GT 28. Das coleções aos sujeitos, dos sujeitos às coleções: nova luz sobre os acervos etnográficos musealizados

Coordenador(es):
Adriana Russi Tavares de Mello (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Lúcia Hussak Van Velthem (Museu Paraense Emilio Goeldi)

Sessão 1
Debatedor/a: Marília Xavier Cury (MAE-USP)

Sessão 2
Debatedor/a: Lia Fernandes Peixinho (UNIRIO)

Desde o final da década de 1990 os processos museológicos relacionados às coleções etnográficas vem sendo alvo de críticas, reflexões e significativas mudanças. Nesse sentido, a antropologia e a museologia reviram seus pressupostos epistemológicos o que provocou entre outros a constituição de uma nova ética na relação com os chamados “informantes” ou “povos representados” nas coleções. Paralelamente, em diferentes localidades os povos tradicionais, os povos indígenas e outros povos tem se organizado para pressionar governos, pesquisadores e a sociedade em geral na garantia de seus direitos, o que por sua vez em muitos casos desaguou na formulação de políticas próprias que lhes asseguram tais direitos. Direito ao território, às memórias, às tradições, à língua, à educação diferenciada e ao patrimônio são apenas alguns destes direitos. Implicadas com tais mudanças, diversas instituições e iniciativas lançam uma nova luz sobre as coleções etnográficas, iluminando práticas que são construídas por um fazer colaborativo com povos indígenas, populações tradicionais e outros grupos sociais na busca de novos sentidos para além das próprias coleções. Assim, este GT pretende acolher relatos de experiências e reflexões, conduzidas em espaços museais ou fora deles por diferentes atores, que versam sobre o duplo caminho que articula coleções e sujeitos, sujeitos e coleções.

Resumos submetidos
Coleções antigas – novos significados: Reflexões sobre encontros recentes entre o povo Katxuyana e as coleções katxuyana
Autoria: Astrid Kieffer-Døssing (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Autoria: Nessa apresentação focalizo algumas experiências oriundas da pesquisa de campo para meu doutorado, em que trabalhei com o povo indígena Katxuyana, ameríndios Caribe, no norte do Pará. Aqui faço uma reflexão sobre a interação entre sujeitos Katxuyana e coleções museais, compreendendo isso como parte do desenvolvimento do papel dos museus e suas coleções etnográficas hoje em dia. Parte da minha pesquisa de campo incluiu uma forma de ’retorno virtual’ de coleções museais de quatro museus europeus. Para tanto eu elaborei cadernos com fotos dos objetos ao povo Katxuyana. Os objetos que integram as coleções destes museus foram coletados durante duas expedições dinamarquesas no final da década 1950. Em 1968 os Katxuyana migraram de seu território e só voltaram cerca de 35 anos depois. Porém, desde a coleta dos objetos, eles quase haviam sido esquecidos na literatura antropológica e museal, sem exposições ou muitas pesquisas até 2010. No momento quando os museus adquiriram os objetos, a compreensão geral era que o povo Katxuyana eventualmente ia desaparecer; deixando só os objetos como vestígios materiais da sua cultura. Nesse sentido, as coleções foram consideradas como ligadas principalmente ao passado. Porém, a partir de 2000, o povo Katxuyana começou a retornar à área de onde eles e/ou seus pais e avôs tinham saído anos antes. Parte desse retorno incluiu uma consciência ampliada e interesse pela ‘cultura katxuyana.’ Um componente disso foi a procura ativa de textos acadêmicos sobre o povo Katxuyana e também a possibilidade da existência de coleções museais desconhecidas. Isso tudo em colaboração com uma pesquisadora brasileira. Essa colaboração causou a ‘redescoberta’ das coleções nos quatro museus europeus. Através desse tipo de ‘retorno visual,’ os Katxuyana estão criando novas conexões com os objetos coletados através da sua situação contemporânea, algo que está ligado ao direito ao território, ao conhecimento e a reaprender a fazer esses objetos de novo. É possível dizer que isso está ligado a garantir o futuro do povo Katxuyana. Ademais, por causa do interesse dos Katxuyana, o significado dessas coleções foi renovado pelos museus que possuem as coleções. Ao contrario do que pensavam os profissionais/pesquisadores anteriormente, essas coleções não podem ser interpretadas apenas como matéria que ilumina o passado, mas através das conexões renovadas com os Katxuyana as coleções também estão entrelaçadas com o presente e o futuro. Assim, movimentos continuados entre coleções e sujeitos são de importância para os Katxuyana no seu work pelos seus diretos, conhecimentos e futuro, e também para os museus para cumprirem seu papel e garantirem sua importância no mundo contemporâneo e suas obrigações com povos indígenas igual os Katxuyana.
