GT 26. Cosmo-socio-morfologias ameríndias: entre comparação, contrastes e invenção
Coordenador(es):
Paulo Roberto Homem de Góes (Jeriva Socioambiental)
Aline Fonseca Iubel (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas)
Sessão 1
Debatedor/a: Diogenes Egidio Cariaga (UEMS - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul)
Sessão 2
Debatedor/a: Nicole Soares Pinto (UFES - Universidade Federal do Espírito Santo)
Há quase duas décadas Viveiros de Castro propunha que "seria tempo de se tentar uma análise comparativa das morfologias e processos supralocais na Amazônia, que dispusesse lado a lado os “conjuntos multicomunitários” yanomam, os “grupos” e “aglomerações” trio, os madiha kulina, os itso’fha piaroa, os “nexos endógamos” jívaro, os “subgrupos” parakanã ou wari’, e assim por diante” (2002, p. 105). Desde então, muitas pesquisas acerca das sociomorfologias ameríndias, na Amazônia e alhures, vem sendo produzidas, porém, a ambição comparativa da etnologia parece não ter acompanhado o desenvolvimento etnográfico com o mesmo vigor. O objetivo do presente GT é debater a comparação enquanto método etnológico e, para tanto, convidamos pesquisadores a dialogar sobre formas ameríndias de “invenção do social”: sua produção de coletivos e territórios (atuais e virtuais), com enfoque seja em relações interaldeãs e interétnicas, seja em relações interespecíficas, seja, ainda, na mútua pressuposição de tais relações. Buscamos, portanto, promover debates a partir de etnografias, de trabalhos etnohistóricos, de arqueologia, da linguística ou do próprio conceito de comparação no sentido de renovar as articulações que compõem a agenda da etnologia e de (re)apropriar interpretações das invenções ameríndias do social.
Resumos submetidos |
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A coafinidiade baniwa: descrições e modelos no Noroeste Amazônico Autoria: João Jackson Bezerra Vianna (UFES - Universidade Federal do Espírito Santo) Autoria: A comunicação busca situar as relações de extraparentesco (afinidade potencial) na construção do parentesco do Alto Rio Negro a partir de uma etnografia entre os Baniwa do rio Aiari, posicionando-se no debate sobre o dravidianato amazônico (cf. Viveiros de Castro, 2002). A partir de controvérsias classificatórias envolvendo categorias sociocentradas (fratrias e clãs) e egocentradas (terminologia dravidiana tripartida entre consanguíneos, afins e coafins), de casamentos viabilizados pela coafinidade (“filhos de mãe” ou aparentamento uterino) e não prescritos, procura-se explicitar uma dinâmica onde parentesco agnático e uterino negam-se mutuamente sem que nenhum deles se estabeleça de modo fixo ou possa ser considerado paradigmático. Conquanto o parentesco agnático (com suas classificações sociocêntricas) seja mais saliente na descrição da região, busca-se no artigo instigar uma reflexão a respeito do parentesco uterino e sua codificação nos termos da coafinidade que considere o coeficiente de afinidade das relações do parentesco amazônico. Evidencia-se uma dinâmica onde a agnação e a consanguinidade podem ser entendidas como subordinadas à cognação e à afinidade potencial. Espera-se demonstrar que a afinidade enquanto esquema de diferença explicita dinâmicas importantes entre parentesco e extraparentesco, entre o domínio humano e não humano, revelando as condições de produção de coletivos e parentes entre os Baniwa no Alto Rio Negro.
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A escrita da força oculta: uma etnografia da ciência do amaro Autoria: Luciana de Castro Nunes Novaes (UNEB) Autoria: Esse artigo apresenta a tecnologia ritual como dimensão endógena Pankararé em relação a ciência antropológica, para refletir a força oculta na autoridade da escrita etnográfica. Tecido entre reflexões arqueológicas, esse texto apresenta modos de acessar o mundo de lá tomando múltiplas metodologias do mundo daqui. Inicia apresentando o sonho como método de acesso a sobrenatureza Pankararé e a densidade desse contato na grafia. Em seguida o deslocamento espacial é apresentado como tecnologia ritual que permite a comunicação intermundos por meio de uma tecnologia ritual específica. Por fim, considero processos retóricos de acesso a sobrenatureza pela antropologia tomando como referência a etnografia realizada com os Pankararé, TI Brejo do Burgo, Bahia.
