GT 08. Antropologia das Emoções

Coordenador(es):
Maria Claudia Pereira Coelho (UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Raphael Bispo dos Santos (UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora)

Sessão 1
Debatedor/a:
Eduardo Moura Oliveira (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)

Sessão 2
Debatedor/a:
Monalisa Dias de Siqueira (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Sessão 3
Debatedor/a:
Ceres Gomes Víctora (UFRGS)

O objetivo deste grupo de trabalho é reunir pesquisas que tenham como foco analítico a compreensão da maneira como as dimensões emocionais integram a vida social e dão sentido às experiências dos sujeitos. As pesquisas em Antropologia das Emoções se consolidaram no Brasil nas últimas duas décadas - a partir de perspectivas de campo variadas e com linhas teóricas específicas -, problematizando oposições centrais no pensamento antropológico, tais como indivíduo versus sociedade, natureza versus cultura, micro versus macro, mente versus corpo, privado versus público, interno versus interno, entre outras. Esse grupo de trabalho elege três focos principais do debate sobre emoções: a) sua capacidade micropolítica; b) a dimensão moral da vida emocional; e c) a relação entre emoções e temporalidade. As principais temáticas a serem contempladas são: a) emoções, gênero e sexualidade; b) emoções e religiosidades; c) emoções, geração e curso da vida; d) emoções e política; e) emoções e movimentos sociais; f) emoções e discursos/práticas profissionais; g) emoções, consumo e lazer.

Palavras chave: emoções; subjetividades; sentimentos
Resumos submetidos
"Como é a Suzy?" Muitas emoções, o amor do pai e Jesus na causa
Autoria: Marco Julián Martínez Moreno (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: A partir do work etnográfico realizado com Suzy, uma jovem mulher moradora de um bairro periférico de São Gonçalo (RJ), a qual virou minha assistente de campo entre dezembro de 2019 e março de 2019, busco lançar algumas reflexões sobre a “vida afetiva” e a “interioridade” de uma mulher cuja motivação é restaurar a relação quebrada com seu pai através do amor e o afeto. Sem descartar uma aproximação pragmática ou discursiva, busco aqui dar relevância analítica à sensorialidade (feeling, para John Leavitt), à dimensão pré-objetiva (Maurice Merleau-Pointy e Thomas Csordas) ou ao ether transpessoal (Luiz Fernando Dias Duarte e Rachel Aisengart) através da descrição da participação ou mutualidade (Lucién Levy-Bruhl, Marshall Sahlins) na relação entre pai e filha. Suzy é dona de uma trajetória que faz dela uma mulher “perdida”, “brava” e “sem paciência” diante dos olhos do seu pai, seu irmão e o primo. Essas qualidades fazem parte da história que explica a expulsão de Suzy da sua comunidade de origem, em Niterói, após uma acusação de "macumba". Suzy se descreve com esses adjetivos, o que cria um conceito pessoal como uma pessoa “ruim”, porém, seu “bom coração” e a sua “bondade” sempre permanecem como testemunhas silenciosas do seu verdadeiro ser, o qual lhe ajuda a resistir às adversidades. Uma vida no meio do tráfico, violência familiar, consumo de droga e fazendo programa (esporadicamente) ajudam a compor o contexto no qual “muitas emoções” vão emergindo e se objetivando através de palavras em um diário de campo, que ela escreve como parte do nosso work. “Só Jesus na causa” é uma expressão por ela utilizada para falar de coisas que saem do controle da Suzy. Essa expressão permite entrever uma cronologia moral e afetiva que permite a Suzy compreender o motivo da sua “tristeza”, “mágoa” e “solidão” do passado, objetivar sua incerteza no presente através da oração e projetar o desejo de uma vida feliz como “crente” e como uma filha que foi perdoada e recriou uma “fusão” marcada pelo amor do pai para sua filha. Argumento que esse desejo faz parte das relações que Suzy estabelece com outros homens: seu namorado e o próprio antropólogo, por exemplo, criando um contraponto às "emoções ruins" de uma vida solitária como mulher que aprende a ser adulta.
A circulação de afetos no processo de morrer
Autoria: Lucas Faial Soneghet (IFCS)
Autoria: Partindo de um work de campo em andamento num serviço de assistência domiciliar da rede pública do Rio de Janeiro dedicado ao atendimento de pacientes sob cuidados paliativos, analiso a relação entre dimensão afetiva e temporalidade. O serviço de assistência domiciliar adota a forma de cuidado para pacientes com doenças degenerativas crônicas fora de possibilidade terapêutica denominada Cuidado Paliativo. Tal forma de cuidado propõe considerar o paciente como indivíduo multidimensional, o que significa tratar de aspectos físicos, psíquicos, emocionais, sociais e espirituais. Sendo assim, o cuidado dos pacientes em processo de morrer envolve certo “work emocional”, ou seja, o monitoramento, controle, expressão e gestão de emoções em situações de interação. Junto a isso, o adoecimento em contextos onde não há perspectiva de cura e há declínio das funções corporais tem suas especificidades, suscitando uma gama de emoções no paciente, em sua família e nos profissionais de saúde. O processo de morrer é marcado por irrupções de estados corporais inesperados na forma de novos sintomas, escassez de materiais hospitalares e falta de recursos financeiros para arcar com os cuidados, entre outras situações imprevisíveis e incertas. Sendo assim, é comum a expressão de sentimentos de ansiedade, angústia e medo, bem como a modulação destes a partir de certas práticas afetivas como, por exemplo, o reforço mútuo de expectativas positivas (“tudo vai ficar bem”, “você melhorou bastante”), a manutenção de marcos temporais no futuro (consultas que estão por acontecer, mudanças possíveis no tratamento) e a reconstrução da vida cotidiana (tarefas corriqueiras, hábitos e um senso de normalidade). Entretanto, é preciso atentar para as variações na experiência emocional característica do processo de morrer, e para isso, argumento que a dimensão afetiva deve ser abordada a partir de sua ligação com a dimensão prática e relacional da vida social. Afetos modelam abrem ou fecham rotinas de ação enquanto conferem certa tessitura emocional para as relações e situações. Essa tessitura diz respeito ao aspecto “atmosférico” e intercorpóreo que pode ser entendido a partir da dimensão afetiva da vida social. Um ambiente “pesado” ou “carregado” de uma casa é relatado pelos profissionais de saúde, a disposição “alegre” ou “amorosa” de um médico é relatada pelos pacientes e familiares. Sendo assim, estados afetivos podem ser entendidos como variáveis decisivas para a compreensão da vivência do processo de morrer através de sua influência na vida prática e nas relações intersubjetivas. Os afetos abrem caminho para reconsiderar as conexões entre as dimensões corpórea, temporal e normativa da vida social.
