GT 14. Antropologia dos Povos Tradicionais Costeiros: Práticas Sociais, Territórios e Conflitos

Coordenador(es): 
José Colaço Dias Neto (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Francisca de Souza Miller (UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte)

Sessão 1 - Gênero, Comunidades e Conflitos
Debatedor/a: Luceni Hellebrandt (UFPEL - Universidade Federal de Pelotas)

Sessão 2 - Conflitos, Processos e Resistências
Debatedor/a: Edna Ferreira Alencar (UFPA - Universidade Federal do Pará)

Grupos sociais que vivem do extrativismo e da agricultura, entre outras activitys – tais como pescadores artesanais e ribeirinhos em geral – foram ou são habitantes de regiões costeiras e historicamente têm sido impactados por diversos fenômenos. A expansão metropolitana, os desastres ambientais de grandes proporções, o turismo em pequena e larga escala, as formas de controle oficial em áreas de interesse ecológico, são alguns processos que vem reconfigurando o uso e a ocupação de territórios costeiros e ribeirinhos no Brasil. Este Grupo de Trabalho pretende reunir pesquisas empíricas em andamento e tem como um de seus objetivos o cruzamento de diversos olhares sobre estes fenômenos, em especial àqueles de caráter etnográfico, que evidenciem conflitos e tensões entre as populações “tradicionais” e os vários modelos de uso e ocupação destes territórios costeiros e ribeirinhos. Reflexões sobre o manejo de ecossistemas, as formas de organização política destas populações, suas estruturas econômicas, bem como os conflitos suscitados por diferentes processos e agentes sociais – sobretudo agências estatais, organizações não governamentais e empresas – são alguns dos aspectos que serão discutidos nesta activity.

Palavras chave: Povos Tradicionais; Fenômenos Costeiros; Conflito Social
Resumos submetidos
"Agora mais essa!" Cumulatividade de impactos e a luta das populações pesqueiras no contexto do derramamento de petróleo na costa sergipana
Autoria: Ana Luisa Lisboa Nobre Pereira (PEAC/UFS), Bernardo Xavier dos Santos Santiago
Autoria: Esta comunicação tem como objetivo refletir sobre a luta por direitos empreendidas pelas populações pesqueiras diante do derramamento de petróleo que chegou à costa sergipana em setembro de 2019. Pescadores, marisqueiras, catadoras de mangaba, quilombolas e demais grupos que se afirmam identitariamente a partir da relação evocada com o território pesqueiro produziram recusas e posições no contraste aos entendimentos produzidos pela mídia, pela opinião pública e pela norma sobre o evento, seus efeitos e os "afetados". Coletivamente, construíram um argumento que conduziu as ações na luta por direitos balizado pelas ideias de acúmulo e de justiça. Atravessando historicamente processos expropriatórios na terra, mangue e maré, pelo avanço de projetos de desenvolvimento empreendidos pelo Estado e pelo mercado, o evento do derramamento fez com que eles desenterrassem memórias de violência e injustiça de eventos que, desde o projeto colonizador até os dias atuais, na perpetuação e renovação desse projeto, não são esquecidas. Assim, qualquer tentativa de reparação ou indenização deveria considerar a dívida que o Estado carregava e o pleito pela necessidade de garantir dos territórios, que são coletivos. Recusando ideias como a de que toda a sociedade era impactada igualmente, que impacto era apenas o visto a olho nu, que ele poderia ser determinado temporalmente e que homens e mulheres eram impactados da mesma forma, produziram entendimentos sobre gênero, raça e classe e construíram um mapa mobilizando essas categorias. Inseridos no lugar "quente" de quem atuou na colaboração à busca por melhores posições para essas populações que protagonizavam suas lutas, na construção de uma pesquisa feita na intervenção e vice-versa, no exercício interdisciplinar e colaborativo entre saberes acadêmicos e locais, buscamos refletir sobre esse evento que, pelas populações pesqueiras do estado, não é dado, nem será, como superado.
A (re)existência da comunidade caiçara da Barra do Una (litoral sul de São Paulo): diversidade de artes de pesca tradicionais e conflitos atuais
Autoria: Mariana Santos Lobato Martins (USP - Universidade de São Paulo), Maria de los Angeles Gasalla
Autoria: Dentre os povos tradicionais que habitam a zona costeira, as comunidades caiçaras enfrentam alguns conflitos com a implementação de áreas de proteção ambiental. O controle sob territórios tradicionais muitas vezes desconsidera as particularidades das comunidades que os habitam historicamente, marginalizando suas formas de organização social e modos de vida. A região da Juréia (SP) é considerada emblemática como exemplo de resistência popular para a manutenção de territórios e direitos dos caiçaras, o que culminou na recategorização e criação do Mosaico de Unidades de Conservação Juréia-Itatins. Nesse contexto se situa a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Barra do Una, onde residem pescadores tradicionais. O presente estudo investigou as artes de pesca tradicionais, além de identificar os efeitos da recategorização para a atividade pesqueira. A partir do diálogo registrado em questionários semiestruturados e de observações participantes, foram identificadas diversas técnicas e petrechos de pesca, além de conflitos atuais. O sistema de produção pesqueira da comunidade Barra do Una possui características da pequena produção mercantil de pescadores artesanais, associada a diferentes ambientes. Dentre a diversidade de artes de pescas (13 no total), destacam o cerco-fixo, retomado após proibição de retirada de bambu em 1990; o picaré; o caceio e o lanço de caratinga. O saber-fazer da rede de ‘tucum’, palmeira nativa, com cabo de rede do linho de ‘imbira’ e de artes de pesca pretéritas foram revelados pelos anciãos, incluindo o espinhel, a ‘grozeira’ e a tarrafa. Evidenciou-se a importância da transmissão intergeracional de conhecimentos relacionada à dependência de fatores ambientais para o exercício da atividade, como fases da lua e ciclos de maré, o que favoreceria a sustentabilidade da pesca. A pesca se estende pelos ambientes costeiro (até 10m), estuarino e dulcícola, estando sobreposta por quatro UCs - três de uso sustentável e uma de proteção integral. Em função das distintas formas de apropriação e reivindicação do território, foram identificados mais conflitos ambientais da tipologia territorial (8), seguido por 3 distributivos e ausência de conflitos espaciais. Conflitos territoriais recorrentes na pesquisa foram: reivindicação do pleno acesso ao território de pesca tradicional; proibição de artes de pescas atuais importantes social, econômica e culturalmente pelas APAs, sem diálogos com a comunidade; e tensões quanto à autodeclaração. O estudo ressalta a importância da pesca tradicional caiçara na conservação ambiental, bem como um quadro de injustiça ambiental agravado pelos diferentes usos atribuídos ao mesmo recorte espacial entre caiçaras e Estado.
