GT 40. Etnografia e documentos

Coordenador(es):
Bruner Titonelli Nunes (Pesquisador Independente)
André Gondim do Rego (IF Brasília)

Sessão 1
Debatedor/a: Bruner Titonelli Nunes (Pesquisador Independente)

Sessão 2
Debatedor/a: Maria Fernanda Maidana (Universidad Nacional de Tierra del Fuego)

Sessão 3
Debatedor/a: Martiniano Alcantara Neto (Universidade de Brasília)

Os documentos fazem parte do conjunto de materiais e artefatos acessados (e produzidos!) pelos antropólogos desde a institucionalização da disciplina. Em períodos diversos, eles atingem níveis de importância e de centralidade na consolidação do campo antropológico; níveis que vão do desprezo, enquanto fonte de informação imediata e dominação sobre aquilo que se documenta (LATOUR, 2012), ao esforço de encará-los por uma leitura a contrapelo, evidenciando as suas capacidades organizativas e criativas (HULL, 2012; ZEITLYN, 2012). Cada vez mais, os documentos são incorporados à prática etnográfica. Em várias de nossas pesquisas antropológicas, partes significativas do ponto de vista de “nossos outros” podem estar documentadas nos mais diversos formatos. Olhar atentamente para documentos representa uma porta de acesso às lógicas e práticas de funcionamento dos ambientes que os produzem, dos circuitos que eles são colocados e operam, das redes em que figuram e das relações de poder que aderem a eles. Esse GT pretende receber reflexões e estudos que perpassam a relação entre etnografia e documentos em diferentes sentidos. Nosso interesse recai tanto em investigações que tenham os documentos como elemento central, como para outras que os transpassam e os transbordam para o melhor entendimento do universo estudado.

Palavras chave: Pesquisa documental; documentos; etnografia
Resumos submetidos
A casa museu como documento: especificidades da Casa Museu Eva Klabin para a pesquisa antropológica
Autoria: Amana dos Santos Nesimi (desempregada)
Autoria: Esse artigo visa refletir acerca do work do antropólogo em uma casa museu, visto que são instituições ainda muito pouco estudadas. Os museus casas, diferentemente de outros tipos de museus, focalizam, em sua maioria a narrativa de um indivíduo na sociedade. Desse modo, o corpus que forma a equipe do museu tem como objetivo musealizar a trajetória dessas pessoas. A Casa Museu Eva Klabin, localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro, é um museu centrado na figura da colecionadora de artes Eva Klabin. Nesse sentido, indubitavelmente sua coleção, seus documentos pessoais e a própria casa são elementos constituintes e fundamentais para compreender a dinâmica dos funcionários desse museu.
A CPI da Funai e do Incra (2015-2017) a partir de seus documentos
Autoria: Julia Marques Dalla Costa (Incra)
Autoria: A CPI da Funai e do Incra (2015-2017) objetivou investigar a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em suas atribuições de demarcação de terras indígenas e quilombolas. As principais razões alegadas para a instauração dessa comissão foram as invalidades dos processos demarcatórios, ancorados em “laudos antropológicos fraudulentos”. O presente work, fruto de dissertação de mestrado, objetiva discutir as contribuições da etnografia de documentos nos estudos das práticas estatais. Os documentos circulados na CPI proporcionaram a discussão de como a antropologia e os antropólogos foram acionados nesse evento. Composta em sua maior parte por parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a CPI teve a agenda de work pautada por esse grupo. O grupo de oposição da CPI, estabelecido a partir de parlamentares que têm trajetórias políticas contrárias à pauta da bancada ruralista, protagonizou diversos embates, em particular acerca da condução dos works da comissão, que influenciam diretamente os documentos produzidos. No tocante à Antropologia, foram 4 audiências em que antropólogos se fizeram presentes, além de diversas outras menções e referências. Por meio dessas participações, registradas em notas taquigráficas, aliadas aos demais documentos da comissão, foi possível mapear a discussão sobre a pesquisa antropológica e o papel da antropologia no âmbito dos processos de identificação territorial de povos indígenas e quilombolas. Destaca-se que os documentos revelam também as ausências na CPI, produzindo silenciamentos a indígenas, quilombolas e organizações da sociedade civil, como a Associação Brasileira de Antropologia. Com isso, sugere-se uma reflexão sobre a ação de silenciamento e como ela possibilitou a elaboração de documentos que, sob a chancela da impessoalidade do Estado brasileiro, se constituíram em registros parciais e enviesados.
A história da criminalização do aborto etnografada a partir de documentos: possíveis leituras da construção e desconstrução de um crime
Autoria: Camila Estela Cassis Augusto (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas)
Autoria: Este artigo, utilizando as técnicas de pesquisa da etnografia documental, apresenta uma forma de remontagem dos 5 dossiês dos Projetos de Lei apresentados na Câmara dos Deputados sobre a questão do aborto em 1983, suas estratégias de escrita, formas narrativas e circulações. Assim, trabalha-se com os dossiês como artefatos etnográficos (LOWENKRON & FERREIRA, 2014) e com o aborto como um crime socialmente construído (MISSE, 2008). Dessa maneira, analisamos essa construção e suas tentativas de desconstrução a partir do foco empírico nos textos dos dossiês. Parte-se da ideia de que tais documentos concretizam formalmente tentativas de fazer prevalecerem determinados sentidos acerca da prática do aborto, ao mesmo tempo em que o espaço legislativo lê as disputas da sociedade civil e também é lido por ela - formando, assim, uma teia complexa de significados, à qual este work pretende lançar foco.
