GT 69. Práticas, políticas e discursos no campo da saúde mental

Coordenador(es):
Érica Quinaglia Silva (UNB - Universidade de Brasília)
Sônia Weidner Maluf (UFPB - Universidade Federal da Paraíba)

Sessão 1
Debatedor/a: 
Ana Paula Müller de Andrade (Universidade Estadual do Centro Oeste -UNICENTRO)

Este Grupo de Trabalho (GT) visa a reunir pesquisas que abordem práticas, políticas e discursos no campo da saúde mental. A proposta comporta, de um lado, abordagens das práticas de autoatenção e cuidado, itinerários, agenciamentos sociais, saberes locais e/ou tradicionais como estratégias de sujeitos e coletividades para vivenciar e agenciar o processo de saúde-adoecimento mental; e, de outro, políticas públicas e ações do Estado, processos de institucionalização e/ou desinstitucionalização, redes de atendimento, políticas pretensamente universais e seus mecanismos discricionários nos modos desiguais de distribuição de direitos, incluindo as mudanças na política nacional de saúde mental e de álcool e outras drogas desencadeadas desde 2016. Assim, etnografias do Estado e das políticas públicas, em serviços de saúde mental e instituições psiquiátricas, sobre itinerários, histórias de vida, práticas de usuários, familiares e profissionais da saúde são alguns temas previstos. Gênero e sexualidade, raça, classe, etnia, geração e deficiência são alguns dos marcadores sociais que serão considerados nas discussões do GT. A intenção é proporcionar a interlocução entre trabalhos que apresentem reflexões baseadas em pesquisas e/ou experiências que contribuam para a ampliação da compreensão das questões atinentes aos processos de sofrimento, aflição, perturbação e/ou adoecimento no campo em questão, suas práticas, políticas e discursos a partir de um olhar antropológico.

Palavras chave: saúde mental; Estado; agenciamentos sociais
Resumos submetidos
"Descongelar a memória": reflexões sobre a relação entre Estado e família na desinternação dos pacientes de manicômios judiciários
Autoria: Túlio Maia Franco (UFRJ)
Autoria: Nesta apresentação eu descrevo ao mesmo tempo a importância da família para os profissionais que trabalham com a medida de segurança para a desinternação do paciente e a dificuldade dos familiares em voltarem a conviver com o parente que foi preso. A partir desse ponto de tensão descrevo o modo pelo qual a desinternação pressupõe um acúmulo subjetivo em que o desinternante deva ser considerado um sujeito biologicamente estável, moralmente responsável e “sujeito de direitos” para que saia do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP). Dou especial importância à esta última categoria, “sujeito de direitos”, compreendendo-a, junto com as demais, como um dispositivo de subjetivação.
"Os mais fortes cuidam dos mais fracos": os medicamentos e as práticas-outras de cuidado em um hospital psiquiátrico asilar
Autoria: Sabrina Melo Del Sarto (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina)
Autoria: Neste work, apresento um fragmento de uma etnografia sobre a vida social de moradores de uma ala asilar de um hospital psiquiátrico, a fim de observar maneiras particulares pelas quais os residentes permanentes vivem a/na institucionalização. O enfoque deste estudo será as relações entre os moradores e os medicamentos que podem, naquele contexto, serem pensados em duas categorias: uma primeira referente aos remédios de ordem psíquica, conhecidos como “psicotrópicos” ou, entre os moradores, como “remédio de cabeça” e, segundo, os “remédios normais”, aqueles medicamentos para questões-outras que os moradores enfrentam no dia a dia (como dores diversas, desconfortos, entre outros). Observei, de maneira geral, que um aumento dos medicamentos acarreta numa diminuição da necessidade de práticas de cuidado momentâneo e, por outro lado, a diminuição destes medicamentos exige também um aumento nessas mesmas práticas. Vale lembrar que entendo o cuidado tal como definiu Mol (2008), como um work compartilhado, envolvendo não apenas profissionais, mas também os moradores e outros seres humanos ou tecnologias (MOL, 2008, p. 32). Chamo atenção para o fato de que nas práticas de cuidado, os moradores não são somente “passivos” ou “pacientes”, eles compõe com as possibilidades institucionais (MOL, 2008, p. 7). Percebi, portanto, que os tratamentos psiquiátricos eram exacerbados e havia uma grande quantidade de comprimidos psicotrópicos disponíveis, entretanto, quando os moradores tinham outros desconfortos e precisavam de outros cuidados e tratamentos, deviam percorrer um longo caminho até que pudessem ser atendidos e, nestes espaços, articulavam com a cotidianidade institucional e compunham com ela para que pudessem (sobre)viver nas situações que emergiam.
