GT 06. Antropologia da Economia

Coordenador(es):
Arlei Sander Damo (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Gustavo Gomes Onto (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)

Sessão 1
Debatedor/a:
Lúcia Helena Alves Müller (PUCRS - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul)

Desde o nascimento da nossa disciplina os intercâmbios de objetos e riquezas, mediados ou não pelo dinheiro, as formas de valoração e de provimento das condições materiais de continuidade da vida foram objeto de descrição e interpretação a partir dos modos de vida dos “outros”. As teorias econômicas já tinham grande importância nas sociedades a partir das quais surgiu a antropologia e, nas últimas décadas, se tornaram uma verdadeira linguagem global. A importância dos especialistas, sejam acadêmicos ou gestores governamentais, nunca foi tão grande, tendo esses um papel preeminente no desenho de políticas de larga escala. Economia, portanto, concerne a uma multiplicidade de objetos, temas e possibilidades de abordagem que implicam, sempre, o questionamento sobre a própria definição sobre o que seja “a economia” ou que caracterize algo – prática, teoria – como “econômico”. A Antropologia da Economia vem ganhando novo fôlego no país, com a organização de diversos eventos e publicações acadêmicos voltados a essa área de estudos. O objetivo do GT é propiciar um espaço dedicado a colocar em diálogo trabalhos que possibilitem explorar a multiplicidade de sentidos da economia, as diversas escalas de observação que ela permite e provoca e as ambiguidades e misturas que colocam em questão as fronteiras e limites do econômico, como a relação com as práticas familiares, a intimidade, a religião, o consumo, a dádiva, as moralidades, o Estado e assim por diante.

Palavras chave: economia; dinheiro; troca
Resumos submetidos
"A gente gosta de solidariedade": dinheiro, religião e cidade a partir de senegaleses vendedores de rua em Porto Alegre (RS)
Autoria: Filipe Seefeldt de Césaro (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: O work aqui proposto trata da venda de rua irregular desempenhada por senegaleses na cidade de Porto Alegre (RS). Por objeto principal, tomo alguns dos cruzamentos espaço-temporais que caracterizam a rede social na qual tais imigrantes buscam a viabilização cotidiana de seu ofício, por meio de “agenciamentos” que vivenciam cotidianamente, no termo de Michel Callon. Para isso, os dados empíricos resultam de vivências urbanas que acessei entre março e dezembro de 2019 conforme guiadas por tais sujeitos, como parte inicial da investigação de uma pesquisa etnográfica de doutorado. A partir de observação participante e conversas informais registradas em diário de campo, argumento que a venda de rua senegalesa não se limita aos espaços e tempos do expediente laboral, ou seja, à consumação de trocas impessoais e sincrônicas. Pelo contrário, e como primeiro passo do texto, ensaio a proposição de que o sentido dado por esses imigrantes a seu ofício, à luz da noção êmica de "teranga", agencia um conjunto de "trocas monetárias", nos termos de Florence Weber, nas quais interesse e intimidade aparecem variavelmente imbricados. As combinações resultantes, por sua vez, fluem ao longo de canais urbanos multissituados de sociabilidades religiosas murid (referente àquilo ou àquele pertencente ao mouridismo, irmandade muçulmana sufi fundada no Senegal da segunda metade do século XIX). Em um segundo momento do texto, proponho que essa vinculação cotidiana entre dinheiro e religião emerge como condição de possibilidade do ofício irregular frente ao poder público e à imprensa mainstream local, justamente porque opera por “práticas escalares” – noção de Summerson Carr e Michael Lempert – alternativas ao universo do “mercado informal” que estas instâncias costumam narrar como dado. Na contramão da redução do imigrante senegalês a uma espécie de homo economicus vítima e/ou agente mal-intencionado de uma prática danosa à economia brasileira, descrevo os agenciamentos que tenho sido levado a perseguir no cruzamento dos espaços e tempos do dinheiro da venda de rua com aqueles da dahira Mouhadimatoul Hitma (nome da associação religiosa tipicamente murid conforme presente em Porto Alegre). A contribuição possível aos estudos brasileiros recentes sobre a imigração senegalesa é a de perceber como um sistema de reciprocidade característico desse fluxo humano se espraia, a partir dos vendedores, pelas materialidades e pessoas urbanas variavelmente envolvidas com um work irregular.
A dívida galopante: A economia das apostas e os significados dos usos do dinheiro no turfe.
Autoria: Rômulo Bulgarelli Labronici (Pós-Doutorando)
Autoria: Neste work discuto a imbricada relação entre o dinheiro e as apostas no turfe produzindo uma economia específica de trocas entre seus jogadores. Propondo discutir o que está efetivamente sendo jogado, a primeira imagem que se apresenta é a de que, no jogo, apostam-se bens materiais, mais especificamente dinheiro. Nas casas de jogo, entretanto, essa associação se dá a partir da relação de uma economia do crédito circulante com base em prestígios individuais que estrutura e molda as relações instituídas. Uma economia relacionada com uma atividade que não deve ser entendida como um fim em si mesmo, mas que possui em sua dinâmica trocas embebidas de um aspecto moral. O pagamento de prêmios das apostas no “rateio” (um tipo de divisão do prêmio entre os ganhadores) evidencia que o turfe busca explicitar e expressar a atividade sob uma forma matematizada da realidade e que, de alguma forma, se torna passível de uma avaliação direta e consistente no universo das incertezas. Universo que coloca em jogo a sorte, o prestígio e o dinheiro de apostadores regulares.