A Retomada dos Guaiamuns: pescadores e pescadoras artesanais no Recôncavo da Bahia diante do Plano de Gestão Local do Guaiamum
Autoria: Rafael Palermo Buti (UNILAB - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira)
Autoria: A Portaria Interministerial 38, de 26 de julho de 2018, foi editada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) dispondo sobre o Plano de Gestão Local da espécie cardisoma guanhumi, crustáceo que vive nas áreas de transição entre o manguezal e a floresta popularmente conhecida como guaiamum, gaiamum, goiamum ou caranguejo-azul. A razão de ser desta normativa se deve a inclusão deste crustáceo, junto a outras espécies de peixes, na lista das espécies ameaçadas de extinção, conforme Portaria do mesmo MMA editada no ano de 2014 (Portaria n.445/2014). Segundo a Portaria 38, a partir de novembro de 2019 a pesca do guaiamum estaria proibida em lugares que não apresentassem Planos de Gestão Local, sob o efeito de criminalização da prática. Pretendo, nesse comunicação, apresentar aspectos dos engajamentos dos pescadores e pescadoras artesanais dos municípios de Santo Amaro e São Francisco do Conde (Recôncavo do Bahia) diante das exigências legais envolvendo a temática do guaiamum e sua iminente extinção. A intenção é mostrar que o projeto de preservação da espécie passa, não pela proibição de sua captura por parte do gaiamunzeiro (nome dado a quem pratica a pesca), mas pela recuperação das áreas tanto desmatadas pela monocultura e pecuária das grandes fazendas quanto devastadas pelas infraestruturas industriais. A intenção é mostrar que o projeto de retomada dos guaiamuns engajado por pescadores e pescadoras artesanais no Recôncavo da Bahia se dá como crítica às injustiças raciais, fundiárias e ambientais que conformam os territórios pesqueiros do contexto. O propósito é enfatizar que as políticas de gestão e preservação da espécie guaiamum devem estar orientadas e embasadas pelas perspectivas, saberes e cuidados daqueles que os capturam, e não o contrário.
Água, terra e sedimentos: Conflitos sobre o uso e a propriedade da terra em um território anfíbio. Caso da Bacia do Rio Sao Jorge, Colômbia.
Autoria: Byron Ospina (Universidad Pedagogica Nacional)
Autoria: A bacia do rio San Jorge faz parte da ecorregião de Mojana, território caracterizado por possuir uma grande área terras inundáveis. Nas margens dos rios e em seus pântanos, habitam populações camponesas, cuja reprodução social e cultural foi coproduzida pela pesca e pela agricultura, constituindo um modo de vida anfíbio. No entanto, desde o final do século XX, essa vida anfíbia está em processo de decomposição, ou melhor, de reconfiguração. A crise da pesca levou aos camponeses ribeirinhos a procurar mais terra do que água, o que gerou novos ciclos de disputa por terra e território. Precisamente, este work procura apresentar como a materialidade da água, da terra e dos sedimentos se unem como atores, com suas próprias agências nessas novas disputas. Essas reflexões fazem parte dos resultados preliminares da minha pesquisa de doutorado intitulada “Em busca do homem hicotea: etnografia da cultura anfíbia e constituição do modo de vida camponês. Um estudo das comunidades ribeirinhas do complexo inundável do rio San Jorge, Colômbia”.
As geograficidades caiçaras e o conhecimento tradicional do/no lugar
Autoria: Abbul Mahmeb Said - José Carlos da Silva (UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Autoria: As comunidades caiçaras presentes na Enseada da Cajaíba, Paraty-RJ, apresentam um modo de vida bastante peculiar que merece atenção e reflexão por parte não só da ciência e seu conjunto de pensadores/pesquisadores como também do próprio Estado. Os sujeitos inseridos nessas comunidades representam o mundo ou o entremundos dos seus próprios saberes, diretamente conectados às ancestralidades, às tradições, oralidades e narrativas caiçaras em uma intrínseca aproximação da natureza, conjugando um entrecruzamento de saberes e uma vasta diversidade cultural. Nesse sentido, o presente ensaio busca tratar de uma compreensão das experiências e diálogos de saberes caiçaras, das leituras de mundo e dos sentidos das ações dos sujeitos que se dão no lugar, sendo este, o lócus da reprodução da vida. São estas estruturas a própria base para seus modos de vida e formas de organização social em seus lugares de origem, ou seja, em suas comunidades e espaços do cotidiano, das culturas e identidades, da própria essência da vida, de suas objetividades e subjetividades. Diante disso, é preciso a compreensão e leitura de mundo que se apresenta no processo de reprodução social a partir do estreito e íntimo contato com o mar e com a terra onde se caracterizam, se estabelecem e se destacam um conjunto de conhecimentos dos ecossistemas naturais e os processos climáticos em geral determinam muitas das atividades e ações do/no cotidiano. Também é preciso reconhecer a contribuição dessas comunidades para a conservação dos ambientes marinhos, costeiros e terrestres onde se situam e onde imergiram costumes e tradições. Nesse campo de saberes do/no movimento cotidiano, o entremundos permite novas/outras maneiras e olhares de ler o mundo onde outras leituras apontam a construção da identidade se dando pelo/no lugar. No entanto, todo esse conjunto de saberes corre o risco de desaparecer para sempre dadas as políticas de intervenção do Estado nos processos e modelos de implantação de áreas de preservação ambiental. Na eminência de desaparecer estão não só os trajetos dos sujeitos, suas ideias, suas concepções de vida, mas também suas culturas, identidades e saberes que circulam pelo/no ambiente, pelo espaço, configurando as geograficidades caiçaras e os conhecimentos tradicionais do/no lugar.