Compartilhamento internacional de dados digitais de coleções etnográficas: um debate ético sobre cooperação entre museus no contexto decolonial
Autoria: Renata Curcio Valente (MUSEU NACIONAL)
Autoria: A proposta do presente work é de refletir sobre os fundamentos políticos e éticos relacionados ao desenvolvimento de políticas nacionais e internacionais de restituição de objetos ou coleções etnográficas, formados no contexto de relações coloniais, para os países e culturas de origem. Nos interessa investigar se e em que medida tais fundamentos sustentam e dialogam com a proposição de compartilhamento de dados ou arquivos digitalizados de coleções etnográficas de museus europeus e norteamericanos. Este é um tema caro particularmente a definição de uma política de formação de acervos etnográficos de povos indígenas no Brasil, considerando o incêndio que destruiu parte significativa do acervo do Setor de Etnologia e Etnografia do Museu Nacional, em setembro de 2018. O acervo original do Museu Nacional do Rio de Janeiro contava com coleções etnográficas do século XIX, resultado de práticas de investigação e de colecionamento adotadas também em museus de história natural europeus, onde se encontram uma parte expressiva da história dos povos indígenas que viviam e ainda vivem no Brasil. A demanda pelo compartilhamento de dados e de documentação histórica de coleções etnográficas sob a guarda de instituições museológicas estrangeiras de referência mundial é uma das estratégias em que se baseia a política de reconstrução adotada pelo Setor de Etnologia do Museu Nacional, além da formação de coleções contemporâneas. A proposta de “restituição virtual” das coleções etnográficas de povos indígenas originários do Brasil encontra incertezas e revela resistências que são características das estruturas de instituições museológicas centrais e que fazem parte da definição dos bens culturais como parte do patrimônio cultural de uma nação, e que, portanto, são bens inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis. Este é um tema sensível que reflete um paradoxo colonial pois, do ponto de vista dos Estados que as recebem, as coleções etnográficas musealizadas, registradas como patrimônio de um museu, tornam-se parte do patrimônio cultural nacional, enquanto, pela procedência, constituem parte do acervo cultural de povos e culturas não europeias. O debate vem sendo desenvolvido por países africanos, sobretudo Benin e Senegal, que demandaram a restituição física e virtual de coleções africanas que se encontram desde o final do século XIX sob a guarda de museus europeus. Tomando como ponto de referência o comprometimento do presidente francês Emmanuel Macron de restituição de obras de arte provenientes do Benin, por meio de um relatório assinado por Benedict Savoy, organizações internacionais como UNESCO e ICOM vêm mostrando maior abertura para o debate em torno do tema em conferências internacionais, como uma nova forma de cooperação no campo dos museus.