Cartas políticas - uma etnografia das cartas para Lula na prisão
Autoria: Isabel Siqueira Travancas (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro), Luciana Heymann - Fiocruz
Autoria: O objetivo desta comunicação é apresentar uma breve pesquisa etnográfica sobre as cartas enviadas para o ex-presidente Lula durante o período em que esteve preso - abril de 2018 a novembro de 2019. Estas cartas - que somam mais de 20 mil documentos - foram enviadas para a sede da Política Federal e para o diretório do Partido dos Trabalhadores, ambos em Curitiba, e também para o Instituto Lula, em São Paulo, onde hoje toda a correspondência está sendo catalogada e arquivada. Partindo da ideia de que as cartas pessoais expressam a verdade de seu autor assim como buscam um "efeito de verdade" em seu destinatário, busca-se fazer uma etnografia destes documentos pessoais que, tanto pelo seu conteúdo quanto por seu contexto de produção e circulação, adquiriram forte significado político. Esse significado remete, entre outros aspectos, às situações nas quais muitas cartas foram produzidas como a rodoviária de Brasília, praças públicas, mutirões, comitês pela liberdade do ex-presidente, assentamentos rurais etc. Remete também à publicidade dada nas redes sociais por muitos missivistas às suas próprias cartas e, sobretudo, aos usos conferidos ao acervo pelo Instituto Lula e por outros atores sociais no contexto da campanha #Lulalivre.
Como nasceram os direitos dos/as adolescentes LGBT em conflito com a lei no estado do Paraná: uma etnografia da elaboração de uma política pública
Autoria: Marcela Guedes Carsten da Silva (UFPR - Universidade Federal do Paraná)
Autoria: Este artigo trata da adaptação da política socioeducativa – área do direito utilizada na responsabilização criminal no caso de cometimento de crime por pessoas menores de 18 anos - para os casos de adolescentes LGBT em conflito com a lei no estado do Paraná. O órgão governamental responsável pela administração dessa política é a Secretaria de Estado da Justiça, work e Direitos Humanos (SEJU). Em maio de 2017, a SEJU publicou uma orientação técnica, um documento direcionado aos/às servidores/as que atuam com os/as adolescentes em conflito com a lei, com o objetivo de orientar sua atuação profissional a fim de garantir a integridade física, psicológica e moral dos/as adolescentes LGBT presos. A publicação dessa orientação técnica iniciou a discussão no âmbito da SEJU sobre a adaptação da política socioeducativa para os/as jovens LGBT, sendo esta uma das primeiras iniciativas registradas no Brasil. Após o acompanhamento desse processo na qualidade de servidora temporária da SEJU, diretamente envolvida na elaboração destes materiais, busco descrever e refletir etnograficamente sobre as primeiras reuniões do grupo de work, diretamente envolvido na elaboração da política pública.
Definições, práticas e discursos sobre a subnotificação na vigilância epidemiológica da sífilis no Brasil: etnografia a partir de boletins epidemiológicos.
Autoria: Eduardo Doering Zanella (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: Este work apresenta como objeto de estudo o fenômeno da subnotificação no campo da vigilância epidemiológica da sífilis no contexto brasileiro. Objetiva-se descrever como a subnotificação é definida, manejada e discursivamente acionada em diferentes cenários epidemiológicos da sífilis no país: quando concebida como um grave problema de saúde pública, mas normalizado e, mais recentemente, em 2016, quando conceptualizada como uma epidemia. Está é uma pesquisa documental, cujo universo de estudo concentra-se nos boletins epidemiológicos destinados a divulgar indicadores de saúde relacionados à sífilis, publicados desde 2004. Os documentos são concebidos como atores fundamentais na organização de modelos de atenção à saúde, bem como cristalizações de controvérsias relativas aos temas tratados. É pertinente, também, considerá-los como fontes de informação sobre as categorias conceituais mobilizadas no universo do sistema de saúde brasileiro, passíveis de serem problematizadas a partir de experiências etnográficas em lócus específicos. A subnotificação é tomada para análise a partir da problematização das relações entre indicadores de saúde e escalas. Entende-se que indicadores de saúde constituem instrumentos de escala, inerentemente relacionais e comparativos. Ou seja, ferramentas que permitem o dimensionamento da doença entre registros espaciais, temporais e populacionais, bem como permitem a comparação das características da doença entre esses diferentes marcos. As escalas, por sua vez, são consideradas processos e não produtos pré-determinados: o efeito material mais ou menos estável de um work conceitual e prático. A subnotificação é entendida como uma lacuna, ausência ou falta no processo de quantificação epidemiológica da sífilis, de modo que sua definição é sujeita a alterações, o que também permite uma multiplicidade de interpretações de seu significado na avaliação do cenário epidemiológico da sífilis no Brasil. No material analisado, a subnotificação da sífilis passou a ser entendida como casos identificados, mas não registrados; como diferença de casos notificados e casos estimados; como a diferença entre diferentes indicadores de quantificação de doenças; e também como registro incorreto de categoria nosológica no ato da notificação. Cada uma dessas definições gera discursos diferentes sobre o cenário epidemiológico da sífilis, tanto em termos de confirmação do aumento do número de casos da doença no Brasil e, consequentemente, consolidando a ideia de que há uma epidemia em curso, quanto com o objetivo de mitigar a avaliação do cenário epidemiológico da sífilis no país. A análise realizada sugere a potência da etnografia a partir de documentos para compreensão dos processos de quantificação epidemiológica de doenças e agravos.