Da invisibilidade para um lugar de destaque: ensaio sobre o “boom turístico” na Ilha do Combu e seus desdobramentos
Autoria: Thainá Guedelha Nunes (UFPA - Universidade Federal do Pará), Lourdes Gonçalves Furtado
Autoria: Este work versa sobre o fenômeno do turismo que, por volta de 2016 e 2017, começou a crescer exponencialmente, ganhando força rapidamente, na Ilha do Combu, uma das 39 ilhas da cidade de Belém no Pará. Nesse sentido, a mesma passou do anonimato, da invisibilidade, para um importante ponto turístico da cidade, com sua beleza natural formada pelas suas matas, rios e também pelos seus bares e restaurantes que se localizam na beira do rio e pela típica culinária belenense que oferecem. Tal crescimento vem acompanhado de uma variedade de mudanças nas comunidades receptoras, o que é o alvo de investigação e reflexão neste work, sob as bases da etnografia, com observação participante, entrevistas e registros fotográficos. Os dados apresentados são oriundos de minha pesquisa de doutorado que está em andamento e, devido a isto, o work tem o caráter ensaístico cujo os resultados preliminares demonstram um grande crescimento de construção de estabelecimentos voltados para o turismo, o possível início de uma competição interna entre esses estabelecimentos, “gourmetização” do local, maior renda para muitos ribeirinhos, maior valorização do local, especulação imobiliária, entre outras. Vale ressaltar que o local é uma Área de Proteção Ambiental que até hoje não possui plano de manejo, assim como possui um Conselho Gestor com débil atuação.
Entre remadas e maresias: um estudo sobre os ribeirinhos que coletam nas margens do Rio Amazonas
Autoria: José Luis dos Santos Leal (UNIFAP - Universidade Federal do Amapá), Fernanda Lima Bastos
Autoria: O trajeto da viagem de navio Macapá, Amapá/Belém, Pará, apresenta uma vasta e rica exposição ao ar livre da imponente beleza amazônica e ribeirinha, um conjunto de paisagens pintadas ao longo dos anos com cores e traços da nossa gente, do nosso povo, das nossas especificidades. São cores e traços que remontam uma história de luta e resistência, de um processo diário e contínuo de resistir à fantasiosa fala do progresso da nação. Este work é fruto da pesquisa que está em andamento, e é intitulada, “Contidos pela esperança: as tramas das relações entre os ribeirinhos e os passageiros do Navio Ana Beatriz IV”. As reflexões para este work são resultados de analises de 2019, e concentram-se nas localidades que integram a “Baia do Videira Grande, Vila São Benedito, Vila Roplandi e a entrada do Rio Jacaré Grande” no estado do Pará. O presente artigo pretende discutir as tramas das relações ao qual estão inseridas as famílias que coletam objetos que são lançados no rio pelos passageiros dos navios que fazem o trajeto Macapá-AP/Belém-PA/Macapá-AP, assim, pretende-se conhecer as motivações e particularidades dos indivíduos que se lançam ao rio para coletar objetos, em especial roupas e brinquedos. A pesquisa desenvolveu-se a partir das seguintes vertentes: a) Pesquisa bibliográfica; b) Pesquisa de campo com a realização de entrevistas abertas com os tripulantes do Navio Ana Beatriz IV, com os indivíduos que lançam objetos no rio (que em muitos casos são microempresários), e as famílias que coletam esses objetos no Rio Amazonas (Mulheres das Vilas São Benedito e Roplandi). As analises partes das expressões contidas no grupo de indivíduos que compõem os arranjos ribeirinhos, uma condição de vida humana cuja posição está relacionada diretamente com o movimento dos rios da região amazônica. Todos os dias centenas de pessoas fazem o trajeto de navio que sai de Macapá em direção ao porto hidroviário de Belém. E nesse trajeto, os passageiros do navio começam a lançar para o rio, objetos, roupas, comidas e muitas vezes até dinheiro sempre quando avistam uma família e/ou uma pessoa dentro de canoas nas margens do rio que cobre aquela comunidade. E neste trajeto, centenas de famílias se lançam rio adentro em busca das novidades trazidas pelo homem da cidade, são objetos, roupas e alimentos lançados no rio por aqueles indivíduos que de alguma forma distribuem esperança. Por aqueles poucos solitários contagiados pelo doce etílico produzido pelo bar do navio, que começam desesperadamente lançar objetos até mesmo quando não se tem canoa a vista. Desta mistura de tramas de emoções e percepções a muito ainda para se aprender sobre o verdadeiro significado do sentido de comunidade, de resistência e de reciprocidade.