Figurações de sujeitos de direitos na salvaguarda institucional de acervos pessoais relativos a povos indígenas e comunidades tradicionais
Autoria: Luísa Valentini (Centro de Estudos Ameríndios), Vitor Pinto Ido
Autoria: Parte significativa das coleções oriundas de povos indígenas e comunidades tradicionais hoje sob custódia de museus e outros centros de memória no Brasil se formou como acervos pessoais de visitantes eventuais ou assíduos a esses grupos. O sistema brasileiro de pós-graduação completa cinco décadas, e acervos de cultura material e de documentos reunidos por seus participantes comporão em breve um grande volume de material destinado a instituições de salvaguarda da memória, o que exige estratégias específicas para a escala de coleções que recobrem carreiras inteiras de pesquisa, e materializadas já há trinta anos sob a rotinização dos dispositivos digitais. Detemo-nos sobre os termos da formalização desse patrimônio e seus efeitos sobre políticas de acesso e extroversão de materiais. Tais processos são mediados por argumentos jurídicos que incluem noções de compromisso, autoria, propriedade, posse, privacidade, patrimônio material e imaterial, constantes em instrumentos jurídicos como contratos privados e administrativos, doações, editais e procedimentos de controle, compondo uma rede de feixes jurídicos tidos ora como “formais”, ora como “complexos”. Mais que instrumentos de viabilização das práticas museológicas e seus acervos, trata-se de materialidades (Kang, Kendall 2020) que intersectam direitos, redefinindo continuamente as relações entre os atores envolvidos. Contrastamos as redes nas quais artefatos de conhecimento circulam e se transformam, centrando nossa descrição nas diferentes figurações de direitos acionadas na caracterização e formalização de coleções e fundos documentais pessoais, da escala da pessoa e da família às escalas em jogo nas coletividades ameríndias e tradicionais, que, particularmente nos processos de transmissão e construção de conhecimentos, demarcam figuras na escala da pessoa, da família e do grupo étnico-linguístico. Embora a compreensão destas redes e recortes dependa da localização de elementos propriamente jurídicos (por ex. potenciais conflitos entre intimidade e publicidade), trata-se também de apontar para a própria forma de expor direitos e obrigações jurídicas que caracteriza a relação entre sujeitos e coleções. Em outras palavras, esta rede de legalidades é não apenas mediadora entre sujeitos e coleções, mas elemento integrante das relações ali determinadas (ver Pottage 2012). Em termos concretos, uma política de salvaguarda deve reconhecer o papel de termos de formalização e direitos envolvidos sem simplesmente instrumentalizá-los. Esperamos contribuir com a construção de políticas museais e de memória no contexto brasileiro, evitando o dilema aparente entre acesso e proteção de direitos que se repõe de modo sistemático nos discursos relativos a políticas de repatriação.
Interpretações Tikuna de máscaras e indumentárias rituais a partir do Museu Magüta.
Autoria: Priscila Faulhaber Barbosa (MAST)
Autoria: A presente comunicação trata de significados conferidos a objetos rituais por colaboradores Tikuna. Focaliza-se as interpretações de representantes deste povo sobre máscaras e indumentárias em sala do Museu Magüta onde estão reunidos diferentes exemplares de tais objetos. Dialoga-se com estudos anteriores sobre artefatos do Museu Goeldi e do Museu Nacional, em projeto de pesquisa que desenvolve sistema orientado a objetos que organiza o acesso a fontes documentais arquivísticas, imagísticas e testemunhos sobre relações entre interpretações no âmbito histórico-político, propondo estabelecer uma produção paralela aos chamados sistemas de informação e bancos de dados, envolvendo a produção de um catálogo digital organizando e disponibilizando imagens relacionadas a artefatos rituais. Priorizam-se conhecimentos sobre o ritual de puberdade (indumentárias, instrumentos e recintos), meteorologia e associações céu-terra com base na análise iconográfica. O estudo abrange o exame de artefatos com base nas traduções e interpretações de representantes desse povo com o intuito de apoiar o fortalecimento do Museu Magüta (o primeiro museu indígena do Brasil) partindo da coleção Nimuendajú do Museu Paraense Emílio Goeldi e do Museu Nacional levando ainda em conta a correlação entre objetos desse povo que hoje estão dispersos em um amplo espectro de Museus no Brasil e em diferentes países. O estudo tem o intuito colaborar para o estreitamento dos vínculos do Museu Magüta e processos culturais nas comunidades Tikuna, partindo da coleção Nimuendajú do Museu Paraense Emílio Goeldi e do Museu Nacional levando ainda em conta a correlação entre objetos que hoje estão dispersos em um amplo espectro de Museus no Brasil e em diferentes países. Para além dos chamados sistemas de informação e bancos de dados, a intenção é incluir o diálogo com o pensamento Tikuna no desenvolvimento de sistema orientado a objetos de modo a considerar em uma via epistemológica fundamentada na antropologia crítica, de modo a pensar a organização do acesso a fontes documentais arquivísticas, imagísticas e testemunhos sobre relações entre interpretações no âmbito histórico-político
O que dizem os objetos? Um estudos sobre os objetos indígenas nas coleções de Mário de Andrade
Autoria: Beatriz Andreoli Vargas de Almeida Braga (Museu Paulista)