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A Saliva (d)os humanos: uma economia das substâncias entre os Makú Autoria: Hércules Gomes de Lima (UFC - Universidade Federal do Ceará) Autoria: O presente work interroga as práticas e concepções cosmológicas makú descritas na monografia de Os Makú: Povo Caçador do nordeste da Amazônia de Peter Silverwood-Coope (1990). A obra apresenta, com certo teor “holista”, a vida social dos Bara Makú sob três aspectos centrais: a sua relação com o meio ambiente, sua “adaptação”, uso e manejo de recursos, técnicas de caça (Capítulo I); outra parte dedicada à organização social, sistemas de clãs, regras de parentesco e comportamento (Capítulo II); e por fim, suas as concepções e estruturas cósmicas, dessarte, a ordenação dos componentes cosmológicos do mundo (Capítulo III). O termo – “Makú” – reconhecido pelo autor como atribuído por alguns de seus vizinhos, se refere aos habitantes da região colombiana do Vaupes, em uma área entre os rios Negro e o Japurá, no Brasil. Este artigo se debruçará, especialmente, sobre o Capítulo III e a Conclusão da monografia ao investigar a qualidade transformativa – “perspectivista”, podemos dizer (ÅRHEM, 1993) – das substâncias, quais sejam: o sangue e a saliva constroem um par no complexo cosmo-prático makú. Ao associar-se a outros dípticos (sangue:saliva::quente:frio::Alto-Antes:Abaixo-Depois e segue), o autor cerceia como nódulos agregadores da ordenação cósmica do grupo, a saber, a tsa’litna, substância quente presente no sangue e em carne, altamente atrativa aos Monstros, ligada ao Sol e à Lua e enquanto um contrapeso há a kama’litna que age uma espécie de “resfriador” ligada ao doce, à Terra e à Água (p. 174; 186). As duas formas energéticas são manejadas através de tabus alimentares, works xamânicos e pela restrição de interações sociais e da circulação de pessoas, objetos e substâncias, pois sua falta ou excesso pode ser perigosa àqueles despreocupados. Neste sentido, afim de ampliar o debate em torno do “dualismo perpétuo” ameríndios (LÉVI-STRAUSS, 1993), buscamos compreender de que modo as práticas e concepções sobre as substâncias contribuem para o/no aspecto “multiplicador de diferenças” do pensamento indígena. Nossa hipótese é que as substâncias têm forte peso na constituição do “mínimo múltiplo comum” da variação ontológica multinaturalista (VIVEIROS DE CASTRO, 2007) compondo um terreno em que diferença se produz e assim vêm sendo desde os tempos pré-cosmológicos. Ao mobilizar o caso makú e outros casos etnográficos, podemos pensar, dentre outros, na economia do sangue entre os Krahô (CARNEIRO DA CUNHA, 1978), esperamos aproximar-nos de entender o caráter ontologicamente transformativo e diferencial dos diferentes usos e concepções ameríndios da substância.
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Diferentes outros Kaingang: aldeias, marcas, cestarias e alteridades Autoria: Rodrigo Souza Fontes de Salles Graça (FUNAI) Autoria: Diferentes outros Kaingang: aldeias, marcas, cestarias e alteridades.
RESUMO
A emergência de “novas” marcas (rá) nas cestarias realizadas entre os Kaingang na TI Queimadas (terra indígena localizada entre as bacias do rio Tibagi e Ivaí no estado do Paraná, com aproximadamente 700 indígenas) constitui narrativas referenciais sobre os Kaingang vindos de “fora”, especificamente da TI Rio das Cobras. Ao mesmo tempo, os nomes para tais marcas não são tão novos, parte deles são os mesmos registrados por Nimuendaju (1913), como designação preferencial das metades no Paraná, a partir da pergunta: “Indo você ao cemitério como é que você se pinta?” Assim, ao contrário de outras áreas Kaingang mais ao sul, não encontramos de modo corrente na TI Queimadas as denominações kamē e kanhru na identificação de clãs exógamos, mas desde pelo menos a primeira metade do século XX, as marcas rá ror, rá kutu, rá tej, rá joj e outros. São também estas denominações que passam a identificar as “novas” marcas das cestarias aprendidas na década de 1970 desses outros vindos de “fora”, ainda sob o pano de fundo em que as marcas deixam de ser utilizadas publicamente frente aos mortos. Todavia, nessas narrativas aqueles “do Rio das Cobras” também aprendem com os “de Queimadas”, seja a realizar os “puxirões” para erguer os balaios, seja a fazer as lavouras mecanizadas. Por vezes também é com os de “fora” que se busca a cura. Neste contexto, os Kaingang em Queimadas realizam seus modos de comparação e suas trajetórias, numa temporalidade e alteridade que os transpassa, por vezes, com ênfase no “novo” que se aprende/recebe/obtêm de “fora”. Esta apresentação visa abordar narrativas Kaingang da TI Queimadas, num primeiro plano, sobre o tema da comparação e trajetórias “entre aldeias” em vista às distinções êmicas entre coletivos; num segundo plano, referente à historicidade das relações de alteridade em sentido amplo, no qual se incluem os mortos.
Dentro deste recorte apresentamos hipóteses para duas questões: num contexto histórico, no qual os etnônimos ( em escala étnica) entre os Kaingang teriam sido suprimidos (GOES, 2018), de quais modos são estabelecidas trajetórias e comparações distintivas (e, por vezes, complementares) “entre aldeias”, grupos e/ou regiões? O que significa o uso de “novas” marcas em cestarias, aprendidas com os de “fora”, no contexto diacrônico de transformação das relações de alteridade?
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Donos e escalas tupi: um problema morfológico? Autoria: Rodrigo Rossi Mora Brusco (PPGAS/USP) Autoria: As discussões antropológicas sobre “morfologia social” parecem ter sempre se ligado, em maior ou menor medida, à questão da “escala”. Como esse debate se manifestou na etnologia das terras baixas sul-americanas? O objetivo deste work é tecer uma trama que aponte respostas preliminares a essa questão, ao sugerir que uma maneira profícua de abordar o debate é aproximar o conceito de “escala” às figuras dos “donos” (ou “mestres”) que povoam o imaginário conceitual de diversos povos ameríndios. Para melhor recortar a abordagem, me limito a comparar algumas etnografias que descreveram tais figuras de “donos” entre povos falantes de língua tupi. Como é possível notar, essas descrições etnográficas apostam em uma “insensibilidade à escala” (Strathern 1999) dos donos tupi, que se replicam fractalmente em diferentes níveis de magnificação. Ainda assim, achados arqueológicos recentes, que sugerem formações de “larga escala” na Amazônia pré-colombiana, têm sido interpretados por alguns works antropológicos a partir das figuras dos “donos” – como se a articulação entre “morfologia social”, “maestria” e “escala” pudesse explicar esses dados. Questiono duplamente esse tipo de interpretação. Em primeiro lugar, a partir de um ponto de vista conceitual, pois a condição de associar os “donos” às formações de “larga escala” do passado é realizar uma operação antropológica sensível à escala com figuras que, como sugerido, são insensíveis a ela. Em segundo lugar, a partir de um ponto de vista etnográfico, ao apresentar a história de expansões e contrações de uma aldeia kawaiwete, povo tupi-guarani com quem tenho conduzido pesquisa etnográfica. Concluo o work apontando para a necessidade de investigarmos etnograficamente o que poderiam ser conceitos indígenas de “escala”.
