GT 060. Prostituição e direitos humanos em tempos de reação
Thaddeus Gregory Blanchette (UFRJ Macaé) - Coordenador/a, Flavia do Bonsucesso Teixeira (Universidade Federal de Uberlândia) - Coordenador/aNo decorrer dos últimos 125 anos, passaram sucessivas “ondas” de políticas públicas que supostamente resolveriam a questão da prostituição. Neste contexto, o Brasil tem adotado uma política constante, porém ambígua, que é declaradamente abolicionista, enquanto pragmaticamente devolve a “regulamentação” cotidiana da prostituição às autoridades locais. Essas, por sua vez, frequentemente administram o comércio do sexo através de concordatas extra-oficiais com vários poderes paralelos. Isto tem feito o ofício de vender sexo, no Brasil, algo extremamente arriscado e sujeito a constantes violações dos direitos humanos dxs trabalhadrxs do sexo. O presente GT contemplará trabalhos que focalizaram na interface entre o trabalho sexual e os direitos humanos, particularmente os que focalizam nos conflitos e colaborações entre as trabalhadoras sexuais, agentes do governo e outros grupos. Em particular, estamos interessados em trabalhos que expõem transformações nessas interações em anos recentes, particularmente no contexto da gentrificação e “higenização” dos espaços urbanos, da luta contra o assim-chamado “tráfico humano”, e das reações contra práticas e identidades sexuais, ou que demonstram permanências frente essas pressões. Também aceitaremos trabalhos que refletem sobre o engajamento antropológico com o trabalho sexual, particularmente apresentações que focalizam nas questões éticas decorrentes desse envolvimento.
Resumos submetidos |
---|
Aprosba: luta, movimento e resistência Autoria: Fernanda Priscila Alves da Silva,
Lívia Alessandra Fialho da Costa
Autoria: O artigo visa problematizar a discussão acerca do reconhecimento dos movimentos de prostitutas no Brasil, em particular da APROSBA – Associação das Prostitutas da Bahia, a partir da leitura e trajetória do movimento de prostitutas no Brasil e da aproximação do movimento de prostitutas na Bahia. Problematizamos o lugar desses sujeitos nos enfrentamentos e resistências em contextos contemporâneos, demarcando e pautando o reconhecimento da categoria Puta como lócus e expressão real do agenciamento e empoderamento das prostitutas. A pauta da violação de direitos, arduamente colocada à sociedade brasileira pelo movimento organizado de prostitutas, definiu e constituiu avanços. Entretanto, precisa ganhar significados no reconhecimento do work Sexual e os direitos dos sujeitos nele envolvidos.
As análises apresentadas fazem parte de uma pesquisa em andamento, intitulada “Cadê meus irmãos? Inquietações sobre a educação e formação dos filhos e filhas das Putas”, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós Graduação em Educação – Uneb. A pesquisa foi iniciada em 2017 e que tem por objetivo estudar as práticas e dinâmicas de socialização, formação, cuidado e educação de filhos/as de mulheres que exercem a prostituição de baixa renda em Salvador, Bahia. O grupo pesquisado é composto de mulheres de baixa renda, em exercício de prostituição, acima dos 18 anos, além de um grupo mais amplo que consiste do grupo que compõem os familiares e a rede de apoio da prostituta. A etnografia é o principal recurso metodológico utilizado. A observação participante, as entrevistas abertas e as narrativas autobiográficas compõem as técnicas de coleta de dados.
