisa de mestrado, busco no presente work ressaltar o deslocamento de certos lugares de fala hegemônicos, contrapondo este deslocamento e comparando-o com minha minha própria trajetória enquanto pesquisadora e arte-criadora travesti, ao mesmo tempo em que relaciono essa empreitada com projetos descoloniais latino-americanos e (trans)feministas. Busco comemorar, celebrar e rememorar minhas experiências nos encontros com outras pessoas trans, seus processos poéticos e suas criações, reformulando as dinâmicas nas quais minha identidade foi se trans-formando através de posturas que chamo de “rexistências”. Nessa postura proponho um exercício de reavaliação e redimensionamento de minha própria realidade e dos universos que me rodeiam. Através de uma abordagem antropológica auto etnográfica (desenvolvida através de colagens de imagens, teorias, sentimentos, encontros, afetos e da escrita) e de uma etnografia de práticas artísticas, traçada no encontro com outras criadoras e narrativas trans, o objetivo geral seria o de repensar os possíveis processos de subjetivação-criação-de-si. Considero aí variados repertórios culturais acionados a partir da arte e busco analisar, nessa empreitada, os conhecimentos produzidos por artistas transgêneros e/ou não-binários no centro-oeste do Brasil e, mais especificamente, no meu trânsito entre Goiânia e Brasília. De um modo geral a pesquisa está engajada no estabelecimento de compreensões a respeito dos modos pelos quais alguns destas(es) agentes sociais buscam a descolonização de seus corpos e espaços a partir de suas vivências transgênero e de suas práticas artísticas, traçando nesse movimento novas cartografias sobre os universos simbólicos e identitários que ali emergem, à despeito de inúmeras tentativas de silenciamento e de marginalização com as quais estas/estes sujeitas/sujeitos se defrontam cotidianamente.
Resistência no olhar: produzindo e circulando militâncias e imagens a partir das margens da cidade
Autoria: Patrícia Lânes Araujo de Souza (CIDADES - Núcleo de Pesquisa Urbana)
Autoria: Filmes, fotos e grafites fazem parte da realidade do Complexo do Alemão, conjunto de favelas localizado na zona norte do Rio de Janeiro. Boa parte dessas produções têm estreito vínculo com diferentes modalidades de engajamento militante (SAWICKI, SIMÉANT, 2011) popular, fazendo parte do repertório de ações coletivas locais (TILLY, 1978). Em um primeiro momento (2012-2016) pesquisei a interseção entre produção da militância e projetos sociais com foco em jovens (muitos deles centrados no audiovisual) investigando novas formas de produção política localmente (SOUZA, 2017). Mais recentemente, meu objetivo tem sido conhecer a criação da memória coletiva por parte das ações coletivas (SOUZA, 2018, 2019) através de intervenções urbanas (RIBEIRO, 2017), produções imagéticas e utilização da Internet. Nesse contexto, é possível indagar como as ideias de “arte” e “política” aparecem (ou não) nos discursos e práticas daquelas e daqueles que produzem tais imagens e de que modo tais ideias ajudam a compreender movimentos sociais populares contemporâneos e seus repertórios de ação. Na presente comunicação, analiso arte de rua (grafites) e documentários produzidos por duas ações coletivas locais (Instituto Raízes em Movimento e Gato Mídia) para refletir sobre narrativas criadas sobre a cidade e suas margens (DAS, POOLE, 2010). Ambas ações coletivas estão entre aquelas que buscam construir olhares que ultrapassem fronteiras geográficas e simbólicas das favelas. Em três documentários (“Copa pra alemão ver”, “Quando você chegou, meu santo já estava”, do Raízes; e “Descolonize o olhar”, do Gato Mídia em parceria com o Coletivo Papo Reto, todos com sede no Complexo do Alemão), bem como nos mutirões de grafite organizados anualmente pelo Instituto Raízes em Movimento é possível perceber formas de deslocamento do olhar em relação à favela e à cidade em cenário de intensas transformações sociais e políticas que se expressam no tecido urbano. Nelas, políticas de segurança pública focadas na militarização de espaços populares (como as Unidades de Polícia Pacificadora - UPPs) e reformas urbanísticas profundas (PAC-Favelas) combinam-se à ascensão de práticas e discursos fascistas e ultraconservadores e à criminalização de movimentos sociais (especialmente os populares). As experiências aqui analisadas permitem pensar o que motiva a produção imagética e audiovisual em contextos de militância nas periferias urbanas; o que tais produções buscam retratar e a partir da mobilização de quais recursos (redes de apoio, mas também opções estéticas, por exemplo); por onde circulam tais produções (considerando a centralidade de tecnologias e plataformas digitais); além de suas escolhas e implicações políticas; e de suas intenções artísticas e pedagógicas.
