GT 12. Antropologia das Relações Humano-Animal
Coordenador(es):
Andréa Barbosa Osório Sarandy (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Flávio Leonel Abreu da Silveira (UFPA - Universidade Federal do Pará)
Sessão 1 - Pragas, peçonhas e animais hostis
Debatedor/a: Ana Paula Perrota Franco (UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)
Sessão 2 - Conservação, tempo e espaço nas relações humano-animais
Debatedor/a: Jean Segata (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Sessão 3 - Predação, proteção e trabalho animal
Debatedor/a: Felipe Ferreira Vander Velden (UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos)
O campo das relações humano-animal, ou Animal Studies, teria emergido na década de 1970 em meio a movimentos de proteção animal que, não obstante, remontam ao século XIX. Na verdade, os animais participam das análises antropológicas há muito tempo. Algumas análises identificaram dois paradigmas correntes: um que pode ser chamado de materialista, em busca do animal “real”; e outro semiótico, pós-estruturalista ou simbólico, em busca de representações. Mais recentemente, a emergência de reflexões sobre o perspectivismo ameríndio realçou a centralidade dos animais em aspectos da vida religiosa e cosmológica de populações ameríndias, com um forte impacto nas conhecidas relações entre natureza e cultura. O presente Grupo de Trabalho pretende ser um espaço para reflexões teóricas e pesquisas empíricas acerca das relações entre animais humanos e não humanos, a partir de um viés antropológico. Serão aceitos trabalhos tanto sobre as percepções simbólicas quanto sobre relações concretas materiais entre ambos. Entre eles, destacam-se produções voltadas aos animais de estimação, de abate, de tração, animais da fauna silvestre brasileira ou estrangeira, caça, criações, rinhas, concursos, turismo, animais de laboratório; em meio urbano, rural ou entre populações ameríndias e mesmo fora do continente americano; relações cotidianas, científicas, religiosas, alimentares, ideológicas, morais, artísticas, legislação, políticas públicas, saúde, entre outras possibilidades.
Resumos submetidos |
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A antropologia de um lugar “distante”: a forma de vida e as relações intersubjetivas (e inter espécies) na Coxilha Rica em Santa Catarina Autoria: Eduardo Hector Ferraro (UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí) Autoria: As grandes extensões dos campos da Coxilha Rica, no Estado de Santa Catarina, Brasil, são locais onde a vida flui entre humanos e não humanos, animais domésticos e selvagens, configurando relações intersubjetivas e inter espécies, delineando comportamentos, fomentando formas de pensamento e uma sociabilidade própria do lugar. Embora esses locais estejam próximos de alguns centros urbanos do Estado de Santa Catarina, seus acessos os tornam de alguma maneira “distantes”, pelas extensões territoriais, pelas estradas sinuosas, maiormente de terra batida. É característica a divisão de terras em fazendas, ou propriedades rurais, como também a existência de alguns vilarejos com moradias, algo menos frequente na região. Estas divisões territoriais organizam a vida e a sociabilidade entre pessoas e espécies animais, determinando alguns espaços para esses encontros entre humanos e outras formas de vida. A questão das distâncias (longe/perto) e da vastidão torna-se essencial para entender relações de amizade, cooperação, ou tensões entre espécies. Neste artigo proponho fazer uma antropologia da Coxilha Rica, ou seja, fazer uma sociologia comparativa desse lugar usando alguns conceitos e teorias que sirvam para evidenciar as relações existentes entre seres nessas latitudes. Veremos como os conceitos de distância, vastidão e divisão territorial se relacionam com outros de sentido geográfico e antropológico, como o de território, lugar, paisagem, e ambiente, incidindo diretamente na forma de vida desse lugar. Finalmente, verificamos como estes conceitos regulam as relações intersubjetivas e inter espécie da Coxilha Rica.
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A temporalidade animal nas análises antropológicas das relações humano-animal Autoria: Bruna Mariz Bataglia Ferreira (PUC-RIO - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) Autoria: É possível afirmar que a emergência dos conceitos modernos de humano e de animal se dá fundamentalmente a partir de uma perspectiva temporal, isto é, de necessidade de distinção em termos temporais do que é o humano e do que é o animal. Essa perspectiva temporal se daria em três dimensões: uma temporalidade da vida cotidiana, mais prática; uma temporalidade da vida biológica, um tempo biográfico; e, por fim, uma temporalidade histórica da longa duração. Com isso, o humano é temporalmente definido como aquele que tem a capacidade racional (calculista) e linguística de não viver uma vida imediatamente ligada às suas necessidades fisiológicas, que dotado de memória e razão pode articular passado, presente e futuro, e, assim, é capaz de criar instituições que permitem falarmos de uma longa duração. Ao revés, o animal é conceituado como aquele cuja temporalidade é reduzida à imediaticidade do presente (ideia presente na famosa afirmação de Heidegger "o animal é pobre de mundo"), uma vez que não possui as capacidades de memória, de razão e de linguagem, o que justamente lhe impediria de articular passado, presente e futuro. Tampouco o animal pode estar inserido em um contexto social-institucional de longa duração, já que o ambiente que lhe cabe é o da natureza, fadado à imutabilidade, já que é, desde sempre, dado. Natureza essa compreendida como o mundo físico-material, em que impera o domínio dos fatos vs. o domínio dos valores, o componente inato ou constante do comportamente humano em oposição a seu componente adquirido ou variável, o espontâneo e necessário vs. o artificial e convencional, justamente onde impera a animalidade em oposição a humanidade. (Viveiros de Castro, 2016) A partir destes pressupostos, assumindo a crítica ao discurso antropológico partindo de algumas questões levantadas por Johannes Fabian em seu work O Tempo e o Outro sobre a função constitutiva do tempo na antropologia anglo-americana e francesa, mas direcionando-as para a questão animal, isto é, o animal como o Outro, pretendo selecionar e analisar alguns recentes works brasileiros de antropologia das relações entre humanos e animais, buscando identificar se e de que forma essa temporalidade animal é representada, e os efeitos político-jurídicos que podem ser revelados a partir desta representação.
