GT 07. Antropologia da Técnica
Coordenador(es):
Jeremy Paul Jean Loup Deturche (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina)
Júlia Dias Escobar Brussi (UFOPA - Universidade Federal do Oeste do Pará)
Sessão 1
Debatedor/a: Carlos Emanuel Sautchuk (UnB)
Sessão 2
Debatedor/a: Eduardo Di Deus (UNB - Universidade de Brasília)
Sessão 3
Debatedor/a: Fabio Mura (UFPB - Universidade Federal da Paraíba)
A 4ª edição deste GT busca dar continuidade às reflexões e discussões iniciadas na 29ª RBA, além de seguir contribuindo para a ampliação do interesse pelo tema e a consolidação desta área de estudos na antropologia brasileira. Quando tratamos de técnica no sentido maussiano, como « ato tradicional eficaz », é necessário, seguindo Sigaut, sempre lembrar que não temos acesso direto às técnicas em si. O que vemos são pessoas fazendo coisas. Nesse sentido, este GT tem um interesse particular nas mais diversas práticas e fazeres, que implicam na interação entre humanos e não-humanos (artefatos, plantas, animais, minerais e ambiente de modo geral) e envolvem habilidades, escolhas, hierarquias e transformações. Tais fazeres parecem ser uma chave importante para o entendimento das diferentes formas de se «estar no mundo », não dentro de uma ótica estritamente materialista, mas na perspectiva da produção de conhecimento, ou do habitar o mundo. A partir de uma abordagem dos processos técnicos se busca apreender como « se pensa com a mãos » e refletir sobre esses fazeres em sua dimensão social, inseridos em composições sociotécnicas e políticas complexas. Considera-se, assim, de grande relevância os trabalhos que dialoguem com essas temáticas e que privilegiem aspectos etnográficos e análise descritivas de processos técnicos.
Resumos submetidos |
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A prática skate no ambiente cidade e: técnicas, habilidades e fluxos. Autoria: Julio Cesar Stabelini (Laboratório de Imagem e Som em Antropologia LISA/USP) Autoria: O objetivo deste work é explorar algumas das dimensões da relação skatista/skate e do conjunto formado por eles com o ambiente a partir de uma etnografia (ainda em andamento) sobre a prática do skate na cidade de São Paulo. O ambiente da cidade, por sua vez, pensado não como algo pronto, disponível para ser ocupado, mas como algo que emerge de fluxos, práticas e técnicas, entrelaçadas em linhas e trajetórias diversas. Ao se deslocarem no ambiente da cidade, os praticantes do skate reconhecem e têm em mente conjuntos de espaços e de equipamentos urbanos que podem percorrer e fazer uso. Nesses percursos, constroem e desenvolvem habilidades e percepções como elementos interligados: a percepção como ação, como resultado da imersão no ambiente, e a habilidade técnica e perceptiva ligada à prática como resultado dos modos de engajamento dos sujeitos no mesmo. A prática do skate aqui é pensada como um meio que torna possível perceber uma cidade que só surge quando o corpo e o ambiente são mediados por um objeto com rodas, eixos e prancha, permitindo um deslizar pelas superfícies que constituem o espaço urbano, com suas arquiteturas e paisagens. E um ponto específico a ser explorado será a percepção acústica do ambiente, envolvida no engajamento do skatista na paisagem urbana.
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Aprendendo a ser mãe e dar leite, aprendendo a mamar e ser bezerro, aprendendo a tirar leite e ser criador Autoria: Joelma Batista do Nascimento (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina) Autoria: Porcher (2016) enfatiza que os processos domesticatórios são feitos com os animais. Despret e Michel (2016) proferem as relações de aprendizagens entre pastores e ovelhas pela qualidade de composição, de ensinamentos aprendidos junto e com os animais. Entre criadores de vacas leiteiras, em área rural pertencente ao município de Piancó, localizado no sertão paraibano, observei que a lactação gerava uma dimensão de relações técnicas-afetivas que emergiam num campo de aprendizagens que abrangia os bezerros, as vacas, os criadores e seus filhos, dentre as quais me proponho a explorá-la por intermédio de quatro interações: a) descida do leite; b) amansamento; c) observação e d) iniciação na lida com o gado. Na primeira, os bezerros mamavam por alguns segundos e soltavam o leite, para então, os criadores continuarem através das mãos e manipulação das tetas esvaziarem o úbere. Essas ações eram demarcadas por processos de aprendizagens que se instituíam pela afetividade da vaca com a cria e com o criador, permitindo que ele se aproximasse do bezerro, pelo toque e estimulação nas tetas, tanto do bezerro como do criador, e, pelo uso das cordas em suas patas trasseiras para evitar coices. No segundo, os bezerros aprenderiam também com o uso da corda a serem amarrados a mãe para não disputarem as tetas com o criador, e também a desacelerarem seu ritmo ao pisotearem nas cordas amarradas em seu pescoço e se estendendo ao chão na extensão de todo seu corpo. O terceiro e quarto estavam correlacionados a aprendizagens dos bezerros uns com os outros e da iniciação das crianças nos cuidados com o gado. Todas essas relações nos levam a pensarmos sobre as técnicas de criação como um campo de relacionamentos entre vaca/bezerro, bezerro/criador, vaca/bezerro/criador, bezerros/bezerros, bezerro/criador/criança e bezerro/criança, que se formam no íntimo de interações de aprendizagens com os animais, como sugerem os autores referidos.