|
Desejo e a agência na prostituição universitária: uma análise de um site de acompanhantes em Campo Grande (MS) Autoria: Carla Cristina de Souza, Tiago Duque Autoria: Este artigo busca trazer uma reflexão sobre as profissionais do sexo e os direitos humanos através de uma discussão sobre o desejo e a agência. Isto é, usando como base bibliográfica, principalmente, as teorias pós críticas, pretende-se pensar a escolha da prática da profissão como um direito humano. Compreendemos agência como a capacidade do sujeito agir, mediada culturalmente e socialmente (PISCITELLI, 2008). Neste sentido, a agência será discutida a partir dos dados iniciais de uma pesquisa de mestrado em Antropologia Social sobre prostituição de mulheres que se anunciam como “universitárias” em Campo Grande (MS). Propomos apresentar como as profissionais do sexo agenciam um programa a partir dos anúncios que elas criam em um site de acompanhantes (Photo Acompanhantes). A análise dos perfis neste site foi realizada através de uma “etnografia de tela” (RIAL, 2004). Nele, elas divulgam seus contatos telefônicos, fotos, valores e locais de atendimento. O enfoque é naquelas que utilizam a tag de “universitária”, para apresentar um perfil específico de profissional, marcado por determinada classe, cor/raça, e, principalmente, geração. “Universitária”, nesse artigo, é pensada como uma categoria dentro da economia sexual. Não necessariamente são mulheres que estão matriculadas em algum curso universitário, antes, utilizam-se desta categoria no sentido de conseguir clientes que sentem desejo por um perfil específico de mulher, envolvendo “fluxos desejantes” (DELEUZE, 1998) e “tensores libidinais” (PERLONGHER, 2008). Contudo, a sexualidade, de diferentes formas, é regulada através do controle, vigilância e disciplina, via os dispositivos de poder (FOUCAULT, 1993). Na prostituição de mulheres não é diferente. Visto, por exemplo, já na época vitoriana (MCCLINTOCK, 2003) como “o sexo sujo”, o sexo quando praticado por mulheres era (ou ainda é) identificado, seja pela igreja e mesmo pelo Estado, principalmente para fins de procriação. Desta forma, propomos refletir como o direito, respaldado pelo desejo e agência, deveria garantir que mulheres pudessem trabalhar sem serem vistas como necessariamente vítimas (pois não necessariamente são), “exploradas sexualmente”, a partir de uma análise das descrições expostas nos perfis criados por profissionais do sexo “universitárias” em um site de acompanhantes. As considerações preliminares apontam para o entendimento, via o desejo e a agência, de que o direito à prostituição pode contribuir para uma auto-identificação das mulheres profissionais do sexo.
|
Prostituição masculina no Brasil: um estudo sobre a produção teórica nacional desde o Negócio do Michê Autoria: Tatiana Bezerra de Oliveira Lopes Autoria: O Negócio do Michê, dissertação do antropólogo Néstor Perlongher, ocupa um lugar pioneiro nos estudos sobre a prostituição masculina no Brasil. É a partir da década de 1980, quando Perlongher inicia sua pesquisa, que outras produções tematizam esse negócio do desejo. O presente estudo começa com um levantamento bibliográfico, no qual quarenta e cinco produções teóricas sobre o tema foram encontradas. Com as pesquisas catalogadas criamos um perfil sociológico do que vem sendo discutido no país. Nossa proposta foi mostrar como este conhecimento vem sendo desenvolvido no Brasil. Em um segundo momento, trabalhamos com às questões que perpassam gênero, sexualidade e marcadores sociais da diferença, a partir dos elementos presentes nas pesquisas localizadas. Nossos resultados sugerem que a discussão da prostituição masculina no Brasil, ainda é tímida e que temas como raça, performance de gênero e homossexualidade são basilares no cenário do sujeito que se prostitui e daquele que paga por seus serviços. Além disso, notamos que, embora o quantitativo de works mobilizados neste panorama da produção nacional sinalize que a temática continua periférica no estudo de gênero e sexualidade, há um campo de possibilidades em aberto que ainda guarda uma série de inquietações passíveis de investigação.
|
Proteger ou Criminalizar? As ambiguidades do projeto de lei 377/2011 e seus impactos nos direitos das trabalhadoras sexuais Autoria: Carolina Bonomi, Vanessa Figueiredo Lima (Mestranda em Saúde Pública Ensp/FIOCRUZ) Autoria: Este artigo tem como objetivo analisar o projeto de lei 377/2011, que visa tipificar o crime de contratação de serviço sexual e penalizar quem aceita a oferta de prestação de serviço de natureza sexual sabendo que o serviço está sujeito à remuneração. Buscaremos analisar as interfaces do direito e da política e investigar quais discursos são mobilizados do ordenamento jurídico brasileiro acerca das noções da “prostituição” e “exploração sexual”, mapeando os atores sociais envolvidos no debate. Nessa trama complexa de relações, analisaremos os discursos mobilizados no PL 377/2011, as ações políticas do movimento brasileiro de trabalhadoras sexuais, bem como de grupos feministas abolicionistas que apoiam tal projeto. Também buscaremos demonstrar a heterogeneidade do Estado, e nessa direção, tomamos como base a literatura que problematiza a categoria “Estado”, questionando sua fixidez através das cascatas burocráticas que se constituem no fazer político dos diversos representantes estatais em suas diferentes instâncias, conjuntamente com uma análise embasada em estudos da criminologia crítica. Nosso intuito é demonstrar as ambiguidades do tratamento do tema dado pelo Brasil em que, ao mesmo tempo em que a prostituição foi inserida na Classificação Brasileira de Ocupação e o work sexual não seja considerado crime, há uma nítida tentativa desse projeto de colocar explicitamente a prostituição como crime tornando fato imputável o ato de contratar serviço sexual. Tal política, a nosso ver, contribuirá significamente para o aprofundamento do estigma e da vulnerabilidade das trabalhadoras sexuais, aumentando os casos de violação de direitos humanos.
|
Sob a Luz Vermelha: planejamento urbano e prostituição em Amsterdã Autoria: João Soares Pena Autoria: Este work busca discutir o contexto atual da prostituição e as mudanças ocorridas no Distrito da Luz Vermelha, em Amsterdã, a partir de uma pesquisa etnográfica realizada entre 2017 e 2018. Marcada pela importante presença das trabalhadoras sexuais, a área tem estado no centro de debates em decorrência de intervenções urbanas recentes e seus efeitos na vizinhança.