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Alegrando os espíritos: Cosmopolítica Munduruku e a luta por território Autoria: Barbara do Nascimento Dias (UNB - Universidade de Brasília) Autoria: O povo Munduruku, situado na região do médio Tapajós, tem suas narrativas míticas permeadas por transformações metamórficas de humanos em seres não humanos- em vegetais, animais ou em espíritos. Toda a história do território e de tudo que o habita tem raízes nas narrativas míticas do tempo dos “antigos”, quando os antepassados se metamorfosearam em outros seres e acionaram poderes transformativos sobre o espaço e o tempo. Esses seres, hoje, ocupam outras formas no mundo, possuem agência também na vida dos humanos e podem intervir diretamente na vida social das aldeias. Provocam novas temporalidades e espacialidades e produzem novos seres.
As estratégias utilizadas pelos Munduruku para negociar com esses seres perpassam por ações ritualizadas cujo objetivo é levar alegria aos espíritos, que em troca lhes proporcionam a abundância de alimentos provenientes da roça, das caças e dos peixes. No âmbito do mundo dos animais, por exemplo, os Munduruku em sua forma humana são considerados pajés e aqueles que estão doentes no mundo dos animais vão ao encontro dos humanos em busca de cura. A agência curativa dos pajés, para esses animais, está no ato de comê-los. Após serem servidos como refeição, retornam à floresta para ocuparem outros corpos.
É comum ver os Munduruku chamarem por mãe alguns animais que consideram importantes em sua cosmologia, pois as “mães”, chamadas por eles de putchasi, são protetoras de grupos de animais, responsáveis por manterem sua existência e reprodução. Quando os invasores matam as “mães dos animais” ou pegam objetos sagrados dos “antigos”, isso causa diversos impactos ao povo Munduruku, pois quando isso acontece podem surgir doenças e grandes catástrofes.
Esse tipo de relação entre humanos e não humanos, que buscam conviver e ocupar o mundo mutuamente sem que haja caos, é chamado por Stengers (2018) de cosmopolítica. Mas essa relação cosmopolítica se encontra ameaçada diante das invasões madeireiras e garimpeiras que diariamente destroem e ameaçam seus corpos/territórios. A luta por território, nesse sentido, está intrinsecamente ligada aos lugares sagrados, aos espíritos dos animais e aos seres não humanos que ajudam a dar direcionamento nas estratégias de luta e resistência política. A luta do povo Munduruku, desse modo, é pelos múltiplos mundos existentes, pelas múltiplas histórias e cenários onde habitam.
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Análise da política de controle da Leishmaniose Visceral Canina no município de Porto Alegre Autoria: Adriana Leal Abreu (UERGS - Universidade Estadual do Rio Grande do Sul) Autoria: A partir da análise da política pública de controle da Leishmaniose Visceral Canina em Porto Alegre, entre os anos de 2017 e 2019, essa apresentação visa dialogar com a antropologia das epidemias (Segata,2017 Lewgoy, Mastrangelo e Beck, 2020, entre outros) a fim de compreender os desafios e impasses da implementação do controle dessa epidemia num dos últimos lugares do Brasil em que eclodiu como epidemia humana, a partir de 2016. A análise de documentos e dados oficiais sobre a epidemia, assim como de matérias da imprensa e dados etnográficos colhidos com tutores e defensores de animais aponta para a complexidade dos efeitos das políticas públicas de controle da LVC e para a variedade das percepções de risco e reações de diferentes atores frente a esta epidemia. Analisando os procedimentos listados na carta de Porto Alegre para o item 3, que trata especificamente da questão da Leishmaniose Visceral Canina no município de Porto Alegre, observa-se que nos anos de 2016 e 2017 nenhuma eutanásia foi registrada tendo em vista que estava em vigor uma determinação judicial que impedia este procedimento. Observamos que no ano de 2018 e 2019 as eutanásias de cães, tanto por parte dos responsáveis quanto ao setor de vigilância municipal recomeçaram, indicando o cumprimento da determinação em nível nacional. Por outro lado, foram entregues no mesmo período, 2824 coleiras antiparasitárias e pela redução da contaminação dos cães, pode-se dizer que a estratégia da entrega de coleiras à população está indo ao encontro da redução dos casos de cães infectados. Outro aspecto importante é que a espécie de flebotomíneo no município de Porto Alegre não é a mesma do restante do país que já se encontra urbanizada. Na Capital gaúcha a espécie é sobretudo silvestre.