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Aprendendo a “repelir o macaco” no taijiquan: técnica corporal, produção de pessoa e enskilment em uma arte marcial chinesa. Autoria: Gabriel Guarino Sant'Anna Lima de Almeida (PUC-RIO - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) Autoria: Nesta comunicação, apresento um debate acerca do taijiquan enquanto técnica corporal, a partir de um campo exploratório de minha pesquisa de doutoramento. Minha proposta é expor situações de aprendizado para propor uma descrição do processo de treinamento que dê conta de pensar os efeitos da prática na produção da pessoa e de uma cosmologia taoista com o corpo, junto às relações intersubjetivas entre aprendizes e mestres. Como uma prática corporal pode transmitir valores, conceitos e até um sistema de pensamento? Nos textos clássicos chineses, diz-se que o taoismo se aprende, no taijiquan, com o corpo – e não falando. Já no Ocidente, “fala-se muito e pratica-se pouco”, relata Jan Silbertoff, um dos primeiros não chineses a ser reconhecido na China como mestre de Chen Taijiquan. As situações de aprendizados descritas vêm de um campo exploratório, realizado ao longo de 2019, num curso de formação de instrutores de taijiquan no Brasil. Neste curso, assumi o lugar de aprendiz e pesquisador, numa observação participante situada, onde meu corpo e minha atenção são ferramentas aliadas à pesquisa. Quanto ao referencial teórico, dois autores e duas autoras fornecem elementos centrais: tomo como partida a noção de “técnica corporal” em Marcel Mauss; daí, caminho para a noção de enskilment proposta por Tim Ingold, que, em sua concepção ontegenética da habilidade, compartilha elementos com a teoria unificada da pessoa postulada por Christina Toren. Somadas às reflexões de Jean Lave acerca de aprendizado como/na prática, apresento o treinamento marcial como partida para diálogo produtivo com tais autoras e autores, ao analisar os elementos de atenção corporal engajados do treinamento marcial e melhor descrever este processo. A prática do taijiquan se dá pelo aprendizado de rotinas: movimentos e posturas de luta desarmada ou armada (com espadas e outras), executadas numa cadência lenta e constante, e que simulam um combate em intenções de ataque, defesa, esquiva e etc. Tais rotinas são nomeadas em referência a uma cosmologia de influência taoista e budista, tal qual o “Repelir o Macaco” mencionado. Utilizo essas situações de aprendizado para contrastar as noções de “técnica corporal” em Mauss e “desenvolvimento de habilidade” em Ingold. Como conclusões parciais de uma pesquisa em andamento, noto que os termos de Tim Ingold permitem pensar não apenas o treinamento marcial em si, enquanto processo de aprendizado, mas fornecem rendimentos para dialogar com questões acerca da relação cognição, corpo e mente nos termos da abordagem unificada de Christina Toren. Nesta linha, apresento o processo de treinamento como uma produção de pessoa a partir do corpo, onde cosmologia e cognição se dão em contiguidade com o movimento no ambiente.
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AS TRAMAS DA RENDA DE BILRO: mudanças, inovações e incorporações na técnica da renda de bilro de Raposa – MA Autoria: Ádilla Danúbia Marvão Nascimento (IFMA - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão), Benedito Souza Filho
Autoria: O presente work toma para objeto de análise as transformações ocorridas na produção artesanal da renda de bilro no município de Raposa, no Maranhão, considerando os fatores internos aos espaços de work das artesãs, a interferência de agentes externos e as repercussões dessas ações na atividade das artesãs que mobilizam essa técnica. O incremento do turismo e a intervenção de instituições exógenas contribuíram para alteração das relações de produção das mulheres que se dedicam à confecção de artefatos com a técnica da renda de bilro. Utilizando o aporte teórico da análise institucional e da antropologia da técnica, refletimos sobre as implicações da atuação de instituições exógenas que interferem na produção artesanal e nas alterações na técnica da renda de bilro. Assim, ancorado no work de campo antropológico procuramos dar conta das mudanças na produção (volume, desenhos e preço), circulação (agentes intermediários, feiras, mercados e lojas) e consumo (apreensão do gosto dos consumidores) desse artesanato tradicional, e também nas mudanças, inovações e incorporações verificadas na técnica da renda de bilro.
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COZINHAR PELO TERRITÓRIO: A Cosmologia do povo Xukuru do Ororubá (Pesqueira-PE) a partir de suas escolhas técnicas na alimentação Autoria: Fabrício Brugnago (UFPB - Universidade Federal da Paraíba) Autoria: A alimentação está na base cosmológica do povo Xukuru e intimamente ligada com sua territorialidade. Após o período conhecido como a época da fome no último século, no qual o povo Xukuru servia à fábrica de Peixe e tinha que sobreviver a vontade dos fazendeiros arrendadores de terra, reuniram-se em um processo decolonial pela busca de tradições de conhecimento alimentares para sobrevivência e pelo reconhecimento de sua territorialidade a partir das lutas pelas retomadas de terra.
Com a retomada de seu território a partir da demarcação, os Xukurus promovem atualmente um ciclo de reuniões periódicas de saberes sobre agricultura e alimentação Xukuru, na qual a ciência da visão das chuvas, as técnicas de plantação de sequeiro e as cozinhas como espaços de ritual de cuidado e cura são base da territorialidade promovidas na afirmação de suas fronteiras étnicas em fluxos de conhecimento. Como debatido por Barth, diversas estruturas organizacionais mesclam-se em constante interação e construção de conhecimentos, em diálogos internos, entre famílias e aldeias, e externos, com ONGs, o Estado e a própria população urbana de Pesqueira/PE pelas feiras livres e eventos.
Dentro do povo Xukuru existe o Centro de Agricultura Xukuru do Ororubá, que é um complexo sagrado de promoção de uma agricultura em uma cosmovisão de diálogo entre os troncos velhos, que é o conhecimento dos antigos e os seres encantados. Assim como descrito por Mura, o diálogo com os encantados e as técnicas e ações utilizadas no contexto socio-ecologico-territorial Xukuru estão totalmente interligadas entre mundo mágico, natural e social formando hierarquias de poder negociáveis politicamente, que a partir de escolhas técnicas geram as tradições de conhecimento Xukuru e ressignificam as cosmovisões. As escolhas técnicas são tomadas a partir de diálogos políticos com todos os seres do cosmos, seja através de rituais, sonhos, experiências sociais ou das manifestações encantadas na natureza. A cultura do encantamento traz a história humana, natural e mágica entrelaçada e, segundo os Xukurus, expressada em suas sementes. As sementes velhas, que são as sementes tradicionais, passam pelo processo de individuação, assim como dito por Simondon, representando as linhas de vida e a história em processo de todas as técnicas cosmológicas empregadas, trazendo à tona a individualidade do processo em relação com o ser Xukuru. Sua expressão no coletivo é projetada a partir do cotejamento das sementes de cada agricultor, que assim como dito por Ingold, entrelaçam suas linhas de vida com a territorialidade, gerando os frutos e as sementes que conectam as gerações Xukuru.