Entre documentos, moralidades e pontos cegos: a produção do “louco-criminoso” e do “doente em conflito com a lei” na determinação de medida de segurança
Autoria: Sara Vieira Antunes (fapesp), Carolina Bianchini Bonini
Autoria: A categoria jurídica medida de segurança, promulgada no código penal brasileiro de 1940, esteve, desde sua instituição, envolta por disputas de saberes e certo obscurantismo quanto às condições de sua aplicação e possíveis encaminhamentos jurídico-terapêuticos. Destinada aos chamados “louco-infratores”, é mantida por políticas de governo que trabalham nas zonas cinzentas do Direito Penal e da Psiquiatria, onde procedimentos burocráticos e pontos cegos de ambas as áreas produzem regiões e pessoas socialmente invisíveis. Nessa direção, o objetivo da apresentação é discutir a produção de documentos, moralidades e pontos cegos nos trajetos judiciais de dois casos que envolveram crimes dolosos contra a vida: o julgamento de Bruno no Tribunal do Júri, acusado da tentativa de homicídio de uma criança de quatro anos, e o julgamento de Gabriel, deliberado a partir de audiências privadas e disputas processuais, acusado do homicídio de sua genitora e da tentativa de homicídio de duas outras mulheres. Ambos os eventos aconteceram no ano de 2016 e envolveram jovens homens, na faixa dos 25 anos, cuja sanidade mental foi questionada ainda na fase do inquérito policial. Bruno e Gabriel estiveram internados provisoriamente em unidades prisionais-manicomiais do estado de São Paulo, que atualmente compreendem três Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) e duas alas psiquiátricas em presídios comuns, uma no Centro de Detenção Provisória (CDP) III de Pinheiros e outra na Penitenciária III de Franco da Rocha, destinadas às pessoas que cumprem medida de segurança. Nos dois casos, as partes — defesa e acusação — debatem sobre o destino mais adequado para alguém que, diagnosticado com transtorno mental e tomado como inimputável, entrou em conflito com a lei. Os caminhos judiciais produzidos dependem de uma série de variáveis, mas são, sobretudo, definidos por jogos de enquadramento e eclipsamento. Isto é, o desfecho final e as trajetórias institucionais são confeccionadas, em grande medida, pelo que entra na disputa e pelo que é eclipsado por ela. Como resultado, emergem duas figuras distintas: o “louco-criminoso” e o “doente em conflito com a lei”.
Etnografia do fazer leis em documentos no Congresso Nacional: reflexões a partir de pesquisa sobre o PL 1399/2003 na Câmara dos Deputados
Autoria: Bruna Potechi (UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos)
Autoria: Analisar a produção de leis no Congresso Nacional é de certa forma acompanhar uma intensa fabricação de projetos de leis, emendas, votos, pareceres, ou o que podemos chamar de documentos. Em meu doutorado eu acompanhei a tramitação do projeto de lei 1399/2003 intitulado “Estatuto da Mulher” na Câmara dos Deputados entre 2003 e 2004. Após a apresentação do projeto de lei e durante sua tramitação outros documentos foram produzidos como aqueles que direcionavam ações sobre sua tramitação na Câmara dos Deputados, como despachos e atos da presidência, que debatiam o texto e sugerindo ações pela Comissão Especial que o analisava, como emendas, e que registravam o andamento da comissão, como notas taquigráficas de reuniões, arquivos de áudio, listas de presença, atas, pautas, termos. Reflexões em espaços estatais e burocráticos e pesquisas com textos, registros e ações me direcionaram, desde o início da pesquisa, a reconhecer a centralidade dos documentos no campo de pesquisa. Ainda que não seja recente o reconhecimento da centralidade da “escrita burocrática” em instâncias burocráticas e estatais por pesquisadores e antropólogos (WEBER, 1978; GUPTA, 2012; HULLL, 2012), uma mudança de perspectiva destes para “objetos de atenção etnográfica” é mais recente e, ousaria dizer, ascendente na disciplina (RILES, 2006; GUPTA, 2012; NAVARO-YASHIN, 2007; FELDMAN, 2008; BRENNEIS, 2006; FERREIRA, 2013; LOWENKRON, FERREIRA, 2014). Estas abordagens permitem que documentos ganhem espaço nas análises não apenas por aquilo que descrevem, e não apenas como mediadores, mas acabam virando eles próprios objetos etnográficos. A centralidade de documentos no meu campo e a possibilidade de analisá-los pela forma, conteúdo, dentro e fora de contexto me provocaram a observá-los enquanto objetos que promoviam, realizavam e registravam a produção legislativa na Câmara dos Deputados. O artigo analisará através de uma etnografia da produção de leis na Câmara dos Deputados os documentos que constituem o campo da pesquisa interessada em etnografar a produção legislativa no Congresso Nacional. A partir de um diálogo com antropólogos interessados em conduzir etnografias de documentos, o artigo explora a partir de questões do campo de pesquisa a (1) complexidade da categoria documentos no campo mencionado, (2) faltas e dificuldades em acesso a informações, (3) diferentes descrições de mesmas cenas explorando a partir de uma ampliação do campo de pesquisa as saídas metodológicas da pesquisadora. Por fim, o artigo reflete não apenas sobre a categoria documentos e possibilidades de investidas etnográficas, mas na centralidade de tais artefatos a serem explorados ao analisar a produção de leis no Congresso Nacional.