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As línguas animais e a comunicação interespecífica no Vale do Guaporé (Rondônia) Autoria: Gabriel Sanchez (Universidade Federal de São Carlos) Autoria: O presente work tem como objetivo investigar as assim chamadas “línguas animais” e a comunicação interespecífica nos mundos ameríndios, partindo de um contexto etnográfico específico: a Terra Indígena do Rio Guaporé (Rondônia). Os caçadores deste "sistema regional" afirmam poder conversar, isto é, falar e entender com e os animais, através do que eles chamam de "arremendar". Essa relação de comunicação interespecífica se torna possível, sobretudo, porque os povos indígenas na região concebem os animais dotados de "língua" - esse artefato aparentemente exclusivo aos seres humanos -, o que faz com que eles possam falar entre membros de sua própria espécie ou com indivíduos de outras espécies. Quando os caçadores dizem "arremendar" determinado animal, eles o fazem com a intenção de iniciar uma comunicação na "língua" deste ser visando, principalmente, sua atração. Neste sentido, em uma espécie de work exploratório, proponho refletir sobre algumas questões em torno da ideia de "línguas animais" na Amazônia e como elas constituem relações interespecíficas entre humanos e animais, isto é, explorar os estatutos dessas comunicações e os contextos em que elas são constituídas. Desta maneira, o work visa contribuir para os "estudos animais", bem como para a etnologia indígena sulamericana – incluindo aqui as temáticas dos sistemas regionais, da predação e da caça, da comunicação, da língua e dos rituais.
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Causo de cobra: narrar e conhecer serpentes em Urucuia, MG Autoria: Luzimar Paulo Pereira (UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora) Autoria: Nesta apresentação, tratarei das relações entre serpentes venenosas e seres humanos em Urucuia, norte de Minas Gerais. Em especial, quero destacar as articulações entre corpos e substâncias promovidas por estas relações. O material etnográfico que serve de base para esta apresentação é o conjunto de narrativas denominadas “causos de cobra”, onde os urucuianos tratam dos encontros entre pessoas e animais. Um “causo” é simultaneamente um relato e um fato acontecido. Sem supor descontinuidades entre representações e mundo exterior, os "causos de cobra" instituem uma espécie de conhecimento narrado sobre os animais; uma forma de conhecê-los não em termos classificatórios, como indivíduos pertencentes a espécies, classes e gêneros distintos, mas a partir dos relatos de suas relações com o meio ambiente e, principalmente, com os seres humanos e suas criações.
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Cavalos que trabalham: disputas entre carroceiros e defensores dos direitos dos animais Autoria: Ricardo Alexandre Pereira de Oliveira (UNB - Universidade de Brasília) Autoria: O objetivo desta comunicação é apresentar alguns resultados da pesquisa sobre o conflito e as controvérsias envolvendo a tração animal em Belo Horizonte e Região Metropolitana. Enfoco as modificações na legislação e na atuação do poder executivo municipal nas duas últimas décadas, descrevendo alguns desdobramentos da atuação do Estado. Também apresento a intensificação do conflito nos últimos cinco anos, com base nos works de campo que realizei neste período. Após uma análise das matérias de jornal, dos artigos científicos e das dissertações acadêmicas que abordaram o tema, procuro responder por que os termos postos no debate público são inadequados, ou, ao menos, insuficientes, para compreendermos os diferentes sentidos que incidem sobre a relação entre carroceiros e cavalos nas cidades. O estatuto moral dos animais não humanos vem sendo objeto de acaloradas discussões acadêmicas e jurídicas, implicando controvérsias acerca dos deveres (diretos e indiretos, positivos e negativos) dos humanos, dos “direitos” dos animais, da eventual abolição da possibilidade de animais serem considerados propriedade, dentre outros. Por sua vez, os carroceiros passaram a acionar novos argumentos e criar redes de apoio que sustentam algumas premissas cosmopolíticas, como a) os cavalos não são “ferramentas”; b) são sujeitos, e devem receber proteção moral e jurídica; c) o work animal precisa ser normatizado e fiscalizado. Apresento, assim, uma abordagem etnográfica do conflito.
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Desigualdades entrelaçadas: figurações da animalidade no imaginário moderno-colonial Autoria: Fagner Carniel (UEM - Universidade Estadual de Maringá), Eliane Sebeika Rapchan Autoria: O que a antropologia tem a dizer sobre as catástrofes ambientais e sanitárias que aterrorizam nossa geração? Neste ensaio argumentamos que análises da pandemia provocada pela Covid-19 podem se valer das reflexões que a disciplina tem realizado ao longo das últimas décadas e que contemplam alguns dos efeitos imprevisíveis e, por vezes, indesejáveis das relações entre animais humanos e não-humanos. Neste texto propomos uma discussão a respeito do modo pelo qual diferentes figurações da animalidade e da humanidade participaram da estruturação de um mundo marcado por desigualdades entrelaçadas a partir de narrativas literárias, históricas e socio-antropológicas. Nosso propósito é subsidiar reflexões sobre o continuum constituído pelo moderno-colonial a fim de analisar alguns de seus conflitos, particularmente aqueles que se assentaram nas projeções de características associadas a certos animais sobre certos grupos humanos para caracterizar e justificar sua inferioridade ou suas mazelas. O que significa que a animalidade não expressaria unicamente a identidade de certos animais diferentes de nós, mas revela-se também como um dos múltiplos marcadores sociais que organizam o imaginário hegemônico de nossa época.