"Quem cuida também precisa de cuidado": As Relações Familiares no Campo do Cuidado no Centro de Atenção Psicossocial - CAPS III
Autoria: Milenna Jordana de Sousa Andrade (UFCG - Universidade Federal de Campina Grande), Milenna Jordana de Sousa Andrade Vanderlan Francisco da Silva
Autoria: Pensar o contexto da saúde mental dos sujeitos em suas relações sociais de práticas e saberes locais de “cuidado”, em particular, quando falamos sobre os usuários de uma rede substitutiva da saúde mental, que teve como contexto um processo de movimentos sociais referente a desinstitucionalização de instituições psiquiátricas, a partir do cenário internacional e brasileiro da Reforma Psiquiátrica. Teremos como foco de atenção a passagem de uma nova dinâmica de tratamento que trabalha com as interfaces de inserção social dos sujeitos que convivem com o adoecimento mental, através de um Centro de Atenção Psicossocial – CAPS III, que atende um público com sofrimento mental severo e persistente. Destacamos os desdobramentos, saindo de uma instituição para o próprio cuidado da família, esta, se constituindo como um “lugar” de tratamento e sociabilidade na qual o “usuário” não vai mais embora. Em particular, o CAPS III, localizado na cidade de Campina Grande, no estado da Paraíba, o estabelecimento do vínculo familiar junto ao tratamento no serviço através das atividades desenvolvidas pelo projeto terapêutico, sendo a família incluída nesse ciclo de cuidado, a partir da criação dos grupos de famílias, guiado pelos profissionais de saúde. Seguindo o norte de “quem cuida também precisa ser cuidado”, o presente work tem como intuito, descrever e analisar as experiências vivenciadas no CAPS III. O o estudo faz parte de um recorte de nosso work de Dissertação. Nele, busco compreender como os sujeitos lidam com o seu sofrimento mental em sua realidade cotidiana, na perspectiva da família. Categorias como “controle” e “cuidado” serão discutidas como elementos que andam indissociáveis que nos ajudaram a compreender essas interfaces das relações familiares. Autoras como Sarti (2004) e Scott (1989) serão pertinentes para pensar as relações de cuidado no campo da saúde mental. Trata-se de um estudo de cunho etnográfico, onde o mesmo se constituiu como fundamental no estabelecimento de estreitamento de contatos no campo de pesquisa, segundo Sônia Maluf (2010), os estudos e desafios que envolvem os contextos dos sujeitos em suas experiências subjetivas se apresenta para as Ciências Sociais, em particular a Antropologia, um campo de possibilidades, através dos novos saberes e diálogos na área da saúde. Como considerações finais desse work, observamos as dificuldades que muitas mães de família enfrentam em seu cotidiano referente ao cuidado com crianças portadoras de transtorno mental, e de como o uso da medicalização intermeia as relações sociais como um todo.
A história de um silenciamento nos arquivos de um hospital: o caso de E.F.P., sapateiro, lobotomizado em 1952
Autoria: Marta Regina Cioccari (UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)
Autoria: A partir de pesquisa documental realizada nos arquivos do Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP), de Porto Alegre (RS), entre 1930 e 1960, analiso, numa perspectiva antropológica, os discursos contidos nas anotações de prontuários de pacientes e as disputas simbólicas empreendidas entre correntes psiquiátricas brasileiras no período. Nesta comunicação, em particular, relato a história de um sapateiro de São Leopoldo (RS), evangélico, de inteligência considerada “normal”, de temperamento “afetivo” e que gostava de ler romances. Pelo menos era assim quando E. F. P. ingressou pela primeira vez no Hospital Psiquiátrico São Pedro, em 3 de janeiro de 1949, com 24 anos. O rapaz teria solicitado a própria internação porque, depois de uma crise iniciada meses antes, achava que “não podia mais com seus nervos”. Nos quatro anos seguintes, reingressaria três vezes no HPSP, tendo sido submetido a uma série de experiências (como choques de insulina e elétricos), sem apresentar melhora. Mas nenhum procedimento se comparava ao definiu seu destino em abril de 1952: a lobotomia. O jovem sapateiro foi internado pela primeira vez no mesmo ano em que um dos inventores da lobotomia, o português Egas Moniz, era condecorado com o Prêmio Nobel de Medicina, em 1949. No começo da década de 1950, portanto, a prática estava em ascensão no meio psiquiátrico mundial. Em artigo publicado no Jornal Brasileiro de Psiquiatria, em 1953, o psiquiatra português Barahona Fernandes destacava que “a extraordinária descoberta da leucotomia pré-frontal de Egas Moniz levando os psiquiatras a intervenções cirúrgicas no encéfalo de alienados crônicos, numa iconoclasta ‘cirurgia do espírito’, levantou (...) grande e tenebrosa tempestade”. Ele afirmava que “reações emocionais e primitivas” haviam sido suscitadas em razão de “o mito insondável da loucura” ter sido atacado “de forma concreta e materialista”. Nos arquivos do hospital, a mesma papeleta que preserva os relatos de sofrimentos e a trajetória de E.F.P. como doente mental, registra também, como testemunha silenciosa, uma ríspida discussão entre o cirurgião que operou o paciente e um psiquiatra que contestava a realização da operação. Esse documento, a meu ver, revela de forma inusitada e significativa o enfrentamento entre duas correntes do pensamento psiquiátrico à época. De um lado, os chamados “organicistas” que, impulsionados pela consagração mundial da lobotomia, cobravam caro a pacientes particulares pelo acesso “ao benefício” de extração de parte do cérebro dos pacientes. No outro polo estavam os representantes da chamada “psiquiatria dinâmica”, os psicanalistas, que consideravam o procedimento uma mutilação e defendiam o uso da psicoterapia como única forma eficaz de um paciente superar seus conflitos.
A inserção das CTs no campo político das políticas de saúde voltadas para usuários de drogas
Autoria: Priscila Farfan Barroso (Bolsista), Daniela Riva Knauth
Autoria: O presente estudo busca explicitar o processo de institucionalização da doxa das Comunidades Terapêuticas (CTs) no campo político das políticas de saúde voltadas para usuários de drogas. A etnografia se deu a partir da pesquisa de doutorado e foi realizada entre 2016 e 2019 junto as federações estaduais de CTs, os Conselhos de Políticas sobre Drogas e a Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul. Ao compreender quem são os atores sociais relevantes, como eles se posicionam e se movimentam no campo político que envolve o “problema das drogas”, passa-se a apreender por quais caminhos percorrem e por quais relações se estabelecem a inserção das CTs nas políticas públicas. Então, podemos dizer que a noção de campo nos ajuda a pensar como se dá essa discussão de políticas sobre drogas, sendo esse um ambiente onde se travam disputas, e nos quais os atores sociais vinculados às CT atuam para fazer valer sua doxa. Por meio da análise do contexto estadual, pode-se compreender as reverberações das mudanças das Políticas sobre Drogas na área da saúde, principalmente com a inclusão das CTs na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Essas mudanças estão institucionalizadas pela Resolução nº 32/2017, do MS, pela Lei nº 13.840/2019 e pelo Decreto nº 9.761/2019 que enfatizam a promoção e a manutenção da abstinência. Diante desse panorama, as CTs deixaram de ser coadjuvantes e passaram a ser protagonistas. Por isso, é relevante compreender como se deu o protagonismo dos próprios atores vinculados às CTs em diferentes instâncias políticas para institucionalizar essas mudanças. Assim, destacam-se a organização política dos atores vinculados às CTs, os acordos feitos entre eles para definir os critérios da “verdadeira CT”, as alianças com atores governamentais, a atuação em conselhos de políticas públicas, a participação em frentes parlamentares contra as drogas, os cursos desenvolvidos pelas próprias federações de CTs para a profissionalização dos trabalhadores de CTs, entre outras estratégias que tensionam o financiamento público das CTs como solução para o “problema das drogas”. Sendo assim, compreende-se que a inclusão da doxa das CTs no campo político, que favoreceu as mudanças legislativas em questão, deu-se também pela mobilização política dos próprios atores vinculados às CTs.