A feminilidade como humanidade e a Guerra como conhecimento venenoso: Análise da obra “A guerra não tem rosto de mulher” pela perspectiva da antropologia das emoções
Autoria: Laura Mostaro Pimentel (UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora)
Autoria: No presente work proponho uma análise das relações entre gênero, momentos extremos da vida e memória através de uma leitura pela antropologia das emoções da obra “A guerra não tem rosto de mulher”, da jornalista ucraniana Svetlana Aleksiévitch. Nesta se misturam elementos de literatura, relato histórico e jornalismo, apresentando a autora narrativas das experiências vividas por mulheres que integraram o Exército Vermelho na II Guerra Mundial. Os momentos de ingresso na guerra, vida no combate e retorno à vida civil são marcados na vida dessas mulheres pelas mudanças de comportamento exigidas, estando presente a tensão entre o sujeito generificado feminino e a situação de guerra, socialmente lida como masculina. A experiência contraditória de viver como mulher em uma situação não compreensível como parte da lógica feminina e os trânsitos temporais entre o momento presente e o passado relatado são então explorados através de categorias da antropologia do sofrimento, como gestão da memória (Pollak, 2010), evento critico e conhecimento venenoso (Veena Das, 1995; 2011), possibilitando que se reflita sobre o uso de narrativas de construção de feminilidade como estratégia de resgate de humanidade na situação da guerra e como essas memórias e experiências foram manejadas após o término desta.
Acionamentos morais e emocionais mobilizados por policiais militares em tratamento de dependência química no Hospital Central da Polícia Militar do Rio de Janeiro.
Autoria: Mariana Oliveira da Fonte (IPPES)
Autoria: A presente comunicação refere-se ao meu projeto de pesquisa do doutorado submetido ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da UFRJ. Nesta, busco localizar as interfaces entre a moral militar e a produção de emoções entre policiais militares em um contexto de tratamento de dependência química no Centro de Reabilitação Renascer, localizado no Hospital Central da Polícia Militar (Rio de Janeiro). O objetivo é refletir sobre a possível relação entre o ethos policial militar, que orienta a atividade destes profissionais, e o seu potencial para habilitá-los e/ou inibí-los a lidar com determinadas emoções. Assim, busca compreender de que maneira a condição de um policial em tratamento contraria um ethos policial militar que reforça o desempenho emocional através da inibição de emoções (como dor, sofrimento e descontrole), sucumbindo a fachadas tão temidas de onipotência e vulnerabilidade. Desta forma, o work pretende lançar luz, de maneira geral, sobre as implicações morais na elaboração das emoções de determinado grupo de profissionais da segurança pública.
As emoções na construção de um objeto sociotécnico: o caso da Profilaxia Pré-exposição ao HIV
Autoria: Mauro Brigeiro (IOC-Fiocruz), Simone Monteiro (IOC/Fiocruz) monteiro.simone.fiocruz@gmail.com
Autoria: Neste work abordaremos o papel das emoções na ensamblagem social dos medicamentos e dos processos técnicos empregados atualmente para controlar a epidemia de HIV/Aids. A análise se centrará sobre a PrEP – Profilaxia Pré-Exposição ao HIV –, um método de prevenção incorporado oficialmente no sistema público de saúde brasileiro em dezembro de 2017. Consiste em um tratamento à base de medicamentos antirretrovirais indicado para proteger pessoas soronegativas do HIV, particularmente aquelas pertencentes a grupos consideradas em situação de maior risco de infecção: gays/homens que fazem sexo com homens, travestis/mulheres transgêneros, trabalhadoras sexuais e membros de casais sorodiscordantes. Para descrever a construção da PrEP nos momentos prévios a seu lançamento e em sua posterior implementação nos serviços de saúde, recorremos ao conceito de tecnologia da esperança. Ao usar essa noção, oriunda dos estudos sociais da ciência e tecnologia, referimo-nos a todos os procedimentos e artefatos biomédicos definidos por seus proponentes e usuários como recursos dotados de uma capacidade potencial de preservar ou prolongar a vida. Enquanto resultantes da atividade humana, essas produções tecnológicas possuem uma história, cuja reconstituição inclui processos sociotécnicos específicos e também as circunstâncias e os mecanismos por meio dos quais determinados públicos são capturados pelas promessas de suas virtudes terapêuticas. Ao estudar a PrEP consideramos as variadas expectativas que sustentam as narrativas científicas, governamentais, não-governamentais e outros enquadramentos dados pelos processos clínicos e as políticas de saúde. Ademais, estivemos atentos à articulação dessas expectativas com as aspirações e desejos dos públicos constituídos por e em torno desses agenciamentos sociotécnicos. As esperanças investidas nesse método de prevenção estão atreladas ainda a outros sentimentos. Medos e preocupações acerca de suas implicações nos hábitos de vida e modos de gestão da sexualidade têm acompanhado, em diferentes escalas, a história da PrEP. O material empírico analisado compõe-se de entrevistas e registros de work de campo antropológico com gestores, profissionais, ativistas, usuários e não usuários no estado do Rio de Janeiro; além de um acervo documental com artigos científicos, diretrizes governamentais, notas técnicas, protocolos clínicos, material de divulgação, boletins produzidos por ONGs e textos da mídia e de assessorias de imprensa de órgãos públicos. Os achados permitem discutir como as emoções conformam os sentidos desse recurso biomédico e, ao mesmo tempo, entram no complexo jogo das negociações para a definição de ações no âmbito das respostas programáticas à epidemia de HIV/Aids.