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Emaranhamentos arriscados: vivendo com humanos, mosquitos e microorganismos Autoria: Elisa Oberst Vargas (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Nathália dos Santos Silva Autoria: O resumo em questão se propõe a reunir os works de duas pesquisadoras acerca de uma política pública de controle ao mosquito Aedes aegypti. A partir dos preceitos de uma etnografia multiespécies (Kirksey; Helmreich, 2010), realizamos work de campo numa equipe da Secretaria de Saúde da Prefeitura de Porto Alegre/RS responsável pelo monitoramento do mosquito vetor. Através de diferentes olhares sobre as atividades de rotina da equipe, buscamos compreender algumas questões como: relações humano-animal, tecnologias digitais, risco e novas inteligências epidêmicas. A proposta tecno-científica de uma nova maneira de monitorar e antecipar casos de doenças produz efeitos imprescindíveis para as ações encabeçadas pela política pública aqui mencionada: os mosquitos, antes considerados vetores cuja presença implicava na necessidade de seu extermínio, passam a ser transformados numa tecnologia de monitoramento de risco, e conformados em sentinelas (Keck, 2015). Desta forma, é através dos mosquitos que os especialistas podem acessar um perigo invisível a olho nu: os microorganismos responsáveis pelas doenças vetoriais. Pretendemos debater nesse work como mosquitos e arbovírus produzem mundos e assim, como doenças e animais são atores políticos, delineando esse argumento a partir de uma política pública nacional com especificidades locais.
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Encontro de Carros de Boi de Cururupu - relações entre carreiros e seu animais Autoria: Edilson de Jesus Sá (UEMA - Universidade Estadual do Maranhão) Autoria: O Encontro de Carros de Boi de Cururupu, que acontece desde 2009, trouxe a baila várias questões que estão para além do oficio de carrear (transporte de mercadorias em carros de boi). Observamos que existem vários tipos de relações entre os carreiros e seus animais. De inicio percebemos uma relação laboral, os animais para alguns carreiros são “companheiros de work”, mas, também outras relações. Os animais que puxam os carros não são animais para abate/alimentação ao menos no primeiro momento, sua vida laboral determina. Para além, essa relação é construída durante o período de adestramento para a função (animais jovens levar para comer, banhar e acostumar o animal a utilizar as peças do carro de boi etc. treinados muito cedo). Para outros carreiros é mais evidente uma relação mais afetiva: “é meu filho”, “ele sabe quando chego em casa”, “eles tem um lugar especial na casa só deles”, são como “membros da família”. Entretanto, em nossa opinião, o mais forte exemplo desse estreito relacionamento são os nomes que são dados aos animais, em geral compostos relacionados a história particular do carreiro, as vezes, brincadeiras. Nomes como “Deus que me deu”, “Agora sim” ou “Não te importa”, todos referentes a uma história pessoal, uma conquista ou uma brincadeira com forte representatividade particular para quem coloca o nome. Durante o encontro fazem questão que seus bois estejam bem cuidados, os que podem compram cordas novas (que prendem os animais) o fazem, pintam os carros além de fazem questão de demonstrar o quanto seus animais são mansos e bem adestrados, caso contrário são alvos das brincadeiras. Os animais ocupam diferentes lugares no espectro simbólico e prático dos carreiros, são estimados, parceiros de work. Outros confessam que o carro de boi é seu único passatempo.
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Etnografia da natureza: Conservação e reintrodução de ararajubas (Guaruba guarouba) no Parque Estadual do Utinga (PEUt) Autoria: Matheus Henrique Pereira da Silva (UFPA - Universidade Federal do Pará), Prof. Dr. Flávio Leonel Abreu da Silveira - Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará (PPGSA-UFPA) Autoria: A presente proposta apresenta dados referentes a uma pesquisa etnográfica em realizada no Parque Estadual do Utinga (PEUt), localizado na região metropolitana de Belém (PA) na Amazônia oriental brasileira. O Parque é uma Unidade de Conservação Estadual criada com o objetivo de contribuir para a conservação dos ecossistemas naturais amazônicos de grande relevância ecológica e beleza cênica, além de estimular a pesquisa científica e atividades relacionadas à Educação Ambiental e turismo ecológico. Dessa maneira, acompanhamos as atividades relacionadas ao projeto “Reintrodução e Monitoramento de Ararajubas (Guarouba guarouba) em Unidades de Conservação da Região Metropolitana de Belém”, a partir das relações interespecíficas entre a avifauna e o biólogo responsável pelo seu manejo, tratos e cuidados diários. Buscamos descrever as estratégias de conservação e reintrodução da espécie ameaçada de extinção no ambiente, bem como repensar as relações e os sentidos entre natureza e cultura (o sentido da extinção e da vida das aves junto aos humanos) em suas dimensões ética e afetiva - o futuro da vida da espécie na Amazônia nestes tempos de defaunação intensa.