A política nacional de saúde mental e suas (in)adequações: uma perspectiva do Estado “visto de baixo”
Autoria: Wesley Braga da Rocha (UNB - Universidade de Brasília), Érica Quinaglia Silva Gabriel Dourado de Oliveira
Autoria: A medida de segurança é uma sanção penal aplicada àqueles que, ao cometerem um crime, são considerados inimputáveis ou semi-imputáveis pela Justiça por terem transtornos mentais e não compreenderem a ilicitude do ato. Essas pessoas são isentas de pena ou têm a pena reduzida e a elas é imposta a internação em hospitais de custódia ou alas de tratamento psiquiátrico ou o tratamento ambulatorial. O duplo estigma que recai sobre elas, de loucas e perigosas, as situa à margem da sociedade, tornando-as esquecidas pelo Estado. Este estudo visa a entender a medida de segurança no Distrito Federal mediante o conhecimento dessa realidade por aqueles que a vivenciam. Para tanto, foi realizada, em 2016, uma etnografia, por meio de entrevistas e observação participante, com internos da Ala de Tratamento Psiquiátrico, localizada na Penitenciária Feminina do Distrito Federal, além de seus familiares e profissionais que representam o Estado. Nesse contexto, repensar a política nacional de saúde mental e suas (in)adequações permite traçar pistas para alcançar um efetivo cumprimento da Lei nº 10.216/2001 e garantir o direito à saúde dessas pessoas. Nesse sentido, várias lacunas foram verificadas. A principal delas diz respeito à estrutura na qual é cumprida a medida de segurança. A indagação a respeito da viabilidade de tratamento dentro de uma penitenciária mostrou-se presente tanto nas falas de alguns dos internos, como de seus familiares e também de profissionais envolvidos com essa sanção penal. Houve consenso de que aquele não era o ambiente mais propício para a realização de um tratamento, conforme preconiza a mencionada legislação. A periculosidade como fator fundamental para a (des)internação foi igualmente questionada. Alguns dos interlocutores desta pesquisa entendiam que essa noção é ultrapassada e consiste em um dos motivos que levam alguns dos internos a permanecerem indefinidamente enclausurados. Os fatores identificados pela pesquisa mostram a necessidade de se atentar para a saúde mental como pauta da agenda política. Exercer um diálogo entre as demandas dos internos e aquilo que deve, no sentido legal, ser executado é fundamental para o aprimoramento da rede de atenção psicossocial, especificamente no que tange à medida de segurança.
A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) na perspectiva de seus usuários: uma etnografia sobre sujeitos e ambiguidades entre o manicômio e a cidadania.
Autoria: Guilherme Vinicius Catanante (Prefeitura Municipal de Monte Alto), Toyoko Saeki Lucas Pereira de Melo
Autoria: A Reforma Sanitária, que teve no advento do Sistema Único de Saúde (SUS) um de seus pontos mais marcantes, trouxe consigo a proposta de produção do cuidado em saúde diferente do tradicional, inclusive no campo da saúde mental. Tal reforma é quase concomitante à Reforma Psiquiátrica, iniciada por volta da década de 1970, propondo a ruptura com o manicômio e suas práticas fortemente instituídas, e o resgate da cidadania dos loucos. Este movimento trouxe vários desdobramentos, como a Luta Antimanicomial e a composição de uma teia de serviços atualmente denominada Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Partindo de minha trajetória profissional como psicólogo em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) pelos últimos cinco anos, noto que a constituição e consolidação da RAPS segue em andamento, mesmo em um cenário atual de desmonte do SUS, da não-superação da lógica manicomial e da retirada de direitos arduamente conquistados e dificilmente gozados plenamente. Observando a aparição da RAPS nos discursos da assistência e, principalmente, da gestão, por vezes noto a referenciação à rede como algo já constituído, instituído e consolidado - levando-me a inquietações iniciais que me serviram como ponto de partida para esta pesquisa, como: o que é a RAPS - esta teia de dispositivos tão presente em nossas falas - para os sujeitos usuários que nela transitam? Os sujeitos do sofrimento psicossocial reconhecem uma rede na RAPS? Se há uma rede suportiva a estes sujeitos, seria ela a RAPS ou outra(s)? Partindo de tais questões, em meu doutorado venho realizando uma etnografia na RAPS de um município paulista de 49 mil habitantes, tendo como foco a percepção dos usuários desta rede acerca da mesma. O ponto de partida das primeiras observações tem sido meu local de work, o CAPS I do município, e preliminarmente pude notar que, para aqueles sujeitos usuários não só do CAPS como de outros serviços, a RAPS não emerge como dispositivo estabelecido e amplamente reconhecido. As práticas neste contexto nem sempre aproximam-se da reinserção social; ao contrário, algumas delas restringem liberdades e possibilidades existenciais, muitas vezes ao não considerarem a pessoa usuária do serviço como sujeito desejante e ativo. Até o momento, é possível notar que a RAPS das práticas não possui a coerência sugerida pela textualidade política, tratando-se de um dispositivo com consideráveis inconsistências e ambiguidades, e é exatamente neste contexto que também encontramos a RAPS como lugar e possibilidade de resistência e fazeres outros que não mais remetam à lógica manicomial. Considero, portanto, como um dos nortes atuais de meu work a ida ao encontro de tais ambiguidades na perspectiva dos usuários, de modo a melhor elucidá-las e compreendê-las.