Na Holanda a prostituição remonta à Idade Média, bem como as tentativas de controle sobre tal prática. A prostituição passou por diferentes regimes de controle, incluindo a proibição de funcionamento de bordéis em 1911. Contudo, isto não significou o fim dessa prática e de tais estabelecimentos, uma vez que a chamada “tolerância regulada” foi instaurada. Entre o fim dos anos 1990 e o ano 2000 a operação de bordéis passou a ser permitida, o work sexual foi legalizado e regulado na Holanda, afetando diretamente a organização da Indústria do Sexo no país.
Com o passar do tempo a prostituição ganhou importância na dinâmica urbana de Amsterdã e tornou-se um importante atrativo da cidade. Do mesmo modo, a emblemática regulamentação da prostituição contribuiu, junto com outros elementos, para a difusão de uma ideia sobre Amsterdam como local de liberdade e tolerância. O Distrito da Luz Vermelha – que não é a única, porém a mais famosa área de prostituição em vitrines – tem sido desde há muito tempo uma área importante na cidade e lugar de conflitos, disputas e fortemente marcado pela presença do work sexual e outros negócios orientados pelo sexo.
Em 2007 a Prefeitura de Amsterdã lançou o Plano 1012 com o objetivo de combater a criminalidade na área, sobretudo o tráfico de mulheres para fins de prostituição na Luz Vermelha. Desde então, a área central tem mudado significativamente com o fechamento de bordéis, sex shops, coffee shops etc. que têm sido substituídos por outros negócios, tais como lanchonetes, lojas de souvenires e de roupa, cafés etc. 10 anos após o início de sua implementação o Plano está em fase de conclusão e as mudanças na área são visíveis.
As alterações pelas quais a área tem sofrido nos faz questionar o papel da Luz Vermelha no contexto de Amsterdã atualmente. Que mudanças ocorreram e como elas se refletem na dinâmica da área? Esta área tem se modificado ao longo da história por distintas razões, porém o que as recentes intervenções representam no contexto da prostituição atualmente?
|
“A Campina é fêmea!”: uma etnografia sobre práticas e poéticas de mulheres prostitutas no bairro da Campina, Belém-PA. Autoria: Silvia Lilia Silva sousa Autoria: O presente artigo pretende compreender as poéticas produzidas sobre o bairro da Campina, Belém-PA a partir das experiências, práticas e memórias de prostitutas junto a este locus urbano. Diante da diversidade de espaços destinados a prostituição presentes em Belém-PA, o bairro da Campina é um lugar histórico deste métier na cidade, pois é onde se constituiu a maior zona de prostituição de Belém. Por volta do século XIX já era expressiva a presença de prostitutas no bairro, constantemente denunciadas por perturbarem a ordem e ocuparem espaços centrais da cidade em seu ofício, que aos olhos de autoridades da época, atentavam contra o progresso e a moral (Trindade, 1999). Em 1921 foi delimitada um área reservada especialmente ao meretrício, também conhecida como Quadrilátero do Amor (Espirito Santo Júnior, 2013).
No ano de 1970, período de intensa violência e repressão direcionadas de forma cruel e desumana à mulheres prostitutas - constantemente estupradas e obrigadas a lavar os salões policiais - a zona da Campina foi interditada. Atravessado por tensões, estratégias de higienização, táticas (Simmel, 2006; De Certeau, 1994) afetos, políticas e diferentes formas de sociabilidades, na Campina pulsaram e ainda pulsam trajetórias, memórias, imagens, formas de habitar, narrar e interpretar a cidade de Belém. A zona compreendida aqui enquanto lugar praticado (Tuan,1983; De Certeau, 1994) nos leva a pensar nas relações afetivas que estas mulheres mantém com o bairro (Sousa, 2017). Seja a partir da batalha ou da militância, me proponho compreender como mulheres prostitutas que batalham, militam e vivem neste bairro produzem poéticas (Bachelard,1978) sobre este logradouro. É na prática sensível do cotidiano citadino, em meio a uma multidão de pessoas que cruzam suas ruas, travessas e avenidas, que as prostitutas desnudam este corpo fêmea chamado Campina.
|