Conduzindo o tornar-se: amor e desejo nas primeiras autobiografias de pessoas trans no Brasil e nos Estados Unidos
Autoria: Luiza Ferreira Lima (USP - Universidade de São Paulo)
Autoria: O presente work se propõe a investigar um aspecto temático recorrente em autobiografias de pessoas trans: os efeitos do amor e do desejo, e de relações fundadas nessas emoções, na trajetória das pessoas biografadas. Parte de minha pesquisa de doutorado, que se debruça em perspectiva comparada sobre processos de subjetivação inscritos em e produzidos por biografias e autobiografias elaboradas por ou sobre pessoas transexuais e publicadas no Brasil e nos Estados Unidos, neste paper me concentro em 6 obras: “Christine Jorgensen”, de Christine Jorgensen (1967), “Emergence”, de Mario Martino (1977), e “Second Serve”, de Renée Richards” (1983), publicadas nos Estados Unidos; e “A Queda Para o Alto”, de Anderson Herzer (1982), “Erro de Pessoa”, de João W. Nery (1984), e “Meu Corpo, Minha Prisão”, de Lorys Ádreon (1985), publicadas no Brasil. Tidos, em seus respectivos países, como os primeiros escritos autobiográficos que lograram penetrar e participar do debate público ainda incipiente sobre transexualidade e transição de gênero, esses dois trios de obras se mostraram formas potentes de reivindicação da viabilidade e da verdade de processos de subjetivação através da narrativa histórico-literária da experiência. O desenvolvimento de si registrado/produzido em texto é marcado pela centralidade das relações de afeto em termos de apresentação de limites e possibilidades de existência, bem como de engendramento de vulnerabilidade e reconhecimento. Em especial, relações que despertam amor e desejo afetam o modo como as pessoas biografadas dão inteligibilidade a si mesmas, imaginam o futuro e se engajam em processos de transformação corporal. Essas emoções e os vínculos que nelas se sustentam, assim, não têm apenas destaque temático; estimulam permanências e transformações, bem como a celeridade ou retardamento destas. Participam da organização temporal da trajetória narrada. Subjacentes a esses movimentos estão modelos de masculinidade e feminilidade, padrões normativos de sexualidade e regimes de moralidade. Considerando a articulação entre condições histórico-sociais que estruturam a existência da produção literária, este work é norteado pelas seguintes questões: como elaborações e valorações de amor e desejo nas obras interagem com os respectivos contextos nacionais? De que modo essas emoções e os vínculos nelas fundados participam do processo de imaginação de identidades e futuros possíveis e desejados e interferem em projetos de materialização e incorporação dessas identidades, bem como seus ritmos? Qual a relação entre o desenho dessas emoções e vínculos e a disputa por atribuição de legibilidade e legitimidade a subjetividades trans?
Distinção, respeito e dignidade: sentimentos de estudantes timorenses no exterior nas relações familiares em Timor-Leste
Autoria: Silvia Garcia Nogueira (UEPB - Universidade Estadual da Paraíba)
Autoria: Esta comunicação busca discutir os sentimentos de alguns estudantes timorenses que cursaram ou estão cursando o ensino superior no Brasil (Paraíba) e em Portugal (Lisboa) no que se refere às interações que estabelecem com seus parentes e outras pessoas do seu círculo social que ficaram no Timor-Leste (Ásia), em particular com os mais velhos. Fruto de uma pesquisa realizada entre 2017 e 2018 em Portugal e entre 2013 e 2019 no Brasil entre tais estudantes, recorrentemente surgiram nas falas dos interlocutores as palavras distinção e respeito quando se referiam ao modo como interagiam com os timorenses que não haviam saído de seu país de origem, especialmente os pertencentes às aldeias ou sucos distantes da capital Díli. Na percepção dos estudantes, falar Português e reproduzir hábitos estrangeiros adquiridos no exterior com tais pessoas muitas vezes podem ser vistos como atos de esnobismo e desrespeito às tradições familiares da sua casa (uma, em tétum). Cabe dizer que as línguas oficiais do país são o Tétum (língua de comunicação) e o Português (que poucos falam e por muitos considerado língua de elite), ainda que existam 15 outras línguas maternas. Timor-Leste possui um passado marcado por dominação estrangeira portuguesa, japonesa e indonésia, além de ter recebido missões e escritório da Organização das Nações Unidas. Vem passando por um processo de construção de estado e de nação na direção da autodeterminação, sendo a noção de dignidade um valor social importante compartilhado por todas as gerações de timorenses, os que estudaram e os que não estudaram no exterior, e nas interações entre eles.