FIOS DE HISTÓRIAS, FIOS DE ALTA TENSÃO Eletricidade, turismo, peixes e projetos em redes envolvendo a comunidade de Pouso da Cajaíba (Paraty, RJ)
Autoria: Luana Santiago Novaes (UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo), Valéria Macedo (UNIFESP)
Autoria: Esta dissertação é resultado de um work de campo realizado entre os anos de 2017 e 2019 no Pouso da Cajaíba, zona costeira do município de Paraty (RJ). O work buscou lançar redes sobre técnicas relacionais que multiplicam o feitio da vida no Pouso: a pesca, o plantio, as instituições (como a escola e o posto de saúde), o turismo, os projetos e a política. Partindo de uma imagem conceitual de Ingold, procurou-se mostrar como a vida no Pouso se constitui como malha de linhas ao longo das quais interagem diferentes seres e ritmos. Entre estas, figuram as linhas de eletricidade, cuja chegada recente na comunidade do Pouso constituiu o mote disparador da pesquisa. O projeto do mestrado nasceu assim com o objetivo de acompanhar as conexões e os nós entre os recém-chegados fios de tensão elétrica e fios de histórias daquela comunidade. Em minha experiência de campo, os fios de eletricidade acabaram muitas vezes sumindo em meio aos fios de outras histórias. Eles certamente não foram posicionados na vida do Pouso como uma linha divisória que estabelecesse um “antes” e “depois” da luz elétrica, recusando assim divisões estanques entre o “tradicional” e o “moderno”. Em vez de grandes divisores, minha experiência etnográfica foi ao encontro do que Viveiros de Castro designou como “pequenas multiplicidades” (2006: 181). O primeiro capítulo, O tronco, a canoa e os conhecimentos caiçaras, a atividade pesqueira, em suas diversas modalidades e contextos relacionais, é abordada em diálogo com a proposta de uma antropologia da técnica (SAULTCHUK, 2017), mas também com uma bibliografia mais clássica a respeito de comunidades caiçaras. Enquanto a pesca no mar é uma atividade predominantemente masculina, muitas das atividades em terra são protagonizadas pelas mulheres, para as quais se volta o segundo capítulo, O pé de tamarindo, as mãos das mulheres e a feitura da vida no Pouso. Aqui, técnicas fazem visíveis relações envolvendo plantios, construção de paredes, escolas e posto de saúde, em que divisões fixas entre tradicional e moderno não encontram lugar. No terceiro capítulo, Turistas na rede, a ênfase recai sobre o turismo como técnica relacional, que no Pouso tem como singularidade uma proposta alternativa ao turismo mais convencional no mundo capitalista, centrado em serviços de hotelaria e padrões de consumo que se voltam para paisagens e eventos específicos. O viver em meio a uma comunidade caiçara faz parte da experiência turística no Pouso, e é para ela que o capítulo se volta. Por fim, o quarto capítulo, Redes de pesquisa, ativismo e turismo aborda justaposições e ressonâncias entre essas redes por meio de projetos e políticas, incluindo questões postas pela incidência da comunidade em uma Reserva Ecológica.
Mulheres da atividade pesqueira artesanal em Quissamã / RJ
Autoria: Luceni Hellebrandt (UFPEL - Universidade Federal de Pelotas)
Autoria: “Eu pesco desde cedo. Não tenho outro lado pra falar da minha vida, só esse. Com 13 anos e uma filha de 7 meses, houve a necessidade de visualizar no peixe uma renda. Ele recebia o dinheiro e ia pros forró. Largava eu lá mais os filhos. Chegava no outro dia, ria contando que tinha tomado 2 caixas de cerveja, mas quando a criança pedia uma garrafa d’água, dizia que não tinha dinheiro. Eu disse: um dia eu vou sair dessa vida e vou ser pescadora. Eu vou pescar e ainda vou dar as coisas pros meus filhos. Ficar num lugar que só tem homens de madrugada, tem que ter muita coragem. Não só disposição, mas muita coragem também. E não temer a nada. Eles falavam que eu era mulher muito valente pra enfrentar uma coisa daquelas. Hoje eles discriminam, dizem que a gente não é pescadora mais, pra eles pescador vai todos os dias, levantam de madrugada, como a gente fazia. Só que eles tem que entender que hoje nós somos donas de casa, mãe. Vocês por acaso cuida de casa? Vocês cuida de filho? A gente faz tudo isso e ainda pesca. Eu gosto da minha profissão. Eu sou pescadora. Eu gosto muito. Hoje eu não work pra ninguém mais. A pesca que me trouxe até aqui.” Este relato, apresentado a primeira vez como parte da exposição fotográfica “Pesca no Litoral Brasileiro” no 18 Congresso Mundial IUAES (2018) apresenta uma história embaralhada a partir de trechos de entrevistas com 8 mulheres da atividade pesqueira de Quissamã / RJ para o projeto “Mulheres na Pesca”, desenvolvido na UENF entre os anos 2017 e 2019. De uma forma resumida, o relato demonstra o cotidiano comum de mulheres de comunidades pesqueiras no Brasil. A partir dele, apresento como as interlocutoras investigadas no projeto participam na atividade pesqueira artesanal de Quissamã e suas vivências, marcadas por relações desiguais de poder. Entre negociações diárias com fazendeiros – que impedem o livre acesso delas à Lagoa – e pescadores homens, as histórias de vida atreladas à atuação na pesca artesanal são marcadas pelo cuidado, busca por segurança alimentar e pouco reconhecimento legal e social, mas sempre com muito orgulho de serem pescadoras.
O processo de constituição da Identidade das pescadoras inseridas na Articulação Nacional Pescadoras: algumas reflexões.
Autoria: Sandra Pereira Palheta (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ), Profa Dra. Edna Ferreira Alencar/UFPa
Autoria: Este work pretende realizar uma breve reflexão sobre a organização social e política de pescadoras artesanais no Brasil. Também é parte da pesquisa de doutorado que estou desenvolvendo que tem como objetivo compreender quais processos colaboram para as mulheres pescadoras se organizarem em torno de um movimento social a nível nacional, destacando-se o fenômeno da organização das pescadoras na atividade pesqueira a partir do surgimento do movimento social que ficou conhecido como Articulação Nacional de Pescadoras_ ANP e como este processo está relacionado com o fortalecimento da busca pelos direitos e afirmação identitária destas trabalhadoras. A metodologia adotada nesta pesquisa consiste em várias etapas e estratégias de coleta de informações e análise de dados, que estão sendo adotadas e avaliadas de acordo com o desenvolvimento da pesquisa, dentre elas destaca-se: a revisão bibliográfica realizada no decorrer deste estudo, a coleta de dados primários com a realização de pesquisa campo, coleta de dados secundários através de consultas realizada em sites, blogs e documentos produzidos pelo movimento e instituições parceiras. Realização de entrevistas quanti-qualitativas com aplicação de questionários, entrevistas, conversas informais, conversas através das redes socias e aplicativos, registros fotográficos. Para tanto utilizarei como aporte teórico a literatura sobre organização social de pescadores e pescadoras no Brasil, bem como sobe o conceito de movimentos sociais elaborado por Gloria Goghn (2006); de Identidade de Stuart Hall (1998) e de Manuel Castells (1997) buscando evidenciar como esses sujeitos estão se construindo neste processo, tomando como base de análise o processo de surgimento da ANP, com dados coletados na página do Blog da ANP e ainda de entrevistas realizadas com lideranças da pesca artesanal no cenário nacional.