Acompanhando sentidos do empreendedorismo: Reflexões a respeito do work de campo na Sala do Empreendedor de Santa Maria-DF.
Autoria: Raoni Machado Giraldin (UnB)
Autoria: Este work tem como objetivo discutir os resultados parciais de minha pesquisa de campo do doutorado, na qual tenho frequentado o espaço da Sala do Empreendedor, dentro da Administração Regional de Santa Maria, Distrito Federal. Este contato ocorreu também em virtude de uma aproximação inicial com a sede do SEBRAE no Distrito Federal, localizada no Setor de Indústrias e Abastecimento (SIA). Observo que este espaço, localizado dentro de uma estrutura da administração pública, frequentemente é denominado de “SEBRAE”, em uma referência à suposta concentração de todas as temáticas referentes ao campo do empreendedorismo na mesma sigla. Meu work procura apontar minhas reflexões iniciais a respeito dos inúmeros discursos que permeiam a atividade da Sala do Empreendedor, que encadeiam questões relacionadas à pautas da administração regional, como a regularização de ocupação de áreas públicas que também ocupa a mesma sala na administração, a visão dos, por assim dizer, “especialistas” em empreendedorismo, como o caso de supervisores do SEBRAE e palestrantes e as próprias demandas das pessoas que buscam o atendimento na sala. Observo os modos pelos quais formas mais “corretas” de existência da atividade empreendedora são levantadas pelos especialistas como um discurso carregado de moralidade a respeito das práticas econômicas pautado, entre outros aspectos, pela diferenciação entre empreendedorismo por “necessidade” e por “oportunidade”. Essas questões, apesar de estarem articuladas de forma significativa na fala dos especialistas, ganha outras nuances no atendimento na Sala do Empreendedor, apesar de ambos estarem dentro de um grande guarda-chuva do “SEBRAE”. Tendo como foco no cadastro de pessoas como Microempreendedores Individuais (MEI), tenho observado este enquanto um dispositivo de usos múltiplos, onde muitas pessoas acabam por buscar a categoria enquanto uma forma mais barata de contribuição previdenciária sem necessariamente estarem envolvidas com as atividades “empreendedoras” defendidas pelos especialistas. Longe de qualificar este como um uso equivocado do cadastro, procuro discutir como estes sentidos múltiplos revelam aspectos importantes do modo pelo qual as ditas práticas econômicas empreendedoras vem sido planejadas, aplicadas e experienciadas no contexto brasileiro.
Artefatos e empresários: discussão sobre a construção de um discurso e pensamento empresarial
Autoria: Renan Giménez Azevedo (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: Neste work, apresento algumas discussões relativas à minha dissertação (2020), em especial sobre o uso de artefatos para o desenvolvimento de uma “cultura” empresarial. Destarte, parto dos conceitos de agência (Callon, 2013) e de artefatos (Meyer & Houtman, 2019; Strathern, 2014) para analisar como colaboradores e funcionários de uma organização que representa os interesses da classe empresarial de Caxias do Sul (RS) elaboram os discursos da entidade por meio de ferramentas de gestão. Eu encaro estas ferramentas como fatiches (Latour, 2017), ou seja, artefatos que podem ser encarados como fatos autônomos mesmo sendo reconhecidos como construídos. O caso que trago para análise é a elaboração do Mapa Estratégico, um artefato utilizado durante a gestão da presidência eleita desta organização da classe empresarial. Sua construção é feita ao longo do que os colaboradores chamam processo de revisão do Planejamento Estratégico, logo após as eleições da presidência da entidade, e possui uma validade de dois anos (mandato da presidência eleita). Neste processo, funcionários e diretorias fornecem informações que passam por cadeias de transformações (Thévenot, 1995) e tornam-se dados que alimentarão outros artefatos, como matrizes e planilhas. No limite, sugiro que a entidade se pensa nestes artefatos.
Bem-estar social de mercado: A política dos seguros privados e o governo das desigualdades no Brasil
Autoria: Deborah Rio Fromm Trinta (UNICAMP)
Autoria: Este artigo analisa o projeto do setor segurador privado para assumir o papel de protagonista na garantia de proteção social, e investiga suas consequências para a administração das desigualdades. A centralidade do tema na estruturação da racionalidade moderna de proteção social já vem sendo assinalada desde os anos 1980 e a literatura anglófona recente vem destacando a importância de pesquisas sobre o setor para o conjunto das Ciências Sociais, sendo considerado um componente-chave da economia política contemporânea. No Brasil, assim como em outros países, políticas de austeridade têm sido implementadas ocasionando impactos significativos na redução de seguros e benefícios sociais. Para meus interlocutores é a conformação de um ambiente favorável aos negócios e à expansão da iniciativa privada. Considerando o ainda incipiente desenvolvimento de uma antropologia do seguro, argumento que as relações entre Estado e mercado segurador são centrais para compreender a questão social sob hegemonia neoliberal. Considerando o seguro (tanto social quanto privado) enquanto um importante instrumento de governança, este paper desenvolve dois pontos centrais. O primeiro diz respeito à racionalidade do seguro enquanto uma tecnologia de governo das desigualdades, uma vez que a reparação econômica tensiona os mecanismos de acumulação e redistribuição de recursos. Para tanto, serão trazidos dados sobre o desenvolvimento do setor de seguros privados no Brasil e seu papel no contexto político-econômico contemporâneo. E o segundo ponto analisa o crescente engajamento político de seus representantes, durante a última década, justificada, sobretudo, na formulação de um projeto de proteção social via mercado. Nesta parte, serão analisados materiais produzidos pelo setor e falas de representantes que explicitam um empenho em incluir populações de baixa renda no mercado de seguros, sobretudo, a partir do desenvolvimento de produtos mais baratos, chamados de seguros inclusivos ou populares. Os dados apontam para um esforço de expansão das fronteiras de investimento e acumulação do setor comercial de seguros para a área da proteção social, sobretudo, com a substituição de serviços estatais ofertados para as parcelas de baixa renda da população. Esta pesquisa está baseada no uso de diferentes recursos metodológicos: i)etnografia multilocal desenvolvida (entre 2017 e 2019), em eventos, entidades e empresas do mercado de seguros brasileiro; ii)compilação e análise de materiais secundários, tais como reportagens, documentos oficiais e publicações produzidas pelo setor; iii) reconstrução analítica de trajetórias de personagens do mercado segurador; iv)entrevistas realizadas com corretores de seguros, representantes do setor, diretores e funcionários de empresas seguradoras.