Autoria: O presente work consiste em uma parte da pesquisa de mestrado da proponente, que tem como objetivo abordar os objetos “indígenas” colecionados por Mário de Andrade, a fim de refletir sobre o lugar e importância destes na relação do escritor com a antropologia e em sua construção da figura e do universo indígenas. Levando em consideração a importância da atuação do escritor modernista na germinação da disciplina do país, buscar-se-á refletir sobre os trajetos dos objetos supracitados durante as práticas de colecionamento e de pesquisa de Mário de Andrade. O acompanhamento destes percursos se dará com vistas à compreensão da construção, pelo escritor, das categorias de “popular”, “folclore" e “indígena" no que tange especificamente à produção de uma representação da alteridade indígena em seu imaginário modernista. O corpus analítico da pesquisa consiste, assim, nos objetos classificados como “indígenas” ou cujos aspectos formais (forma, material, ornamentos) os associe a contextos indígenas, e que estão localizados na Coleção de Artes Visuais do Fundo Mário de Andrade, sob custódia do IEB/USP, e na Coleção Missão de Pesquisas Folclóricas, parte integrante do Acervo Histórico da Discoteca Oneyda Alvarenga, sob guarda do CCSP. Discutir-se-á, portanto, a produção de práticas e de tecnologias de pesquisa por Mário de Andrade a partir de suas viagens etnográficas ao Norte e Nordeste brasileiros, realizadas entre 1927 e 1929, e da ida de uma equipe de técnicos do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo à região Norte do Brasil, em 1938, sob sua direção, viagem conhecida como “Missão de Pesquisas Folclóricas”. O work exposto filia-se, assim, aos estudos antropológicos sobre objetos materiais que desde as últimas duas décadas do século XX têm contribuído para o retorno do interesse da antropologia pela materialidade. Os objetos constituirão o caminho pelo qual as viagens etnográficas de Mário de Andrade e a realização da Missão de Pesquisas Folclóricas serão analisadas, estabelecendo entre os objetos e os escritos produzidos nestes períodos um cruzamento analítico, que permitirá ao work aqui proposto aproximar-se, não apenas do cotidiano de viagem de Mário de Andrade e do work realizado pela equipe da Missão sob sua orientação, mas também da relação e diálogos deste último com a antropologia.
Os percursos da antropologia e da arqueologia no Sertão imaginado: a atuação de Acary Passos de Oliveira no Museu Antropológico da Universidade de Goiás.
Autoria: Adelino Adilson de Carvalho (UFG - Universidade Federal de Goiás), Camila A. de Moraes Wichers Rosani Leitão
Autoria: Essa comunicação se debruça sobre as práticas da antropologia e da arqueologia no Brasil Central, compreendido aqui como parte de um Sertão, uma realidade imaginada, colocada como contraponto do litoral no processo de produção do estado brasileiro (SENA, 2010). O processo de colonização desse território esteve imbricado com o ‘colecionamento’ de povos indígenas (CLIFFORD, 1994), envolvendo a coleta de objetos, mediante as mais diversas estratégias, a captação de imagens e a produção de discursos ‘científicos’ a respeito desses povos. Como recorte analítico foram selecionadas as práticas de colecionamento conduzidas por Acary de Passos Oliveira, primeiro diretor do Museu Antropológico da Universidade Federal de Goiás (UFG), principal articulador da criação desse órgão, em 1969. O primeiro acervo da instituição é decorrente da viagem realizada ao Parque Indígena do Xingu, feita por Acary e outros professores da UFG. Contudo, a compreensão desses percursos demanda um olhar para as décadas precedentes. Observam-se correlações entre as pesquisas e a denominada “Marcha para o Oeste”, modelo de ocupação de terras adotado para incentivar o “progresso” e a ocupação do Centro-Oeste, iniciado na década de 1940. Dentro da Marcha para o Oeste, a expedição Roncador-Xingu, envolvia o reconhecimento oficial das áreas ocupadas pelos povos indígenas, tendo como objetivo mapear a região e “abrir caminhos” que a ligassem ao restante do país. Nesse quadro, marcado pela colonialidade do poder, os saberes científicos da antropologia e da arqueologia deveriam embasar a construção do Museu Antropológico, uma instituição destinada a salvaguardar o patrimônio de povos indígenas prestes a desaparecer. Dessa forma, o presente estudo pretende compreender esse contexto, verticalizando, nesse momento, a análise da coleção de objetos coletados na Lagoa Miararré, no Parque Indígena do Xingu. Em 1970, Acary tomou conhecimento, por meio de dois fragmentos cerâmicos que estavam com Takumã — chefe político e religioso dos Kamaiurá —, da existência de objetos no fundo da referida lagoa. A partir de então, o sertanista e diretor do museu, a despeito do significado simbólico dos objetos para os Kamaiurá, empregou diferentes métodos para obter objetos, o que conseguiu em 1976. Essa coleção, com cerca de 80 objetos, reúne um conjunto de fragmentos, apliques e estatuetas com motivos zoomorfos e antropomorfos. O processo de estudo da coleção tem envolvido diferentes abordagens, destacando-se a etnografia de arquivo – voltada a documentação produzida por Acary e as reportagens publicadas sobre a coleção, à época, a análise arqueológica dos objetos e o estabelecimento de diálogos com pesquisadores Kamaiurá buscando a construção de uma curadoria compartilhada da coleção.
