MR 009. Casa, cidade, memória e corpo

Coordenador(es):
Heloísa André Pontes (Unicamp)

Participantes:
Luiz Fernando Dias Duarte (Museu Nacional)
Camila Gui Rosatti (USP/ENS-CNRS)
Heloísa André Pontes (Unicamp)
Debatedor/a:
Thomas Jacques Cortado (Unicamp)

O objetivo da mesa-redonda é colocar em diálogo pesquisas que tomam a casa como enquadramento analítico. Interessa-nos pensar a casa em dupla chave, tanto como produtora quanto como produto de relações sociais, abrindo a possibilidade de se investigar os condicionantes materiais e os ordenamentos simbólicos ligados ao ato de morar. Lugar da família e da socialização primária, patrimônio físico e cultural a ser transmitido entre gerações, espaço de referência identitária à família, endereço que dá existência social ao indivíduo, território que circunscreve um grupo e define um ethos e uma moralidade: são diferentes modalidades de experiência e usos que se inscrevem na casa. Nos trabalhos clássicos de antropologia, a casa aparece ligada ao sistema de parentesco, como uma linguagem entre os membros chamados a pertencer à genealogia ou como, em sua relação com o mundo exterior, transfiguração das cosmologias de uma sociedade. Os trabalhos a serem apresentados atualizam essas questões a partir de recortes empíricos específicos e percorrendo diferentes grupos sociais - classes populares, frações cultivadas da burguesia econômica e vanguardas artísticas. Atentos aos marcadores de gênero, raça e classe, a casa que aparece será tanto aquela que fixa uma memória, institui moralidades, reproduz a cultura de uma classe, modela corpos quanto a que ensaia e prescreve novos afetos, performances e sociabilidades.

Resumos submetidos
A casa da memória: identidade e partibilidade.
Autoria: Luiz Fernando Dias Duarte (Museu Nacional)
Autoria:

A casa, enquanto referente empírico incontornável de uma configuração identitária no Ocidente moderno, costuma se desdobrar em várias casas concomitantes ou sucessivas, que mantêm entre si um vínculo imaginário, ao mesmo tempo em que pontuam frações diferentes da experiência de uma trajetória de vida. Meu interesse se centra nessa experiência imaginária da partibilidade de si em um feixe complexo de identificações positivas e negativas. Trata-se de um work interior que se refrata na configuração das neo-casas, por meios objetivos como a localização, a decoração ou o desenho da intimidade ou da sociabilidade, e que se exprime também por atmosferas mais sutis, como a nostalgia, o devaneio e o sonho. Há um corpo inconsútil da casa que permeia a fabulação de si ao longo da vida, nos segmentos cultivados e interiorizados das camadas médias e altas que estudo no Rio de Janeiro.

Modos de morar, modos de compor: o apartamento tropicalista de Caetano Veloso.
Autoria: Heloísa André Pontes (Unicamp)
Autoria:

A comunicação pretende revisitar o tropicalismo pelo prisma de uma dimensão pouco explorada: a relação entre modos de compor e modos de morar, com foco no entrelaçamento entre domesticidade, gênero e produção musical. Sustentada pelo pressuposto de que as casas envolvem a produção e a internalização de princípios hierárquicos, dispositivos classificatórios e mecanismos de subjetivação, atiçados e enredados pelos marcadores sociais de classe, gênero, geração e raça, vou me deter na descrição que Caetano Veloso, em Verdades Tropicais, faz do apartamento paulistano “2001”. Ela visa ampliar a compreensão dos vínculos entre o tropicalismo e dinâmica cultural e urbana de São Paulo no final dos anos de 1960 a partir do enquadramento analítico da casa.

O espaço da burguesia com gosto pela estética cultivada
Autoria: Camila Gui Rosatti (USP/ENS-CNRS)
Autoria:

Tendo como horizonte de investigação as estratégias de transmissão intergeracional de patrimônio imobiliário e cultural, focalizarei o modo como escolhas estéticas em relação à moradia estão associadas a formas de dominação de frações de classe com prestígio cultural. Casas consagradas do modernismo paulista foram via de acesso a grupos comumente fechados, menos dispostos a revelarem deslocamentos urbanos, práticas culturais, consumos artísticos, organização familiar, acúmulo de riquezas e divisão de heranças. Valorizados pelo arrojo arquitetônico, esses bens imobiliários que se querem sóbrios e luxuosos, são ao mesmo tempo espaço de investimentos artísticos, patrimoniais e de aquisição de uma relação “de corpo e alma” com a cultura. Transmitidos ou até quando tiveram que ser vendidos, eles se tornam declaração visível e símbolo de linhagens que acumulam capital econômico e cultural.