Construindo o mercado: A agricultura familiar e as tensões de mercantilização do rural no Caparaó cafeeiro/MG
Autoria: Paulo Augusto Franco de Alcântara (USP - Universidade de São Paulo)
Autoria: Nas duas últimas décadas, a expressão “agricultura familiar” foi intensamente disseminada em países ocidentais, em especial, nas chamadas economias emergentes. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO/UN), a “agricultura familiar” instrui tanto a identidade grupo socioeconômico específico, quanto um modelo de produção baseado nos conceitos de “segurança” e de “soberania alimentar” em meio a um mercado globalizado de preços. No Brasil, a expressão assume perspectiva concreta, especialmente, por meio da criação, em 1995, pelo Governo Federal, do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) que, desde 2003, entre outras políticas, promove acesso a crédito subsidiado para pequenos agricultores, visando a geração de renda e a inclusão no mercado (capitalista). Entre 2015 e 2018, conduzi pesquisa de campo entre pequenos cafeicultores habitantes da região montanhosa do Caparaó mineiro. Abordei, etnograficamente, as mudanças sociais vivenciadas a partir dos contatos com o Pronaf, nos âmbitos da reprodução, do consumo, da habitação e do work familiar. Neste artigo, descrevo e analiso como a chegada e expansão do crédito subsidiado oferecido pelo Estado influenciou nos modos pelos quais os agricultores vivem o mercado, tanto no sentido abstrato, quanto em consistência com os modelos locais. Num primeiro momento, abordo as maneiras de se decodificar e definir o mercado enquanto um jogo do qual os agricultores passam a ter contato direto pela primeira vez. Em seguida, apresento as iniciativas locais de construção de um mercado em busca de maior autonomia na definição de preços. Argumento que esse mercado do café vem sendo vivido no local, além de novidade, como um processo dinâmico, entre tensões diante de uma crescente mercantilização das práticas e das relações sociais.
Dádiva, poder e colonialismo no campo da filantropia no Brasil
Autoria: Yasmin Alves Monteiro (PPGA UFF)
Autoria: O presente work tem por objetivo analisar o campo da filantropia e do investimento social privado no Brasil a partir da atuação da Rede Brasileira de Filantropia por Justiça Social, uma rede nacional de 12 fundações comunitárias e fundos independentes voltados para o "grantmaking", ou seja, doação de recursos financeiros para organizações, coletivos e movimentos sociais que atuam escala local ou comunitária, chamados de "grassroots movements", com o objetivo de apoiar iniciativas que promovam a defesa e a garantia de direitos e justiça social. O conceito de filantropia é analisado em seus diferentes usos, em especial no uso dado pela Rede, que procura disputar o termo e desvinculá-lo da “filantropia clássica”, associada à caridade, assistencialista e de pouco impacto, em oposição à “filantropia crítica” e voltada para a "transformação social" que realizam. Através de entrevistas com os diretores das organizações-membro e da participação nas assembleias, seminários e reuniões regulares da Rede, pretende-se explorar as representações sobre a prática da filantropia no Brasil, as relações com agências e fundações internacionais, hoje responsáveis pela maior parte dos recursos que financiam as chamadas organizações da sociedade civil brasileiras, e com movimentos internacionais surgidos nos últimos 5 anos com o objetivo de questionar as práticas e relações de poder que se estabelecem entre grupos e instituições locais e agências e fundações internacionais, mas também de desenvolver novos modos mais horizontais de fazer filantropia que permitam que os grupos apoiados exerçam papéis de protagonismo na formulação de soluções para os próprios desafios. A partir destas questões procuro descrever o tipo de trocas e relações que são estabelecidas entre os fundos e fundações membros da Rede e agências de desenvolvimento e fundações internacionais dos quais recebem recursos e as relações dos membros da Rede com os grupos locais que apoiam, buscando compreender ainda o papel de mediação que exercem entre o campo da filantropia e do desenvolvimento internacional, de onde captam recursos, e os grupos e movimentos sociais locais, para os quais doam estes recursos, e os diferentes significados que o dinheiro assume nestas relações.