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Entre os Xetá (Tupi-guarani), mistura, lados políticos, tratores e autonomia: os Xetá na Terra Indígena São Jerônimo (Paraná, Brasil) Autoria: Rafael Pacheco (PPGAS-USP) Autoria: Apresento um panorama dos Xetá (Tupi-guarani) em sua “vida em reserva”, na TI São Jerônimo, retomando detalhes relatados e debatidos, especialmente quanto aos modos atuais da vida, marcados pela mistura, lados políticos comunitários e por lutas que considero de “reativar”, ampliando-os a partir da conexão por R. Sztutman dos termos retomada – das retomadas de terra protagonizadas por povos indígenas – e reclaim – da filósofa da ciência I. Stengers, traduzido por “reativar”, enfatizando seu sentido de invenção. De um lado, o jeito (modo de vida) dos antigos Xetá no findo tempo do mato alimenta imagens do futuro iminente dos atuais Xetá a viver na terra por demarcar, de outro: a vida de hoje, na reserva e na cidade, tende à transformação, condicionada à ação do povo/comunidade e dos seus líderes; as lutas para re-tomar a posse de uma terra, via processos administrativos e judiciais, re-unir os parentes, abarcando políticas demográficas, e re-vitalizar a cultura, destacando-se como objetos a memória e a língua, mediante pesquisas sistemáticas colaborativas e interculturais, implicam múltiplas retomadas de práticas e saberes, em mais um episódio de recomposição do mundo, do povo e da cultura após (uma) catástrofe, que aparece como constante histórica da história Xetá e teve o movimento descrito etnograficamente como a alternância entre potências de vida e morte com ênfase nas situações de quase extinção. De modo que a toponímia e categorias sociais correntes nas relações de parentesco, interétnicas, comunitárias, na circunstância da mistura, encerram marcos temporais no idioma do parentesco e caracterizam a relação entre o povo e os não-indígenas sob o signo da violência, sugerem(-se) sua implicação com o evento do extermínio – massacres, expulsão, remoções e deslocamentos forçados históricos, intimamente ligadas às trajetórias dos Xetá dele sobreviventes. A similaridade conjuntural das histórias instiga aproximações com os Avá-Guarani do Oeste do Paraná, os Ãwa (Avá-Canoeiro do Araguaia) e os Pataxó da Bahia
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Estar junto, estar separado: a sociomorfologia pendular dos Karo-Arara (Rondônia) Autoria: Júlia Otero dos Santos (UFPA - Universidade Federal do Pará) Autoria: Esta comunicação pretende mostrar como a conformação de grupos entre os Karo-Arara é geralmente concebida de dois modos contrastantes, expressos, em português, nos termos de um estar separado (ou em família) e um estar junto. Ambas as instanciações dizem respeito à conformação de um tap (um grupo de parentes ou o pessoal de alguém) e são estruturalmente idênticas, porém são vividas e caracterizadas pelos meus anfitriões de forma distintas. A primeira envolve um tipo de socialidade regida pelo parentesco e semelhança, já a segunda mostra-se mais aberta à diferença e à alteridade, sua elicitação tendo notoriamente uma feição ritual. A vida social dos Karo-Arara parece ser impossível sem essa oscilação pendular entre essas duas formas da socialidade. Neste sentido, procuro percorrer as transformações que a distinção entre junto/separado é submetida nos espaços-tempos da maloca, do seringal e da terra indígena. Por último, proponho, uma investigação (ainda inicial) de como essa alternância de socialidades é fundamental em outras sociomorfologia Tupi.
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História, corpo e feitiço Autoria: Fábio Ozias Zuker (USP - Universidade de São Paulo) Autoria: Esta apresentação parte do contexto etnográfico da população Tupinambá do Baixo Tapajós. Entendidos até poucos anos como caboclos , essas pessoas hoje reivindicam sua identidade indígena e a gestão autônoma de seu território. Chamadas pelos ruralistas e políticos locais de "falsos índios" e por antropólogos de índios emergentes, sua própria perspectiva sobre a passagem do tempo aponta para outro caminho: "sempre fomos índios", afirma Seu Bráz, presidente do Conselho Tupinambá. "Nosso povo estava adormecido", coloca ele em outra ocasião.
A partir de falas que relacionam alimentação “dos brancos” com problemas de saúde e situações de enfeitiçamento vivenciadas na região, essa apresentação tenta aproximar a percepção dos efeitos da história com os do feitiço - tendo como base a centralidade do corpo nas formas ameríndias de relacionar-se com o mundo.