Voltei a morar no meu corpo. Potencias antirracistas em práticas de performance populares brasileiras
Autoria: Lucrecia Raquel Greco (ufba)
Autoria: Nesta comunicação apresento algumas indagações sobre as potencias micropolíticas de práticas de performance populares e afrobrasileiras em diversos coletivos integrados majoritariamente, porém não exclusivamente, por jovens negros. Analiso os devires subjetivos que se constroem na participação destes espaços, focando particularmente na forma em que o work de treino em performances corporais junto com a pesquisa na história, memória e ancestralidade nos grupos acabam sendo fatores chaves na transformação das experiencias e autorreflexividade dos participantes, principalmente no que refere a raça, gênero e classe. As reflexões emergem das minhas pesquisas em diversos coletivos envolvidos com diversas performances, onde a militância antirracista está presente. Os espaços se situam em três cidades brasileiras, onde, se bem a intersecção entre raça, classe e posição subalterna é muito semelhante, os significantes vinculados as identidades negras tem diversas posições. Os espaços são a Associação de Capoeira de Rua Berimbau, no estado do Rio grande do Sul, a Escola de jongo, no estado de Rio de Janeiro e o Grupo de Teatro do Oprimido Pé de Poeta, no estado de Bahia. As metodologias de pesquisa para esta comunicação se baseiam, em diversas instancias em experiencias de observação participante, participação observante, pesquisa colaborativa e performance-pesquisa.
“sentir, pensar e agir”: O fazer artístico-cinematográfico de mulheres indígenas na América Latina
Autoria: Sophia Pinheiro (Doutoranda)
Autoria: Em minha pesquisa de doutorado, parto da hipótese de que há uma nova perspectiva do cinema e da arte indígena contemporâneos com ênfase ao “sentir, pensar e agir” (Walter Mignolo & Gómez Pedro, 2012), alinhada às estéticas decoloniais. A pesquisa, com as cineastas Patrícia Ferreira Pará Yxapy (Mbyá-Guarani), Graciela Guarani, (Guarani Kaiowá) Sueli Maxakali (Maxakali), Michely Fernandes (Guarani Kaiowá) e Flor Alvarez Medrano (Maya, Guatemala). Tratar dessas narrativas visuais autônomas, localizando as mulheres indígenas como sujeitas históricas sem inseri-las, necessariamente, em um quadro teórico fechado, respeitando assim suas singularidades étnicas e sociais. Quando essas artistas indígenas estão produzindo arte e cinema contemporâneos, que dimensões elas acionam? Qual a agência política das imagens que elas produzem? Que “outra” arte é essa? Como combatem as representações imagéticas construídas historicamente com suas imagens? Por que a linguagem cinematográfica realizada por mulheres indígenas são tidas como “uma arte menor” ou datadas por um dito “cinema indígena”? Uma mulher indígena que decide, por meio da autoimagem e da autorrepresentação, cuidar de si e de seu povo exerce o poder da representatividade e do que deseja mostrar. Sua agência é demonstrada pelo novo papel de interlocução estabelecido pela atenção histórica – do lugar de fala e virada ontológica que as evidenciam como agentes históricas. O papel de interlocução que mulheres indígenas adquirem quando são convidadas para um projeto cultural como cineastas e artistas, um festival de cinema, um debate e até mesmo GTs como este, reafirmam esse lugar de liderança e agência promovido pelo uso da linguagem artística. Dessa maneira, a liderança por meio da utilização das imagens e a liderança política estão imbricadas. Produzir imagens é um gesto político e, em meio a tantas informações visuais, é muito comum utilizá-las como vetor de transmissão de pensamentos e militância, um ativismo. Uma ação da arte como prática humana, tendo uma história própria, mas sempre como prática inserida em outras e com elas interligada. Nesse sentido, Clarisse Alvarenga (2017) nos faz um questionamento relevante para a linguagem cinematográfica do documentário, estética que prevalece na cinematografia indígena: “como o cinema documentário é alterado ao mesmo tempo em que altera a experiência do contato interétnico?” (2017, p.30). Indaguemos então, diante das relações, o fato compartilhado (Comolli, 2008, p.60) – cinema – o que o cinema indígena pode dizer sobre o cinema não-indígena?