Ensinando o valor da riqueza: a moralização na educação financeira
Autoria: Samantha Sales Dias (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: Educar-se financeiramente significa, grosso modo, buscar conhecimento e desenvolver hábitos de gestão das finanças pessoais, que compreendem desde o registro do orçamento doméstico até o engajamento no mercado de risco. Para muitos brasileiros, hoje, a educação financeira apresenta-se como fundamental para se viver em meio à crise econômica em curso. O endividamento, a precarização do work e a garantia da aposentadoria são alguns dos desafios enfrentados por pessoas com pouca ou nenhuma competência para a gestão orçamentária e o planejamento econômico. Em meu work, examino a atuação de profissionais que vêm popularizando a educação financeira, notadamente por meio de plataformas on-line. Interesso-me por aqueles que promovem a ideia de que é possível para qualquer pessoa, de qualquer estrato social, tornar-se milionária e alcançar a liberdade financeira, ensinando como se chega até lá. Segundo eles, isso implica desenvolver certas formas de raciocínio, hábitos e práticas considerados requisitos para o bem-estar financeiro e para quem deseja libertar-se da necessidade de trabalhar para sobreviver. Analiso a atuação de dois educadores financeiros de renome que promovem a ideia de tornar-se milionário e investigo o que eles ensinam, como atuam, que recursos e referências mobilizam e quais são os seus públicos-alvo e suas relações com eles, concentrando-me na dimensão moral de sua atuação. Examinando as moralidades que orientam suas ações e seus discursos, almejo compreender suas visões do bem e suas formas de valoração e de construção de quadros de valores. A pesquisa é baseada em materiais textuais e audiovisuais produzidos por eles, entrevistas que realizei e observações participantes em cursos financeiros. Ao capacitarem e equiparem seus públicos para se engajarem nos mercados financeiros, esses profissionais estabelecem relações entre estes e a sociedade, influenciando cursos de ação que impactam as vidas e os projetos das pessoas e os fenômenos econômicos. Minha aposta é que educadores financeiros são figuras paradigmáticas para compreendermos a vida econômica. Argumento, dialogando com a sociologia e a antropologia das moralidades, que a moralização é uma operação fundamental para que a educação financeira seja efetiva: estudá-la possibilita compreender como se dissemina e se produz valores e posições morais, materializadas em modos de ação, escolhas profissionais, práticas econômicas e leituras sobre a “economia real” e a distribuição de riqueza na sociedade. Nos casos que apresento, destacam-se como efeitos da educação financeira que discuto a valorização da frugalidade e da avareza e a construção de uma polarização entre uma “mentalidade” rica, positivada, e outra pobre, negativada – cada uma associada a modos de conduta distintos.
Entre desenvolvimento sustentável e extrativismo: disputas e alianças numa terra indígena no norte do Brasil
Autoria: Tainá Scartezini Orssatto (USP - Universidade de São Paulo)
Autoria: Nesta apresentação, procuro refletir sobre algumas questões pertinentes à minha pesquisa de mestrado, cujo projeto se chama “Nas pegadas do carbono: parentesco e (neo)extrativismo entre os Paiter-Suruí”. Nela, tomo como objeto de análise a implementação e suspensão de uma parceria entre o referido povo indígena, a Google Earth e três organizações não-governamentais (Forest Trends, Idesam e Funbio) para venda de créditos de carbono via REDD+ [Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal e o Papel da Conservação, do Manejo Sustentável das Florestas e do Aumento Estoques de Carbono em Países em Desenvolvimento] no âmbito do “Projeto Carbono Florestal Suruí”. Assim, procuro observar como o projeto se insere no contexto econômico da região, em especial no que tange suas relações com as atividades madeireira e mineradora dentro da terra indígena (TI), dado que foi encerrado no final de 2018 em virtude da presença de garimpo ilegal na TI Sete de Setembro. Além disso, interesso-me pelo modo como as relações tradicionais de parentesco suruí se encaixam neste contexto, uma vez que a execução do projeto mobilizou disputas internas à comunidade que reatualizam uma rivalidade mítico-histórica entre o clã Gamep. De um lado, está o chefe Almir, responsável por encabeçar a formulação do projeto de venda de créditos de carbono e líder da Associação Metareilá, e, de outro, está Henrique, favorável à presença de madeireiras na terra Sete de Setembro. Indago, portanto, como as relações tradicionais de parentesco suruí se articularam com as relações capitalistas extrativistas e neoextrativistas no contexto das mudanças climáticas, considerando que a regulação do mercado de carbono depende de uma série de acordos internacionais, a exemplo do Acordo de Paris e do Protocolo de Quioto, os quais são fruto de agendas políticas e econômicas que visam dar respostas às mudanças climáticas.
Fazendo "negócio" com Deus: créditos, dívidas e promessas no Rio das Mortes
Autoria: Lucas Parreira Álvares (UFMG)
Autoria: Tendo como fio condutor a dinâmica de “promessas a terceiros” na região do Rio das Mortes (MG), o presente artigo busca compreender os nexos existentes entre as dinâmicas religiosas no interior das relações de parentesco e dos vínculos mercantis creditícios. A partir de uma investigação que levou em conta tanto os dados historiográficos relativos à região quanto materiais etnográficos obtidos pelo autor do estudo, entende-se a dinâmica de promessas por meio das próprias mediações que a constituem. Em função das características históricas da região e da sociabilidade contemporânea, tal relação não se apresenta como “representação” das relações mercantis, mas sim como “reprodução” das mesmas. Mediada pelos vínculos morais que reproduzem os complexos sociais, a negociação com a própria consciência assume, portanto, a forma mistificada de negócio com Deus.