Aculturalidade e hiperculturalidade: entre saberes e crenças em um serviço de saúde mental para imigrantes e refugiados.
Autoria: Alexandre Branco Pereira (UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos)
Autoria: O objetivo deste work é refletir sobre a invenção da cultura em um serviço de saúde mental para imigrantes e refugiados auto-denominado como transcultural, discutindo também a participação de um antropólogo no serviço hospitalar. Tomando como base os postulados de Roy Wagner, Isabelle Stengers e Bruno Latour, intenciono debater como médicos psiquiatras e residentes em psiquiatria articulam o dualismo entre crença e saber, equivalendo crenças culturais de imigrantes e refugiados ao falseamento de uma realidade unívoca acessada pelos saberes biomédicos. Dessa forma, apoiando-se nos postulados da psiquiatria transcultural, psiquiatras concedem aos pacientes os modelos explicativos da doença, ou a sintaxe dos processos patológicos, ao passo que possuem acesso, por meio dos conhecimentos biomédicos modernos, à univocidade das Patologias mentais, inscritas no cérebro. Cultura, então, torna-se a camada acessória a ser retirada do caminho para a boa consecução dos métodos terapêuticos preconizados pela biomedicina moderna. Além disso, também reflito sobre os processos dinâmicos e incessantes de invenção e contra-invenção a respeito de qual seria a atuação de um antropólogo em um serviço de saúde mental para pessoas portadoras do que era definido enquanto “vulnerabilidades linguísticas e culturais”. A partir disso, apresento as lógicas dos maquinários de produção e assimilação (ou não) das diferenças por meio da separação do mundo entre aqueles que crêem e aqueles que sabem, ou os pré-modernos e os modernos. Por fim, proponho o povoamento desses contextos e cenários por antropólogos, levando a sério as dimensões simbólicas nos contextos de saúde e produzindo dado e cuidado.
Agentes de Saúde Popular no âmbito da saúde mental: notas preliminares sobre a articulação de saberes e ofícios.
Autoria: Ana Paula Müller de Andrade (Universidade Estadual do Centro Oeste -UNICENTRO)
Autoria: O campo da saúde mental é plural, polissêmico e comporta diferentes modelos interpretativos que guardam diferentes concepções acerca do sujeito, do sofrimento, da subjetividade e apresentam fronteiras tênues e porosas. São modelos que convivem, dialogam, se visibilizam, são reconhecidos ou não, dependendo dos contextos em que se constituem. Este work tem como objetivo discutir os discursos e práticas produzidos por mulheres denominadas pelo poder público como “agentes de saúde popular”, bem como os efeitos do reconhecimento e legitimação de seus saberes e ofícios tradicionais de cura para o campo da saúde mental nas cidades de Rebouças, São João do Triunfo e Irati - PR. O termo ‘Detentores de Ofícios Tradicionais de Cura’ foi incorporado da terminologia de reconhecimento patrimonial imaterial, principalmente das discussões ligadas ao Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional - IPHAN. As discussões apresentadas aqui dizem respeito a análise de documentos públicos relacionados ao reconhecimento dos conhecimentos produzidos pelas/os integrantes do movimento social denominado Movimento Aprendizes da Sabedoria e de aproximações com algumas integrantes do movimento para a construção conjunta de um projeto de pesquisa. A análise dos mesmos demonstrou a relevância do reconhecimento institucional e comunitário para a constituição e sustentação de discursos e práticas de saúde popular construídas e praticadas especialmente por mulheres, reconhecidas neste contexto como detentoras de saberes e ofícios tradicionais e populares de cura. Os saberes e ofícios tradicionais de cura compõe um campo de possibilidades de interpretação dos processos de saúde, adoecimento, cuidado e cura que, ao serem articulados com outros saberes, podem indicar a possibilidade de ampliação dos modos de produzir saúde mental. Como indicam os documentos, no âmbito das disputas pela hegemonia no campo da saúde mental, o reconhecimento institucional e comunitário das detentoras de saberes e ofícios tradicionais de cura permite uma aproximação entre diferentes saberes e garante, em certa medida, maior visibilidade e legitimidade às práticas e discursos construídos por elas. Por fim, tais práticas e discursos encontram ressonância em políticas públicas tais como a da saúde, saúde mental bem como aquelas relacionadas às práticas integrativas e complementares no âmbito do sistema único de saúde.
Apontamentos sobre a morte autoinfligida entre os Ye’kwana
Autoria: Karenina Vieira Andrade (UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais)
Autoria: Nos últimos anos, tem crescido a produção antropológica que trata do tema da morte voluntária em diferentes mundos indígenas sul-americanos. Tais etnografias tem se debruçado sobre possibilidades e impossibilidades de compreensão da morte auto infligida na chave do suicídio e, especialmente, no campo da saúde mental. Para além do debate acerca das possibilidades de tradução e compreensão de certas práticas indígenas pelo mundo não indígena, tais questões fazem emergir uma reflexão sobre mediações possíveis entre as práticas indígenas de auto cuidado e prevenção e outras práticas fomentadas a partir da presença e atuação dos profissionais de saúde, notadamente das ciências psi, nas comunidades indígenas. O presente work procura refletir e dialogar com/sobre todas estas questões à luz da experiência de pesquisa etnográfica junto aos Ye’kwana, habitantes de três comunidades no Brasil situadas em Roraima, na Terra Indígena Yanomami. Buscando compreender o fenômeno da morte voluntária no mundo ye’kwana, procuro dialogar também com outros contextos etnográficos das terras baixas sul-americanas. Como pano de fundo, procuro pensar em que medida a reflexão antropológica sobre o a morte auto infligida tem potencial para fomentar a construção de uma perspectiva interdisciplinar sobre o tema, bem como repensar práticas terapêuticas em diferentes contextos etnográficos.