Emoção e mercado no futebol: abordagem sobre a experiência de sócios-torcedores do Flamengo
Autoria: Fábio Daniel da Silva Rios (CSEm/UERJ)
Autoria: Neste work, apresento alguns dos principais resultados obtidos em minha tese de doutorado, na qual investiguei a relação dos torcedores do Flamengo com o Novo Maracanã, tendo em vista os processos de domesticação e civilização inerentes à reforma do estádio para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Para tanto, foram realizadas observações de campo em jogos do Flamengo e entrevistas qualitativas com torcedores do clube. Abordarei aqui, mais precisamente, as articulações entre emoção e mercado presentes nos discursos dos entrevistados sobre suas experiências como sócios-torcedores. Ao interrogá-los sobre a natureza e a importância de sua relação afetiva com o Flamengo, visando traçar seu perfil como torcedores, os entrevistados encontraram dificuldades para nomear suas emoções e procuraram enumerar uma série de práticas que funcionariam como performances ou índices de seu “engajamento emocional” pelo clube, destacando-se dentre elas a frequência regular ao estádio, a realização de “loucuras” e “sacrifícios” em seu nome, a compra de produtos licenciados e a adesão ao programa Nação Rubro-Negra. Criado em 2013, como uma estratégia de ampliação de receitas e reestruturação financeira, o Nação Rubro-Negra, a exemplo dos programas de sócios-torcedores de outros clubes brasileiros, opera segundo a lógica do mercado, buscando a fidelização dos torcedores como consumidores. Nesse sentido, oferece vantagens e benefícios aos associados, em troca do pagamento de mensalidades ou anuidades, sendo maiores as facilidades oferecidas, quanto maior o valor do plano contratado. Trata-se de uma nova modalidade de relação dos torcedores com seus clubes, no Brasil, fortemente criticada por alguns segmentos de torcedores, jornalistas e pesquisadores, por supostamente contribuir para o avanço de um processo de comoditização do futebol e de elitização e domesticação dos torcedores, convertendo-os em “meros consumidores”, em contraste com um modelo “tradicional”, que seria baseado no envolvimento afetivo, em sentimentos de amor, paixão e fidelidade, e na realização de atos exagerados e desmedidos como provas dessa afetividade. Em minha pesquisa, no entanto, encontrei resultados que contribuem para a construção de uma visão mais nuançada sobre a relação entre emoção e mercado, de modo geral, e mais precisamente, no contexto do futebol. Enfatizando o desejo de ajudar o clube como principal motivação para se tornarem sócios-torcedores, os entrevistados apontaram para a preservação dos princípios da dádiva, da afetividade e da abnegação (sacrifício) como valores fundamentais, em um contexto cada vez mais influenciado pela lógica do mercado. Teríamos, assim, uma combinação ou articulação original entre emoção e mercado, ao invés da mera oposição entre esses elementos.
Entre a coragem e as covardias nas lutas por terra
Autoria: Renata Barbosa Lacerda (Doutoranda)
Autoria: O work analisa nas narrativas de pequenos agricultores e agricultoras a gramática moral e emocional que acionam ao lutarem pela consolidação do assentamento PDS Terra Nossa, Pará. A oposição entre os valores referentes à covardia e à coragem revela as relações de assentados e assentadas com o medo e o sofrimento vivido cotidianamente ao segurarem a terra apesar das humilhações e ameaças variadas perpetradas pelos agentes dominantes – servidores estatais, políticos, fazendeiros, madeireiros e uma mineradora –, os quais se engajaram na redução, recategorização ou mesmo cancelamento do assentamento. Ao passo em que a covardia era acionada para inferiorizar moralmente esses agentes fortes por produzirem injustiças contra os mais fracos, a coragem era valorizada na mobilização como enfrentamento do medo resultante dessa relação e se associava à valorização moral daqueles que lutam como guerreiros(as) e sobreviventes. Ao mesmo tempo, isso pode se inverter quando apontavam tanto a valentia dos fortes, que possuem maiores condições para brigar pela terra, quanto o medo como justificação para a saída de muitas famílias dos lotes do assentamento e para os dilemas de denunciar ou não as violências – sendo também fator de ponderação por lideranças de movimentos sociais. Ademais, observo que havia assentados que avaliavam alguns fortes como humildes ou defendiam que os brabos teriam amansado com o tempo, não sendo mais os causadores de situações de medo.
Entre a honra e dignidade: uma discussão sobre os códigos de honra e os paradoxos na punição nos centros APAC
Autoria: Astrid Johana Pardo Gonzalez (UFRJ)
Autoria: Na seguinte discussão, realizamos um estudo etnográfico sobre os sentidos oferecidos a honra e sua transformação no método APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados). No sistema comum penitenciários os sentidos outorgados ao código de honra estão relacionados com a não delação. Não obstante nesta nova modalidade prisional os presos zelam pela segurança dos centros, e a honra passa a possuir outros significados. Observamos que a delação é o elemento principal do código de honra na prisão comum, assim como da construção da masculinidade, que no mundo prisional não está relacionada com a virilidade sexual nem com o feminino. Nos novos sistemas de valores que a APAC tenta criar, “ser homem” passa a apresentar outros sentidos, ligados à construção da masculinidade normativa, durante este processo de modificação, existe uma troca emocional na qual os recuperandos que decidem quebrar o pacto de não delação esperam receber em troca o que se considera pelo grupo como “dignidade”.
Entre suplícios e constrangimentos: os pedidos de retificação de registro civil das pessoas trans
Autoria: Luiza Cotta Pimenta (UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora)
Autoria: A proposta deste work é refletir sobre o uso do termo “constrangimento”, por parte de advogados e de defensores públicos, nas petições iniciais que inauguram ações de retificação de registro civil de pessoas transexuais, à luz da antropologia das emoções. O constrangimento, antes de ser considerado somente como uma emoção negativa experienciada por pessoas trans em seu contexto social, será pensado como um conceito chave para entender uma série de acontecimentos e que viabilizam a compreensão da atuação das lógicas de poder mobilizadas ante a prevalência de uma matriz heteronormativa limitadora do ser homem e mulher na sociedade. No contexto atual, principalmente daquele após a Constituição de 1988 - de mudança de enfoque da medicina em relação às pessoas trans e com decisões cada vez mais favoráveis à inserção destas pessoas no contexto cidadão - o “constrangimento” que uma pessoa trans possa vivenciar em seu dia a dia não é mais admissível, tornando-se assim um instrumento do qual estas pessoas e aqueles que as defendem lançam mão para “enfrentar” a justiça em busca da obtenção de seu direito de ser identificada no mesmo sentido de sua percepção. O constrangimento, mais do que uma experiência pessoal, será avaliado neste work do ponto de vista de uma micropolítica das emoções (REZENDE, COELHO, 2011), desdobrando-se enquanto uma categoria de análise das interações empreendidas pelas pessoas trans, tanto no mundo jurídico, quanto na esfera das relações de afeto. A repercussão na esfera jurídica vai se referir a soluções negociadas e geridas politicamente, que demandam uma modulação dos discursos e linguagens tanto das “vítimas” quanto dos operadores do direito. O que será analisado aqui, de modo geral, é que o “constrangimento” atua como um instrumento de negociação das identidades trans dentro da perspectiva processual jurídica, sendo mobilizado pelos advogados e defensores, a partir das narrativas das pessoas trans sobre suas experiências de sofrimento, para assim, nesses contextos, estabelecer um status de “vítima” para estas pessoas. Este status de vítima, mobilizado nas narrativas jurídicas pelos advogados e defensores, inaugura em certa medida um ambiente de vulnerabilidade no qual é inserida a pessoa trans. O ambiente da vulnerabilidade, enquanto estratégia, por conseguinte, também confere uma docilidade (FOUCAULT, 1999) às pessoas trans que atende aos anseios de um poder que também atua como regulador do que é mais ou menos aceitável dentro de uma perspectiva de regulação de manifestação de sexualidades.
