MR 018. Família, violência e cuidado: etnografias a partir do cotidiano

Coordenador(es):
Regina Facchini (Pagu/Unicamp)

Participantes:
Anna Paula Vencato (UFMG)
Camila Pierobon Moreira Robottom (CEBRAP)
María Elvira Díaz Benítez (PPGAS/Museu Nacional)

Esta mesa reúne etnografias que articulam temas que estão significativamente presentes desde os momentos iniciais dos estudos de gênero na Antropologia brasileira: família e violência. Nas últimas quatro décadas acompanhamos investimentos feministas na diversidade de relações atravessadas pela noção de família e na sua desnaturalização, bem como no questionamento da oposição entre público e privado. Tais investimentos conduziram à interface com processos relacionados a violência entre casais e gerações na família, ao reconhecimento de direitos, a novos saberes e tecnologias, entre outros. Merecem destaque as conexões com o tema da violência e a contribuição da perspectiva feminista ao problematizar as relações entre espaço doméstico, família, afeto e violência: a recusa da família como lugar naturalizado do cuidado e do afeto permitiu explorar dinâmicas da violência em contextos familiares. A noção de família tem sido intensamente disputada na sociedade brasileira, em um contexto em que também se disputa direitos e a própria noção de direitos. Retomamos articulações entre família, violência e cuidado a partir de investimentos etnográficos que se concentram no cotidiano e que apontam para o modo como cuidado e violência se inserem no cotidiano de relações familiares em diferentes contextos empíricos e como tais articulações atravessam gerações, produzindo corpos, precariedades e interferindo no trabalho do cuidado.

Resumos submetidos
Irmãos, Exus e Ciganas: brigas familiares pela herança de uma casa
Autoria: Camila Pierobon Moreira Robottom (CEBRAP)
Autoria:

Os estudos que tratam do tema da violência no interior das famílias têm se centrado nas relações entre marido e mulher ou nos maus-tratos infringidos sobre crianças e adolescentes. Neste texto, pretendo ampliar essa discussão apresentando os conflitos entre irmãos, tios e sobrinhos que disputavam a herança de uma casa na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Após o falecimento do “dono” da casa, uma intensa batalha familiar se iniciou envolvendo acusações verbais e agressões físicas, ameaças de morte e morte. No interior desses conflitos, entidades religiosas foram disputadas através de oferendas e pedidos para “fazer o mal” ou para “proteger” e “fazer o bem”. Através das brigas pela herança de uma casa, refletirei sobre as complexas relações entre violência, cuidado e gênero no interior de uma família em que as entidades religiosas são agentes fundamentais para compreendê-las.

“A casa pode ser dele, mas o lar é meu”: crossdressing, relações familiares, conflitos e cuidado
Autoria: Anna Paula Vencato (UFMG)
Autoria:

Este work discute dados coletados em pesquisa etnográfica com mulheres que se identificam como “esposas” ou “S/O’s” de homens que “praticam crossdressing”. É, ainda, um desdobramento de pesquisa anterior, sobre como homens que se identificam como crossdressers negociavam esta prática em suas vidas cotidianas. Busco refletir sobre como o crossdressing de seus companheiros impacta suas vidas privadas, suas sociabilidades, suas relações afetivo-sexuais/conjugal, bem como as relações familiares mais amplas. Importa compreender como tensões relativas às convenções sobre gênero e sexualidade e o manejo de segredo impactam essas relações conjugais/familiares e a questão do cuidado, assim como por vezes se desdobram em opressões/violências e interferem na dinâmica dos afetos e do companheirismo, implicando por vezes em renegociações ou rupturas.

“Pequenas brigas de casal” ou sobre uma fase íntima da humilhação
Autoria: María Elvira Díaz Benítez (PPGAS/Museu Nacional)
Autoria:

Este texto integra uma reflexão que venho realizando sobre a “humilhação”, entendida por diversos pensadores como atos de rebaixamento e inferiorização. Aqui pretendo analisar “pequenas brigas de casal”: situações de “bate boca” ou de troca de enunciados curtos que se denotam conflito, são rapidamente “resolvidos” e não pensados como violência. Se é entendido que a humilhação opera em um sentido vertical, denotando a criação de hierarquias, minha percepção é que as pequenas brigas de casal se dão em um movimento de negociação de horizontalidade e equilíbrio. Essas pequenas brigas do dia a dia dispõem uma série de dispositivos de humilhação que recebem diferentes nomes pelos sujeitos: vexame, vergonha, constrangimento, exposição, ridículo, magoa, ironia, obedecendo regras internas para evitar a extrapolação e tecendo diversos acordos de cuidado mútuo para garantir a permanência do casal.