Avaliação das Políticas de Saúde Mental na Dimensão da Atenção à População em Situação de Rua no Município de Caucaia, Ceará
Autoria: Francisco Anderson Carvalho de Lima (Secretaria da Saúde do Estado do Ceará), Alba Maria Pinho de Carvalho Leila Maria Passos de Souza Bezerra Simara Moreira de Macêdo Fernanda Naiara da Frota Lobato
Autoria: As políticas de saúde mental brasileiras emergiram de um contexto de enfrentamento político à guisa de um processo democrático, ancorado na defesa irrevogável da vida, sob a égide dos movimentos sociais de Reforma Sanitária e Reforma Psiquiátrica, na construção e implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). A exploração e espoliação das riquezas nacionais, a extenuação das desigualdades sociais e a violência a segmentos vulnerabilizados, circunscrevendo o fenômeno da população em situação de rua, perpassam a história, sendo operadas, no âmbito do Estado brasileiro contemporâneo, por meio do despojamento da proteção social e do desmonte de políticas públicas. Utilizando as políticas públicas de saúde mental como lente e nos inspirando nos parâmetros para análise de políticas de Raul Lejano, lançamos o olhar sobre a ação pública direcionada à população em situação de rua no município de Caucaia, região metropolitana de Fortaleza, capital do estado do Ceará, no nordeste brasileiro. Apresentamos um recorte desse esforço avaliativo por meio de uma interpretação da cultura, circunscrevendo práticas através do território e da experiência e as reverberações para a análise e avaliação das contingências da ação pública em saúde mental, demarcando os rumos da política nacional e a vivência de como o Estado intervém na realidade de Caucaia, alargando o campo avaliativo por meio do construto da territorialização. Observamos que os agenciamentos da ação pública percorrem um movimento institucional intrínseco às reconfigurações estatais e políticas, considerando o processo brasileiro de redemocratização e os ciclos de ajuste do Estado pautados na agenda neoliberal, em um modelo rentista-extrativista, imprimindo subjetividades por meio das políticas públicas na emergência de corpos vulnerabilizados no âmbito das práticas e discursos que materializam as políticas de saúde mental.
Corpo, Poder e o conceito de Biolegitimacy: disputas políticas no campo da Saúde Mental
Autoria: João Balieiro Bardy (Capes)
Autoria: A presente fala busca articular questões de poder e corpo no campo da Saúde Mental a partir do desenvolvimento de uma pesquisa em andamento nos CAPS-AD do município de Campinas-SP. Os desdobramentos políticos da história recente tem colocado importantes áreas de clivagem no interior do campo da saúde mental, disputas estas que fazem o saber antropológico florescer com maior intensidade. A entrada de Comunidades Terapêuticas no interior das Redes de Assistência Psicossocial (RAPS), e a volta do Hospital Psiquiátrico que se anunciaram com maior proeminência a partir da publicação da nota técnica nº11/2019, apresentam-se como uma disputa política no campo da saúde mental, mobilizando diferentes formas institucionais que sobrepõem: biopoder, biopolítica e biolegitimacy, fazendo emergir questões epistemológicas centrais. Informado a partir da categoria de biolegitimacy cunhada por Didier Fassin pretendo retomar a categoria de corpo, mobilizando-a tanto como eixo epistemológico quanto como categoria analítica, para compreender como categorias êmicas centrais como “saúde”, “doença” e “direito” são disputadas pelos usuários da RAPS campineira. Espera-se assim compreender como a noção de biolegitimacy se sobrepõe aos conceitos de biopoder e biopolítica na produção de legitimidade de direitos obtidos a partir de diagnósticos psiquiátricos no contexto presente da Saúde Mental no Brasil. Ademais, sob a luz do conceito de biolegitimacy o corpo assume posição central no campo da Saúde Mental como espaço concreto de manifestação de sintomas necessários a produção do diagnóstico psiquiátrico. Diferentemente da biomedicina onde as causas e os fenômenos fisiológicos são identificados na produção do diagnóstico, muitas psicológicas não encontram correlato similar. Nesse sentido, estes diagnósticos, apesar de inferidos ao subjetivo, produzem-se a partir de corporeidades específicas, como, por exemplo, ouvir vozes. Assim, espero explorar como a centralidade desta categoria na produção de diagnósticos é fundamental na obtenção de direitos reclamados a partir de uma debilitação social junto ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Feminilidade e patologização dos afetos
Autoria: Ana Paula Marcelino da Silva (UFPB - Universidade Federal da Paraíba)
Autoria: Este work põe em diálogo as performatividades de gênero no campo afetivo e a saúde mental das mulheres, a partir da análise de depoimentos em um grupo do Facebook chamado MADA...Mulheres que Amam Demais Anônimas. O grupo é uma versão online dos grupos homônimos de ajuda mútua que existem no Brasil desde o ano 2000, baseados no livro Women Who Loves Too Much, de Robin Norwood. Para entender como as relações de gênero também fazem parte do conjunto de práticas rituais ou simbólicas que Hobsbawn e Ranger classificaram como “tradições inventadas”, e como essas práticas influenciam diretamente o processo de adoecimento das MADA, analisamos os depoimentos e comentários nas publicações do grupo. A forma como a repetição de determinadas normas de comportamento feminino cria um arcabouço de expectativas em torno da “função” da mulher na sociedade é determinante para o surgimento de uma MADA, pois, se de um lado temos uma dinâmica social incessante de uma busca por autonomia, de outro temos a necessidade que essas mulheres têm de respaldar as práticas milenares que limitam sua autonomia. A dinâmica do MADA é baseada nos 12 passos dos Alcóolicos Anônimos . De acordo com o site oficial do grupo, são realizadas reuniões presenciais para que as mulheres compartilhem suas experiências num tempo determinado. No entanto, diferentemente do alcoolismo, o “amor patológico” não é uma doença clinicamente reconhecida, mas a forma que essas mulheres encontraram para caracterizar seu sofrimento.No caso do grupo online, a discussão é mais complexa, visto que há uma “liberdade” maior de participação no grupo. Apesar disso, o objetivo é semelhante ao do grupo físico. Para uma MADA, os dispositivos de controle que a medicina estabeleceu ao longo de séculos servem ora como instrumentos para um “autodiagnóstico”, e com isso reforçam o controle ao qual foi sempre submetido o corpo feminino; ora como ferramenta para que as próprias mulheres deem sentido ao seu sofrimento, num movimento de autonomia que ultrapassa as perspectivas do campo médico-psicológico. Tomaremos a noção de dispositivo amoroso que, conforme a definição de Navarro-Swain, se insere como elemento adicional para pensar as relações de poder através do dispositivo da sexualidade, de Foucault. A análise dos depoimentos na página do MADA a partir de uma perspectiva antropológica nos leva a problematizar até que ponto, em pleno século XXI, nós, mulheres, ainda somos controladas por normas de comportamento socialmente construídas que causam sofrimento. Todavia, ao mesmo tempo, grupos como o MADA são exemplos de práticas de autoatenção e cuidado cada vez mais importantes para compreender a perspectiva social de transtornos mentais, tenham eles ou não respaldo médico-psicológico.