O rio Doce e o rompimento da barragem de Fundão: ontologias, águas e mundos postos em cheque.
Autoria: Cassandra Moira Costa Moura (UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo)
Autoria: Esta proposta se orienta em direção a uma antropologia-para-além-do-humano, justificada nos enredamentos dos seres outros que humanos que percorrem as muitas facetas que margeiam o rio Doce. Para além do caráter de revisão bibliográfica, esta possui um caráter etnográfico, validado por meio de um work de campo multisituado na então chamada revista “Jornal A Sirene” e seus proponentes. Procurando mapear através do rio Doce e suas águas a multiplicidade de “pluriversos” (BLASER & DE LA CADENA, 2018) e “ontologias relacionais” (ESCOBAR, 2016) que um dia ocuparam e ocupam as margens do rio, visando investigar o rompimento da barragem de Fundão sob uma perspectiva de destruição de mundos (STENGERS, 2018), e do modo pelo qual esses mundos foram afetados após o rompimento da barragem e o derramamento de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos que consequentemente “mataram” o rio, tornando inviável os modos de vida de populações, ambientes, cidades e comunidades que dependiam dele. Esta proposta também se justifica numa tentativa de levar a sério pressupostos advindos do pensamento de autoras como Isabelle Stengers, e busca explicitar a existência e importância de outros mundos possíveis (STENGERS, 2018). A busca pelos muitos “rios Doces” é uma busca pelos vários cosmos que o compõem. Levando a sério não só pressupostos que partem da antropologia e de sua formação teórico-metodológica tradicional, mas também, chamando aqueles que foram atingidos a testemunhar. Ouvindo o rio Doce de forma a compreender suas multiplicidades, buscando as significações no Watu dos Krenak; nas políticas do dia-a-dia da água como forma de subsistência e de lazer da comunidade de Maria Ortiz (Colatina) e nos pescadores da Vila de Regência (Linhares). Apesar de todo o movimento de destruição da vida decorrente do rompimento da barragem de Fundão e dos crimes ambientais da Samarco e BHP Billiton, há também movimentos presentes de resistências, de alianças e de aparentamentos (HARAWAY, 2016), movimentos esses que resistem nas ruínas do mundo moderno. Os Krenak; a comunidade de Maria Ortiz; os pescadores da Vila de Regência; mais os trinta e cinco municípios de MG e os três municípios de ES afetados; de alguma forma são exemplos de ontologias relacionais continuadas das mais variadas formas, dentro e fora do cosmo moderno, de maneira cosmopolítica e múltipla. Por fim, a pesquisa se interessa pelo rio enquanto um formatador fundamental para a existência de diferentes coletivos (LATOUR, 1994) e emaranhamentos (KOHN, 2016) entre humanos e não-humanos – que se traduzem tanto em comunidades ribeirinhas, quilombolas, indígenas, quanto por espíritos, animais e ancestrais.
Os desafios da pesca artesanal na Ilha do Maio, Cabo Verde, frente aos desdobramentos de uma perspectiva colonial da modernidade.
Autoria: João Paulo Araújo Silva (Ministério da Economia)
Autoria: Este work origina-se da minha dissertação de mestrado defendida em 2018 que tratou da pesca artesanal em Cabo Verde a partir do seguinte recorte: diante de um cenário de escassez generalizada do pescado, produzido pela expansão da exploração dos mares do arquipélago pela pesca industrial de origem nacional e estrangeira, tratamos da ausência dos atores da pesca artesanal da esfera política na qual, por exemplo, tomam-se as decisões sobre a continuidade dos acordos internacionais de pesca com a União Europeia, como um processo de invisibilização articulado a partir de duas frentes de fenômenos sociais, ou seja, na discriminação histórica sofrida por estes pescadores enquanto grupo social e na natureza marcadamente colonial da modernidade. Cursando graduação em Antropologia na UFMG, participei de um intercâmbio que me possibilitou estar por 5 meses na Ilha de Santiago. Ao longo desse tempo, me impressionou a extensão, a complexidade e o vigor do fenômeno da pesca artesanal em Cabo Verde. Por outro lado, foi impossível não notar o pouco interesse da academia sobre o tema e a ausência das vozes dos pescadores e peixeiras nas discussões estatais envolvendo a atividade. Com esta situação razoavelmente mapeada, pois ao longo desta primeira estadia entrevistei pescadores, peixeiras, agentes estatais e fiz levantamento bibliográfico sobre o tema, retornei ao arquipélago em 2017, desta vez para work de campo na Ilha do Maio. De início, fui a campo interessado em discutir a questão da escassez do peixe por se tratar do tema mais recorrente das minhas primeiras entrevistas, ao mesmo tempo que era algo que estava sendo negado por alguns agentes do estado com quem conversei e por relatórios estatais sobre a situação dos estoques de peixe dos mares de Cabo Verde. A partir da Ilha do Maio, com seus pouco mais de seis mil habitantes e sendo uma das Ilhas mais ricas em pescado do arquipélago, cheguei ao quadro que segue: Há uma nítida cisão na narrativa dos pescadores sobre seu ofício que contrapõe o passado de fartura com o presente de angústias e um futuro de incertezas, algo produzido pela invasão generalizada de suas áreas tradicionais de captura por embarcações industriais de pesca. Apesar do cenário desfavorável, a comunidade pesqueira tem no conhecimento tradicional, mais especificamente no segredo sobre suas áreas de pesca, a principal ferramenta de resistência ante ao avanço da pesca industrial sobre seus pesqueiros. Além do mais, diante do desdém das elites políticas em relação a suas demandas, elaboram um discurso crítico sobre o estado que denuncia de forma contundente o abandono da pesca artesanal como um projeto político com vínculos cada vez mais estreitos com a exploração mecanizada e predatória da pesca industrial nacional e estrangeira.