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Cozinheiros em ação – técnicas culinárias e ações cotidianas Autoria: Nicole Weber Benemann (UFPEL - Universidade Federal de Pelotas) Autoria: Cozinheiros e cozinheiras profissionais interagem cotidianamente com coisas fundamentais como animais, plantas e cogumelos. Além disso, manipulam elementos primordiais como o fogo, a água, terra e ar. Cozinhar situa hábeis profissionais em um lugar muito particular, em que encaram de um lado o mundo natural e do outro o social. O cozinheiro se encontra justamente entre a natureza e a cultura, conduzindo um processo de tradução, negociação e transformação, em que alimento se torna comida. Tanto a natureza quanto a cultura são transformadas pelo work. O work, por sua vez, inclui uma série de maneiras de fazer apresentadas em um conjunto de práticas combinatórias de ações conduzidas na relação entre um saber corporificado e técnico. Essa proposta pretende, por meio da pesquisa de doutorado de cunho etnográfico em andamento, apresentar de perto e de dentro as atividades cotidianas de cozinhas profissionais e as reflexões parciais sobre o fazer culinário nesses ambientes partindo da análise das práticas cotidianas da equipe de cozinha.
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Em busca da pirodiversidade: técnica, vida e políticas do fogo no Jalapão (TO) Autoria: Guilherme Moura Fagundes (UNB - Universidade de Brasília) Autoria: A partir da emergência de novos paradigmas científicos e políticos de manejo do fogo, o combate aos incêndios florestais passa a dividir a cena com técnicas de queimas que buscam promover a pirodiversidade. Em sua acepção ecológica, um regime pirodiverso é aquele cujas áreas queimadas expressem uma ampla variação de formatos, tamanhos, intensidades, temporalidades, dentre outros fatores que retratam o comportamento do fogo. Para atingi-lo, o primeiro desafio de gestores ambientais e demais manejadores de áreas protegidas consiste em realizar queimas prescritas para evitar a ocorrência de grandes incêndios florestais que homogeneízam a paisagem.
Esta apresentação examina justamente os dispositivos necessários para alcançar a pirodiversidade. Parto de uma etnografia desenvolvida junto a quilombolas, brigadistas, gestores ambientais e ecólogos na Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins, região do Jalapão (TO). Este problema será examinado através de uma articulação entre seus componentes técnicos (modos de ação do fogo), vitais (ciclos de regeneração) e políticos (disparidades e acordos em torno da intensidade de queima). Meu objetivo consiste em demonstrar como as habilidades e percepções necessárias para a produção da pirodiversidade tencionam a narrativa moderna de controle tecnopolítico da “natureza”.
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Liberta DJ! Técnica e economia musical no funk carioca Autoria: Dennis Novaes Saldanha Côrtes (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro) Autoria: O presente work propõe uma abordagem histórica sobre como os DJs do funk carioca exerceram sua arte em diferentes momentos, considerando as artes como “componentes de um vasto e às vezes irreconhecível sistema técnico, essencial para a reprodução das sociedades humanas” (Gell 1999, 163 [tradução livre]) Ao fim de nossa exposição seremos capazes de entender não só como as técnicas dos DJs se transformaram ao longo do tempo, mas também como elas se conectam às mudanças nos aparatos necessários para a atividade destes artistas, moldando o papel que os DJs ocuparam e ocupam no mundo funk. Os elementos necessários para medir a maestria técnica de um DJ nem sempre foram os mesmos. Além disso, os critérios que os DJs levam em consideração ao avaliar seus colegas não são iguais aos que o público em geral observa. Isso ocorre porque há uma diferença entre o conhecimento dos DJs e do público. Em certo sentido é justamente tal desequilíbrio acerca do conhecimento técnico que habilita o artista a encantar os ouvintes. É a partir dele que o artista pode operar a sua “tecnologia do encantamento” (Gell 1999, 172). Este capítulo irá traçar as mudanças em algumas destas técnicas ao longo do tempo e como elas se relacionam com os diferentes contextos históricos e sociais dos quais participam e intervém. O nosso ponto de chegada, ao fim desta exposição, será compreender como os DJs do funk carioca alcançaram tal papel de proeminência a ponto de mobilizarem milhares de fãs no movimento recente conhecido como 150BPM.
Este work é fruto de seis anos de pesquisa em favelas cariocas. Parte deste período – mais especificamente nos anos de 2017 e 2018 – morei na Cidade de Deus, favela localizada na Zona Oeste do Rio de Janeiro e conhecida como um dos principais centros de produção e fruição do funk. Ao longo de dois anos naquele território, pude estabelecer uma rede de relações ainda mais intensa com MCs e DJs e me tornei músico colaborador de um dos principais estúdios da Cidade de Deus, a Malibu Produções, coordenada pelo DJ Bel. Juntos, produzimos músicas para diferentes artistas com destaque para a música Como é bom te amar que ganhou clipe pela produtora de vídeos KondZilla. Esta experiência, baseada na observação participante, me levou em busca de um arcabouço teórico capaz de compreender a relação entre técnicas de produção musical e sociabilidades em favelas, culminando em minha tese de doutorado intitulada Nas redes do Batidão: técnica, produção e circulação musical no funk carioca. De que modo as técnicas interferem na economia política do funk carioca? De que modo as transformações nas redes de produção circulação e consumo conformam novas técnicas artísticas? Estas serão algumas perguntas que nortearão esta exposição.