Fluxos de lama e de capital: o ativismo acionista como estratégia capitalista contra o capitalismo
Autoria: Caio do Amaral Mader (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: O presente artigo tem como objetivo analisar as práticas de ativismo empreendidas pela Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale, doravante chamada de Articulação. Trata-se de um artigo fruto de um projeto de doutoramento em fase inicial cujo enfoque recairá na estratégia da Articulação de ser um dos acionistas minoritários da corporação mineradora Vale S.A, condição essa que lhe garante voz e voto nas assembleias anuais de acionistas da empresa. Deter ações, nesse caso, extrapola um entendimento estritamente financeiro visando lucro a partir de investimentos em entidade de capital aberto e aponta para outros sentidos do acionismo, o que na literatura acadêmica é conhecido como “ativismo acionista”. Mais especificamente, pretendo discutir a interface entre o papel econômico da Articulação, em sua posição enquanto acionista, e sua atuação política possibilitada por essa condição. Desde sua criação, em 2010, a Articulação vem envidando esforços na denúncia das violações socioambientais da Vale S.A, sendo o rompimento da barragem da Mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), no primeiro mês de 2019, a mais recente delas. Assim sendo, interessa-me entender a relação entre capitalismo financeiro contemporâneo e predação ambiental, tal como a Articulação mobiliza, na tentativa de compreender a aposta no ativismo acionista socialmente orientado como um problema antropológico. A proposta de uma etnografia dos fluxos de capitais do mercado financeiro assenta-se nos seguintes objetivos: (i) compreender as estratégias “por dentro” do capitalismo empenhadas pela Articulação enquanto acionista crítico; (ii) investigar como a Articulação constrói parcerias a nível internacional e como conecta devastações socioambientais a problemáticas mais abrangentes em torno do capitalismo, direitos humanos e sustentabilidade ambiental. Vale ressaltar que esses dois objetivos não vêm dissociados de um terceiro, que concerne à questão de como a própria Antropologia, notadamente as áreas da Antropologia da Economia e o que vem se configurando como Antropologias do Capitalismo, tem se debruçado analiticamente a respeito da temática do sistema capitalista. Acredito serem valiosos os aportes dessas áreas que, assim como as estratégias empreendidas por ONGs tal como a Articulação, do ponto de vista epistemológico também buscam caminhos “por dentro”, seja colocando a ciência da Economia sob escrutínio ou nos provocando com etnografias sobre vidas que insistem em vicejar em “paisagens devastadas” pela predação capitalista.
Leve, depois você paga: uma reflexão etnográfica sobre a organização do tempo na feira da 25 de Setembro em Belém/PA a partir do crédito
Autoria: José Maria Ferreira Costa Júnior (IBGE)
Autoria: Em que medida é possível considerar que as diferentes transações realizadas a prazo por feirantes de Belém/Pa, sem a mediação bancária, são elementos organizadores do tempo nas feiras livres da cidade? A fim de buscar respostas a esse questionamento retorno aos dados do work de campo de minha dissertação (COSTA, 2018), que tratou das relações entre classificações, crédito, distinção e regime de valor nas circulações do pirarucu salgado (Arapaima gigas), para compreender como as diferentes formas de crédito na circulação de mercadorias nesses espaços dão um ritmo próprio às sequencias de eventos que a compõe. Assim, procuro evidenciar uma dimensão das relações sociais nas feiras que ainda não recebeu atenção nos works que abordam os mecanismos nativos de compra e venda a prazo (WILM, 2012; BORGES, 2013; NETO, LEITÃO, et. alli, 2016). Para trabalhar com a ideia de tempo sem cair em discussões metafísicas, retomo as abordagens de EVANS-PRITCHARD (2011), ELIAS (1998) e GELL (2013) para refletir sobre a construção dos meios de orientação e imagens temporais pelos sujeitos dos eventos que marcam os ritmos das atividades diárias no comércio popular da capital paraense. Dessa forma, analiso os dados registrados durante a observação participante que realizei na feira da 25 de Setembro entre fevereiro e julho de 2016, período no qual trabalhei com duas feirantes que comercializam pirarucu salgado no setor de mercearias daquela feira e pude observar que tanto as dinâmicas de aquisição de mercadorias no atacado, como diferentes estratégias de venda no varejo, são realizadas através de crédito direto entre fornecedores, feirantes e consumidores, o que implica a produção de referências próprias para a ordenação do work e das sociabilidades. Para demonstrar esse argumento, descreverei como cada fase das transações que se concretizam em etapas separadas por dias e semanas produz expectativas, tensões, intensidades e satisfações próprias, sobrepostas ao calendário civil, porém, profundamente ligadas ao regime das festas da comensalidade no Pará: a Semana Santa, o Círio de Nazaré, Natal e Ano Novo.
Manejando Artefatos: práticas da Empreza Di'ak na produção de mercadorias em Ataúro, Timor-Leste.