Seu Puteiro, importante liderança local, conta, que "os antigos eram muito fortes, porque só comiam carne de caça. Viviam 100, 120, 150 anos”. Nas aldeias Tupinambá e Munduruku do Baixo Tapajós, é comum escutar comentários similares, que também relacionam doenças com incorporação da alimentação do branco.
Nesta apresentação pretendo relacionar momentos etnográficos relevantes sobre feitiço, a partir de uma situação de desconfiança de feitiço, por parte de uma família Munduruku de Belterra (margem direita do Baixo Tapajós) com relação a uma indígena Tupinambá (margem esquerda do Baixo Tapajós), casada com um dos filhos da dona da casa. Nas conversas que pude desenvolver nos dias seguintes, puxei com frequência o tema do feitiço. Em todos os discursos sobre quebranto e feitiço, a alimentação tem lugar central. A pessoa com quebranto fica fraca, sem a sua força usual. Fica doente.
Proponho, assim, aproximar feitiço e história, a partir de uma pragmática dos efeitos da história e do passar do tempo sobre os corpos dos indígenas, que, na percepção dos indígenas, parece de alguma forma similar ao efeito da feitiçaria sobre os seus próprios corpos.
Importa traçar também paralelos etnográficos, como o texto "Sick of History", de Anne Christine Taylor (TAYLOR, 2007), Pierri (2018) entre outros que relacionam história e doença. Central também as reflexões de John Manuel Monteiro (1994 e 2001), que se debruça na percepção de indígenas de que o batismo gerava doenças.
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Mboraei: perseguindo variações guarani Autoria: Tatiane Maíra Klein (USP - Universidade de São Paulo) Autoria: Em uma passagem de “Apontamentos sobre os Guarani” (1954), Curt Nimuendaju aponta para uma das características centrais do xamanismo guarani: ainda que o cantar esteja na base das práticas cotidianas do “médico-feiticeiro”, nem todos os Guarani cantam, porque não se trata de um cantar trivial. Esta comunicação tem como propósito apresentar algumas reflexões acerca das práticas e conceitualizações guarani sobre o cantar, perseguindo variações da categoria nativa mboraei (purahei, mborahei, mborai) entre os Kaiowa, Guarani e Mbya e outros povos tupi-guarani, como os Wajãpi, Arawete e Kamaiurá. Este exercício, baseado em uma etnografia sobre a fabricação dos oporaiva, literalmente “aqueles que cantam”, de dois coletivos guarani-falantes em Mato Grosso do Sul, Brasil, parte de comparações operadas por meus próprios interlocutores de pesquisa para contrastar suas danças-cantos e modos de aprendê-las das de outros coletivos guarani, marcadas pela imagem das “escolas de reza” (Montardo, 2009; João, 2011) entre os Kaiowa e das inspirações que revelam cantos aos xamãs guarani (Pissolato, 2008; Macedo, 2010). Compartilhada por todos esses coletivos, a categoria mboraei, que engloba vocalizações associadas a movimentos ritmados, aparece ao mesmo tempo como um termo conector e diferenciador entre os xamanismos guarani, cujas variações permitem pensar sobre modos de transmissão e aquisição de conhecimentos xamânicos, mas não só. Aqui, utilizando o “método da equivocação controlada” (Viveiros de Castro, 2004), a comparação busca complexificar a descrição etnográfica do que fazem os mboraei nos mundos guarani e refletir como esta categoria alimenta a imaginação conceitual desses coletivos, assim como seus modos de comparar e de produzir diferença.
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Misturados e mestiços na TI São Jerônimo: elementos para pensar uma ontografia marcada pelo projeto assimilacionista Autoria: Roberta de Queiroz Hesse (Usp) Autoria: A atual Terra Indígena São Jerônimo, habitada por famílias kaingang, guarani e xetá, é um resquício de um antigo um aldeamento do período imperial do Brasil. Esses equipamentos foram fruto de um projeto assimilacionista que orientou a política indigenista brasileira durante o século XIX e quase todo o século XX. A assimilação era um projeto que, baseado em um paradigma que dominou parte significativa da produção antropológica - e de outras ciências também - até meados do século XX, servia para justificar o esbulho do território indígena e a tentativa de transformação dos indígenas em trabalhadores cristãos. Não obstante o exaustivo empreendimento etnocida do Estado, os coletivos indígenas do Brasil encontraram - e continuam encontrando - modos de produzir relações e se atualizar para enfrentar os fins de mundo que lhes foram impostos. Hoje São Jerônimo revela uma ontografia formada tanto por faces das contradições produzidas pelas políticas públicas quanto e, sobretudo, pela sútil profundidade e inventividade de certas formulações indígenas. Esses processos ocorreram em muitos contextos etnográficos e é importante buscar uma abordagem que não isole os casos nem generalize as inúmeras particularidades de cada contexto.
Assim, o presente work pretende apresentar e discutir dois elemento da ontografia de São Jerônimo: a mistura e a mestiçagem. Em um primeiro momento a mistura aparece como uma categoria nativa que diz respeito às pessoas que são filhas de uniões entre povos indígenas, kaingang, guarani, xetá. Os filhos de uniões interétnicas - indígenas e não-indígenas - parecem não estar contemplados nessa categoria sendo relegados à uma segunda categoria: mestiços. Entretanto, como em muitos mundos vividos ameríndios, essas categorias não são estáveis e estanques. Se a mistura é uma categoria totalmente criada pelos indígenas, o mestiço foi uma categoria utilizada pelo órgão indigenista e pelo posto de saúde, que foi apropriada e ressignificada pelos indígenas de São Jerônimo para desqualificar determinados sujeito. Para os representantes do Estado o mestiço servia como categoria genérica para classificar tanto filhos de uniões entre diferentes povos indígenas (kaigang, guarani, xetá) quanto entre indígenas e não-indígenas. Já para os indígenas ela está mais vinculado à crítica à um comportamento quase asocial de certos sujeitos do que à questão da consanguinidade. A mistura, por sua vez, se apresenta como um modo de produção de pessoas indígenas, formadas pelo ensino, pelo cuidado, pela comensalidade. O mestiço é aquele que se comporta de uma maneira como se não carregasse esses laços de ensino, cuidado e comensalidade.