Os Povos Indígenas do Amapá e o Museu Sacaca
Autoria: Iana Keila Lima dos Santos Duarte (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO), Prof. Drº. Marcus André de Souza Cardoso da Silva
Autoria: Os museus são instituições antigas da humanidade, lugar que pode potencializar através de suas narrativas museais a discussão e a historicidade de um povo. O work proposto apresenta uma análise com o objetivo de compreender as relações culturais e sociais estabelecidas entre o Museu Sacaca e os povos indígenas do Amapá, como um espaço de luta por reconhecimento, de comunicação e de territorialidade, onde esses povos podem apresentar a sua identidade, as suas memórias e a sua “cultura”. Este museu tem sido um instrumento de fala em que os indígenas podem dialogar com a sociedade, seja através de seus acervos, das construções de suas casas, de suas práticas e dos relatos vivenciados nas ações culturais realizadas no museu. O Museu Sacaca está localizado no estado Amapá, e desde 2002, através da exposição a céu aberto, apresenta a história de algumas populações amazônidas, dentre elas, os povos indígenas do Amapá - wajãpi, palikur, waiana e aparai - em uma área de 20 mil metros quadrados. Atualmente, os representantes destes povos têm reivindicado junto aos representantes do Sacaca, que os indígenas atuem como mediadores dentro do museu, sendo eles próprios a narrar suas histórias, apresentar suas construções e artefatos, junto aos visitantes que frequentam esse espaço. O Museu Sacaca tem possibilitado uma política de diálogo com os indígenas, valorizando a diversidade e a pluralidade culturais desses povos. As ações vivenciadas entre esses representantes conduzem a um fazer colaborativo estabelecido dentro do museu, o que proporciona aos visitantes o conhecimento sobre a identidade desses povos, que são únicas e devem ser conhecidas e divulgadas para que seus costumes, suas línguas, suas crenças e tradições sejam reconhecidas e respeitadas pela sociedade. É justamente sobre esta relação entre os representantes dos povos indígenas e os agentes do museu Sacaca, seus desafios e facetas que este paper se debruça. A proposta metodológica está fundamentada no levantamento bibliográfico com análise de dados documentais, sendo apreciado relatórios, documentos oficiais do museu, acervo fotográfico, reportagens e outros materiais de mídia, a fim de compreender as relações e o discurso estabelecido entre o museu e os indígenas. Associado a pesquisa documental foi possível realizar pesquisa de campo dentro do Sacaca, para acompanhar e analisar a construção das casas indígenas, realizada em 2019, com o intuito de compreender o significado deste território para os indígenas, as percepções vivenciadas por eles e pelos visitantes durante a elaboração de suas casas. Ressalto que tive a oportunidade de conversar com os indígenas e acompanhar diariamente a construção de suas casas, o que proporcionou reflexões interessantes sobre o conhecimento desses povos.