Autoria: Ana Carolina Ramos de Oliveira (UNB - Universidade de Brasília), Kelly Cristiane da Silva
Autoria: Este texto discute fenômenos envolvidos na produção de artefatos considerados culturais na ilha turística de Ataúro, em Timor-Leste, no âmbito de projetos de empoderamento econômico liderados pela organização não-governamental (ONG) Empreza Di’ak (ED). Com base em etnografia realizada durante 5 meses, realizamos uma análise comparativa das práticas envolvidas em tais processos tal como executadas em duas aldeias específicas: Arlo, onde são produzidas cerâmicas, e Mau Laco, onde são esculpidas estátuas de madeira. Identificam-se alguns dos dispositivos, condicionantes, fundamentos e narrativas – que configuram uma pedagogia econômica – que pautam a dinâmica da ONG ao interagir com os grupos de produção e com os artefatos. Argumentamos que as condições locais de produção dos objetos, e mais fortemente, a história e o local social dos artefatos para cada comunidade – resultante, entre outras coisas, de adesões diferenciadas ao cristianismo – impõem à ED formas particulares de manejá-los e, portanto, de organizar suas intervenções em cada uma das localidades. Sugerimos também que práticas como visitas da ONG às comunidades, seleção, classificação e codificação dos objetos, compra garantida dos artefatos e o work com grupos de produção são tecnologias de governo fundamentais pelas quais certos objetos são transformados em mercadorias. A análise se inspira na epistemologia proposta por Gibson e Graham (1996) para análise de complexos econômicos sujeitos à expansão do capitalismo. Ambas propõem uma perspectiva contra-ontológica para abordagem da expansão da sociedade de mercado e do próprio capitalismo (Silva, 2018). Isso implica pressupor que o enredamento de populações e territórios em sociedades de mercado está condicionado pelos arranjos econômicos que pré-existem à sociedade de mercado. Isso nos obriga a assumir o fato de que estamos sempre diante de mercados, no plural, com configurações próprias a cada contexto, as quais respondem a condições históricas particulares.
O debate sobre classes sociais na antropologia brasileira
Autoria: Renata Mourão Macedo (USP - Universidade de São Paulo)
Autoria: O paper discute como a temática “classes sociais” tem sido discutida na antropologia brasileira. A recusa ou a aproximação da perspectiva marxista, a definição de critérios e fronteiras entre os diferentes estratos, além da atribuição do peso explicativo que tal marcador terá na análise dos dados empíricos, são apenas algumas das questões que surgem ao refletir sobre tal temática. Se tais controvérsias ainda se fazem presentes na atualidade, torna-se relevante salientar como esses debates estão presentes há décadas na antropologia social brasileira. Nessa direção, o paper realiza um breve panorama histórico sobre algumas das controvérsias ligadas à classe social na área, dos anos de 1940 até a atualidade, passando por autores como Florestan Fernandes e Donald Pierson, Ruth Cardoso e Eunice Durham, Gilberto Velho, Luiz Fernando Dias Duarte e Claudia Fonseca, entre outros autores contemporâneos. Mais recentemente, a discussão sobre mobilidade social da “nova classe média” no Brasil, por um lado, e o debate sobre interseccionalidade e articulação de marcadores sociais da diferença, por outro, reaqueceram a discussão sobre classes sociais na antropologia. O objetivo do paper é, assim, iluminar algumas das tensões presentes em tais perspectivas, discutindo como diferentes autoras e autores têm enfrentado a questão das classes socais na antropologia brasileira.
O MMA no sul do sul do Brasil: um mercado em ascensão
Autoria: Diéssica Shaiene Gaige (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: O MMA (Mixed Martial Arts) é uma modalidade esportiva que tem crescido e se visibilizado nas últimas duas décadas. Ele é constituído por distintos mercados que se relacionam com os espaços de academias de lutas, produtos, acessórios e vestimentas de combate, mas também se caracteriza pela intenso processo de espetacularização, que por sua vez, está interligado a uma indústria do entretenimento. A partir de uma abordagem etnográfica que tem sido realizada tanto em ambientes digitais quanto em eventos e pesagens de MMA, pretendo explorar neste work a constituição do mercado das lutas corporais no Rio Grande do Sul. As questões que guiam este paper são: Como as artes marciais mistas têm se desenvolvido no estado e configurado recentemente um circuito comercial nesta parte do território brasileiro? O que implica a produção e a expansão desse mercado na região sul do país tendo vista, historicamente, o envolvimento de atletas brasileiros desde o surgimento do MMA e também inseridos nas maiores organizações mundiais de artes marciais mistas? O que pretendo descrever, através do work de campo, é a maneira que o “espírito empreendedor” ronda esse campo esportivo, atravessados por aspectos afetivos e econômicos concomitantemente.
O processo de instituição da política de valorização do salário mínimo: crise política como oportunidade econômica?
Autoria: Mahatma Ramos dos Santos (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: O presente artigo tem como objeto o processo de negociação e instituição da Política de Valorização do Salário Mínimo (PVSM), o qual se desenvolveu entre 2003 e 2011. O principal objetivo desse work é identificar e analisar como a categoria crise operou - seu status, qualificação e base narrativa - na dinâmica de interação entre Estado e centrais sindicais de trabalhadores ao longo do processo de negociação da PVSM e, de forma complementar, vislumbra-se examinar os múltiplos sentidos atribuídos aos eventos e dinâmicas considerados críticos pelos atores entrevistados. Duas dinâmicas centrais desse processo de negociação foram percebidas como críticas: (i) a emergência de uma “crise” político-institucional decorrente de denúncias de corrupção que embasaram a ação penal 470 (‘mensalão’), e (ii) o permanente antagonismo entre duas frações no interior do heterogêneo poder executivo federal - por um lado, a denominada “área econômica” do governo, capitaneada pelo Ministério da Fazenda, e, por outro lado, aquela liderada pelo Ministério do work e Emprego (M.T.E). Dessa forma o artigo busca responder duas questões: qual a percepção (sentidos atribuídos) dos atores (sindicais) que participaram desse processo de negociação sobre esses dois episódios? E quais os efeitos desses eventos em tal processo? Para isso, este work buscou dialogar criticamente com a literatura das ciências sociais sobre o salário mínimo e políticas públicas, assim como com os debates específicos da antropologia sobre o Estado e crise. Ademais, recorreu a análise de documentos - leis, medidas provisórias, atas, estudos, artigos de jornais, etc. - e a realização de dez entrevistas atores que participaram da negociação da PVSM - presidentes das centrais sindicais, assessores sindicais e funcionários do Ministério do work e Emprego (M.T.E) à época, entre eles o então ministro. Em síntese, concluiu-se que, apesar das múltiplas percepções entre os entrevistados, para os sindicalistas o episódio do ‘mensalão’ e os antagonismos entre frações do poder executivo federal foram sim fatores relevantes para explicar as rotinas de interação e repertórios mobilizados pelas centrais sindicais nesse processo. No entanto, o ‘mensalão’ foi um evento ‘crítico’ apenas para o poder executivo federal e de caráter político. Visto que, do ponto de vista das centrais sindicais, o ‘mensalão’ foi um evento essencial para ampliação da permeabilidade à participação do movimento sindical na produção de políticas públicas e ocupação de cargos na burocracia estatal. A oposição entre Ministério da Fazenda e M.T.E, por outro lado, foi percebida como uma dinâmica crítica também para as centrais sindicais e que reproduzia, na percepção dos sindicalistas, um antagonismo entre “mercado” e movimentos sociais.