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Modorus: "Método Cosmográfico Multiescalar Fractal Tórico" como ferramenta etnológica Autoria: Orivaldo Nunes Jr (UDESC), Douglas Ladik Antunes Autoria: A ontoforma Torus estudada na Física por Nassim Haramein possibilitou a compreensão da Teoria do Campo Unificado, juntando o Macro e o Micro em padrões similares em fluxo. A comparação enquanto método etnológico nos levou a pensar a cosmologia para além da ontologia, que busca responder "o que". Passamos então a buscar na etnologia e cosmologia o padrão na ontoforma Torus, com vistas a utilizar como ferramenta conceitual que possibilitasse responder "o que", "como", "onde", "quando" e "quanto". Para tanto, denominar um método passou a ser necessário, e também ampliá-lo para que pudesse utilizar informações do "método dos antigos" (modo antigo/mos maiorum/moral), "método de hoje" (modo diurno/moderno) e "método futuro" (modo de expansão/contração fractal. Surgiu assim a proposta ferramenta conceitual Modorus como "Método Cosmográfico Multiescalar Fractal Tórico", uma ferramenta etnológica para auxiliar a pensar e descrever territórios indígenas e o planejamento de seus usos conforme costumes e tradições (CF88, Art. 231). Incipiente, esta pesquisa alia-se ao Projeto de Tese de Doutorado em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental que o autor (Bacharel em Filosofia) desenvolve junto ao PPGPlan/UDESC e está em fase de atividade de campo e buscando diálogos com etnólogos com vistas a fundamentar o possível método.
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Morfológicas: variações de forma, territórios e estratégias na etnologia ameríndia Autoria: Paulo Roberto Homem de Góes (Jeriva Socioambiental) Autoria: Há quase duas décadas Viveiros de Castro propunha que "seria tempo de se tentar uma análise comparativa das morfologias e processos supralocais na Amazônia, que dispusesse lado a lado os “conjuntos multicomunitários” yanomam, os “grupos” e “aglomerações” trio, os madiha kulina, os itso’fha piaroa, os “nexos endógamos” jívaro, os “subgrupos” parakanã ou wari’, e assim por diante” (2002, p. 105). Desde então, muitas pesquisas acerca das sociomorfologias ameríndias, na Amazônia e alhures, vem sendo produzidas, porém, a ambição comparativa da etnologia parece não ter acompanhado o desenvolvimento etnográfico com o mesmo vigor.
A estratégia utilizada neste programa de pesquisa, que culminou na coletânea “Antropologia do Parentesco” (Viveiros de Castro: 1995), mobilizou e revisou as teorias e terminologias de parentesco, reinterpretando o sentido da afinidade, que, para além de um traço terminológico passa a constituir um princípio cosmológico da relação entre povos ameríndios. Deste modo, a comparação controlada entre diferentes morfologias sociais, aqui sustentadas nos estudos terminológicos de parentesco, subsidiou a proposição de um “esquema transcendental de determinação da alteridade” (1995: p. 14) cujos desdobramentos à teoria etnológica repercutem fortemente ainda hoje.
A presente comunicação tem por objetivo provocar reflexões sobre as bases e estratégias de uso do método comparativo na etnologia contemporânea, buscando caminhos para reintroduzir a comparação como método de diálogo entre os diferentes contextos etnográficos.
Pensar a comparação enquanto método pressupõe o estabelecimento consciente dos procedimentos que permitem sustentá-la. Nem tanto a busca por generalizações, proponho darmos um passo atrás, ao retomar o debate sobre as diferenças cosmo-morfológicas, de forma e sentido, entre as diferentes configurações sociais ameríndias. Quais seriam, assim, as bases socioculturais para estes exercícios metódicos de comparação se o foco etnológico migra das terminologias de parentesco para a produção socioterritorial, incluindo ali a diferenças sociopolíticas, interaldeãs e demográficas? Dito de outro modo, o que proponho são análises morfológicas menos enquanto uma sociologia das relações terminológicas-matrimoniais e mais como um enfoque na forma territorial decorrente dos modos e estratégias de organização social.
Entre forma e sentido, estrutura e estratégias busco caminhos para subsidiar o diálogo entre pesquisas em diferentes contextos. Embora não possamos reduzir as diferenças e variações às estruturas linguísticas, observamos ainda hoje a efetividade de abordagens que consideram troncos e famílias linguísticas.