Inflamando o real: a renegociação da vida em um processo demencial
Autoria: Bárbara Rossin Costa (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Autoria: Etnografar doenças de longa duração, como o Alzheimer, leva-nos a discorrer sobre experiências de aflição, ruína e dor que ensejam aprendizados, afetam subjetividades, viabilizam novos cronotopos e produzem novas práticas envolvendo uma pluralidade de sujeitos e dimensões. Este work se propõe a refletir sobre os modos de produção e administração da vida, do real, do espaço-tempo e dos processos de subjetivação de pessoas com Alzheimer (e/ou outras demências) em uma instituição pública. Como material de análise, trago alguns casos observados por mim nas oficinas de estimulação cognitiva do Centro de Referência à Saúde do Idoso (CRASI), da Universidade Federal Fluminense. Com base nesses relatos sensíveis, espero analisar as formas pelas quais a vida, o viver e as escalas espaço-temporais podem ser renegociadas em um contexto de incerteza e sofrimento. Tratarei de descrever parte das dinâmicas observadas e as técnicas que orientam os profissionais de saúde em suas práticas laborais, levando em consideração o work ativo dos objetos no processo de (re)inscrição dos pacientes no mundo. Sustentarei a ideia de que os objetos funcionam como vestígios, como extensões indissociáveis de pessoas e corpos, assim como pistas valiosas que nos direcionam a certas ontologias e visões de mundo.
Loucura, gênero e sexualidade nas controvérsias do campo dos saberes e práticas psicológicos
Autoria: Maria Carolina de Araujo Antonio (UEL - Universidade Estadual de Londrina)
Autoria: O presente artigo aborda a controvérsia resultante de uma liminar judicial que buscava tornar legitima a terapêutica de “reversão sexual” e o posicionamento contrário do Conselho Federal de Psicologia. Observa-se no conflito entre psicólogos contra e a favor da liminar, a operacionalização de argumentos explicativos da causa/origem da homossexualidade que atualizam dicotomias como indivíduo versus sociedade, corpo versus alma, natureza versus cultura, normal versus patológico. O apoio da atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, ao grupo Psicólogos em Ação, que associa profissionais que defendem a chamada “cura gay”, expõe de maneira direta técnicas e saberes de governamentalidade dos corpos/sujeitos associados a esquemas ideológicos e biopolíticos. O entrelaçar de gênero, sexualidade e psicopatologias acompanha os processos de patologização de identidades, de grupos sociais, de práticas erótico-sexuais e afetivas, de corpos, de subjetividades, reproduzindo categorias e convenções de gênero e sexualidade derivadas da racionalidade médica. A partir de uma revisão teórica em torno dos saberes e práticas psi, problematiza-se a psicopatologização da sexualidade e das identidades de gênero presente nos manuais de categorias diagnósticas que orientam práticas clínicas. A proposta aqui, portanto, é apreender como regimes de verdade são construídos no campo da produção de conhecimento e das técnicas psi na associação entre gêneros, sexualidade e loucura.