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Manejando formigas: relações e dilemas na certificação orgânica Autoria: Felipe Peregrina Puga (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas) Autoria: Formigas são insetos sociais bastante populosos e conhecidos nos ambientes tropicais, tendo em vista a sua importância ecológica na fertilização de solos e auxílio na polinização. No caso brasileiro, as formigas representam um dos maiores exemplos de biodiversidade em termos quantitativos de espécies. Contudo, em razão da busca de alimentos, algumas espécies de formigas, como as formigas-cortadeiras, podem ser um verdadeiro pesadelo e desafio às atividades agrícolas dos produtores rurais. Tomando casos etnográficos desenvolvidos a partir das formigas dos gêneros Atta e Acromyrmex, este work tem o propósito de refletir acerca das relações dos produtores orgânicos com tais formigas em contextos de certificação. A escolha por tais conjuntos de formigas se debruça sobre os dilemas, controvérsias e desafios impostos aos agricultores orgânicos pelo manejo integrado de pragas sem a utilização de insumos químicos. Assim, privilegiar-se-á situações envolvendo tanto os usos de insumos biológicos e inimigos naturais quanto de agrotóxicos por tais produtores e as implicações de tais ações no âmbito da certificação. Apesar das diferenças técnicas envolvidas nos dois tipos de manejo, tais práticas se desdobram em ações pragmáticas que procuram equilibrar questões financeiras, responsabilidade ambiental e a própria conformidade orgânica. Nesta comunicação, será levado em conta o modo pelo qual tais questões e decisões são discutidas e deliberadas dentro de um Organismo Participativo de Conformidade Orgânica (OPAC).
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Memória ambiental, urbanização e relações humano-animal durante inundações em Belém (PA) Autoria: Pedro Paulo de Miranda Araújo Soares (UFPA - Universidade Federal do Pará) Autoria: As grandes chuvas do inverno de 2020 chamaram atenção pela sua intensidade, pela sua interferência no cotidiano da cidade e pelos danos materiais (e morais) provocados aos habitantes mais pobres e das áreas mais topograficamente mais baixas da capital paraense. Além disso, também se destacou a presença de animais indesejados trazidos para o perímetro urbano pelo grande volume das águas, tais como cobras e jacarés. Estes animais foram vistos e capturados pelos próprios moradores das áreas inundadas, representando riscos ainda maiores do que aqueles comumente oferecidos pelas situações de inundação – isto é, perda do patrimônio familiar, contato com águas contaminadas por esgotamento sanitário, diarreias, parasitoses e doenças de pele. Este work situa o aparecimento desses animais – em 2020 e em anos anteriores – nos termos de uma duração em que o contato com animais e outros entes não-humanos conforma o processo de ocupação e conquista do território que se tornou Belém e seus bairros. Alguns desses bairros foram ocupados por migrantes pobres de outros estados e do interior do Pará que, devido à dinâmica excludente da urbanização em Belém, construíram suas casas nas margens ou sobre cursos d’água. A pesquisa etnográfica sobre a memória ambiental em bairros atingidos por inundações em Belém e a pesquisa documental com reportagens da mídia digital e impressa ajudam na compreensão de que o aparecimento de animais nos perímetro urbano durante as grandes chuvas expressa as contradições da urbanização em Belém, ao mesmo tempo em que mostra como, ao longo do tempo, humanos e animais se constituíram mutuamente no cotidiano da cidade.
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Pensando alto: algumas reflexões teórico-metodológicas sobre a pesquisa das relações Humano-Animal Autoria: Martha Celia Ramirez Galvez (UEL - Universidade Estadual de Londrina) Autoria: Na teoria antropológica contemporânea há uma densa discussão em relação ao antropocentrismo, apontando, dentre outros, o descentramento do humano assinalando para a análise das relações. Dado que teoria e método estão inextrincavelmente vinculadas na antropologia, se temos um descolamento da perspectiva que privilegia o humano para o humano e sus relações, torna-se necessário refletir sobre as maneiras de dar conta de tais relações nas descrições etnográficas, considerando o foco da observação etnográfica e os modos de abordagem alinhados à proposta de desantropologizar a antropologia. Mais especificamente, estudar a interação com outras espécies e compreender os efeitos de nossos entrelaçamentos com outros seres viventes traz desafios para a prática antropológica. Dentre eles, transcender os marcos analíticos para além de como os humanos representam os animais. Como afirma Ingold, o conhecimento antropológico deve procurar variabilidade de abordagens possíveis para “flagrar o mundo em ação”, perseguindo etnograficamente as interações que humano-animais podem desenvolver juntos. Dentre os desafios teórico-metodológicos também se coloca a necessidade de problematizar os silenciamentos do modelo representativo e os essencialismos ontológicos para atingir uma densidade etnográfica que dê conta das presenças no encontro entre-especies ou que aborde o que Haraway chama de “coletivização da agencias”. Em outras palavras, cabe considerarmos qual é a unidade de análise neste campo e as consequências metodológicas ao analisar a relação e não um ou outro componente da mesma. Além do problema da agência, ou dos actantes na relação humano-animal, cabe refletir, pelo menos, sobre dois conceitos fundantes da antropologia: alteridade e troca. Qual a relação de alteridade nos estudos que abordam a relação humano-animal? Como colocar em diálogo relações entre diferentes espécies abandonando “identidades”, agencias e lugares pre-estabelecidos? Que tipo de alteridade radical ou significativa podemos pensar? Como considerar os efeitos de “falar” de outros não humanos a partir de humanos? Ao abordarmos relações híbridas de co-constituição inter-especies e considerarmos o continuo vital e participativo das mesmas, precisaríamos reconsiderar ou, melhor, alargar a noção de troca para pensar diversas relações “no mundo”? Neste work proponho refletir sobre tais questões a partir de conceitos desenvolvidos, principalmente, por Donna Haraway, Tim Ingold, Marilyn Strathern, Dominque Lestel, Eduardo Khon e Stelio Marras.