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Mãos Cérebro Coração: Materiais, Corpo e Técnica no Ofício da Montagem Cinematográfica Autoria: Pedro Afonso Branco Ramos Pinto (UNB - Universidade de Brasília) Autoria: “I think editors don’t get a lot written about them because it’s not easy to explain what we do”, relata a montadora Anne Coates. “It’s what we feel. An instinct”. Como, então, estudar o work de montagem a partir de uma ótica da antropologia da técnica? Começo considerando o lugar da técnica no exercício de um ofício cuja maestria depende, segundo muitos praticantes e estudiosos, menos de conhecimentos teóricos ou de um grau satisfatório de desenvoltura no manuseio de ferramentas do que da disponibilidade de um conjunto de qualidades e talentos tidos, em diferentes medidas, como inatos. Para resolver essa dicotomia, estudo a prática de montagem a partir da noção de "skill" (Ingold 2000; 2001), que aponta para o encontro entre –de um lado– uma gama de materiais que, longe de serem inertes e infinitamente maleáveis, “have properties of their own and are not predisposed to fall into the shapes and configurations required of them” (Ingold & Hallam 2007:4), e –de outro– pessoas empenhadas em lançar mão do máximo de habilidades e aptidões na tentativa de persuadir esses materiais a fazerem o que elas querem que eles façam. Entre montadores, diz-se frequentemente que os materiais fílmicos são imbuídos de vontade própria durante seu percurso de transformação em filme: “experienced editors talk about the material telling them how it wants to be edited” (LoBrutto 2012:66). Seguindo esta linha, proponho uma reflexão centrada na ideia de que as qualidades dos materiais fílmicos não lhes são intrínsecas, mas emergem relacionalmente durante o processo de montagem (Ingold 2007). Uma apreciação etnográfica do work de montagem indica que este compreende um emprego mais ou menos disciplinado do corpo e se desenrola, portanto, em estreita relação com suas potências e limitações singulares. Como aponta a montadora Carol Littleton, “I’m not a computer. But I do manipulate the film with my hands and my brain and my heart”. Este estudo do ofício do montador me leva a sugerir que há uma certa postura (Bertou 2008) em relação ao work de montagem capaz de o imbuir de potencial educativo e, portanto, antropológico (Ingold 2018). Para citar o montador Ricardo Pretti, “a montagem não se resume a uma manipulação de imagens e sons, ela é antes uma educação com imagens e sons em constante fluxo, onde nunca se sabe exatamente o ponto de partida e nem o ponto de chegada”. Durante o processo de montagem, o montador é convocado a embarcar prática, intelectual e afetivamente –com suas mãos, seu cérebro e seu coração– em linhas de inquérito fundamentalmente abertas e especulativas através da correspondência (Ingold 2016) com os materiais fílmicos e, por intermédio deles, com o mundo e a flagrante infinidade de suas possibilidades.
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Mexer para não transbordar: etnografando receitas para uma tecnogenese social do sabão de bola. Autoria: Gleidson de Oliveira Moreira (UFG) Autoria: Mesmo submetido às inovações químicas e físicas da indústria saporífera, o sabão de bola, massa artesanalmente feita para arear, limpar e lavar continua resistindo ao tempo e espaço. Frente ao exposto, o objetivo deste texto é explorar como um artefato tão efêmero tem durado tanto diante a eficácia das versões mais modernas do sabão industrializado. Para tal, etnografamos receitas das mestras artesãs da Cidade de Goiás – GO, buscando nos “saberes remotos” (CERTEAU, 1993), o estatuto dos objetos. Para fazer o sabão de bola, não basta dominar as técnicas (SIMONDON, 1989) ou misturar mecanicamente os ingredientes, é necessário perceber como estão congregados e em transformação os elementos da feitura (matérias-primas, baldes, tachos, colheres de madeira, formas...), afinal o sabão de bola é atravessado por fluxos vitais (INGOLD, 2012), uma coisa contendo outras, por isso, não é um artefato estático ou morto. Nesse sentido, adotamos como metodologia para essa pesquisa as rodas de memórias, a expectativa é recuperar a partir da memória afetiva de algumas das artesãs, os saberes fazeres ancestrais envolvidos nas receitas e organizados em cadeias operatórias, o que nos revelou um artefato atravessado por cosmologias, aspectos sociais e culturais, suscitando um estudo da tecnogênese social do sabão de bola (COUPAYE, 2017), ou seja, como o social está mediado pela técnica.
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No curso das várias águas: corpo, materialidade e técnica no agreste pernambucano Autoria: Marcela Rabello de Castro Centelhas (Colégio Pedro II) Autoria: Neste work procuramos etnografar os modos como as pessoas usam, classificam, pensam e fazem circular as águas em uma comunidade rural do agreste pernambucano. Seguir o curso das águas, suas formas de gestão, uso e classificação, mostrou-se um caminho possível para colocar em relevo a relação, sempre ambígua e tensa, entre práticas e discursos estatais e modos de manejo locais. Nossa pesquisa parte do interesse em sistematizar alguns desdobramentos de políticas sociais que promovem o acesso à água neste lugar nos últimos vinte anos, em especial aquelas compreendidas sob a noção de "convivência com o semiárido". À medida que o work de campo foi se adensando e significando uma maior inserção no cotidiano dessa comunidade, suas condições de realização implicaram em atentar cada vez mais para as águas cotidianas e para suas técnicas e práticas de certa forma mais “naturalizadas”. O direcionamento do olhar para essas dimensões nos fez distanciar de uma abordagem muito comum aos works que enfocam a disponibilidade das águas na região, que as tomam como um recurso finito, inscrito na díade abundância/escassez e com características físico-químicas invariáveis. Ao pensar as águas em termos de sua multiplicidade, de características sensoriais, qualidades, efeitos e relações com/nos corpos e coletividades, nos propomos a analisar como elas, suas trocas, materialidades e técnicas atravessam e colocam em relação esferas aparentemente distintas e desconexas, desde políticas públicas para o seu acesso, dinâmicas associativas e comunitárias, até processos de configuração de casas, famílias e corporalidades. Levando em conta que o uso das águas implica na sua distinção, na hierarquização das pessoas e coletividades e na conformação de works e atribuições generificadas, é possível pensar as águas como fios condutores de conflitos, julgamentos morais, situações de prestígio/humilhação, práticas de cuidado e formas de apresentação pública dos corpos.