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Nomes de –yana e lugares entre os karib no Norte Amazônico Autoria: Victor Alcantara e Silva (UNB - Universidade de Brasília) Autoria: Entre os Karib do norte amazônico a proliferação de nomes é notável. Protásio Frikel, em 1957, registrou mais de 150 etnônimos nesta região, a maior parte indicações de outros grupos com os quais esteve. Alguns anos depois dessa compilação, poucos nomes restariam, associados a missões religiosas e a línguas selecionadas e grafadas por missionários para o ensino da Bíblia no sul do Suriname e Guiana e no norte do Pará. Se sob o bruto impacto da invasão de seus últimos refúgios e o período de confinamento (físico e existencial em terras e sob modos de vida alheios) os nomes (de gente e de lugares) diminuíram, é possível ver e acompanhar hoje sua proliferação à medida que pequenos grupos de pessoas reocupam capoeiras, agrupam parentes dispersos, buscam sinais de “donos-animais” na mata. Neste “retorno”, tais nomes se proliferam juntos, indicando a indissociabilidade das relações que os produzem. Proponho, neste texto, explorar essa indissociabilidade a partir de duas noções utilizadas por esses grupos para explicar a origem dos nomes de –yana (os etnônimos) e de lugares, que escutei em aldeias Txikiyana e Kahyana nos rios Mapuera e Trombetas, para pensar na constituição desses coletivos múltiplos: “jeito” e “parceria/amizade”. A hipótese é que essas duas categorias são capazes de operar alianças pontuais que conformam conjuntos relacionais interaldeões e interespecíficos que nomeiam grupos e lugares. Esses conjuntos, ao mesmo tempo em que permanecem abertos a novas relações que produzem parentes e lugares, se desenvolvem sob certas preferências uma vez firmados, o que conforma conjunturalmente no tempo os -yana entre si, o que chamaríamos de “povo/grupo”, e lugares nomeados, ou o que seria o “território/terra”.
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Os sonhos entre os Guarani Mbya e sua articulação com parentesco e configurações sociais multilocais Autoria: Hugo Salustiano Santos (USP - Universidade de São Paulo) Autoria: Nesta comunicação, pretendo elaborar como os sonhos entre os Guarani Mbya conectam-se às suas práticas de territorialidade e parentesco. O texto insere-se num esforço de sistematização bibliográfica sobre experiência onírica entre as parcialidades guarani – assunto esparsamente citado, mas pouco aprofundado e organizado até agora – e de comparação com as experiências oníricas de outros povos ameríndios. Como é recorrente entre muitas populações indígenas do continente, o sonho aparece entre os Guarani como experiência cosmopolítica decisiva para obtenção de capacidades existenciais de alteridades sobre-humanas. Compartilhados entre os co-residentes pela manhã, as “mensagens” recebidas das divindades ou os encontros com outros seres durante os sonhos repercutem em diferentes escalas da vida: desde o nível “pessoal”, quando permitem vislumbrar estados de saúde de uma pessoa e das atividades que ela deve ou não realizar em determinado dia, até o nível “coletivo”, como no caso dos sonhos que mostram lugares onde se podem fundar novas aldeias.
No presente work busco, em primeiro lugar, compreender como sonhar (-exa ra’u) supõe e/ou dá forma a um “socius multilocal” (Pissolato 2007) ao fazer figurar no horizonte a possibilidade de rompimento de relações atuais em prol da atualização de parentesco com parentes com os quais nunca se conviveu e da efetivação de novos casamentos nas aldeias a serem visitadas. Em seguida, busco aferir como essa atualização do parentesco e de um “socius multilocal” em sonho se dá ainda em um outro sentido: é muitas vezes no encontro onírico com antepassados mortos que as divindades mostram aos Guarani o território futuro onde uma aldeia deve ser fundada – territórios, não raro, por onde esses antepassados caminharam no passado.
Ao discutir as relações entre sonho, parentesco e multilocalidade, busco sustentar que o sonho entre os Mbya pode atuar como uma das “tecnologias de antecipação” ameríndias (Sztutman 2020) voltadas à conjuração de agências ou eventos que pretendem subjugá-los. Quando articulados a deslocamentos territoriais, os sonhos, por um lado, podem compor aspectos de uma “sociabilidade insegura” (Pissolato 2007) – na medida em que influenciam no rompimento de relações –, mas, por outro lado, eles comumente têm por efeito a produção de “alegria” (-vy’a) daquele(s) que parte(m), que buscarão estabelecer novas relações em um território propício ao “fortalecimento” (-mbarete) por ter sido, no passado, por onde caminharam os ancestrais. Não obstante, este é um processo sem fim: a forma (dificilmente totalizável) que tomam as redes guarani espalhadas pelo continente possui como marca a constante mudança, correlata à lógica de suas andanças pelo mundo – andanças que encontram no sonho um lugar de orientação fundamental.
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Reflexões de Waruá: variações dâw sobre categorias socioespaciais no rio Negro (Amazônia) Autoria: João Vitor Fontanelli Santos (USP - Universidade de São Paulo) Autoria: Essa comunicação pretende discutir sobre algumas categorias e práticas do povo Dâw (família linguística Naduhup) relacionadas ao território, trazendo à tona construções inventivas feitas por esse coletivo a partir de unidades socioespaciais bem estabelecidas na região do rio Negro (e alhures), tais como as de comunidade, sítio, bairro, cidade (entre outras). “Território”, nessa comunicação, é apenas um ponto de partida para se poder pensar como os Dâw traduzem determinadas analogias e informam sua experiência. Para tanto, a comunicação volta-se inicialmente para um objeto/conceito específico, uma pedra-espelho e comunidade dâw, Waruá, localizada em frente à cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM), e que aqui será vista como um constructo inventivo, um “instrumento de reflexão” para pensar concepções e práticas dos Dâw acerca da territorialidade. As reflexões de Waruá também permitem elucidar questões pertinentes à territorialidade (atual e virtual) de outros grupos indígenas na região do rio Negro. Assim, após realizar uma descrição etnográfica com foco na comunidade dâw, a comunicação busca fazer esse segundo movimento, isto é, de trazer à discussão transformações territoriais mais amplas em curso na região, sobretudo, entre os povos Naduhup (Nadëb, Dâw, Hupd’äh e Yuhupdeh). Nesse sentido, serão traçados alguns paralelos do contexto dâw com processos atuais de “crescimento de comunidade” de outros grupos Naduhup, destacando a cosmo-socio-morfologia de seus territórios e, mais especificamente, das comunidades. Num terceiro movimento, pretende-se estender o enfoque para o material etnográfico de povos Tukano e Arawak, também pensando a partir de territorialidades atuais, porém, direcionando a discussão para a dimensão mítico-histórica da paisagem rionegrina - presente em narrativas xamânicas, rituais e também políticas dos três macro-grupos supracitados - e sua incidência na territorialidade desses povos. Tal como se pretende mostrar, a experiência dos Dâw a partir de Waruá apresenta variações interessantes sobre as interseções entre mito/história, paisagem/território e política.