Futuros Amantes: Desejos, amores e esperas em um abrigo para idosos
Autoria: Oswaldo Zampiroli Cerqueira (UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora)
Autoria: A partir dos fragmentos de trajetórias de vida de duas mulheres, Penélope e Dorinha, residentes de um abrigo espírita para idosos em Minas Gerais, iremos discutir a centralidade que os temas do amor e do o desejo adquirem em suas narrativas. Para tal, elas passam a escrutinar relações amorosas de seus passados, a fim de desenharem um cenário de amor ideal para um futuro distante. É pela crença em uma vida após a morte, assim como o uma ética cristã na concepção dos papeis de gêneros, que essas mulheres de 72 e 74 anos, respectivamente, trazem para o presente a atmosfera de um futuro feliz, de suas próximas vidas, onde serão verdadeiramente amadas. A maneira como dispõem de suas relações amorosas futuras é tensionada o tempo todo pela realidade em que estão inseridas e a qual julgam ser profundamente negativa: corpos envelhecidos que percebem não ser objeto de desejo de outrem. Assim, estariam fadadas à uma solidão sexual/afetiva.
Identidade docente: emoções e atuação profissional
Autoria: Raquel Brum Fernandes da Silveira (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Autoria: Tendo origens que nos remetem à antiguidade, o magistério só passou a ser reconhecido como profissão no Brasil no século XX. Pesquisadores indicam que até os anos 1950, tornar-se professor era visto como uma missão nobre, um sacerdócio. Entretanto, a partir da década de 1960, as nascentes reivindicações sobre melhores salários e condições de work teriam começado a transformar as percepções sobre o magistério, iniciando o processo conhecido como “proletarização” da profissão. A docência passou a ser considerada uma atividade de muito esforço e pouca remuneração, culminando em um contexto de crise onde o interesse dos jovens pela carreira diminuiu e profissionais já estabelecidos abdicam de seus cargos de work (Ferreira, 2002). Diversos autores associam essa crise da identidade docente ao esgotamento dos recursos emocionais dos professores, gerado pelo contato diário e intenso com as dificuldades e demandas do cotidiano escolar (Ceia, 2002; Maslach e Leiter, 1997; Reis, 2006). Esse esgotamento, experimentado em um estágio elevado de estresse, não consistiria em um fenômeno ocasional ou individualizado, mas estaria diretamente associado à identidade profissional docente. Isso, porque, apesar das ideias negativas baseadas no pouco reconhecimento financeiro e na imagem de work penoso, ainda seria exigido dos professores um conjunto de qualidades morais e comportamentos emocionais específicos, associados a ideia de sacrifício e do ato de ensinar como “missão”. Além de possuir os conhecimentos e técnicas necessários ao seu work, para que um docente seja considerado um bom profissional, ele deve apresentar características psicológicas e posturas emocionais determinadas, como a tolerância, a paciência e a alegria (Freire, 1995). Buscando conhecer as percepções dos docentes sobre o papel das emoções em sua atuação profissional, tenho realizado desde 2019 a pesquisa “Identidade docente: emoções e atuação profissional”, com a participação de alunos da graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes. Através da realização de entrevistas com professores de Sociologia atuantes em escolas de ensino médio, procuramos evidenciar quais seriam os mecanismos e contextos do universo educacional que estariam diretamente associados às experiências de desgaste emocional e crise identitária docente. Compreendendo as emoções como discursos que moldam e são moldados pela vida social (Coelho e Rezende, 2010), configurando linguagens próprias ao meio e ao momento social nos quais existem, o work a ser apresentado trará uma análise inicial dos dados obtidos nas entrevistas, destacando as falas dos professores sobre as emoções vivenciadas em suas trajetórias profissionais.