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Nossa comunidade é artesã: identidade, território e ambiente no Alto do Moura Autoria: Darllan Neves da Rocha (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro) Autoria: Reconhecida através do Mestre Vitalino e como importante centro de artes figurativas do Brasil, a comunidade artesã do Alto do Moura (Caruaru/PE) se caracteriza pela atividade de produção de peças em barro através de três tradições de conhecimentos técnicos como modos de fazer: utensílios domésticos, bonecos de barro e bonecas. A partir do processo de patrimonialização, conflitos de interesses entre grupos domésticos, novos atores e expansão de empreendimentos capitalistas (especulação imobiliária e expansão industrial), motivaram duas reivindicações sociais do grupo: a identidade e ao território.
O problema entre as questões de identidade e do processo de ocupação territorial refere-se que o caso da comunidade artesã do Alto do Moura não se configura como nenhum caso previamente abordado, como comunidade tradicional artesã vinculada a partir do conhecimento tradicional técnico. A legislação brasileira prevê algumas categorias de territórios que contemplem a diversidade cultural nacional e os distintos processos de territorialização, porém, em todas previstas o caso proposto se diferencia por alguma característica fundamental.
Assim, para o caso apresentado importa ressaltar a dimensão ambiental na perspectiva da técnica, como noções de ambiente interno e ambiente externo desenvolvido por Lerói-Gourhan (1994) ao caracterizar ambiente técnico. O ambiente interno formado pelo grupo técnico e a organização social, enquanto que o ambiente externo contempla as dimensões políticas, naturais e as relações com outros grupos sociais, cujos produtos técnicos se interpõem entre ambos os ambientes. Nesta perspectiva, a influência do meio ambiente é fundamental para compreensão da formação e desenvolvimento técnico, do saber fazer em barro, cujas disponibilidades de materiais básicos e condições ambientais possibilitam determinado desenvolvimento.
Destarte, partindo da negação em buscar enquadrar realidades sociais em categorias previstas e seguir a etnografia como elemento reflexivo e motivação para problematização, ampliação ou refutação de categorias científicas pré-estabelecidas, tais como conceitos de ‘sustentabilidade’, pois a queima da lenha para queima das peças é considerado agressivo ao ambiente, e de ‘subsistência’, considerando que a necessidade da produção de peças de barro não está associada ao fim imediato para consumo e de sobrevivência. Assim, a dimensão do ambiente, superando a dualidade de contraposição entre natureza e cultura e contemplando os aspectos sociotécnicos, e as relações de poder são pontos centrais para compreensão da identidade da comunidade artesã e seu processo de territorialização.
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O drama do VAR: transformações técnicas na figura do árbitro Autoria: Victor Ramos Freire (UNB - Universidade de Brasília) Autoria: Este artigo busca revisitar certos dados e reflexões colhidos e produzidos outrora, com o intuito de produzir novas chaves e análises a luz de outras contribuições bibliográficas, metodológicas e etnográficas. O tema a ser revisitado é a introdução e regularização do árbitro de vídeo (ou VAR, sigla em inglês para video assistance referee) no futebol profissional a partir da Copa do Mundo de 2018 na Rússia até sua introdução plena no Campeonato Brasileiro de 2019. O foco desta ampla temática será nos dados já colhidos durante o período da Copa de 2018 para meu primeiro work sobre o VAR , no qual escolhi adotar a divisão de Toledo (2000) – profissionais, especialistas e torcedores – com o principal objetivo de colocar em perspectiva a diversidade de opiniões destes grupos em torno da tecnologia do árbitro de vídeo e suas apropriações pelos diferentes grupos. Isso foi possível por meio da análise de documentos, de mesas-redondas transmitidas na televisão (aberta e fechada) e mediante opiniões e reações de torcedores que acompanhavam a Copa em estabelecimentos de Brasília. Há também dados mais recentes como textos opinativos da internet, debates em mesas-redondas e algumas situações de jogo onde o VAR foi acionado. A partir desta revisitação e deste levantamento de dados, buscarei novas leituras e proposições teórico-metodológicas, me embasando, principalmente, em uma bibliografia selecionada do campo que se convencionou chamar de Antropologia da Técnica. A proposta aqui é colocar em diálogo um amplo escopo de autores com o intuito de estabelecer uma conexão desta temática com a Antropologia da Técnica. O primeiro passo é uma reflexão a partir da relação da introdução do VAR e das modificações e readaptações que ele causa. Isto será enfocado com o conceito de drama tecnológico (PFAFFENBERGER, 1992), para entender discursos, contra-discursos e valores que compõem a problemática. Em seguida, retomo os dados e os debates teóricos de outros works para estabelecer uma discussão mais propriamente etnográfica da relação entre televisão, futebol, arbitragem e VAR. Aqui me apoiarei em Blociszewski (2001), Sautchuk (2014) e Freire (2019).