O corpo, a casa e a "repartição": sentidos de cuidado, corporeidade e processos de reconstrução do self dos moradores de uma residência terapêutica na Zona Norte do Rio de Janeiro
Autoria: Monique Torres Ferreira (PPGSA/UFRJ)
Autoria: Minha proposta neste paper é apresentar um recorte da pesquisa de campo que realizo no Centro de Atenção Psicossocial Torquato Neto, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Acompanho as reuniões semanais da equipe de profissionais de duas Residências Terapêuticas neste território de atuação. Meu objeto consiste em compreender os processos de reconstrução do self dos moradores dessas residências que tiveram trajetórias de longa permanência em instituições psiquiátricas; como os moradores atualizam e resignificam repertórios de sofrimento a partir das interações fora da instituição; como as profissionais manejam novas formas de "estar na vida" através da "construção do morar", conforme elas próprias enunciam; quais os efeitos da instucionalização de longa permanência, e os desafios da desinstitucionalização que é construída com os moradores no cotidiano? Quero trazer para debate algumas dessas questões que aparecem na pesquisa em curso. Como material empírico, mobilizo relatos das profissionais deste serviço registrados nas reuniões semanais de equipe- cuidadoras, acompanhante terapêutica, técnicas de enfermagem e da coordenadora do serviço- em que a rotina dos moradores é debatida, fazendo circular sentidos sobre o "morar", saúde e cuidado. A relação dos moradores com a casa, uns com os outros, com os objetos, com asseio pessoal, com a comida, são elementos que convergem enquanto pautas a partir dos quais se identifica ora uma melhora na saúde mental, ora a manifestação de uma "crise psiquiátrica". O fio condutor da análise dessas reuniões são os efeitos de internações psiquiátricas de longa permanência e como esse efeito é sentido no corpo a partir dos atravessamentos entre a trajetória de vida e as interações cotidianas, sobretudo a forma como essa trajetória institucional —que, como Goffman (2013) afirma, tem efeito degradante na carreira moral de pessoas com transtorno mental que passaram por internações psiquiátricas — se atualiza no presente, do que é reconstruído desse self através de interações outras fora do espaço institucional fechado. Destaco o caso de Stela, por ser objeto de pauta constante das reuniões. Teço o fio narrativo de sua trajetória a partir das falas das cuidadoras e o momento que identificam o estado de crise e sofrimento a partir de uma dificuldade sua de tocar o próprio corpo e de tomar banho. Combino suas falas com a leitura de prontuários e uma interação breve que tive com Stela para pensar a reconstrução do seu self e o que diz sobre as dinâmicas dentro e fora da instituição manicomial.
Percorrendo práticas, políticas e discursos no campo da assistência em saúde para pensar a noção de juventude e a categoria adolescente na contemporaneidade.
Autoria: Mirella Alves de Brito (IBP)
Autoria: Desde a pesquisa (2018) realizada nos arquivos do Hospital Colônia Santana em conjunto com a profª Sônia Maluf e colegas da graduação e pós graduação vinculadas ao TRANSES, a questão da internação de crianças e adolescentes em hospitais psiquiátricos e/ou leitos psiquiátricos em hospitais gerais, cujo diagnósticos se apoiam em uma grade sintomatológica sugerida pelos DSMs como transtornos do neurodensenvolvimento ou de personalidade, vem orientando meu olhar para os estudos que cruzam modos de vida de jovens na contemporaneidade (Melucci, 1997; Abramo, 1997; Heilborn et.al, 2002; Regina Novaes e Paulo Vannuchi, 2004; Savietto, 2007; Millions et.al, 2020; e outros) e política para a juventude (Soares, 2005; Lira, 2011; Silva e Jardim, 2019; Nardelli, Dornelles e Leal, 2018; e outros). O interesse aqui é o de apresentar alguns elementos de pesquisas realizadas nos últimos cinco anos junto à programas de assistência, equipamentos de saúde e arquivos que contribuam para pensarmos a relação entre as políticas de saúde, as noções hegemônicas sobre juventude e a experiências de jovens na contemporaneidade, os quais nos ajudem a dialogar com autores como Michel Foucault; Sonia Maluf; Stuart Hall, Domenico Hur, Giorgio Agamben, Peter Pál Pelbart, Didie Fassin, e outros, no sentido de compreendermos modos de construção dos sujeitos na contemporaneidade. O work reúne material de múltiplos campos e momentos distintos (1997 – 2020), com comparações na atenção à saúde mental para crianças e jovens nos períodos pré e pós reforma psiquiátrica. As questões preliminares tencionam: 1. a noção de sujeito que se inaugurou em 1990 com o Estatuto da Criança e do Adolescente e que prioriza a formulação de política públicas destinadas às pessoas de zero a dezoito anos; 2. políticas de saúde mental a partir da reforma psiquiátrica no Brasil e as contínuas reformulações nas diretrizes para uma política de saúde mental infato-juvenil; 3. o dado que a partir de 2018 consolidam-se a campanhas de prevenção ao suicídio de jovens e de que as estatísticas demonstram que o Brasil é o país que mais mata jovens de periferia em combate com a polícia e/ou narcotráfico. Esses elementos apontam um “esvaziamento” das vidas de jovens, sugerindo o aniquilamento desses sujeitos, transformando-os em outros. Duas questões centrais: estaríamos próximas de acabar com a categoria e a experiência de adolescentes? Como os equipamentos de saúde e assistência servem como possibilidade de agência e aniquilamento do sujeito simultaneamente? Considerando as mortes; a tentativa contínua de reduzir a idade penal, a medicalização massiva de jovens com queixas de desânimo, desesperança e inabilidade social, e a hospitalização compulsória de dependentes químicos, quem são os adolescentes desse tempo?
Sujeitos, histórias e doenças no campo da saúde mental: notas para uma antropologia do diagnóstico
Autoria: Fernando José Ciello (UFRR - Universidade Federal de Roraima)
Autoria: O presente work busca contribuir para o pensamento de uma “antropologia do diagnóstico”, apresentando, para tanto, discussões originadas em uma pesquisa com sujeitos de uma Clínica-dia para tratamento de “transtornos mentais”. Busco pensar criticamente a ideia de diagnostico, resgatando alguns possíveis eixos analíticos a partir desta experiência etnográfica: a relação entre diagnósticos, práticas biomédicas e instâncias reguladoras metadisciplinares; o diagnóstico como categoria vivida e agenciada pelos sujeitos e não somente como um nexo isolado de outras relações na experiência do tratamento psiquiátrico e; por fim, também, o diagnóstico como prática e performance atrelada aos movimentos e elaborações particulares à cada contexto. Minha experiência de pesquisa tem indicado que mais do que categorias bem delimitadas, diagnósticos são constantemente torcidos, pensados, questionados na vida cotidiana de processos terapêuticos, atendendo à diferentes relações que são estabelecidas entre os sujeitos e suas diferentes experiências e histórias dentro e fora do tratamento. Na Clínica-dia com a qual pesquisei, especialmente, a circulação de diferentes categorias diagnósticas, não necessariamente associadas com explicações biomédicas, aponta ainda para os modos como as categorias têm uma vida para além das instâncias que regulam a constituição de categorias psicopatológicas. Ao fim, portanto, me interesso pelo que pode haver de inconcreto e inacabado nas categorias diagnósticas, pensando-as tanto como “princípios de transformação e continuidade” (ZEA, 2013) – de onde emergem não só processos classificatórios, mas também potentes relações de negação e transformação destas classificações – quanto “códigos discursivos” (CSORDAS, 2013) – reiterando a circulação destas categorias e classificações em diferentes planos e arranjos sociais. Uma reflexão sobre estas relações e atravessamentos parece poder contribuir para o estudo dos processos experienciais e também dos modos de agência em saúde mental, indicando ainda mais uma vez os modos criativos por meio dos quais histórias, doenças e diagnósticos podem (des)enlaçar-se. Por fim, tais processos indicam, ainda, a necessidade de pensar antropologicamente o terreno das práticas e categorias diagnósticas – reconhecendo o modo como tais categorias aparecem em relações e também a necessidade de engajamento da antropologia com esta reflexão.