Povos Indígenas do Rio Negro, Coleções, Objetos Vivos: Investigações Antropológicas em Museus
Autoria: Renato Monteiro Athias (UFPE - Universidade Federal de Pernambuco)
Autoria: Esta apresentação visa levantar questões metodológicas a partir das atividades de pesquisa realizada com objetos etnográficos sobre os povos indígenas do alto Rio Negro realizadas em museus europeus e americanos. Existem muitos objetos etnográficos expostos e em reserva técnica em museus dos povos indígenas da bacia hidrográfica do Rio Uaupés. Para esta apresentação, busco explorar questões metodológicas que estão na interface da museologia e da antropologia para analisar objetos etnográficos que possuem uma características xamânicas e, que fazem parte das narrativas mitológicas significativas entre esses os grupos indígenas. As questões serão destacadas após a análise de um conjunto de objetos etnográficos previamente selecionados que se encontram em museus buscando identificar mediante a informação atuais sobre esses acervos constituídos desde o final do século XIX.
Sobre dentes e tambores: pessoas, coisas e repatriação no Museo Mapuche de Cañete, Chile
Autoria: Lucas da Costa Maciel (USP - Universidade de São Paulo)
Autoria: Dois relatos: um dente retirado de uma cova; um tambor que vai atrás de sua dona. E, logo, um Museu, o Museo Mapuche de Cañete, instituição pública pertencente ao Estado chileno e hoje administrado pelas comunidades, pedagogos, museólogos e antropólogos Mapuche. O que pretendo com essa comunicação é mostrar como dois relatos diferentes, um sobre pessoas e outro sobre coisas, se compatibilizam através dos pressupostos que organizam, no mundo Mapuche, o regime de objetos, em específico os “objetos pessoais”, expressão usada pelos meus interlocutores. Brevemente, explorarei como a fronteira entre pessoas e coisas é um artifício visual que faz emerger um dos lados das coisas/pessoas, mas sem deixar de pressupor os demais. Coisas podem aparecer como pessoas ou como partes delas, mas elas não são pessoas. No mundo mapuche, as relações é que aparecem como algo ou alguém para algo ou alguém, de tal modo que a diferença entre pessoas e objetos é posicional. O que pretendo, então, é mostrar como a imagem do museu como um cemitério (cheia de coisas de gente morta, dizem) não dista, conceitualmente, da imagem do museu como um cativeiro de ancestrais e suas espiritualidades. Com este movimento, espero mostrar de que modo a experiência do Museu Mapuche e a reflexão com meus interlocutores podem adicionar ao debate sobre a repatriação de pessoas e objetos. Entre outras coisas, minha intenção é indicar que, a depender das coisas que estão em questão e da posição a partir da qual elas ganham uma forma, um tambor é tão “resto humano ou bioantropológico” quanto um dente ou um crâneo. Com isso, não pretendo descartar a separação entre pessoa e objeto que organiza o grosso do discurso internacional sobre a repatriação como um direito humano dos povos espoliados pelo colecionismo euroamericano, mas complexificá-la e confundi-la para dizer que, a partir do critérios Mapuche, aquilo que se vê como um objeto pode, sob outro olhar, ser encarado como o corpo de um ancestral. Mais do que isso, ele indica que as espiritualidades associadas a ele podem estar procurando-o e, neste sentido, indisponíveis para tornar a compor novas pessoas, na sequência de articulações entre pessoas e espiritualidades indicadas pelo conceito de kvpalme, traduzido, por ora, como descendência, a forma em que espíritos se associam a pessoas para produzir elche (pessoas com conexões especiais, autoridades). Esta apresentação é uma torção etnográfica do modo em que os mapuche questionam os Museus e seu regime de patrimônio ao mesmo tempo em que passam a habitá-los.