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O laço e a tatuzeira: técnicas de caça e reflexões éticas no sertão cearense Autoria: Jorge Luan Rodrigues Teixeira (UVA - Universidade Estadual do Vale do Acaraú) Autoria: Esta comunicação objetiva discutir o uso e os significados atribuídos a duas armadilhas de caça no sertão cearense: o laço e a tatuzeira. Embora trate brevemente de alguns aspectos da confecção de tais armadilhas, o foco do work é o processo técnico da prática venatória em si, assim como as ambiguidades e reflexões éticas propiciadas por aqueles dispositivos. O work de campo que subsidiou a escrita deste work foi realizado em dois períodos diferentes (em 2013 e entre 2015 e 2019) em diferentes localidades rurais de dois pequenos municípios do Sertão dos Inhamuns. Os interlocutores, todos eles do sexo masculino, são ‘moradores’ (trabalhadores rurais agregados) e pequenos proprietários rurais que têm na caça uma forma de lazer e de sociabilidade, mas que, sobretudo em um ‘tempo de antigamente’ marcado pelo sofrimento e pela pobreza, conta(va)m decisivamente com as matas e seus tatus, pebas, veados, codornizes, jacus, etc., para alimentar as suas famílias. Pode-se dizer que, de forma geral, os sertanejos com quem estudei lançam mão de três grandes técnicas cinegéticas: a caça (1) por ‘perseguição’ com cães (a mais praticada), (2) por ‘espera’ fazendo uso de espingardas e (3) com armadilhas. Entretanto, essa classificação é mais complexa do que fiz ver, pois, por um lado, o uso de uma técnica específica pode suscitar ou exigir o emprego de outra(s): caititus, por exemplo, são caçados na companhia de cães, de espingardas e, eventualmente, de lanças improvisadas. Por outro lado, os encontros, seja em uma caçada ou não, com diferentes bichos e seus ‘vestígios’, ‘rastros’ e ‘passagens’ podem ensejar futuramente o emprego de armadilhas como a tatuzeira e o laço. Enquanto a primeira é uma “armadilha de recipiente” (nos termos de André Leroi-Gourhan) utilizada para capturar vivos tatus e tatus-pebas, o segundo é empregado para capturar veados e leva, inevitavelmente, à sua morte. Em um primeiro momento da comunicação, descrevo o processo venatório que faz uso de tais armadilhas com especial atenção para as interações entre esses artefatos, os humanos, os animais e o ambiente. Em seguida, partindo de reflexões de diferentes caçadores, discuto as controvérsias sociotécnicas e os dilemas éticos suscitados por tais dispositivos, seja em razão do seu mal funcionamento, da ‘velhaquice’ de alguns espécimes caçados, do seu uso excessivo, ou mesma da displicência dos caçadores no trato com os ‘ bichos brutos’. Por fim, cabe ressaltar que este work é um exercício exploratório de diálogo entre a Antropologia da Técnica e a Antropologia da Ética.
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O que é o especial do café? Uma análise das lógicas de uso das técnicas utilizadas na colheita do café e seu acionamento discursivo nos chamados “cafés especiais” Autoria: Lidia Maria Reis Torres (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas) Autoria: O Brasil é o maior produtor de café do mundo, em linhas gerais, isto significa que o grão está atrelado não só às paisagens geográficas do país, mas também aos seus aspectos políticos, econômicos e sociais. Recentemente, pesquisas apontam para o crescimento do consumo e, consequentemente, da produção dos chamados “cafés especiais” no mercado brasileiro. Algumas das principais marcas de cafés, por exemplo, têm lançado linhas de “cafés especiais” que ressaltam a participação das mulheres na produção daqueles grãos que estão sendo ali comercializados, e destacam como isto diferencia o produto frente aos demais. Outras linhas, além de destacar que o “cuidado feminino” com o café é um diferencial, também ressaltam que o café é diferente por ser fruto de work manual.
Esta apresentação é decorrente de uma pesquisa de mestrado, ainda em elaboração, desenvolvida na área de Antropologia Social na Universidade Estadual de Campinas. No artigo, procurarei analisar os papéis de gênero por trás da colheita do café em fazendas do sul de Minas Gerais, e o farei metodologicamente através da descrição das técnicas utilizadas na colheita. O objetivo não é seguir as técnicas em si, mas entender suas lógicas de uso e articulações com outras categorias sociais, como gênero, corporalidade e mobilidade, por exemplo.
Para Milton Santos, a principal relação entre o homem e o meio é a técnica. Para o autor, dentre vários pontos levantados em seus works, com a técnica, os homens também criam espaços geográficos, quase sempre desiguais. Ele destaca ainda que as técnicas são uma medida do tempo, por exemplo, na divisão territorial do work. Em works de campo recentes, pude perceber que a maneira com que homens e mulheres se organizam na colheita do café é diferente e fluida. Já que entre mulheres migrantes e não migrantes também é diferente a maneira de trabalhar, desde a escolha de seus instrumentos de work até à maneira de usá-los. Não foram poucas as falas das mulheres apanhadoras de café que me disseram que a escolha dos instrumentos de work, das fazendas em que escolhem trabalhar, variam entre àqueles que doem menos o corpo ou que dão à elas maior autonomia.
Como na colheita do café, corpos se organizam, se diferenciam, trabalham, e como tudo isso é perpassado e pode ser observado através das técnicas de work utilizadas na colheita? Como com o crescimento dos “cafés especiais” às vezes as técnicas são acionadas para caracterizarem o produto, como por exemplo, dizendo que o work é totalmente feminino, ou manual? Como técnica, tempo, corpo e a criação de espaços geográficos se relacionam? São algumas das perguntas a serem desenvolvidas na apresentação deste work.
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Processos técnicos e plantas entre os povos do alto Rio Negro Autoria: Lorena França Reis e Silva (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina) Autoria: Este artigo apresenta resultados parciais da minha pesquisa de doutorado desenvolvida no Alto Rio Negro (noroeste amazônico - AM) com enfoque nos sistemas alimentares dos povos indígenas da região, com abrangência em diferentes calhas de rios e grupos indígenas. A pesquisa tem levantado uma ampla diversidade de processos técnicos entrelaçados com os saberes tradicionais, especialmente vinculados ao universo dos vegetais. Nesse artigo escolhi descrever quatro processos, sendo dois advindos da produção da mandioca e outros tubérculos da roça, e dois da combinação de frutos cultivados em diferentes espaços com os subprodutos da mandioca: 1) o destilado alcóolico, produzido a partir do caxiri, na região de fronteira Brasil – Colômbia, no alto rio Ayari, 2) a farinha de massoca –feita da mandioca mas com granulação super fina, que se diferencia da farinha d’água amazônica, 3) o marapatá, elaborado da mistura do caroço de umari e da goma de mandioca, e 4) a “manteiga” preparada com a fruta pacua caaatinga, consumida no beiju. Essa pequena amostra de elaboração de técnicas, artefatos e produtos, bem como as formas de consumo alimentar, indicam uma diversidade de saberes interconectados, que compõem a imensa rede de troca partilhada por diferentes grupos étnicos do Alto Rio Negro.