Medo do crime e sentimento de insegurança no Rio de Janeiro
Autoria: André Luiz Gomes Soares (PPGSA-UFRJ)
Autoria: Apesar de aparentemente similares, é preciso uma distinção cautelosa entre medo do crime e sentimento de insegurança. O primeiro é tradicionalmente definido como uma reposta emocional perante símbolos da criminalidade capazes de enquadrar algo ou alguém como perigoso e conforta um campo de estudos consolidado no contexto anglo-saxão, sobretudo, nos Estados Unidos. O sentimento de insegurança seria, por sua vez, um emaranhado de representações, emoções e ações, não configurando um subcampo temático tão desenvolvido quanto o anteriormente exposto, entretanto, ainda mais profícuo para as ciências sociais. Esta última, na verdade, pensou o medo do crime com desconfiança, observando seus impactos na vida social em vez de pensá-lo como um fenômeno em si mesmo. Isso quer dizer: apenas acompanhava outros temas como segregação socioespacial, punitivismo, autoritarismo, estigmatização e descrença institucional. Desse modo, o medo costuma ser deslocado para outras causas mais abrangentes e a criminalidade deixa de ter lugar privilegiado na análise. A adequação de um meio termo entre essas perspectivas teóricas possibilitaria relacionar as dimensões política, cognitiva e emocional desses fenômenos – levando em conta a primeira – e a figuração responsável pelo sentido entre a contextualização histórica de cada lugar abordado e as consequências políticas do tema – ao considerar a segunda. Assim, este work pretende levar a sério a perspectiva das pessoas ao realizar um estudo de caso qualitativo (sincrônico e diacrônico) cujo objeto são as representações sociais do crime e da violência urbana relacionadas ao medo e a insegurança na cidade do Rio de Janeiro. Compreender e interpretar como os moradores de uma região específica dela relacionam acontecimentos e experiências criminosas com seus sentimentos e emoções é o objetivo mais geral desta pesquisa. Para isso, é perguntado como o medo do crime e o sentimento de insegurança atua cotidianamente na vida de algumas pessoas e quais seriam os elementos responsáveis por sua construção social. A coleta e análise dos dados será de inspiração antropológica, a forma indutiva de gerar conhecimento será privilegiada, bem como sua estreita relação entre empiria e teoria. No entanto, em vez da tradicional etnografia, serão realizadas entrevistas em profundidade – matérias de jornais, anúncios de empresas privadas de segurança e estatísticas oficias também serão úteis – a partir de um estudo de caso na Zona Sul carioca capaz de mobilizar duas comunidades distintas. Uma delas será composta pelos moradores da Rua General Glicério e seu entorno. A outra, por moradores do Morro Santa Marta. Ambas populações compartilham de uma proximidade geográfica e uma profunda distância socioeconômica.
Para uma Antropologia das Emoções do meio jurídico: poliafetividade e multiparentalidade no Brasil contemporâneo
Autoria: Antonio Cerdeira Pilão (UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora)
Autoria: O termo poliamor, formulado nos anos 1990, nos Estados Unidos, se refere à possibilidade de estabelecer relações afetivo-sexuais com mais de uma pessoa de forma concomitante e consensual. O poliamor emerge como uma alternativa à monogamia que coloca a possibilidade de amar a mais de uma pessoa e manter mais de um relacionamento ao mesmo tempo. O seu surgimento, no final do século XX, se relaciona a uma série de transformações no âmbito da sexualidade, tais como a intensificação de um ideário igualitário de conjugalidade; a institucionalização do divórcio e o aumento da legitimidade das relações conjugais entre pessoas do mesmo sexo. Os poliamoristas se inspiram no movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros), afirmando que a crítica à norma monogâmica pode se aliar à da norma heterossexual, alcançando maior visibilidade e legitimidade. Este work, que é parte da pesquisa que vem sendo desenvolvida no pós-doutorado do PPGCSO-UFJF, volta-se às controvérsias relacionadas ao reconhecimento de formas de família e de conjugalidade que se afastam do modelo de casamento monogâmico, heterossexual e reprodutivo. O objetivo é compreender as motivações, as estratégias e as consequências de se adotar o Estado como interlocutor privilegiado. Assim, no contexto atual de judicialização das formas de amor e de conjugalidade, consubstanciado no reconhecimento, em 2011, das “uniões homoafetivas”, procura-se, a partir de uma perspectiva da Antropologia das Emoções, investigar os medos, conflitos e desejos que permeiam os sujeitos em busca da consagração jurídica das “uniões poliafetivas” e da multiparentalidade no Brasil. Além de recuperar o material produzido ao longo das pesquisas de mestrado e de doutorado (2011-2017), que privilegiou a etnografia em torno do meio não-monogâmico brasileiro, propõem-se a condução de entrevistas com pessoas que almejam ou que conquistaram o reconhecimento de suas relações e a análise de documentos jurídicos relacionados a esses processos. Acredita-se que, a partir de uma perspectiva da Antropologia das Emoções será possível ampliar as abordagens acadêmicas predominantes no Brasil sobre o tema que, vinculadas ao Direito, priorizam o debate legal e a racionalidade técnica, retirando o foco dos movimentos, contradições, dúvidas e anseios individuais e coletivos. Com isso, a proposta é analisar as emoções tanto no plano intersubjetivo, a partir dos discursos dos interlocutores sobre seus amores, medos e sofrimentos, quanto na cena pública, considerando a forma como os afetos se convertem em discursos jurídicos, como se materializam em documentos, compreendendo as consequências desse processo de judicialização das emoções.