Etnografia no Palácio da Polícia: práticas suicidas através de inquéritos policiais
Autoria: Sara Caumo Guerra (UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Autoria: Há um longo percurso da pesquisa em Antropologia que toma para si a produção de documentos e os próprios documentos como objetos de análise, especialmente quando trabalhamos com sociedades fortemente marcadas pela materialização de suas dinâmicas através desses suportes. A Antropologia já produz discussões específicas sobre a etnografia de arquivos e de documentos, onde a noção de seguir os desdobramentos dos documentos, mais recentemente, articula-se com a atenção aos processos tecnológicas e institucionais de produção de materialidades. Quando a/o antropóloga/o tem a oportunidade de acompanhar as práticas que conformam dispositivos de registro, algumas particularidades dos processos podem compor a etnografia. É essa a circunstância atual de minha pesquisa de doutorado sobre as práticas suicidas na cidade de Porto Alegre/RS. Diante de um tema de difícil aproximação, e dada sua categorização como “crime violento”, passível de investigação policial, tenho apostado na estratégia metodológica de acessar os inquéritos produzidos pelos agentes da polícia civil no decurso das investigações sobre a morte, à princípio passível de dúvida sobre sua forma e motivação. Antes de conhecer as práticas de investigação levadas à cabo pelas/os policiais civis, chamou-me a atenção a fabricação de cartas, bilhetes e notas pelas pessoas suicidas. Entrando em contato com alguns desses documentos e relacionando-os com a literatura sobre a categoria de testemunho e as implicações dessas elaborações para o debate sobre produção da pessoa na contemporaneidade brasileira, entendi que seria necessário encontrar uma maneira de inventariar o maior número possível desses materiais. A partir dessas reflexões, negociei minha entrada na 2ª Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa de Porto Alegre, uma das seis delegacias que cobrem a cidade. Atualmente, tenho me inserido no Palácio da Polícia do Estado do Rio Grande Sul, entre agentes da polícia civil, os quais vêm manifestando especial interesse sobre o tema, oferecendo informações não disponíveis nos próprios inquéritos. Além disso, o lugar da pesquisa tem me permitido ouvir conversas sobre a própria produção dos inquéritos, algumas delas que refletem particularidades do work acadêmico. Estou interessada em como as cartas, bilhetes, notas de suicidas aparecem nos inquéritos policiais. Em como as pessoas que se matam são representadas nas situações em que narram as suas motivações e naquelas em que não narram. Me interessa também observar o que se repete nos inquéritos e o que os torna particulares, numa tensão entre o singular dos casos e as tecnologias de investigação e de governo. Por fim, tento refletir sobre a produção da pessoa na contemporaneidade através de situações-limites e de agentes heterogêneos.
O que os arquivos (não) contam: reflexões sobre a etnografia de arquivos na pesquisa antropológica.
Autoria: Gabriela Costa Limão (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas)
Autoria: Ao longo de minha pesquisa de mestrado, tenho analisado a trajetória da Editora Corrupio, que se lançou no mercado editorial brasileiro com o livro Retratos da Bahia (1979), do etnólogo e fotógrafo francês Pierre Verger. Sob a administração majoritária de mulheres ao longo dos seus 40 anos, a Corrupio tem se dedicado à publicação de livros que se voltam para temáticas de “culturas negras e diáspora africana” . Durante este período, suas editoras realizaram a organização e catalogação de diversos documentos sobre a editora, seus participantes, autores e amigos. Neste work, proponho apresentar uma parte deste arquivo e, por meio dela, trazer reflexões metodológicas e teóricas que serão abordados nesse espaço de pesquisa (Sorá, 2015), tendo em vista a produção de uma etnografia do arquivo. Ao olhar para ele, aplico a dúvida metódica (Idem), buscando a gênese do arquivo e de que modo ela está ou não relacionada à gênese da editora, bem como a motivação para a catalogação de determinados documentos e os intuitos de suas arquivistas. Além disso, proponho uma discussão sobre o lugar do arquivo na pesquisa antropológica, apostando no seu papel de interlocutor que traz uma narrativa específica a respeito da trajetória da editora.