Afetividade, quilombismo e identidade negra: mergulhando nas produções artísticas da juventude negra paraense do Coletivo Ilustra Pretice PA
Autoria: Emerson Silva Caldas (UEPA - Universidade do Estado do Pará)
Autoria: O presente work busca analisar as produções de artistas negros e negras do Coletivo Ilustra Pretice PA e com base nisso identificar o que as imagens produzidas por essa juventude negra na Amazônia paraense expressam. Considerando as violências diárias enfrentadas pela população negra na contemporaneidade brasileira é importante compreender como através da arte este grupo elabora novas possibilidades criativas de experiências e existências mediante novas narrativas artísticas, atuando de forma contra-hegemônica a uma sociedade que violenta corpos negros de múltiplas maneiras pelas dinâmicas de um país estruturalmente racista, desigual e excludente. Dialogando a Antropologia e a Arte, na investigação de estéticas e imagens elaboradas pelos indivíduos e as significações atribuídas às suas narrativas artísticas, os campos da Antropologia da Arte e da Antropologia Visual são essenciais para construção de um olhar crítico a cerca do que se pretende neste estudo, deste modo servirão como arcabouço dos caminhos metodológicos desta pesquisa, onde serão analisadas as produções de artistas do coletivo, em diálogo com as entrevistas e a observação participante que serão realizadas nos encontros e atividades do Coletivo Ilustra Pretice. Vale destacar que os works e articulações da juventude negra do Coletivo Ilustra Pretice PA são plurais e suas ações possibilitam a criação de outros cenários artísticos, culturais, sociais e políticos na cidade de Belém. O Coletivo Ilustra Pretice auxilia no acolhimento, na identidade e no afroafeto da juventude negra, seguindo passos ancestrais, visto que usa das inteligências e tecnologias da negritude que se fortalece em redes emancipatórias de resistências quilombistas. Sendo assim, o que se propõe é justamente desvelar as produções artísticas dos integrantes do coletivo e compreender o que seus works artísticos podem nos revelar ao mergulharmos naquilo que está presente nas subjetividades destes artistas. 
Funk e regimes de moralidades: notas antropológicas
Autoria: Guilherme Vieira Bertollo (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: Este pôster é um dos desdobramentos das investigações do projeto de pesquisa Arte, Política e Experimentação etnográfica, coordenado pelo Prof. Vitor Grunvald (UFRGS), no qual participo pensando as relações entre arte e política nas experiências e práticas musicais ligadas ao funk, com atenção à criação de políticas de segurança pública que superem o punitivismo da atualidade, respeitando os direitos humanos e a liberdade das manifestações culturais da diversidade. A proibição de práticas musicais e expressões artísticas da cultura popular, como aconteceu com a capoeira, o samba e atualmente com o funk, reforça a seletividade do aparato repressivo do Estado, que promove a criminalização de determinados grupos sociais, mantendo a continuidade de uma política de extermínio da população negra e pobre. Pensando a relação entre arte e política, os bailes funk servem como objeto de estudo antropológico, sendo lugar privilegiado para compreender a dinâmica entre as duas dimensões, uma estética, propriamente musical, e relações de poder que se tecem na construção de uma moralidade profundamente enraizada em marcadores de classe, raça e sexualidade. Essa moralidade é, via de regra, acionada por pressupostos que operam a partir do argumento de que esse gênero musical faz apologia ao crime e ao sexo, e por isso deveria ser considerado um crime contra a família, a criança e o adolescente. Segundo Facina e Palombini (2017), o funk deve ser visto como cultura, pois se trata de uma narrativa de quem está no problema, falando sobre a vida no crime, sem nenhuma condenação moral. Por sua vez, o Estado e setores da grande mídia reforçam preconceitos criminalizando os bailes funk, grandes festas