Quando a filha se torna mãe: transgeracionalidade, sofrimento e rupturas possíveis
Autoria: Rosamaria Giatti Carneiro (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: Nas últimas décadas muitos foram os works produzidos ao redor das experiências femininas de parto (Carneiro, 2015; Pulhez, 2015; Mendonça, 2018). Exploramos noções de corpo, de sexualidade e de conjugalidade, entre outros tantos pontos. Mas praticamente nada fora tematizado sobre as relações de filiação, parentela e/em suas emoções, quando uma filha se torna mãe. Em que pese nada ter sido analisado explicitamente sobre o assunto, em praticamente todas as minhas investigações sobre parto e maternidades, esse sempre fora assunto pungente (Carneiro, 2017; Font, 2015). Nesse artigo, pretendo, por conta disso, refletir sobre as narrativas dessa relação depois de nascida a criança. Então, nessa triangulação entre avós, mães e bebês, refletirei sobre as semelhanças e diferenças entre suas trajetórias de gestação, parto e pós-parto, à luz da ideia de transgeracionalidade ou "mandato geracional" (Duarte, 2011), com o objetivo de refletir se e de que modos suas estórias se aproximam ou se distanciam? Em que medida novas emoções moldaram suas experiências e, sobretudo, esse desenho de relação afetiva entre mães e filhas? Sofrimento, cansaço e alegria são emoções que gravitam o universo materno de formas diferentes, a depender do momento em que a maternidade se estabelecera. Mas podem também dizer da relação entre as mães e as filhas, quando essas se tornam mães. Diante disso, nos vemos diante de duas novas gramáticas emocionais: ambas disparadas pela maternidade. Uma entre mães e filhas e outra entre avó, mãe e netos. Na literatura encontramos investigações sobre experiências femininas ao longo das gerações (Lins de Barros, 2015 e Woortman, 1987), mas quase nada que envolva a vida sexual e reprodutiva). A noção de amor materno, já por demais debatida por Badinter (1986), parece - nesse choque de gerações entre mães e filhas - receber ainda mais uma camada; por vezes interpretada na chave do sofrimento e do abandono da filha que se torna mãe, por parte de sua própria mãe. Ou então, multiplicam-se tentativas de não repetição da mesma estória de aleitamento, parto e pós-parto de suas mães. Diante da diferença histórica e do caldo cultural em que se encontram inseridas as filhas que se tornam mães atualmente, descrever suas sensações físicas e como as emoções as informam parece-me muito interessante para complexificar a própria noção de maternidade. Para dar conta desse tema, partiremos das estórias das filhas que se tornaram mães, entre os anos de 2000 e 2020, e o que nos contam elas sobre como se sentiram, sobre o que passaram a ocupar e sobre os redesenhos de relação vividos com suas mães, e das mães que se tornaram avós, nascidas entre 1970 e 1980; de modo a contornar o amor, a solidão, a tristeza, a alegria e o abandono.
Quando o sofrimento atravessa gerações: analisando os testemunhos de uma sobrevivente do Holocausto
Autoria: Charles Antonio Pereira (UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora)
Autoria: Sofrimento, dor, desamparo, são sentimentos que expressam marcadamente a experiência dos campos de concentração nazistas. E basta um vislumbre dos relatos testemunhais dos sobreviventes desses campos para perceber que tais sentimentos reverberam por toda a vida, mesmo em seu processo de reconstrução. Este é o mote principal deste work, as experiências do sofrimento e como ele reverbera através da vida, e das gerações futuras do sobrevivente. Como refazer a vida após experiências tão extremas de sofrimento? Durante o Holocausto, o cenário era tão propenso a morte, o sofrimento era tão banalizado, que os relatos de seus sobreviventes tomaram centralidade na formação da memória coletiva do evento. De acordo com Pollak (1989), poucos períodos históricos foram tão estudados como o nazismo, incluindo-se aí sua política antissemita e o extermínio dos judeus. Todavia, a despeito da abundante literatura e do lugar concedido a esse período nos meios de comunicação, frequentemente ele permanece um tabu nas histórias individuais na Alemanha e na Áustria, nas conversas familiares e, mais ainda, nas biografias dos personagens públicos. Assim como as razões de um tal silêncio são compreensíveis no caso de antigos nazistas ou dos milhões de simpatizantes do regime, elas são difíceis de deslindar no caso das vítimas. Pensando a partir destes fatos, neste work, por meio da análise dos testemunhos de uma sobrevivente do Holocausto realizados em aparatos culturais distintos, busco demonstrar como a passagem por um evento crítico (DAS, 1999) de grandes dimensões como o Holocausto, é capaz de reconfigurar a vida dos indivíduos ao ponto de a experiência vivída reverberar nas gerações futuras do mesmo. Aliado a isso, discutirei também o processo de gestão da memória dessa sobrevivente, e os momentos de transbordamento em que o ato de narrar torna-se necessário. Dessa forma, analisarei os testemunhos de Lili Jaffe, jovem Iugoslava de apenas 19 anos na época do Holocausto, que após sobreviver à 11 meses em Auschwitz escreveu suas memórias em um diário. Anos mais tarde, sua filha, escritora e doutora em literatura, transforma esse diário em livro, e constrói suas próprias interpretações a respeito do ocorrido com sua mãe. Além da filha, a neta de Lilli, que também tem como ofício a escrita, contribui com a parte final do livro. Dessa forma, três gerações de mulheres, que tiveram suas vidas afetadas em alguma medida pelo Holocausto, transformam suas experiências em palavra escrita através do livro O que os Cegos estão Sonhando?, Juntamente a análise do livro, será analisada a participação de Lilli Jaffe e sua filha no episódio As Filhas da Guerra, do podcast Projeto Humanos.
Travessias afetivas: narrativas de mulheres sobre o amor nos relacionamentos intercontinentais entre o Brasil e a Guiné-Bissau.
Autoria: Daniele Ellery Mourão (UNILAB - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira)
Autoria: Trata-se de uma pesquisa em andamento sobre as narrativas afetivas (sexuais, amorosas e conjugais) de mulheres de diferentes nacionalidades, em especial brasileiras e guineenses, que conheceram seus parceiros em situação de trânsito migratório, muitas delas, transformando suas vidas ao se mudarem para outro país acompanhando seus amores. Realizada em Guiné-Bissau (na África) e no Brasil (em Fortaleza e Redenção), por meio do suporte e dispositivo do documentário etnográfico, a pesquisa tem como ponto de partida a circulação internacional de estudantes africanos dos PALOP para o Brasil. Além do aprendizado acadêmico, esse fluxo de estudantes revelou um ganho muito maior que são as relações afetivas intercontinentais, construção de famílias, que se estabelecem produzindo novas formas de pertencimentos. Temas como emoções, gênero, raça e sexualidade são importantes para observar as narrativas sobre o amor, o feminino, diferenças culturais, valores e regras sociais diversas que atravessam as trajetórias dessas mulheres e de seus amores nos dois lados do Atlântico.