Os limites e as possibilidades de lidar com documentos normativos e administrativos nos “espaços abertos” da burocracia estatal
Autoria: Lilian Leite Chaves (UFRR - Universidade Federal de Roraima)
Autoria: Olhar através e olhar para os documentos se configuram como dois movimentos fundamentais para dimensionar a importância dos documentos na pesquisa etnográfica, sobretudo, nas pesquisas sobre instâncias estatais. A entrada dos pesquisadores em arquivos físicos ou em seções de órgãos estatais tem sido a via mais comum para os estudos etnográficos sobre documentos, sobretudo, a respeito dos seus processos de produção, circulação e de seus efeitos. Tal entrada é negociada e o acesso regulado, ora por normas vigentes para todos que trabalham no local, ora por normas especificas que visam controlar o work do pesquisador. O work etnográfico acaba por considerar os documentos e todo o seu entorno, e também por se considerar o controle que recai sobre o seu acesso e circulação. De maneira diferente, o objetivo desse work é adentrar a burocracia estatal a partir dos seus “espaços abertos”, isto é, sites e plataformas de governo que permitem ao pesquisador acessar documentos pela internet, sem uma prévia negociação para a pesquisa. Faz parte desse objetivo uma reflexão sobre os limites e as possibilidades de olhar para e através de documentos normativos e administrativos – como decretos, leis, portarias, resoluções, relatórios de gestão, relatórios de conferências, acordos –, a fim de alcançar as suas relações e os seus efeitos para as populações por eles impactadas e para as dinâmicas e práticas estatais. Para fundamentar essa reflexão, a entrada etnográfica se dará a partir de documentos referentes ao campo da saúde mental, buscando mostrar como a partir dos documentos se organiza ao mesmo tempo a busca por cidadania, a reorganização de serviços, a construção de políticas públicas, um pouco do processo de fazer-se Estado.
Práticas de poder e produção de documentos: encarando registros a partir da materialidade produzida por um Inquérito Civil Público instaurado pelo Ministério Público
Autoria: Luciana da Silva Sales Ferreira (UNB - Universidade de Brasília)
Autoria: O Projeto minerário Minas-Rio, empreendimento do conglomerado britânico Anglo American, inclui, além de um mineroduto e um porto, uma mina de minério de ferro, em Conceição do Mato Dentro/MG. A gravidade das mudanças e danos deflagrados pelo empreendimento e as denúncias das comunidades mobilizadas, em face de um processo de licenciamento caracterizado pelo subdimensionamento dos impactos, pelo desconhecimento do universo sociocultural afetado, e por denúncias recorrentes de violações de direitos, impulsionaram iniciativas diversas do Ministério Público, visando seja à judicialização, seja à resolução negociada dos conflitos. O foco do work são os documentos produzidos durante o processo de instalação do empreendimento, com o propósito de investigar o campo de relações e o conjunto de práticas vislumbradas pela análise da materialidade produzida por um Inquérito Civil Público (ICP) instaurado pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG). Os documentos, como tecnologia de Estado, são analisados por suas dinâmicas, efeitos e poderes mobilizados por meio dos procedimentos institucionais: audiências e reuniões públicas, recomendações legais, requisições, vistorias, notificações, tecnologias de mediação e termos de ajustamento de conduta. O work pretende refletir como categorias e concepções que estão em disputa nos registros do Inquérito - violação, direitos humanos, danos, impactos – interagem nesse encontro entre agentes e formas de classificação. O Inquérito se constitui por um conjunto de documentos de autoria além do MPMG, de atingidos e da empresa. O trâmite se constitui quase sempre de: documentos/denúncias dos atingidos que subsidiam documentos/procedimentos da instituição que cobram documentos/respostas da empresa.Os registros não apenas produzem esses diferentes agentes que se apresentam como atingidos, Anglo American e Ministério Público, como também homogeneízam grupos construídos por sujeitos com diferentes posicionamentos. Seguir os documentos do Inquérito é seguir a maneira como as denúncias de violações de direitos humanos foram, no tempo e no espaço, atualizadas, elaboradas e disputadas pelos diferentes agentes, configurando valores e embates moral e simbólico. O desencadeamento e os efeitos das intervenções estatais produziram a gestão temporal e espacial de sujeitos de direitos com a pretensão de torná-los cidadãos empoderados, isto é, mobilizados pelos seus direitos de maneira eficaz e engajada em negociar, colaborar e solucionar consensualmente.
Problemas na pesquisa sobre escrita popular: o espólio de Carolina Maria de Jesus
Autoria: José Ignacio Monteagudo Robledo (UNED)
Autoria: O estudo das culturas e das sociedades através dos documentos produzidos pelas classes populares tem uma longa tradição no Ocidente, estimulado pelo desenvolvimento de disciplinas como a linguística, a história, a sociologia e a antropologia. O interesse pela conservação da escrita popular ultrapassou o domínio acadêmico a partir da iniciativa da sociedade civil foram criados diversos centros documentais para preservar cartas, cadernos, diários, cadernos de contabilidade e outros documentos produzidos por pessoas pouco alfabetizadas. Apesar da responsabilidade dos Estados e dos organismos internacionais na proteção pública dos bens patrimoniais, a maior parte desses acervos continua em mãos da iniciativa privada, ou sob a custódia de instituições não especializadas, colocando em risco a conservação dos documentos e dificultando o acesso aos pesquisadores. O caso do espólio da escritora popular Carolina Maria de Jesus concentra de forma aguda uma problemática que merece uma aproximação etnográfica em perspectiva comparada. Neste work se apresentam os avanços de uma pesquisa que tem como objetivo tentar conhecer como foram e são usados os cadernos de Carolina desde sua produção, em meados do século passado, até o presente, relacionando as distintas intervenções materiais (gráficas, arquivísiticas) nos documentos com os processos de mediação que afetaram os escritos, desde sua produção à publicação. Um primeiro questionamento surge do seguinte paradoxo: por um lado, a figura de Carolina Maria de Jesus experimenta atualmente um reconhecimento literário e cultural enorme, mas ao mesmo tempo o acesso a sua a obra só é possível através de edições parciais e pouco respeitosas com os documentos originais, os quais têm recebido um tratamento bem diferente dos manuscritos de outros autores. De fato, o espólio, composto por 56 cadernos manuscritos, além de outros materiais, está disperso em meia dúzia de instituições custodiadoras, algumas das quais sem condições suficientes de preservação documental. O marco teórico e metodológico apoia-se na antropologia da comunicação e na etnografia da cultura escrita, com uma orientação necessariamente interdisciplinar que inclui tanto a análise do discurso quanto a observação e as entrevistas com os agentes implicados.