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Sociomorfologia no alto rio Negro: atualizações etnográficas a partir de relações interétnicas e políticas. Autoria: Aline Fonseca Iubel (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas) Autoria: O alto rio Negro é frequentemente descrito como “conjunto multicomunitário”. Entretanto, sabe-se que são diversos os critérios utilizados pelos mais de 20 povos indígenas da região no compartilhamento e na disputa de territórios e pertencimentos. Tais critérios podem ser ancestrais, mitológicos, históricos e outros. Ainda que reflexões sobre quais seriam os modos mais adequados para se referir à sociomorfologia local venham sendo realizadas e mereçam maior aprofundamento, a proposta deste work é acrescentar mais duas camadas a esses debates: aquelas que se dão nas políticas do movimento indígena e da municipalidade (política partidária e prefeitura). Nestes universos, que ora se interseccionam ora são conscientemente distanciados, tensionam-se e reinventam-se relações locais e supralocais, entre grupos (mais ou menos estáveis) formados segundo princípios diferentes, que podem ser étnicos, familiares, profissionais e outros. Assim, objetivo aqui é trazer dados etnográficos atuais e um tanto deslocados das perspectivas que partem de comunidades e/ou etnias específicas para pensar relações interétnicas e políticas no alto rio Negro.
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Sujeito, Mediação e Narrativa: Quadros de alteridade na Zona de contato. Autoria: Mariá Batalha Carvalho Machado (outro) Autoria: Existem espaços desconhecidos as percepções humanas, às vezes a relação das pessoas com o tempo e work não as deixa enxergar as assimetrias da coletividade, existe uma zona, uma ponte, que se transcultura de um ciclo para outro, as linguagens se entrelaçam, os movimentos dos pés, das mãos, da boca, dos olhos, há alteridade e dominação nos caminhos que se formam na contemporaneidade. Este artigo traz uma reflexão sobre a relação de sociabilidade e alteridade entre indígenas e não indígenas na Amazônia em espaços denominado pela antropóloga Mary Louis Pratt - como Zona de Contato, essas Zonas são espaços onde culturas diferentes se encontram em relações assimétricas de dominação e subordinação compulsórias percebidas nas terras baixas da América Latina, também relatada na África, Oriente ou qualquer espaço onde o capital contemporâneo domina. Diante a um processo de dominação, onde pensamentos de hierarquia, senso de superioridade, individualistas e capitalizados se apropriam de um todo na contemporaneidade, a historiografia antropológica salta como uma arma política junto aos movimentos sociais contra o poder hegemônico. Diante disso, o artigo tem como objetivo específicos traçar uma revisão bibliográfica das categorias da construção da pessoa, das narrativas indígenas e mediação, frisando a complexidade da construção do sujeito indígena amazônico e as narrativas como representação social e instrumento político nas zonas escritas das folhas de papel. A ideia é de entender como agentes indígenas podem se apropriar e reconfigurar símbolos de outras culturas de acordo com a perspectiva cosmológica dos mesmos durante o contato interétnico, não frisando as distinções dos agentes, mas compreendendo a complexidade do processo de alteridade na Amazônia. O agente utilizado aqui cabe no sentido de ser parte e participante da estrutura que o molda na mesma perspectiva que a estrutura é moldada por ele, dando voz ao sujeito indígena como ativista de mudanças estruturais. Nesse work foi realizado uma pesquisa bibliográfica, sendo lidos, consultados, pensados, extraído diálogos de autores que abordam sobre a perspectiva Yanomami, Andina, Wapichana do contato interétnico com objetivo de trazer uma reflexão sobre a alteridade nos espaços das zonas de contato.
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Terra e Guerra no Complexo do Marico Autoria: Nicole Soares Pinto (UFES - Universidade Federal do Espírito Santo) Autoria: Investigo etnograficamente mortes recentes entre os povos indígenas do Complexo do Marico (rio Guaporé, Amazônia meridional), cuja consequência é uma espécie de toxicidade anímica altamente saturada dos lugares, bem como a transformação nos modos de vingança e enlutamento. Trata-se de um registro, ainda inicial, da guerra indígena tal como se atualiza em contextos de cerco e deslocamento territorial causados por não-indígenas. A intenção é conectar a reorganização socio-territorial historicamente realizada por tais povos ao registro xamânico da guerra, código importante das transformações e catástrofes enfrentadas.