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Relações entre aves e humanos: um estudo de caso Autoria: Genilson Conceição Ferreira (UFS - Universidade Federal de Sergipe), Fernanda Batista dos Santos Autoria: As relações entre humanos e aves de rapina (águias, gaviões, falcões, corujas e urubus) no Parque dos Falcões, no município de Itabaiana, Sergipe, caracteriza-se como importante interação que evidencia um processo coontogênico, ou seja, procedimentos de mudanças estruturais e comportamentais dos organismos, em congruência com o seu histórico de relacionamentos. Os encontros envolvendo Percílio, um dos cuidadores e fundador do Parque, com as rapinantes, nas atividades de que participa junto a essas aves, como a prática da falcoaria, o cuidado dos filhotes, a inseminação artificial, e, mais dramaticamente, nas sessões de hipnose animal, observa-se uma diferença qualitativa nas respostas comportamentais o que coloca o referido cuidador como bem mais sucedido, comparado a outros humanos, na coordenação de ações que estabelece com essas aves, ou no que, seguindo o biólogo chileno Humberto Maturana, podemos chamar de “comportamento adequado”. Uma explicação parcial é o longo histórico de convivência do cuidador com as rapinantes, ainda que seja importante considerar, também, a agência das aves nesse processo repleto de intencionalidade e percepções mútuas.
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Ruas hostis: das vidas e mortes de animais e humanos indesejados nas cidades Autoria: Sarah Faria Moreno (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Autoria: A proposta deste artigo inicia-se a partir de uma constatação, já ao término de meu mestrado, em que diversos sujeitos tão distintos entre si acabam por se encontrarem nas ruas como marginalizados, ou mesmo espetacularizados. Tratam-se, sobretudo, de humanos e pombos – uma vez que minha pesquisa tratou de abordar as diversas relações entre estes. O que me instigou foi a reflexão acerca de como os espaços urbanos são projetados de uma forma que promove a exclusão de determinados sujeitos e, mesmo assim, estes acabam por resistir e se adaptar nestes espaços.
Minha pesquisa de mestrado foi situada na cidade de Santos – SP e, já na reta final de escrita da dissertação me deparei com a “descoberta”, em meus materiais etnográficos, do “homem dos pombos”, o senhor José. Já havia registrado em meu diário de campo uma situação em que o senhor José havia sido mencionado para mim como um habitante das ruas de Santos e seu hábito em alimentar os pombos. Todavia, o que não imaginava era que, ao revisitar meu acervo de notícias pesquisadas na Hemeroteca da cidade, encontraria ali uma série de notícias com menção ao senhor José e suas respectivas fotografias alimentando os pombos. Este caso me chamou muita atenção, principalmente pelo momento em que escrevia minha dissertação: as eleições de 2018. O cenário, claro, era preocupante, e a palavra do momento era: resistência. E me perguntava: como estes sujeitos tão indesejados por parte da população citadina continuam resistindo?
Ao me recusar em pensar nos pombos sob uma perspectiva apenas biológica, podia entender que alguns pombos, ratos e humanos parecem ter muito mais em comum do que seus “outros amados” de “mesma espécie”: indesejados, marginais, sujos, invisíveis e, por fim, às vezes, espetacularizados. Não é possível equiparar os pombos das ruas com os pombos-correios, ou os ratos do subsolo com os ratos de laboratório ou de estimação, ou os humanos nas ruas com os humanos burgueses que vivem em casas confortáveis. Nesse sentido, o que proponho neste artigo é fazer uma reflexão acerca do espaço urbano, como este é projetado na prática e como estes sujeitos, humanos e não humanos, se adaptam a ele – e resistem nele –, bem como de que forma eles acabam por se assemelhar, seja em sua resistência ou em seus corpos à margem que causa repulsa, o que dialoga, ainda, com toda a questão de monstruosidade que pesquisei durante a graduação. Tais temas são bastante correlatos e é isso que pretenderei mostrar ao longo do artigo, a tensão entre os sujeitos ditos monstruosos, indesejados, marginalizados (e outras categorias a eles atribuídas), com seus pares ditos “normais”, isto é, toda negação às primeiras categorias; e como esta tensão se expande para os espaços por eles compartilhados, em especial o urbano e as ruas.
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Tornando-se protetores: trajetórias de engajamento, dilemas e questões na proteção animal Autoria: Diego Breno Leal Vilela (UEPB - Universidade Estadual da Paraíba) Autoria: O crescimento das demandas por proteção, bem-estar e direitos para animais está relacionado a um contexto maior, que passa pelas transformações (ampliação) nas sensibilidades (THOMAS, 2010) de modo a incluir outros seres na esfera de preocupação moral humana. Para Franklin (1999), ao longo do século XX esse processo se desenvolveu a partir da “sentimentalização” dos animais, passando pela intervenção do Estado moderno na regulação dos comportamentos adequados em relação a esses seres, chegando até a demanda socialmente mobilizada por direitos animais e sua crescente importância no âmbito do humano, processo esse que pode ser sintetizado através de um circuito que aqui definimos como empatia-mobilização-institucionalização.