Só vale o que está escrito: uma etnografia da produção documental de uma organização indígena
Autoria: Andréia Baia (DSEI-ARJ)
Autoria: A discussão proposta tratará a respeito dos documentos produzidos por uma organização indígena, a Federação do Povo Huni Kuĩ do Acre (FEPHAC), focando na maneira como os documentos constroem o discurso da organização perante seus representados e estabelecem o diálogo com o Estado não-indígena. Os papéis produzidos – cartas, ofícios, atas, encaminhamentos, normativas – são utilizados para construir um caminho dialógico com as burocracias do mundo não indígena, ao mesmo tempo em que buscam se firmar na tradição do povo Huni Kuĩ das repetições melódicas entoadas pelo Cacique Tradicional (Shaneibu) à comunidade para produzir animação, e, portanto, para serem eficazes, devem atentar sobre as regras éticas desse povo, no qual o chefe, para ser respeitado, não pode dar ordens. Nesse sentido, a Federação e os documentos por ela produzidos precisam operar em um duplo registro: o modelo tradicional de Chefia Huni Kuĩ, e as regras jurídico-administrativas estatais. O interesse aqui é, portanto, perceber como uma sociedade ágrafa se apropria da escrita para construir sua própria autonomia, para se fazer reconhecer perante o Estado não-indígena e com ele dialogar, e, principalmente, para assegurar que o povo que se sinta participe e representado pela organização que eles mesmo criaram.
Tensões e saberes: violência sexual, mulheres indígenas e produção documental na Amazônia urbana
Autoria: Dulce Meire Mendes Morais (USP - Universidade de São Paulo)
Autoria: Este work se inicia por meio de um relato do caso de assassinato de duas mulheres indígenas em São Gabriel da Cachoeira, cidade do interior amazonense, no ano de 2016. Além de mortas, essas mulheres foram violentadas sexualmente. Ainda, segundo o relato, as declarações de óbitos destas mulheres não mencionavam nenhuma informação sobre a violência sexual que elas sofreram. Desta forma, este work busca compreender a maneira como casos emblemáticos de estupro e feminicídio em São Gabriel da Cachoeira são reelaborados e reescritos socialmente em documentos pelas agências do Estado local e também como são reelaborados pelos moradores da cidade. Os moradores desta cidade contam que “todo mundo sabe” sobre estes casos de violência sexual cometidos contra estas mulheres (OLIVAR, 2019). Com isso, pretendo então analisar a tensão entre as narrativas do Estado e as narrativas dos moradores sobre estes crimes. Desta forma, entender como a trilha de documentos (MORAWSKA, 2014) estatais (declarações de óbitos, boletins de ocorrência e inquéritos policiais) produzem o corpo morto, que é um corpo específico (indígena, feminino) se torna necessário. Porque a construção da trajetória burocrática (FERREIRA, 2009, p. 28) e jurídica a respeito dessas mulheres se torna fundamental para compreender como a informação da violência sexual é trabalhada na produção dos documentos. Pensar a produção de documentos sobre homicídios de mulheres indígenas que foram violentadas sexualmente antes de sua morte é também pensar na construção e atribuição de uma história que oficializará o que ocorreu com a vítima. A discussão sobre silenciamento dos documentos também é de suma importância para se pensar o apagamento da violência sexual por meio dos documentos estatais. E, ainda colabora a pensar o que entra e o que não entra nestes papéis oficiais (STOLER, 2006); como isso interfere nos números de notificações, na produção de políticas públicas e também, a pensar quais vidas importam (BUTLER, 2011), quem se deixa morrer e se faz viver (FOUCAULT,1999). Cabe mencionar que o work de campo para a realização deste texto teve início no mês de fevereiro e tem previsão para ir até o mês de maio de 2020. Desta maneira, os documentos e narrativas que pretendo estudar estão em processo de construção, sendo apresentadas aqui uma primeira e breve sistematização do que o campo e bibliografias têm me proporcionado até o momento. Também é necessário dizer que este é um recorte da minha dissertação de mestrado que está em andamento. Espera-se, com este work, contribuir para o debate de violência de gênero, de produção de dados; além de repensar a institucionalização destes corpos dentro do campo da antropologia e saúde pública.