Sujeitos, relações e narrativas: notas acerca do machado de pedra Xetá
Autoria: Lilianny Rodriguez Barreto dos Passos (SEED)
Autoria: A Coleção etnográfica Xetá é constituída de objetos, documentos, gravações de áudio, fotografias e filmes, coletados e produzidos durante expedições científicas realizadas entre os anos de 1955 e 1961, na região conhecida como Serra dos Dourados, noroeste do estado do Paraná, Brasil. Atualmente, as coleções etnográficas encontram-se nos acervos do Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR e do Museu Paranaense. Entre todo o material um objeto se destaca: o machado de pedra. Artefato feito como instrumento de subsistência para os índios Xetá na Serra dos Dourados, no período que antecede o contato; abandonados na floresta durante o período de contato; trocados por machados de ferro no contexto das expedições científicas; objeto etnográfico exibido em exposições científicas e de caráter permanente nas galerias do Museu Paranaense; cobiçado e alvo de disputa entre dois colecionadores, Loureiro Fernandes e Vladimir Kozák; e (re)produzido na contemporaneidade pelo grupo familiar Xetá. Tomado como representativo da alteridade, materialidade do homem primitivo, o machado de pedra suscita narrativas, epistemologias, teorias, metodologias e relações. Este work pretende debater a sua biografia, sua história de vida produzida e reproduzida na relação entre diferentes sujeitos: pesquisadores, colecionadores, museus e o povo Xetá, desvendando assim suas materialidades, particularidades e historicidade específica.
Tecendo cestos e evocando memórias: os usos e significados das cestarias entre os Anambé.
Autoria: Irana Bruna Calixto Lisboa (UNIFAP - Universidade Federal do Amapá)
Autoria: Os Anambé são sujeitos indígenas que habitam na margem esquerda do rio Cairari, na região de Mocajuba, no município de Moju, no estado do Pará. O objetivo deste work é refletir sobre os usos e significados atribuídos as cestarias para compreender a correlação existente entre os Anambé e seus cestos. Os artefatos da Coleção Etnográfica Anambé foram reunidos no âmbito do Projeto Cairari desenvolvido por Arthur Napoleão Figueiredo e Anaíza Vergolino, o qual foi criado a partir da notícia de que os Anambé não estavam extintos, apenas haviam se deslocado do seu território de origem. Por isso, surgiu a necessidade de verificar em que condições o grupo se encontrava à época. Em razão disso, Eduardo Galvão solicitou que Napoleão Figueiredo fosse até a região para identificar a situação dos Anambé. O projeto resultou em duas coleções Anambé: a primeira foi depositada na Universidade Federal do Pará e a segunda foi encaminhada para o Museu Emílio Goeldi. Entretanto, este work concentra-se na coleção alocada no acervo institucional da Reserva Técnica do Laboratório de Antropologia Arthur Napoleão Figueiredo (LAANF) da Universidade Federal do Pará. Os procedimentos metodológicos pautaram-se em pesquisa bibliográfica e documental, pesquisa na Reserva Técnica por meio de levantamento, registro fotográfica, descrição dos artefatos e pesquisa de campo na Aldeia Anambé. Além disso, o diálogo com os interlocutores ocorreu mediante conversas informais, entrevistas semiestruturadas e gravadas. A pesquisa indicou que os Anambé desconheciam a existência e o conteúdo da coleção etnográfica. Portanto, o estudo proporcionou o encontro intergeracional dos Anambé com seus artefatos antigos, elucidando a memória ancestral de seus antepassados por meios de seus objetos imbuídos de simbolismos e significados. A partir disso, os cestos evocaram as memórias dos interlocutores que remetem a lembranças de tempos antigos, objetos e pessoas. No que concerne as cestarias, antigamente eram mais presentes nos modos de vida Anambé, nos tempos atuais tornou-se incipiente devido demandar muito tempo empreendido na feitura e o local onde coletam a matéria-prima fica distante da aldeia. Diante disso, as cestarias foram substituídas por objetos industrializados, de procedência nacional. No final dos anos 1960 as cestarias eram produzidas com frequência, pois faziam parte dos objetos utilizados no cotidiano. Além disso, “os índios antigos” detinham o conhecimento de uma variedade de modelo de cestos. O estudo possibilitou o entendimento sobre as transformações culturais dos Anambé em seus aspectos tangíveis e intangíveis que perpassa os meandros das cestarias.