Trajetórias Institucionalizadas: da produção discursiva sobre a periculosidade aos agenciamentos dos internos no Hospital Geral Penitenciário do Pará
Autoria: Beatriz Figueiredo Levy (não)
Autoria: Este work tem por objetivo analisar os processos de (re)produção discursiva sobre as representações sociais da loucura e da periculosidade associada a ela, materializadas na figura das pessoas com transtornos psíquicos em conflito com a lei, e os agenciamentos dos internos de um Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), o Hospital Geral Penitenciário (HGP) do Pará. Pretende-se investigar de que forma esses discursos atuam como modo de justificar mecanismos de poder em uma instituição que possui caráter tanto manicomial, quanto carcerário. Para tanto, será realizada uma pesquisa bibliográfica a respeito dos processos de produção discursiva que conduziram às concepções estigmatizadas sobre os ditos loucos infratores e ao contexto de surgimento e fortalecimento dos manicômios judiciários no Brasil. Posteriormente, será realizada uma etnografia de e em documentos, momento no qual serão analisados processos judiciais que perpassam os internamentos no HGP, bem como proposições legislativas pertinentes ao estudo, atentando-se, sobretudo, a como se manifestam as narrativas sobre a categoria periculosidade e em conhecer os agenciamentos dos internos, para além do poder-saber médico que recai sobre eles. Espera-se que o resultado da pesquisa subsidie a promoção de ações cabíveis para melhorias da realidade enfrentada por esses sujeitos. Igualmente, almeja-se contribuir para o debate acerca da primordialidade em superar o modelo institucionalizado de tratamento psiquiátrico.
Violências de Estado, saúde mental e gênero
Autoria: Sônia Weidner Maluf (UFPB - Universidade Federal da Paraíba)
Autoria: O objetivo da proposta é refletir sobre os modos de articulação entre Gênero, Violência e saúde mental, tendo como foco as violências protagonizadas pelo Estado e a produção de um sistema de violência de gênero. Em um primeiro momento serão problematizadas formas de reprodução e produção de violência de gênero no âmbito do Estado e das políticas públicas, em suas diferentes frentes de atuação, entre elas as instituições de acolhimento ou encarceramento (de crianças e adolescentes, psiquiátricas, penitenciárias, etc.); os órgãos de segurança pública e as polícias; o sistema judiciário, e diversas outras frentes de atuação do Estado e das políticas públicas. O foco da reflexão serão os efeitos da política de drogas, sintetizada no programa de “guerra às drogas”, e suas articulações tanto com as políticas de saúde mental quanto com formas de sofrimento social desencadeadas a partir da atuação do Estado. Serão discutidas questões como os modo de agir das polícias nas periferias; as formas de criminalização de famílias inteiras e a ideia do crime como mancha familiar; o aumento exponencial do encarceramento das mulheres. Em geral as questões de gênero, saúde mental e violência têm sido pensadas a partir da violência de gênero e de seus efeitos no campo da saúde mental das mulheres agredidas. O Estado (e as políticas e instituições públicas) entram nessa temática a partir do debate sobre como enfrentar a violência, criminalizar o agressor e construir dispositivos de acolhimento das mulheres – inclusive no plano do atendimento à saúde mental. O objetivo desta proposta é de pensar um outro aspecto da relação do Estado com as violências de gênero, que são as formas de violência institucional e do Estado sobre as mulheres: a dimensão de gênero da violência de Estado, particularmente em relação aos efeitos da política de drogas – que mais recentemente embute com ela uma nova política nacional de saúde mental. Pretende-se, ainda refletir sobre os desdobramentos de certos regimes biopolíticos em formas de poder disciplinar e, para além destas, para formas de exercício de um poder soberano por parte do Estado e seus agentes, em que as biopolíticas se materializam em verdadeiras políticas da morte.
“O que seria o cuidado à distância, eu acho que não existe essa coisa de distância”: experiências de cuidado no apoio emocional por telefone.
Autoria: Pedro Fragoso (UFBA)
Autoria: O serviço de prevenção ao suicídio “Como Vai Você?” (CVV), realizam, entre outras modalidades de atendimento, acolhimento de apoio emocional através de uma linha telefônica. A prática de cuidado é realizada por voluntários através de plantões semanais. O objetivo desse artigo é compreender como os voluntários constroem relações afetivas a partir do contexto de cuidado à distância. A pesquisa seguiu abordagem qualitativa onde foram realizadas entrevistas individuais semiestruturadas e um grupo focal. Os voluntários relatam que se sentem ligados à outra parte diante das lembranças do atendimento que repercutem no seu cotidiano mesmo após o término da ligação. Identificamos que a extensão dos laços na experiência dos voluntários envolve critérios que superam as condições espaciais que contextualizam o tipo de cuidado realizado por eles.