das juventudes periféricas e manifestação cultural das favelas. A prisão do DJ Rennan da Penha, a repressão violenta da polícia na favela de Paraisópolis-SP em dezembro de 2019, que deixou nove mortos, são alguns dos eventos que expõem uma forma de governar cuja (necro)política de intervenção resume-se na barbárie, na punição de manifestações de corpos dissidentes, pretos e pardos, não apenas deixando-os em condições precárias, mas fazendo-os morrer. Este pôster, portanto, visa sistematizar aspectos de tal seletividade como um fato sintomático do problema da violência autorizada pelo racismo do Estado, causando um genocídio nas periferias. Com a criminalização do funk, o Estado continua a promover o encarceramento em massa da população periférica, portanto, o que está em questão é a sobrevivência das culturas negras. A polícia, enquanto braço armado do Estado, materializa uma gestão dos corpos a partir da imposição do privilégio do uso da violência, justificada por um racismo que promove a vida de um grupo, matando os outros.
Intersecções no Audiovisual Brasileiro: Mulheres negras e a representação de corpos marginalizados no combate ao machismo e racismo.
Autoria: Brenda Carolinne Martins Inácio (UFG - Universidade Federal de Goiás)
Autoria: Este work tem como objetivo entender a influência do audiovisual na percepção do público consumidor de filmes produzidos pelo cinema nacional e como se desenvolve o processo de produção do audiovisual de mulheres negras no estado de Goiás, o que acarreta em um tipo de “contracultura”, ou como sugerido por bell hooks (1992), na construção de um "olhar opositivo" local. Parte-se do pressuposto que a estrutura social brasileira, influenciada pelo processo de colonização, construiu uma visão sobre corpos racializados e femininos com base em estigmatizações, produzindo políticas de controle e de invisibilização em nome do desenvolvimento da máquina mercantilista. Considera-se também o sexismo, de matriz europeia, que produziu uma opressão que trabalha de modo interseccional (entre raça e gênero) para a marginalização de mulheres negras, tal como elaborou a antropóloga Lélia Gonzalez (1984). Atenta-se ao fato de que o audiovisual brasileiro é parte da cultura do país e que sofre influência direta da estrutura social racista e sexista construída ao longo da história. Assim, a partir destes pressupostos e de uma proposta metodológica que toma as telas como campo de investigação e reflexão antropológicas, analisa-se filmes não como um reflexo concreto da sociedade, mas sim como um meio pelos quais sujeitos e grupos sociais pensam e elaboram sobre suas vidas, como sugerido pelas antropólogas Rose Satiko Hikiji (1998) e Carmen Rial (2004). Porém, o audiovisual pode também potencializar outros tipos de representações, criando narrativas que reforcem a imagem de mulheres negras não como produtos da imaginação colonial, mas como seres humanos dotados de sentimentos, vontades e pensamentos próprios. Muitas acadêmicas feministas tomaram como objeto de estudo a tela e os filmes produzidos por outras mulheres, construindo teorias para entender como o audiovisual se relaciona com a cultura e vice-versa, mas por um determinado tempo, tais análises se constituíam a partir de uma visão branca, ocidental e heterossexual, sendo assim, bastante excludente. A partir disso, mulheres racializadas desenvolvem suas pesquisas com o objetivo de entender o papel e a posição das mulheres não-brancas nos filmes hollywoodianos, como realizado pela professora Ceiça Ferreira (2018) em alguns de seus works. Assim, neste pôster exploro um pouco de minhas análises aqui fortemente influenciada por este referencial teórico e no olhar para alguns filmes realizados por mulheres negras no Brasil e em Goiás, abordando também entrevistas semiestruturadas realizadas com algumas dessas realizadoras cinematográficas, de modo a compreender como uma visão opositiva sobre a tela pode ser construída, abrindo espaço para uma produção cinematográfica brasileira mais diversa.