Uma etnografia de arquivos pessoais: correspondências da perseguição ao exílio político durante a ditadura militar brasileira
Autoria: Pilar Saldanha de Miguel (PPGSA/UFRJ)
Autoria: O presente work de pesquisa é fruto de uma experiência pessoal e familiar. A partir de arquivos pessoais que chegaram às minhas mãos através de vínculos de parentesco, proponho-me a elaborar uma etnografia de documentos. Neste work, introduzo questões iniciais e reflexões à analise de correspondências de meu pai durante a perseguição e exílio político no período da ditadura militar brasileira. A pesquisa em andamento parte da antropologia e toma os documentos como artefatos da história decorrentes de relações entre pessoas, compreendendo estas como relações primárias à existência humana, incorporadas em uma matriz de relações com outros (Strathern, 1990). Faz-se necessário o diálogo entre a literatura sobre arquivos pessoais do campo da história política com o campo da antropologia de documentos, à literatura de memória, verdade e justiça. Aos debates que sucederam a ditadura militar, constituiu-se enquanto movimento social e acadêmico, como parte da articulação teórica e política na América Latina de mobilizações frente aos impactos causados por ditaduras, pautados pela luta por reparação, políticas públicas e pela memória social coletiva. Ressalto que o campo de estudos da memória atrelado ao campo da memória, verdade e justiça compreende o reconhecimento de estudos e da articulação política de familiares de perseguidos políticos, mortos e desaparecidos. Para esta comunicação pretendo estabelecer três frentes de reflexão: primeiro, a questão teórico-metodológica – compreender estes arquivos em uma abordagem etnográfica suscitou perguntas primárias, tal qual em um work de campo ante pessoas: como cheguei “aqui”, quais são as interlocuções e caminhos para a inserção neste campo; qual a relação como pesquisadora com o objeto de análise, neste caso, permeada por conexões de familiaridade e parentesco, o que leva à segunda questão; quais os desafios e consequências dos vínculos de parentesco com o material e pessoas relacionadas a ele; por fim, de que modo a dimensão material dos arquivos revela vínculos, relações entre pessoas, os limites e motivações no contexto da perseguição política do regime, em deslocamentos e migração forçada. Falo sobre memórias materializadas em cartas e correspondências do período datado entre meados da década de 1960 à década de 1970, cuja comunicação em papel possuía forte apelo às relações à distância. Falo sobre relações de distância e proximidade entre familiares, amigos, amores e companheiros de militância materializada nestes papeis que se apresentam como objetos de reflexão sobre condições da existência sensível afetiva e coletiva, bem como das condições de existência da vida material de pessoas no contexto do autoritarismo.
“Acho chique aparecer no jornal”: reflexões sobre pesquisa documental realizada no circuito Drag on/offline de Santa Maria Sul do Brasil.
Autoria: Rafaela Oliveira Borges (UFSM - Universidade Federal de Santa Maria)
Autoria: Neste resumo destaco questões que foram trabalhadas em minha dissertação de mestrado e seguem sendo aprofundadas no curso de doutorado. As/os artistas Drag Queens, Kings e Queers e o circuito on/offline Drag que constituem em Santa Maria/RS fazem parte do tema de estudo desta pesquisa. Partindo de perspectivas da antropologia urbana e digital, desde 2017, busco compreender as interações das Drags com os espaços urbanos e as mídias digitais - Facebook, Instagram e Youtube - sugerindo a constituição de um circuito Drag em um “contínuo” on-off de espaços com performances, sociabilidades e “experimentações de si” (LEITÃO E GOMES, 2018) das Drags. Neste work intento refletir sobre a realização de pesquisa documental articulada ao fazer etnográfico desenvolvido, destacando dois momentos para sua realização, bem como seu efetivo uso na pesquisa. Inicialmente busquei realizar a pesquisa documental como forma de contextualizar a cena drag “tupiniqueen”, ou seja, a cena drag nacional e suas aproximações ou distanciamentos com a cena drag santa-mariense. Partindo de documentários, matérias e reportagens de jornais, revistas, blogs, sites da internet e postagens das Drags nas mídias digitais, dei início, muito gradualmente, a uma aproximação com meu campo de pesquisa, alcançando, assim, um “olhar etnográfico” (OLIVEIRA, 1998), para minha posterior entrada em campo. Nesse sentido, apresento esta contextualização histórica ressaltando o fenômeno do “transvestismo” (VENCATO, 2003), realizado por artistas Transformistas até o uso do termo Drag Queen na década de oitenta; ainda as características dessas experiências artísticas, os contextos vividos e os espaços ocupados, como teatros, programas de televisão e concursos de calouros/as. Na sequência destaco outro momento da pesquisa documental, em que ela é constantemente atualizada como forma de registrar os movimentos da cena drag santa-mariense. Fazem parte dos documentos, além de documentários, matérias de jornais locais, dissertações e teses, algumas escritas por artistas Drag santa-marienses, o acervo de imagens fotográficas das próprias Drags, que contam suas trajetórias e, igualmente, da cena que constituem na cidade. Assim, ressalto a pesquisa documental realizada prestando-me maior entendimento sobre a cultura drag, fornecendo conhecimentos gerais para minha entrada em campo; bem como o fato de que a incorporação da pesquisa documental de forma simultânea ao processo de produção deste work, tornou-se imprescindível para a narrativa histórica do circuito on/offline Drag; evidenciando seus fluxos e deslocamentos históricos, suas inserções nas paisagens urbanas e, recentemente, nas mídias digitais.