Por meio de pessoas e grupos organizados autointitulados “protetores de animais”, essas “sensibilidades” assumiram a forma de um projeto moral. Primeiro, convertendo-se em atitudes de cuidado e proteção; depois, saindo da esfera privada e tornando-se uma questão pública, momento em que o Estado passou a ser cobrado a incorporar os animais no escopo de suas políticas.
Neste artigo irei me debruçar sobre os processos por meio do qual os ativistas pela proteção animal na cidade do Recife-PE se engajaram nessa causa e passaram a desenvolver ações sistemáticas em favor de alguns animais – principalmente cães e gatos. A partir da incorporação de fragmentos das trajetórias de alguns desses indivíduos, possibilitada pela pesquisa de campo e realização de entrevistas abertas e profundas, tentarei evidenciar algumas das principais questões implicadas nesse processo: Como essas pessoas se tornaram “protetoras de animais”? Quais fatores foram centrais? De que modo tornar-se protetor impactou nas suas vidas e respectivos círculos sociais? O que os fazem permanecer protetores?
Se por um lado empatia e compaixão são elementos acionados para explicar o despertar de uma atitude de proteção aos animais, para que seja eficaz, e torne a atividade do protetor sustentável e exequível ao longo do tempo, é necessário que haja controle e racionalização de suas condutas e ações. Do contrário, corre-se o risco de incorrer naquilo que é considerado um dos maiores problemas na proteção animal: o acúmulo de animais. Percebemos então que o “tornar-se” protetor está acompanhado de uma série de procedimentos e modelos de conduta que modificam a maneira de agir em favor dos animais. Aqui, temas como autocontrole, sacrifício, recompensa, dever moral e a tensão entre empatia e a “responsabilidade”, serão uma constante nesta etnografia, que toma o crescimento dos movimentos de proteção animal como uma das expressões de um contexto maior, onde os modos de agir, lidar e se relacionar com alguns animais têm sido redimensionados.
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“Animais que sofrem bullying”: popularizando espécies pouco emblemáticas na Mata Atlântica capixaba Autoria: Mariana Pimenta de Alvarenga Prates (UFES - Universidade Federal do Espírito Santo) Autoria: Em 2014, a anta entrou para a Lista das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção, sobretudo por conta do seu estado de conservação no bioma Mata Atlântica, considerado Em perigo (EN). No entanto, a espécie ainda não chama a atenção nas arenas que envolvem conservação de animais ameaçados, fazendo com que conservacionistas que estudam a espécie também se dediquem em popularizá-la, a fim de elevar seu problema ambiental. No estado do Espírito Santo, o Pró-Tapir – Programa de Monitoramento e Proteção de Ungulados na Mata Atlântica está envolvido nessas duas ações, estudar e popularizar a anta, assim como outros ungulados - porcos do mato e veados. O presente work consiste nos resultados do acompanhamento deste grupo em campo no Complexo Florestal Linhares-Sooretama, no norte capixaba, incluindo as atividades dentro e fora da mata, como coletas de dados de pesquisa e difusão da mesma através de palestras, sobretudo de educação ambiental para crianças e adolescentes. A partir do work de campo, o objetivo é refletir sobre essas espécies que, mesmo possuindo um papel ecológico importante sobre as paisagens que habitam, ainda não são emblemáticas para a conservação da biodiversidade brasileira e analisar, a partir da relação das biólogas humanas com os animais não-humanos, o work do grupo como popularizador desses animais, sobretudo através de uma repercussão positiva que ressalta o carisma das antas, queixadas e catetos utilizando de atividades de educação ambiental e veiculação de conteúdo imagético com a comunidade local e pela internet, onde os ungulados são apresentados como protagonistas e agentes essenciais para a composição do ambiente.
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“Eu reconheço minhas conduruas” – Relações entre caranguejos e humanos na comunidade quilombola Mangueiras – Marajó – Pará. Autoria: Rafael Paiva de Oliveira Diaz (UFPA - Universidade Federal do Pará) Autoria: A comunidade quilombola de Mangueiras na ilha do Marajó, município de Salvaterra, é margeada por manguezais, sendo estes uma barreira física que traz segurança e possibilitou a está comunidade manejar a vida neste ambiente. A comunidade de Mangueiras é subdividida em bairros, O Japiim, está localizado bem próximo ao mangue e possibilita aos seus moradores praticar o manejo/extrativismo de caranguejos, de siri, de caramujos, do camarão, do turu e etc. Por sua vez, o caranguejo figura como ser de complexa interação entre humanos e não-humanos, dá alimentação a vida religiosa, este Decapoda nutre o imaginário e as narrativas do lugar. Outro fator importante que vem se apresentando na relação de humanos e manguezais é uma expansão desse ambiente ao longo dos estuários amazônicos. Logo, pretende-se aqui, observar quais relações entre os humanos e os caranguejos perpassam por práticas que venham contribuir à expansão dos Manguezais. Este artigo foi constituído com base em narrativas de apanhadores de caranguejo, principalmente Naldo (28 Anos) e Adriano (31 Anos), primos, que desde a infância residem nas proximidades do mangue e praticam o extrativismo do caranguejo. De acordo com estes rapazes o objetivo principal de manejar o caranguejo é para que cada vez ele esteja mais próximo as suas casas, como relata Naldo: “Eu reconheço minhas conduruas”, se referindo a condurua (caranguejo fêmea) como sua. Foi ele quem a encontrou no mangue e cuidou para que ela não fosse apanhada. Depois disso soltou-a próximo a sua casa, para que pudesse observá-la mais de perto. Esta prática se dá sempre que são encontradas "conduruas ovadas", ou seja, fecundadas. Na comunidade acredita-se que, assim, elas irão desovar na região em que são depositadas, consequentemente, irão povoá-la com mais caranguejos. A população de Mangueiras muito sabe sobre as utilizações dos seus recursos naturais, conhecimento indispensável ao seu modo de vida. O manejo do recurso na comunidade se dá de forma integrada entre os diferentes seres que o habitam. Vi várias vezes, por exemplo, nas pescarias os peixes menores sendo soltos com os dizeres “daqui a pouco ele tá maior e vem bater na minha rede de novo!”. Ou, como me disse Naldo e seu primo Augusto, quando conversávamos sobre extrativismo de caranguejo, o que despertou o interesse de aprofundar a reflexão sobre esta relação.