Para que serve um drone? Dicotomias do mercado de defesa e segurança no Brasil
Autoria: Pedro Augusto Pereira Francisco (Instituto Igarapé)
Autoria: A indústria de defesa do Brasil vê as feiras de tecnologias de defesa e segurança como uma grande oportunidade de negócios. Nelas, empresas públicas e privadas podem mostrar seus produtos - que vão de armamentos, ferramentas de vigilância, veículos terrestres, aéreos e náuticos, até vestuário - para uma ampla audiência, ao lado das gigantes globais do setor. Parte do apoio que as empresas dão para a realização desses eventos se justifica no fato de que estes seriam um grande canal de divulgação, pelo qual conseguem atingir clientes que até então não estavam completamente mapeados. Essas feiras são espaços onde as trocas comerciais cumprem diversas funções. Ali, arranjos sócio-técnicos contribuem para a constituição de relações estruturantes entre os diversos atores que compõem o sistema de defesa e segurança. O presente work tem por objetivo demonstrar essa característica das feiras de defesa e segurança, a partir da observação de um objeto específico: as aeronaves remotamente pilotadas (ARPs), popularmente conhecidas como drones. Baseando-me na observação participante realizada em sete diferentes feiras - LAAD 2017, LAAD, 2019, LAAD Security 2018, RIDEX, Exposição de Materiais do Simpósio de Logística Humanitária e o Droneshow - no período de 2017 a 2019, busco explicar como a economia em torno das ARPs é fundamental para manter a dinâmica das diversas dicotomias que estruturam o mercado de defesa e segurança: a divisão entre indústria nacional e estrangeira, entre setor público e privado, entre esfera civil e esfera militar e, finalmente, entre os próprios campos da defesa e da segurança. A escolha em demonstrar essa dinâmica do mercado a partir das ARPs é particularmente pertinente pois, tal como explicitarei neste work, trata-se de um objeto que diluí as fronteiras e divisões mencionadas, mas que ao mesmo tempo mantém a lógica da estrutura dual que organiza os conceitos em questão.
Projeto Afro-Empreendedorismo no Brasil – afrocentrando o dinheiro
Autoria: Filipe Romão Juliano (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: O projeto Afro-Empreendedorismo no Brasil – afrocentrando o dinheiro busca compreender os sentidos das atividades colocadas em prática por grupos negros brasileiros em prol do desenvolvimento econômico de suas comunidades. O que significa organizar-se em prol do desenvolvimento econômico individual e comunitário? Quais os sentidos construídos durante a organização de iniciativas que visam o acesso a riqueza socialmente produzida, espaços, bens de consumo, entre outros? O objetivo é compreender como negros brasileiros constroem redes, espaços e eventos visando o seu próprio bem-estar. Opondo-se ao mito da inadequação econômica da população negra, consagrado pela imagem do “problema da mão de obra” nacional para o desenvolvimento econômico brasileiro, a militância negra pró empreendedorismo utiliza-se de várias estratégias para facilitar a inserção das/os empresarias/os negras/os na economia. A principal estratégia adotada tem sido a formação de empreendedores em cursos e programas que apresentam dois eixos principais: fornecer ferramentas técnicas para que as/os empresárias/os negras/os se desenvolvam comercialmente e a formação de um sujeito negro e empreendedor que acredite em si e no seu potencial enquanto empresário. Como grupos militantes negros que tem sua ação eminentemente política, tais grupos também visam o fortalecimento do associativismo entre os empreendedores negros. Assim, deparam-se com os dilemas gerais do engajamento de empresários e militantes negros que são as formas de atração e manutenção da coesão de grupos e iniciativas, além da oscilação entre uma ação focada no indivíduo, “pró-business” versus uma ação voltada ao fortalecimento “cultural” e político mais amplo da comunidade negra. Os fins e objetivos – ou “para quê empreender” – propostos por tais organizações têm como expressão a busca pelo conforto e o bem estar da população negra, além da sua autonomia política e cultural em relação ao restante da sociedade. Tais formulações agregam-se em uma complexa compreensão sobre a economia ocidental e o papel desempenhado pela população negra que abarca desde a formação do capitalismo enquanto uma estrutura racializada, até a construção de um capitalismo pós-industrial e ultra liberalizado experimentado, por exemplo, no Brasil atual. Este work visa, a partir da etnografia realizada com os grupos que desenvolvem o tema do empreendedorismo negro há 30 anos no Brasil – hoje reunidos na REAFRO (Rede Brasil Afroempreendedor) –, apresentar como este percurso se desenvolve na prática e quais reflexões ele tem gerado dentro da comunidade afro-brasileira.