Procuro explicitar três aspectos: a) a dificuldade de realização dos ritos de luto e pós-homicídio, advinda da extinção de refúgios (produzida por invasões e cercamentos territoriais não indígenas), condição para que a vingança possa se efetivar sem drásticas e generalizadas consequências ; b) a procura pela justiça não indígena de modo a evitar a vingança nos moldes tradicionais ; c) a emergência da sobrenatureza como fato etnográfico inconteste, apontando à complexidade embutida no fato de que vingar um parente é ao mesmo tempo fazê-lo não genealogicamente. Este último aspecto versa sobre o fato de que o desenredamento entre parente e espécie, como quer Haraway (2016), dever-se, na experiência dos meus interlocutores, ao equívoco ontológico/sobrenatural – perspectivistico – que o sustenta. Destes aspectos, procuro extrair uma imagem diferida da guerra inscrita nas teorias que enfatizam sua positividade, não por discordância, mas por desconfiar que as transformações da relação entre terra e guerra apresentadas por meus interlocutores nos remetem a complexidades ainda não suficientemente interpretadas.
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Uma estética da amplitude dos povos Jê? Algumas comparações preliminares Autoria: Eduardo Santos Gonçalves Monteiro (Fundação Nacional do Índio) Autoria: Muitos antropólogos ressaltaram, em seus estudos sobre os povos Jê, um característico ar de “família cultural”, expresso não apenas pelos vários traços sociocosmológicos comuns a estas sociedades, mas também nas descrições de suas dinâmicas morfológicas, que atestam o caráter “geográfico” da cosmologia jê, como afirma Anthony Seeger, onde relações sociais e disposição espacial estão intimamente associados. A partir desta base teórico-metodológica, tornou-se possível refletir sobre os povos Jê como um conjunto de transformações, comparando-os de maneira metodologicamente rigorosa.
Nesta apresentação oral, proponho um exercício comparativo que visa contribuir para a elucidação de modos particulares de reflexão e expressão da “cosmologia geográfica” jê, apontada por Seeger. Enfatizo aqui a valorização (ética e estética, impossível dissociá-las no pensamento ameríndio) da amplitude de visão como aspecto integrante desta cosmologia. Para tanto, realizarei um cotejamento preliminar entre algumas observações etnográficas realizadas durante minha pesquisa de mestrado entre os Krahô (autodenominados Mehin), povo timbira situado no leste do Tocantins, e apontamentos iniciais levantados por mim ao longo de meu work atual (como indigenista da Funai) junto aos Xavante (autodenominados A'uwe), que ocupam o leste mato-grossense e também são falantes de língua macro-jê. Descrições bibliográficas disponíveis sobre o tema referentes a outros povos Jê, como os Panará, os Mebengokrê e os Kinsedjê, servirão como material complementar para comparação.
Primeiramente, buscarei articular descrições etnográficas nas quais este aspecto estético expressa-se na relação dos povos mencionados com o ambiente de cerrado (põ ou pjê cunea em língua krahô; ró em língua xavante) no qual estão inseridos. Em seguida, ressaltarei alguns aspectos correlatos a partir de experiências vividas nas aldeias: a) a vida cotidiana experienciada pelas redes de parentesco e a performance política, atravessada por códigos espaciais e por uma ética estruturada no ver, ser visto e ocultar; b) algumas das implicações desta “cosmologia espacializada” na própria experiência sensível - acústica e visual - indígena; c) inflexões específicas desta valorização da amplitude de visão nas dinâmicas espaciais constitutivas de festas dos povos mencionados. Assim, a partir desse esforço comparativo com inspirações no método estrutural lévi-straussiano, busco explorar, a título de hipótese de work, a existência de uma estética da amplitude jê, buscando qualificar certas matrizes comuns aos povos jê por meio da apreensão do conjunto de algumas de suas variações empíricas.
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‘Subconjuntos’ em festa entre o alto rio Purus e o Javari Autoria: Marcos de Almeida Matos (UFAC - Universidade Federal do Acre), Beatriz de Almeida Matos Autoria: Partindo de uma análise etnohistórica do caso Manxineru (habitantes das margens do alto rio Iaco, falantes de uma língua arawak) e Matsés (habitantes da bacia do rio Javari, falantes de uma língua pano) a comunicação propõe algumas ideias para a compreensão do cosmopolitismo ameríndio no sudoeste amazônico. Para isso, procura-se fazer uso da noção levi-straussiana de “conjunto de transformação”. Festas ou rituais como o ihinika paumari, as festas de iniciação feminina no médio Purus e entre os Arawak do baixo Urubamba, o coidsa madiha, o tamara wari, os hori kanamari (ou os kohana, quando os -tawari visitantes são espíritos), os ritos de katxanawa e de caçada especial entre os Pano do alto Purus e os ritos de visita dos espíritos entre os Pano do vale do Javari, ou o yankwa Enawene-Nawe, poderiam ser pensados como compondo um grande mosaico cosmopolita, onde afins potenciais ou parentes ritualmente “afinizados” seriam recebidos propriamente transformados em onças, queixadas, espíritos e etc.. Amparados pela análise comparativa do que podemos chamar de “rituais de visita”, sugerimos pensar os chamados “subgrupos” (conceituados então como “subconjuntos” de um “conjunto de transformação”) como funções assumidas em encontros ou festivais, cujo caráter geral e cosmopolita pode ser atestado pela leitura das etnografias sobre povos indígenas que vivem no mosaico de territórios compreendidos entre os cursos do alto rio Purus e do alto rio Javari e os seus principais afluentes (nos quais centraremos a nossa análise).
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