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"A gente acostuma os olhos”: pescadores artesanais de tarrafa e botos-de-lahille nas paisagens da Barra do Rio Tramandaí Autoria: Emanuelly Silva (Instituto Nautilus de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade), Ignacio Benites Moreno Autoria: Enquanto unidade que dialoga com a ideia geográfica de espaço, território ou região, a paisagem é um conceito multifacetado que nos auxilia no entendimento dos fenômenos, das interações entre distintos grupos animais e das expressões culturais humanas. Estudos das relações entre pessoas e natureza atuam como instrumentos de compreensão das afetividades e percepções que envolvem complexas teias de relações, o que possibilita-nos encontrar nexos de relações entre humanos e não humanos para pensarmos numa unidade dinâmica a partir do entrelaçamento de ambos em determinado contexto. Na costa do Rio Grande do Sul, ocorre um formato peculiar de interação entre humanos e não humanos: a chamada pesca cooperativa. Prática ritualizada e tradicional que consagra a Barra de Tramandaí, no Litoral Norte do estado, como uma das duas localidades mundiais onde sistematicamente essa prática acontece. Os botos Tursiops gephyreus e pescadores artesanais de tarrafa cooperam na pesca da tainha (Mugil liza). O boto sinaliza o momento apropriado para os pescadores jogarem suas tarrafas na água, otimizando a atividade de pesca e a energia despendida por ambos. A relação estabelecida entre homem e animal é composta por um forte grau de reconhecimento, quando estes pescadores dão nomes aos botos ainda filhotes, nome esse que permanece o mesmo ao longo da vida do animal. A área de estudo localiza-se na Barra do Rio Tramandaí, um estuário no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. A proposta do artigo envolve um diálogo entre os campos biológico e antropológico e bsca entender as manifestações bioculturais presentes no contexto pesquisado, a partir do convívio com a comunidade dos pescadores artesanais, praticantes da pesca cooperativa para compreendermos como reconhecem as paisagens em que estão inseridos e se relacionam cooperativamente com os cetáceos. Além da observação participante, aplicamos um questionário aberto e semi-estruturado, e através de métodos qualitativos, analisamos os resultados obtidos. A paisagem é lida por estes trabalhadores a partir de experiências portadoras de significados, que repercutem nas visões de cada pescador sobre as paisagens que ele pratica e sobre as afetividades que despertam. Nossa leitura do espaço neste artigo está embasada na forte influência dos conhecimentos vinculados à pesca artesanal, considerando, ainda, a partir do convívio com cada pescador os saberes desempenhados individualmente mediante suas percepções das paisagens da “barra” e as relações particulares que estabelecem com os botos.
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Reflexões sobre a ação de castração de cães e gatos na ReBio do Lami (PORTO ALEGRE/RS) como estratégia de conservação da biodiversidade Autoria: Bárbara Fernandes Gonçalves (Prefeitura de Porto Alegre) Autoria: Este texto trata-se de um relato de experiência sobre como a castração pode ser uma ferramenta de auxilio e controle dos impactos de cães e gatos domésticos em Unidades de Conservação (UC). Esta é uma situação grave levando-se em conta a possibilidade de declínio das populações de diversos animais nativos, incluindo a redução das populações de presas para outras espécies. Os impactos podem ser muitos, pois interferem direta ou indiretamente na vida dessas espécies.
São várias as pesquisas que apontam medidas para a resolução desses problemas, cientistas sugerem que a castração dos animais domésticos que vivem no entorno das UCs e as campanhas de conscientização pela posse responsável podem ser uma saída viável. Portanto, esse é um projeto que aconteceu do bairro Lami, extremo sul da cidade de Porto Alegre/RS, na UC Reserva Biológica do Lami José Lutzemberger (ReBio do Lami). O projeto em questão voltou-se ao controle de natalidade de cães e gatos junto aos moradores do bairro, evitando o abandono e sofrimento dos animais nas ruas do entorno da UC. Desta forma, tais ações visaram um ambiente melhor para os animais selvagens, domésticos e, consequentemente, para os habitantes do bairro.
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