Pescadores quilombolas de Degredo, Linhares-ES: conflitos socioambientais, territorialidades e identidade
Autoria: Lorena Lins (UVV - Universidade Vila Velha), Augusto Cesar Salomão Mozine
Autoria: Discute a relação entre os saberes tradicionais e modo de vida da comunidade pescadora extrativista e remanescente de quilombo Degredo, Linhares, Espírito Santo e a produção do território diante de conflitos socioambientais e da afirmação da identidade quilombola. Após a década de 1980 os moradores de Degredo sofreram diversas interferências, especialmente relacionada a questão territorial, entre as quais, a grande enchente de 1979, a chegada dos fazendeiros e de grandes empresas de explotação. A comunidade, afetada pelo rompimento da barragem de Fundão pela mineradora Samarco no município de Mariana, MG, de 2015, teve seu processo de reconhecimento quilombola executado como condicionante do termo de ajuste de conduta firmado entre a a Fundação Renova da mineradora Samarco e o Ministério Público. A partir dessas interferências, em especial, a “chegada da lama” na Comunidade de Degredo, o estudo analisa o contexto de proibição da pesca e o processo de autorreconhecimento quilombola, seus reflexos no processo extrativista de peixe e o cultivo de mandioca e a reconfiguração no território de Degredo a partir da intervenção de grandes processos de compensação e mitigação ambiental, como os da Samarco e da Petrobras, interferindo no extrativismo do mel e fomentado a produção de outros arranjos produtivos. Como referencial teórico-metodológico, parte-se da ecologia política crítica (Little, 2005; Leff, 2008; Barreto Filho, 2004) e da etnociência (Diegues, 2008). Para tal, a partir de uma abordagem etnográfica, realiza-se uma investigação sobre as percepções dos moradores em relação ao atual contexto da comunidade, as transformações nas relações sociais sobre os aspectos das identidades da pesca e étnica. Os sujeitos da pesquisa são os pescadores e pescadoras e membros participantes da comissão quilombola organizados no processo de certificação na Fundação Cultural Palmares para titulação quilombola do território. Com isso, evidenciam-se as representações dos sujeitos da comunidade sobre a afirmação da identidade quilombola na reconfiguração dos usos do território diante dos conflitos socioambientais.
Quando a “gente das areias” conversa sobre o “Gente das areias": caminhos e pesca.
Autoria: Verônica Gomes de Aquino (Escola Municipal)
Autoria: O presente artigo, tem por objetivo, inaugurar o desdobramento da pesquisa iniciada no ano de 2005, na Escola Municipal Vereador João da Silva Bezerra, Barra de Maricá- Cidade de Maricá, RJ, Brasil. Após esses anos, iniciamos em 2020, a segunda fase da pesquisa, ampliando o campo de investigação, junto à Escola Municipalizada Barra de Zacarias, pertencente antes, a localidade ou assentamento de Zacarias, vizinha da Barra de Maricá e palco de muitos conflitos territoriais vividos por pescadores e suas famílias. As duas Escolas centenárias, atualmente, pertencem a Rede Municipal de Maricá e apresentam em seus históricos, sinais de resistência de um povo pesqueiro que durante anos, almejaram seus direitos. Pescadores, suas mulheres, filhos e netos, lutaram por direitos, a moradia, educação, cultura e lazer. Desejavam a implementação de políticas públicas e de viverem com seus sonhos e ideais. Para que, seus objetivos fossem alcançados, pescadores e suas famílias, demonstraram em suas ações, “insatisfações,” em relação às leis e declarações de diferentes setores, como por exemplo, a economia, política e religião. Assim, aliados aos movimentos sociais, almejavam uma vida melhor para suas famílias, ou ainda, filhos e futuras gerações. Após, quatorze anos trabalhando, na Escola Vereador João da Silva Bezerra e morando no bairro da Barra de Maricá, direcionamos a pesquisa para, além, do campo de pesquisa em educação, iniciando assim, os estudos no campo antropologia social. Compreendendo ser necessário etnografar, a partir das escolas, as principais transformações ocorridas nos bairros, que modificaram os modos de viver da população e a sociologia das duas comunidades pesqueiras, consideramos ser relevante compreender as narrativas e descrições das práticas e saberes dos cotidianos dos diferentes sujeitos envolvidos. Assim, acreditamos ser a “conversa”, entre grupos de estudantes e familiares, um elemento investigativo significativo, para registra a escrita detalhada sobre as práticas pesqueiras que atravessam por décadas as vidas desses dois povoados. Conversando com “a gente das areias” e relendo trechos do livro “Gente das areias: história, meio ambiente e sociedade no litoral brasileiro, Maricá, RJ, 1975 a 1995”, notamos que dados relevantes, estão sendo tecidos na pesquisa. O livro, apresenta, o drama social, vivido por pescadores da localidade de Zacarias, onde, são tecidas cenas das vidas dos pescadores e familiares na Restinga de Maricá. Deste modo, as histórias vividas por sujeitos da Zacarias e Barra de Maricá, aparecem nos diálogos e encontros. Momentos no work de campo, que possibilitam revisitar e conhecer como, durante, anos, o dois povoados reinventaram práticas e teceram suas vidas nas últimas décadas.