“Que afluente é você?”: estratégias de profissionalização e engajamento entre empreendedoras negras
Autoria: Gleicy Mailly da Silva (Núcleo de Estudos de Gênero Pagu - Universidade Estadual de Campinas)
Autoria: Este paper tem como tema a relação entre algumas formas contemporâneas de engajamento e a ampliação dos espaços de aparição e diálogo entre mulheres negras brasileiras, propiciados, sobretudo, por experiências de empreendedorismo. A partir do acompanhamento etnográfico do Programa Afrolab para Elas 2019, desenvolvido pelo Instituto Feira Preta, em parceria com o British Council, ocorrido na cidade de São Paulo, busco compreender novos modelos de subjetividade e de associativismo que transpassam, simultaneamente, demandas políticas e de mercado, em meio a transformações culturais recentes. Voltado ao oferecimento de capacitação técnica a mulheres negras de dez estados do país, com ensino superior, engajadas em coletivos culturais e identificadas como empreendedoras, este programa propõe a construção coletiva de possibilidades de escoamento de produtos e serviços voltados à estética negra. Neste espaço de aprendizado, entre discursos que operam binômios conhecidos do jargão empreendedor, como a relação entre escassez/abundância e zona de conforto/potência, a construção de experiências de afeto entre estas mulheres constitui o recurso indispensável que alimenta e promove a partilha de dores, desafios e expectativas, reforçando redes de solidariedade. Por meio de trajetórias diversas, entre debates de temas como representatividade, inclusão social, feminismo e luta contra o racismo e a discriminação, o que essas mulheres negras trazem em comum é o desejo de atingirem visibilidade através das redes sociais e de tornarem-se referências de modelos de sucesso para mulheres da sua geração. Atentando, portanto, para esse cenário etnográfico, chamo atenção para o modo como tais programas de capacitação empreendedora configuram alternativas relevantes para a construção de espaços reivindicativos e de dinâmicas de mobilidade até então inéditas para mulheres negras, sem, contudo, ignorar os limites desse campo de possibilidades.
Pedagogia do empreendedorismo e a lógica empreendedora no cotidiano infantil
Autoria: Eduarda Marina Wiedemann (UFPEL - Universidade Federal de Pelotas), Elaine da Silveira Leite
Autoria: A presente pesquisa visa compreender a ascensão do empreendedorismo no universo infantil a partir de uma análise dos projetos de educação empreendedora emergentes no Brasil. Assim, pretende-se compreender de que maneira a pedagogia do empreendedorismo influencia a percepção das crianças desde a fase da socialização primária, explorando como a lógica empreendedora se materializa no cotidiano de crianças de 6 a 7 de idade marcando suas percepções sobre dinheiro, work, emoções e suas dimensões sobre o presente e o futuro. Desta forma, as primeiras evidências empíricas apontam para uma discussão sobre o empreendedorismo e a lógica empreendedora na sociedade atual, bem como sua relação com o universo infantil. Por meio dos projetos pedagógicos desenvolvidos em escolas públicas e privadas, especificamente no 1º e 2º ano do ensino fundamental, busca-se compreender a ascensão de uma sociedade neoliberal e as transformações que a acompanham. Propõe-se, portanto, uma discussão sobre empreendedorismo, dinheiro, work e emoções através de uma perspectiva que articule estudos da Nova Sociologia Econômica e a Sociologia da Infância ao pensarmos economia e sociedade.
Rolos, esquemas e negócios: uma análise da prática de agiotagem nas periferias de São Paulo
Autoria: Fernanda de Gobbi (UFF - Universidade Federal Fluminense)
Autoria: Este work trata-se dos resultados de uma pesquisa etnográfica acerca da prática de agiotagem em São Paulo. A análise da circulação de dinheiro acontece em duas regiões da capital paulista: uma favela da zona oeste e um bairro da periferia da zona leste. À luz do debate contemporâneo a respeito dos usos sociais do dinheiro, a pesquisa recompõe o impacto da prática de agiotagem no cotidiano da economia doméstica de quem vende e de quem compra dinheiro. A investigação do significado do dinheiro enuncia a fronteira entre o “dinheiro sujo” e o “dinheiro limpo” na medida em que é constituída a moralidade dos mercados. Os agentes conectados com o sistema de empréstimos apresentam uma lógica que forma a rede de clientes e configura um quadro complexo de redes sociais nas periferias. A análise da prática de agiotagem, enquanto “negócio”, apreende a filosofia do dinheiro a partir das trocas, e demonstra a passagem de uma economia em que o dinheiro é mercadoria para uma economia em que o dinheiro também representa moralidade. Diante do investimento empírico desta pesquisa e a partir da análise das anotações e dos cadernos dos agiotas, a racionalização das contas exprime as formas ordinárias de cálculo. Em um primeiro momento, o dinheiro é instrumento para “ganhar a vida” nos “rolos” e “esquemas”; em seguida, o dinheiro também adquire importância para um mecanismo externo à economia doméstica e transfigura-se em objeto de organização e articulação para sustentar um “negócio” – a agiotagem.