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Sobre parir e ver parir: Estudando partos naturais através de uma abordagem antropológica das técnicas. Autoria: Tayná Teixeira Chaves Trindade (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina) Autoria: Esta é uma reflexão sobre práticas e técnicas envolvidas em processos de parir e de ver parir, realizada com mulheres que optam pela experiência do parto natural, e com profissionais que dão suporte a elas.
O objetivo central do estudo é compreender a eficácia do parto natural para os envolvidos, e como ela se constitui. Eficácia é entendida aqui como consta no conceito de ato técnico formulado por Marcel Mauss. Compreende-se que ao praticar uma técnica o sujeito espera alcançar objetivos que não estão limitados a efeitos materiais. Portanto, esta pesquisa está atenta ao que as pessoas fazem, a como fazem, e ao que querem com aquilo que fazem.
A vivência etnográfica indicou que as gestantes passam por um complexo processo de escolhas técnicas, e um também complexo processo de aprendizado. Ambos se entrelaçam, e sofrem interferências de diversas variáveis. Estes processos, assim como as ações das profissionais em seu acompanhamento, são estudados através de uma específica abordagem antropológica das técnicas.
É perceptível que as mulheres aprendem técnicas do corpo para parir. No entanto, elas também aprendem técnicas voltadas ao florescimento de um “saber em movimento”. Junto com as profissionais, descobrem como “dar espaço” a um pensamento diferente daquele que consideramos usual. Um pensamento que sempre implica movimento. Também está em evidência a importância do ambiente, do envolvimento pessoal e da distribuição do poder nos processos de parir. Uma condição colocada pelas mães surge como essencial: elas querem que seus partos sejam sua propriedade. O estudo demonstra que esta noção de propriedade do parto está diretamente relacionada à questão do ritmo.
Por quase um ano, caminhei e convivi com estas mulheres, e assim o estudo se deu. A dissertação, manifestação textual da pesquisa, será contada como uma história. A história da minha jornada entre mulheres que querem parir e ver parir. É um experimento narrativo. Uma tentativa de explorar novas formas de criação. Neste caso, uma escrita que corrobora com a perspectiva teórico-metodológica e flui com ela.
Encerro este resumo informando o referencial teórico-metodológico básico desta investigação. Ele é formado por Marcel Mauss (1950), Pierre Lemonnier (1993), Tim Ingold (2010), Tim Ingold (2015), Maxine Sheets-Johnstone (2011) e André Leroi-Gourhan (2002).
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Técnicas tradicionais na produção de cachaças no Brasil: mediações entre humanos e não-humanos. Autoria: Djanilson Amorim da Silva (UFPB - Universidade Federal da Paraíba) Autoria: A proposta do artigo é apresentar a diversidade de técnicas utilizadas por produtores de cachaças, em condições de informalidade, na produção em pequenos engenhos espalhados pelo território brasileiro. Da medição do teor alcoólico, passando pelo controle da quantidade de sacarose, dos critérios e insumos da fermentação, até os meios de armazenamento, comercialização e consumo praticados no país, tudo é feito por uma complexa mediação entre o corpo do especialista e os materiais com os quais trabalha. O work é fruto de tese de doutorado em antropologia sobre produção, circulação e consumo do destilado brasileiro. A partir da descrição detalhada dos processos presentes na produção, discuto a eficácia de práticas tradicionais na feitura de cachaças ditas "artesanais". No atual contexto de ressignificação da cachaça como "patrimônio nacional", apresento formas tradicionais de produção de cachaças em uso no Brasil que problematizam as supostas "maneiras corretas" de produção.
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Tecnologias de Construção Xukuru do Ororubá. Autoria: Daniel Bernardo Rocha Guimarães de Souza (UFPE - Universidade Federal de Pernambuco) Autoria: Este work traz notas de pesquisa provenientes de dados etnográficos experienciais sobre as tecnologias de construção do Povo Indígena Xukuru do Ororubá localizado no agreste pernambucano, com os quais venho realizando works a partir da pesquisa ação desde 2015, auxiliando na materialização do processo de revitalização e ressignificação de suas tecnologias devido a reelaboração da identidade étnica (OLIVEIRA, 1999) iniciada a partir da retomada do território que ocorreu entre os anos de 1990 e 2005.
O contexto histórico e cultural do povo indígena Xukuru do Ororubá é marcado pela fricção interétnica (OLIVEIRA, 1976) devido ao processo de colonização iniciado no final do século XVI (SILVA, 2007), a gradual expulsão de seu território ancestral e a dominação que forçou o distanciamento da prática de seus conhecimentos tradicionais, como a promulgação do Diretório Pombalino ainda em 1757 que, entre outras coisas, proibiu a fala da língua mãe e os obrigavam a deixarem as suas habitações coletivas para construírem casas individuais com quartos separados para as suas famílias (ALMEIDA, 1997)
Neste sentido, utilizando-se do conceito de Portocarrero (2010), em que as tecnologias compreendem as formas, materiais e métodos construtivos, informações que foram trazidas pelo encantado da Jurema Branca, incorporado em um médium, durante o ritual do toré e informou que “aquela construção era para ela”, e que “a mesma deveria ser como uma oca igual à que os antigos moravam”, complementou dizendo que deveria ser “de formato circular, paredes de taipa com pedra e coberta de palha, barro e palha por cima, para proteger da chuva e dos invasores”, o que aconteceu em uma das construções que ocorreram no processo desta pesquisa nomeada de Casa dos Ancestrais.