WATÚ KUÉM: a resistência indígena no médio rio Doce e as formas jurídicas no “caso de Mariana”
Autoria: João Vitor de Freitas Moreira (UFMG)
Autoria: Desastre, crime, tragédia, acidente. Essas são algumas das formas de nomear o rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG) encontradas na literatura. Cada um desses termos traz consequências éticas e política variadas. Na abordagem que ora se apresenta, opta-se, contudo, por explorar as potencialidades metodológicas de uma outra categoria para descrever o ocorrido: evento crítico (DAS, 1995, 2006). Essa escolha permitirá compreender os adequados elementos de resistência no que concerne às práticas do povo indígena Borum, habitantes da margem esquerda do médio rio Doce. Os Borum do Watú (SOARES, 1992) há muito tempo enfrentam o Estado nacional e grandes empreendimentos (PASCOAL, 2010, 2014), que oscilam entre ataques físicos e simbólicos, tal como foi o evento crítico de Mariana em 2015 que ocasionou o enunciado nativo Watú kuém (rio grande, rio que corre). Em outras palavras, o derramamento de rejeitos da mineração no rio Doce levou o que os indígenas dizer ter sido a morte de um parente, desencadeando formas de atuação política variadas e que, muitas vezes, são opostas as tomadas de decisão nas ações judiciais do que veio a ser conhecido como “caso de Mariana”. Por um lado, os Borum do médio rio Doce, em prantos, observarem a lama atravessar seu território, acionaram caminhos dissidentes em relação às formas tradicionais de resolução de conflito. Atrelaram ao enunciado “morte do rio” a expressão física de sua resistência ao pintarem seus corpos com jenipapo para guerra. Isso se materializou na ocupação por quatro dias, ainda em novembro de 2015, da estrada de ferro Vitória-Minas, que corta o território indígena e é de uso exclusivo da Vale S.A. Por outro lado, as principais ações judiciais – Ações Civil Públicas nº 0069758-61.2015.4.01.3400 e nº 0023863-07.2016.4.01.3800 – começaram a surgir no cenário do evento crítico em março de 2016, todas elas com um fundamento geral: “reparação do dano causado”. Sem produzir um recuo crítico em relação aos variados povos afetados pelo evento, muito menos em relação ao povo indígena considerado, as práticas enunciadas pelos indígenas não foram adequadamente compreendidas pelos agentes do direito que ainda hoje se empenham em saber quanto é o custo da reparação. Ao se contrastar as referidas manifestações diante do “evento crítico” ou “caso de Mariana”, afirmo que, se as atuações indígenas não se resumem a expressões físicas (ALEMIDA, 2013, 2016, p. 31), apresentando contrastes de natureza outra, tal como é a produção de sentido em relação ao rio como humano (MOREIRA, 2020), as peças jurídicas analisadas resumem-se a apresentar as relações nativas como sacralizadas, sem entender ao certo as implicações ontológicas das resistências físicas e metafísicas de tal povo indígena.
‘O que era só terra virou Parque’: decretos e documentos na Baía dos Castelhanos, Ilhabela.
Autoria: Paula Affonso de Araujo Silva (UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos)
Autoria: Em janeiro de 2020 foram instaladas duas placas que identificam e sinalizam as terras da União na Baía dos Castelhanos, município-arquipélago de Ilhabela no litoral norte do Estado de São Paulo, como território caiçara. Uma das características da gestão do arquipélago é a sobreposição de duas Unidades de Conservação do âmbito estadual, o Parque Estadual de Ilhabela (PEIB) e a Área de Preservação Ambiental e Marinha do Litoral Norte (APAMLN). Desde a promulgação do Parque em 1977, uma unidade de proteção integral, as áreas destinadas às casas caiçaras foram transformadas em Zona de Amortecimento. Em 2008 o Estado de São Paulo criou a APAMNLN com o objetivo de complementar a proteção ambiental nos entornos do Parque, recobrindo todo o arquipélago, inclusive suas águas. A instalação dessas placas foi recomendada pelo Ministério Público Federal em decorrência da outorga do Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), ocorrida em 2015. Para a dissertação tenho me dedicado a compreender como as regulações, proibições e fiscalizações atingem os caiçaras e seu modo de vida, pensando suas relações com o Parque Estadual de Ilhabela, a Área de Proteção Ambiental Marinha do Litoral Norte, a prefeitura e a Petrobrás. Para além disso, a resistência dessas pessoas, a ideia de que sempre 'tem que estar lutando por alguma coisa' , direcionam a pesquisa. Neste work, a partir do evento de instalação das placas, proponho a análise dos documentos, leis e decretos que incidem no território de Ilhabela, explorando essas narrativas oficiais e seus desdobramentos, que ora ignoram as comunidades tradicionais, ora as reconhecem, constituindo as possibilidades de se existir ali. Sem descurar, contudo, das narrativas caiçaras em relação ao território que ocupam há mais de 200 anos.
“Expulsão por cansaço” na Jureia: um estudo sobre a coprodução de conhecimentos entre pesquisadores(as) acadêmicos(as) e caiçaras no âmbito dos conflitos socioecológicos do litoral sul de São Paulo (SP)
Autoria: Rodrigo Ribeiro de Castro (Unicamp), Adriana de Souza de Lima (UMJ) Carmen Andriolli (UFRRJ) Dauro Marcos do Prado (UMJ) Helena França (UFABC) Natalia Gea (UFABC)
Autoria: O “meio ambiente” chega à região da Jureia, localizada no litoral sul do estado de São Paulo (SP), no ano de 1986. Desde então, um processo de produção legislativa, pautado pelo preservacionismo ambiental, provocou a implementação de normas jurídicas e políticas ambientais à revelia da presença de comunidades caiçaras que ocupavam seus territórios tradicionais há séculos. A criação de uma Estação Ecológica de proteção integral levaria a uma “expulsão por cansaço” que, ao longo de 30 anos, devido à proibição de atividades agrícolas, de pesca e permanência, esvaziou comunidades inteiras. Contudo, a Associação dos Jovens da Jureia (AJJ) e a União dos Moradores da Jureia (UMJ) se organizaram para “lutar”, tanto no âmbito de suas comunidades como dos órgãos gestores de Unidades de Conservação, a favor da legitimidade e legalidade da permanência no território onde “nasceram e foram criados”. Essa organização envolve projetos de colaboração científica com pesquisadores(as) acadêmicos(as) de diversas áreas, entre antropólogos(as), biólogos(as), ecólogos(as) e juristas, coordenados pelas associações mencionadas, os quais pretendemos apresentar. O work proposto focaliza a coprodução de conhecimentos enquanto método de construção de uma linguagem político-científica capaz de contestar os pressupostos da legislação ambiental restritiva nos termos oficiais do Estado, bem como possibilita que essa linguagem esteja ancorada em narrativas e denúncias locais. As “parcerias” entre as associações mencionadas e grupos acadêmicos possibilitaram a formação de jovens caiçaras para interpretação de fotografias aéreas e utilização de softwares de Sistemas de Informações Geográficas (SIG), demonstrando que grandes áreas consideradas oficialmente como florestas secundárias não haviam sido manejadas pelo sistema de agricultura itinerante caiçara nas últimas seis décadas. Também mostrou a capacidade de regeneração da floresta Atlântica após o abandono das roças. Além disso, mapas de fluxos populacionais, elaborados a partir de relatos locais e computados com recursos de geoprocessamento, apontaram como ocorreram os padrões deslocacionais de moradores da Jureia. Nenhum desses resultados seria possível sem o conhecimento tradicional caiçara. Desse modo, o grupo de pesquisadores(as) acadêmicos(as) e caiçaras busca apresentar, de forma conjunta, alguns problemas metodológicos e políticos envolvidos na coprodução de conhecimentos, bem como os efeitos no destino social e geográfico das comunidades quando relações político-científicas se desdobram nos conflitos socioecológicos da região.