“Eu quero entrar no manto”: sofrimento e êxtase no pentecostalismo reteté
Autoria: Réia Sílvia Gonçalves Pereira (UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora)
Autoria: No artigo, apresento dados etnográficos de uma igreja pentecostal localizada em uma favela da cidade de Vitória, Espírito Santo. Com rituais caracterizados pela experiência de êxtase e de transe, a denominação pode ser considerada como pertencente a uma vertente do pentecostalismo reconhecida, em expressão de grupo, como “reteté de Jeová”. Para a etnografia, foi realizada observação participante em celebrações conhecidas como “campanhas de cura e libertação”, ou seja, rituais semanais, nos quais, os integrantes- na maioria dos casos, mulheres negras- verbalizavam situações aflitivas relacionadas ao encarceramento e a morte de filhos e demais parentes. Destaca-se a percepção do caráter sinestésico e sensorial de tais celebrações. Embora as situações de aflição e sofrimento fossem verbalizadas, percebi, por outro lado, um caráter sinestésico e sensorial, cujo prazer e alegria da experiência cerimonial também eram expressos. Tais manifestações sensoriais eram possibilitadas, segundo os participantes, pela manifestação do Espírito Santo, no que era chamado de “avivamento”, este, marcado por performances corporais, nas quais, os integrantes pulavam, dançavam, choravam, destacando aqui, novamente, o caráter emocional e sensorial. Argumento que a campanha de cura e libertação da igreja analisada reflete aspectos de contextos de sofrimento social. Assim, o ritual possibilitava a construção de uma narrativa, na qual a dor relatada, por meio do contato com espírito santo, tornava-se experiência sinestésica e extática. Destaco ainda uma associação entre opostos emocionais nas cerimônias observadas. Assim, aduzo a relação entre aflição e êxtase e sofrimento e euforia.
O “tempo da riqueza”: memória e saudosismo de ex-trabalhadores de uma empresa de mineração no Amapá
Autoria: Beatriz Cavalcante de Freitas (UNIFAP - Universidade Federal do Amapá)
Autoria: O estado do Amapá foi sede do primeiro grande projeto de mineração na Amazônia, no período de 1945 a 1997. Para garantir as bases de exploração do minério de manganês, a empresa Indústria e Comércio de Minérios S.A. (ICOMI) montou toda uma infraestrutura nas cidades de Santana e Serra do Navio, constituída de estrutura de produção e escoamento (áreas industriais, ferrovia e porto para desembarque) e vilas operárias com estrutura urbana (casas, ruas com asfalto, escolas, hospitais, supermercados, áreas de lazer e saneamento). Deste modo, além do salário, a empresa proporcionava condições em todos os aspectos da vida social. Os ex-funcionários da empresa atualmente cultuam a memória do tempo da mineração, através de postagens na internet, assim como realizam encontro anualmente. Com nostalgia, recordam o passado utilizando imagens de máquinas, objetos e pessoas do período em que trabalhavam na empresa, assim como frases sobre o passado, visto como um tempo em que “eram felizes”. Neste pôster pretendo apresentar resultados de uma pesquisa de iniciação científica, em que analiso as manifestações de saudosismo dos ex-trabalhadores na internet. Os dados foram coletados no perfil mantido pelo grupo no facebook, onde há postagens diárias. A análise pretende abordar as postagens, a partir das imagens e comentários, procurando compreender que sentimentos as pessoas manifestam em relação ao passado vivido no “tempo da empresa”.
“Tire seu preconceito do caminho, queremos passar com o nosso Amor”: maternidade, emoções e ativismo.
Autoria: Denilson Moraes Vieira da Cunha (UFPE - Universidade Federal de Pernambuco)
Autoria: Este work apresenta os resultados parciais da pesquisa que objetiva compreender as trajetórias emocionais das mães que compõem o Coletivo Mães Pela Diversidade (MPD) de Pernambuco, a fim de analisar as principais emoções compartilhadas e acionadas para que se constitua à militância política. O MPD tem atuado fortemente na militância LGBTQI+ em todo o país. O coletivo foi criado em 2015, no estado de São Paulo, e atualmente já se encontra presente em outros estados. É constituído de familiares, sobretudo por mães de gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros e travestis, algumas delas, tiveram seus filhos assassinados ou vítimas de agressões pela homotransfobia. Em decorrência de ser uma pesquisa exploratória, optou-se por um estudo de caso que possui como foco uma mãe integrante do grupo. A metodologia empregada é de perspectiva qualitativa a partir da combinação do work de campo, sob luz da teoria interacionista, com a etnografia partindo da premissa do ser afetado apresentada por Fravet-Saada (2005). Além disso, foi realizada uma entrevista narrativa com a interlocutora que é mãe de uma criança trans de 11 anos e que desde os 8 anos vive a transição de gênero acompanhada e amparada pela mãe. A compreensão dos processos sociais os quais as emoções são tomadas como categoria de análise estão presentes nas Ciências Sociais desde os estudos clássicos sobre expressão dos sentimentos como o produzido por Mauss (1981). Na Antropologia Social e na contemporaneidade, o interesse no luto, amor, cuidado, ódio, tem sido tema recorrente e possibilitado adentrar na tentativa de compreensão do todo social. Com isso, é de se pensar como a emergência de sentimentos se liga as estruturas sociais a ponto de revelar uma complexa teia para além de questões íntimas que perpassam problemas sociais como o racismo, machismo, a homofobia e a transfobia. Pode-se inferir, a partir da análise, que a existência do grupo constitui uma rede de apoio social em que as emoções são o fator determinante e o fio condutor para que se constitua à militância. É relevante indicar ainda que o processo de entrada no grupo provoca a insurgência de um“self” militante que redireciona os sentidos da maternidade que, embora ainda estejam ligados a concepções de afeto, cuidado e amor, assumem também o caráter de contestação política e social. Ademais, em diálogo com Vianna (2018), é possível perceber que os sentidos da maternidade, nesses contextos, servem também para uma legitimação moral e social. Por fim, é interessante ainda destacar como as emoções criam uma proximidade entre as mães, pois, é a partir da experiência de “revelação” do filho, que elas encontram mulheres participantes desse coletivo que passaram pela mesma situação e que são capazes de entender, acolher e instruir.