A partir da ecologia dos saberes (SANTOS, 2002) buscou-se resolver os detalhes construtivos a partir das soluções trazidas pelos os mestres e ferramentas existentes no local, as construções foram realizadas em formato de mutirão nos quais indígenas de diversas aldeias do território participaram do processo, para realizar o tapeamento, cobertura da estrutura de madeira com terra, foram convidados os alunos concluintes do ensino médio da escola da Vila de Cimbres que participaram juntamente com os mestres “mais velhos”.
Este processo de retomada das tecnologias de construção Xukuru do Ororubá faz parte do projeto de futuro do povo que é a busca pelo “Bem Viver Xukuru” que está inspirado no mundo dos velhos no qual os encantados, os ancestrais que já fizeram a sua passagem, estavam vivos. Essas tecnologias são realizadas a partir dos conhecimentos tradicionais e suas ressignificações, devido as necessidades construtivas contemporâneas e são realizadas pelos mestres da tradição que dominam esse saber fazer.
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“Arqueologia dos Vivos”: as técnicas de atração, pacificação e de proteção dos índios isolados Autoria: Clarisse do Carmo Jabur (UNB - Universidade de Brasília) Autoria: Esse work faz parte de um projeto maior, com o objetivo de analisar o relacionamento social, cultural e político entre os povos indígenas isolados e os indigenistas representantes do Estado, o qual consideraremos como engendrado com uma comunicação própria, não verbal e mediada a partir de objetos, gestos e movimentos na paisagem.
Diferente da abordagem etnológica clássica (Viveiros de Castro, 1999), consideraremos o processo de contato entre povos indígenas e representantes do Estado como um sistema sociotécnico (Pfaffenberger, 1992:493), composto por técnicas oficiais, normatizadas e institucionalizadas de relacionamento com os índios isolados, de atração, pacificação e de proteção. Pretendemos explorar a transformação desse sistema sociotécnico a partir das mudanças ocorridas na política indigenista oficial sobre os povos indígenas isolados.
As técnicas, apesar de possuírem normas e regras, possuem um grande espaço para o improviso frente às várias contingências. Assim, também propomos ressaltar o caráter diverso da aplicação dessas técnicas. Ou seja, mesmo técnicas semelhantes foram aplicadas de maneira sempre singular, pois cada processo de contato é único.
Pretendemos identificar, em diferentes processos de contato, regras e mecanismos estabilizados e passíveis, portanto, de serem comparáveis mapeando e analisando os fios desse emaranhado através das relações existentes entre os objetos do contato, os sertanistas e os índios. Essas relações serão lidas inspiradas em Ingold (2012), concebendo esse fluxo como um continuum de relações.
Os objetos desempenham um papel central como mediadores das relações entre os povos indígenas e os sertanistas: tanto os objetos utilizados para atrair e os índios isolados, quanto os artefatos deixados pelos índios para os sertanistas. Esses objetos do contato podem ser examinados como “artefatos sociotécnicos” que propiciam uma comunicação não verbal durante a execução das técnicas de atração, de pacificação e de proteção. São objetos potentes que pacificam e/ou que hostilizam, trazendo à tona as relações que pretendem ser estabelecidas.
Para fins analíticos, compararemos duas fases do desenvolvimento da política indigenista brasileira: 1ª fase) 1917-1986 - era rondoniana das atrações e das pacificações; e 2ª fase) 1987 - dias atuais – as mudanças na política de proteção aos povos indígenas isolados. Conceber o processo do contato como um sistema sociotécnico deve ampliar o escopo de visão sobre o relacionamento entre os sertanistas e os índios isolados.
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Criar suínos e criar porcos: práticas locais e a inserção de sistemas industriais entre agricultores do Médio Alto Uruguai gaúcho Autoria: Sílvia Maria Poletti (UFFS - Universidade Federal da Fronteira Sul) Autoria: Por que agricultores integrados ao sistema industrial de suínos continuam criando porcos? A paisagem que nos cerca em pequenas cidades rurais da região noroeste do Rio Grande do Sul é a de grandes pavilhões, chamados de chiqueirões, que possibilitam por meio de instalações robotizadas o cuidado de milhares de suínos. O ambiente ao redor das estruturas abriga uma diversidade de animais e plantas, entre eles os porcos que são menos de meia dúzia, criados junto das galinhas e bezerros eles mantém um lugar exclusivo dentro de casa onde se deixa os restos de comida humana para alimentá-los. Milhares de suínos se encontram numa curta distância dos porcos caseiros, ambos pertencentes à mesma família de agricultores que criavam seus animais para consumo familiar e viram uma boa oportunidade de crédito para iniciar um work com empresas suinícolas. O curioso é que após erguer o galpão, receber os animais e ter a possibilidade de ficar com alguns para consumo próprio ao final do work, os agricultores ou já tem os seus porcos crioulos, ou aceitam da empresa e os criam de sua maneira por mais algum tempo, assim fazendo cruzas genéticas e os transformando em porcos guachos, ou ainda, somente os ‘limpando’ com as lavagens (restos de comida humana). Este work aborda as condições pertencentes ao modo-de-criar porcos e o modo-de-criar suínos, a partir do ambiente de relações multiespecíficas no cotidiano de agricultores do Médio Alto Uruguai gaúcho. A pesquisa acompanha agricultores que se integraram a criação industrial de suínos há menos de duas décadas, e visa refletir sobre as transformações suscitadas pela nova técnica de criação e a insistência com a permanência do jeito de criar porcos. Buscaremos compreender a assimilação, por parte dos agricultores, das novas coordenações advindas do mercado agropecuário diante das práticas de criação local característica do campesinato imigrante. Em consonância com os estudos da antropologia da técnica e das relações multiespecíficas, o artigo pretende investigar a dicotomia tradicional e industrial, aprofundando o debate em torno da introdução e disseminação da suinocultura no interior do Rio Grande do Sul. Buscamos interpretar o conflito ontológico que incide no saber local versus o interesse global, e a possibilidade de reprodução da biodiversidade doméstica na agricultura de base familiar na condição de inserção do regimes industrial de domesticação.
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