Pesca Artesanal no Norte Fluminense: etnografia, história e papel da mulher na pesca artesanal
Autoria: Jessika Rodrigues de Paula (UFF - Universidade Federal Fluminense), Polianna Macedo Lima
Autoria: Partindo de uma perspectiva etnográfica, o projeto pretende colocar em evidência a pesca artesanal, no norte do estado do Rio de Janeiro. A pesquisa apresentada parte de dois eixos complementares: no primeiro, busca-se compreender os impactos das obras promovidas pelo extinto Departamento Nacional de Obras de Saneamento, na pesca artesanal especificamente na localidade de Lagoa Feia no município de São Francisco de Itabapoana e no segundo eixo, trata-se de uma reflexão sobre o papel da mulher na pesca artesanal no Norte Fluminense. No primeiro eixo, portanto, através de uma etnografia que toma o ponto de vista contemporâneo dos pescadores das gerações mais velhas, pretende-se identificar os impactos atuais destas obras, realizadas há mais de sessenta anos, para o “meio ambiente” e para a vida dos pesacadores que vivem da pesca nesta região. No segundo eixo, o projeto tem pensado sobre o papel da mulher na pesca artesanal no Norte Fluminense a partir de uma abordagem etnográfica realizada com ajuda de uma pescadora e trabalhadora da pesca do distrito de Ponta Grossa dos Fidalgos, na baixada campista, que atua na venda do pescado fresco nas feiras livres no centro urbano da cidade de Campos dos Goytacazes. Além do reconhecimento jurídico das mulheres as quais estão realcionadas a atividade pesqueira. Nesse sentido, a atenção está voltada para a condição de invisibilidade social e jurídica das mulheres na atividade da pesca artesanal, desde a sua própria percepção como agente na economia pesqueira, até as controvérsias sobre a conferência de Direitos Sociais para elas. Pretende-se ao final da pesquisa, produzir outros dados etnográficos qualificados sobre a pesca artesanal como um todo e o lugar das mulheres nesta atividade para que se juntem ao investimento já realizado pelo Núcleo de Estudos Antropológicos do Norte Fluminense Luiz de Castro Faria, o Neanf/UFF, que vem realizando estudos de caráter empírico e tem sido responsável pela formação de diversos jovens pesquisadores.
Turismo e Pesca Potiguara entre a praia e a maré: a construção do PGTA na aldeia Coqueirinho, Marcação/PB
Autoria: Humberto Bismark Silva Dantas (UFPB - Universidade Federal da Paraíba), Jaqueline Felix dos Santos Maristela Oliveira de Andrade
Autoria: Este poster materializa-se nas experiências de pesquisa colaborativa entre pesquisadoras/es do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Cultura, Sociedade e Ambiente [GIPCSA/UPFB] junto a lideranças indígenas Potiguara. Nesse sentido, o projeto se firma em atividades de suporte a elaboração do Plano de Gestão Territorial e Ambiental [PGTA] Potiguara, sendo executadas sob a ótica da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Indígena [PNGATI] e das cosmovisões indígenas Potiguara da Paraíba, desde o final do ano de 2018. O projeto ganha corpo institucional com a aprovação do projeto ‘Construindo Mapas Sociais: subsídios para o Plano de Gestão territorial e ambiental Potiguara’ no âmbito da extensão da UFPB entre 2018 e 2020, sob orientação das pesquisadoras Alicia Ferreira Gonçalves e Maristela Andrade, juntamente ao programa de internacionalização Capes Print/UFPB, com a participação da pesquisadora Maria Elena Torres Martinez [CIESAS/México]. No escopo deste work, já realizamos visitas a 8 aldeias nas 3 TIs Potiguara, viabilizando momentos de diálogos de saberes em rodas de conversa, entrevistas, questionários, registros visuais, elaboração de relatórios e momentos de suporte a construção dos mapas sociais pelas/os indígenas em suas respectivas comunidades. Dentro desse leque de experiências, este resumo volta-se ao compartilhamento de alguns resultados iniciais obtidos na oficina realizada na Aldeia Coqueirinho. Localizada na cidade de Marcação/PB, na zona de sobreposição da TI Potiguara com a Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape, a região de Coqueirinho é cercada por praia, rio e mangue, de modo que conta sempre com a presença de turistas, trabalhadores de bares e pousadas e dos pescadores, sejam eles da própria comunidade ou das vizinhas. Com a análise dos resultados das oficinas podemos constatar a necessidade de aplicação de políticas públicas de infraestrutura básica. Na perspectiva dos moradores locais a aldeia carece de escolas e postos de saúde e o acesso insuficiente a saneamento básico e água de qualidade para consumo também são apontados. Iniciativas de turismo etnoecológico nas praias e nos bares, restaurantes e pousadas, assim como o fomento às atividades ribeirinhas também foram destacadas como ações bem vindas a comunidade.