Antropologia e arquivo: uma reflexão etnográfica sobre a organização de arquivos pessoais
Autoria: Anna Beatriz Oliveira Menezes Costa (FGV CPDOC)
Autoria: O presente work é fruto de uma reflexão a partir da minha experiência na organização de arquivos pessoais. Enquanto estagiária do Programa de Arquivos Pessoais (PAP) do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (FGV CPDOC), participei da higienização, da organização e da digitalização de documentos pertencentes a arquivos diversos. Nesse processo, percebi que os arquivos são muito mais do que uma fonte de pesquisa histórica: eles são um campo, em termos antropológicos, repleto de potencialidades e de riquezas. Com isso, o desenvolvimento de um olhar etnográfico sobre o acervo se faz necessário e presente, atuando não só sobre o documento em si, mas também acerca das formas pelas quais um arquivo pessoal é constituído (HEYMANN, 2014). Assim, busco discutir de que maneira o contato com os documentos pode nos afetar (FAVRET-SAADA, 2005), como a organização de um arquivo pessoal representa um ritual (PEIRANO, 2003) e quais são as possibilidades de pesquisa obtidas por meio dos documentos.
CORPOS DESVALIDOS: a construção de representações sobre sexualidade, gênero e moralidade nos processos judiciais de defloramento em Marabá. 1920-1940.
Autoria: Naara Fernanda da Silva Mendes (UNIFESSPA - Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará)
Autoria: O presente work tem como objetivo analisar a construção do discurso jurídico sobre o gênero feminino através dos processos-crimes de defloramento encontrados no Centro de Referência em História e Memória do Sul e Sudeste do Pará (CRHM/UNIFESSPA), no período de 1920 a 1940, no município de Marabá. Considera-se que tais discursos, mediante o disposto no Código Penal da república, de 1890, projetavam a imagem de mulher ideal que carregava no seu corpo a sacralidade da virgindade, gestada pela moral cristã, pelas pressões da Instituição familiar e implicitamente, pela legislação pátria. As contradições entre o texto da lei e sua aplicabilidade, sobressaiam no decorrer dos inquéritos investigativos e processos; assim definiam, e classificavam os corpos entre “profanos” e “honestos”. Isto posto, a partir da leitura etnográfica do documento problematizaremos as representações sociais, as narrativas que interferiam na construção da verdade jurídica nas quais nos alertar para o fluxo continuo dos valores patriarcais, da objetificação dos corpos de meninas pobres; do delineamento dos papeis sociais atribuídos aos envolvidos, bem como das posições que ocupavam as Instituições sociais.
Documentos: Os esforços e as relações sociais na formação de informações, da História e de memórias.
Autoria: Kaléo de Oliveira Tomaz (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas)
Autoria: Este work se propõe a discutir qual seria a natureza da documentação antropológica, bem como quais são as possibilidades de se fazer uma etnografia sobre e deles. Ainda que o recurso à documentação etnográfica histórica em antropologia não seja recente, viu-se aumentar os espaços para uma reflexão sobre as implicações os usos dessas fontes nas últimas décadas, principalmente para compreender a trajetória de diversos antropólogos e da própria disciplina. Proponho contribuir com esse debate a partir de uma análise que se inicia em um ponto específico: um conjunto de documentação pertencente ao arquivo de Roberto Cardoso de Oliveira (1928-2006), depositado no Arquivo Edgard Leuenroth da Unicamp. Pretendo pensar sobre a constituição de uma coleção arquivística, bem como os múltiplos significados possíveis de seu estudo. É preciso questionar se de fato esse conjunto tem a capacidade de reter informações e memórias, e de quais tipos. Mais do que isso, é preciso também pensar quais os desafios que são impostos aos documentos, dado as crescentes transformações tecnológicas e de informática. Também pretendo refletir sobre esses processos a partir de uma comparação entre o sentido que três antropólogas fazem à palavra “Documento”: Mariza Peirano, Olivia Maria Gomes da Cunha e Maria Cristina Castilho Costa. Cada uma delas faz seu work se debruçando sobre Documentos diferentes, sendo que enquanto a primeira foca nos documentos pessoais, como a carteira de identidade, a segunda está olhando para documentos arquivísticos que antropólogos desenvolvem durante sua carreira. Já a terceira autora desenvolve sua discussão sobre documentos arquivísticos produzidos pela censura estatal. Cada um desses tipos de Documentos, embora tenham origens e funções diferentes, ainda são alvo de uma pesquisa etnográfica documental. Desta forma, analisar o que unifica a estes três tipos de “papeis” possibilitando uma etnografia de documentos ajuda a iluminar as questões e as investigações que tiveram partida nos documentos pertencentes ao arquivo Roberto Cardoso de Oliveira. Isto porque, analisar as congruências e semelhanças no work das três autoras, tanto em suas perguntas quanto em suas respostas, permite compreender o que constitui um documento no pensamento antropológico.