UM olhar sobre o Museu Indígena Jenipapo-Kanindé: memória e identidade étnica
Autoria: Thaynara Martins Freitas (UFCG - Universidade Federal de Campina Grande)
Autoria: No decorrer das últimas décadas, um novo elemento tem surgido ou sido adotado por diversos grupos étnicos no Brasil, o museu de gestão comunitária. O museu teria sido “descoberto pelos índios” como uma potencial ferramenta de reconstrução da memória, contribuindo no processo de reelaboração e fortalecimento da identidade étnica, sendo assim, um mobilizador político e educacional. A proposta da presente pesquisa antropológica tem por campo a experiência museológica vivenciada pelos Jenipapo-Kanindé, grupo indígena situado no município de Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza. Assim, o Museu Indígena Jenipapo-Kanindé trata-se de uma experiência museológica idealizada e gerida pelos próprios membros da comunidade, idealizado e construído de maneira colaborativa junto a parceiros especialistas e indigenistas, como mecanismo de valorização da memória para a defesa e reforço da afirmação étnica desta comunidade indígena. Em busca da melhor compreensão deste fenômeno sociocultural e político, presente no cenário indígena cearense, se fez uso de bases teóricas antropológicas e breves abordagens museológicas que auxiliem a reflexão sobre a temática proposta. Para isso, conceitos como de grupo e identidade étnica, memória, museus históricos e ecomuseus foram essenciais para o cumprimento do objetivo deste work. Quanto à metodologia adotada, consistiu na observação participante, referindo-se a participação em eventos organizados por esse grupo indígena e de demais eventos que estes foram convidados a participar e que tiveram relação e relevância para a temática. Além de uma série de visitas realizadas à comunidade com o propósito de se observar o cotidiano deste grupo com o museu, com o intuito de obter informações por meio de conversas, entrevistas semi-estruturadas e observações. Realizou-se pesquisa, também, através de vídeos, áudios, fotografias e matérias jornalísticas.
Estudo antropológico sobre fotografia e memória do Guerreiro em Alagoas
Autoria: Tamara Roque Caetano (UFAL - Universidade Federal de Alagoas), Fernanda Rechenberg
Autoria: O presente estudo busca compreender o processo/criação do conjunto fotográfico intitulado Guerreiro do Mestre Artur José, parte integrante do acervo fotográfico do Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore (MTB), produzido pelo fotojornalista Laércio Luiz nas décadas de 1930-1960, período de efervescência dos folguedos em consonância com Movimento Folclórico Brasileiro (MFB) e a produção de memórias coletivas em torno dos folguedos populares em Alagoas. Considerando o período de produção destes registros imagéticos este estudo é orientado pela investigação em arquivo, seja através de fontes fotográficas ou bibliográficas que se refere a livros, documentos do referido acervo. Além disso, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas guiada pelo método foto-elicitação com mestres, brincantes, coordenadores de diferentes grupos de Guerreiro e intelectuais em busca de utilizar as fotografias como suporte para o acionamento da memória.
O impacto da representação do sincretismo afro-brasileiro na Sala Fé do Museu Théo Brandão
Autoria: Andresa Monteiro Moreira (UFAL - Universidade Federal de Alagoas)
Autoria: Localizado em Maceió (Al), o Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore, que pertence a Universidade Federal de Alagoas, foi criado em 1975 para abrigar o acervo de peças da cultura popular do médico e folclorista alagoano Théo Brandão. Em sua atual exposição permanente há sete salas, entre elas a Sala Fé que é dividida em dois módulos. Um deles aborda o catolicismo popular, e o outro, o sincretismo afro-brasileiro. A caracterização deste último evoca referenciais da cultura afro, a exemplo de uma estrutura que lembra um peji – altar das divindades, geralmente encontrados em casas de cultos afro-brasileiros – como também a cor vermelha de suas paredes em alusão a Xangô. Esse módulo tem um papel importante na dinâmica de visitação do Museu, pois ao chegarem a essa parte da sala muitos visitantes não adentram a esse espaço e até desistem de visitar o Museu, em contrapartida outros visitantes deixam oferendas, batem cabeça para o seu santo e conversam com as entidades da sala. Diante dos efeitos da sala na dinâmica de visitação do museu, este work pretende apresentar uma pesquisa etnográfica em andamento que aborda a interação dos visitantes com esse módulo da sala e também como os mediadores da instituição lidam com esses diferentes comportamentos do público. A pesquisa encontra-se baseada em observação participante, registros no diário de campo e entrevistas semiestruturadas, tendo como ponto de partida minha experiência de mais de um ano como mediadora do Núcleo de Ação Educativa da instituição. Espera-se que a presente investigação traga reflexões sobre o processo de mediação em museus e contribua nas discussões em torno do sincretismo afro-brasileiro e do racismo religioso.