Cinque Terre
GT 059. Projeções Sociopolíticas e Agenciamentos Coletivos no Mundo Rural
Marisa Barbosa Araújo (UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA) - Coordenador/a, Delma Pessanha Neves (Professor permanente do PPGA UFF) - Coordenador/a
Assistimos hoje, no mundo rural, a uma efervescência de processos e sujeitos distintos que, redelineando configurações, exprimem transformações nesse amplo universo social. Populações rurais vivenciam processos políticos que envolvem a redefinição de identidades e papeis sociais, pautados em direitos específicos ou fundamentais e na luta pela conquista de patrimônios materiais e imateriais. Outras, nesse mesmo quadro social, deslocam-se na tentativa de repor condições de vida sob relativa autonomia. Ou ainda gerenciam diversas restrições, por tais razões estimulando filhos a se constituírem por diferentes inserções produtivas. Esses investimentos exigem a construção de diversas formas de posicionamento político e inserção social, de articulações de saberes específicos, sobretudo construídos para a ação coletiva e para convivência em universos sociais em disputas. Essas populações têm ainda investido na produção de seus próprios mediadores, muitos destes, para tal exercício, negociando com porta-vozes de quadros institucionais. Interessa-nos reflexões e esquemas conceituais que permitam o entendimento da complexidade dos processos de transformação social no mundo rural, principalmente os que envolvem as construções identitárias, diferentes territorialidades, os modos e adequação e de reconfiguração produtiva e as formas de sociabilidade. Igualmente nos interessam processos que explicitem a fluidez de fronteiras e redefinições sociais pela elaboração de recursos de mediação.
Resumos submetidos
A Servidão da Espera. Desenvolvimento e agricultura familiar numa comunidade cafeeira da Zona da Mata Mineira
Autoria: Paulo Augusto Franco de Alcântara
Autoria:

O sentido da espera é um marcador que, mesmo subsumido em outras categorias mais gerais, atravessa e constitui a história geral do campesinato de base familiar no Brasil. Trata-se da espera pela “modernidade”, pelo “progresso”, pela “dignidade” e, mais recentemente, pelo “desenvolvimento”. Essas noções foram/são elaboradas em planos multissituados da vida, interligando, de forma complexa e dinâmica, estado, economia e cultura local; deslocando e ressignificando, nos termos de José de Souza Martins, os regimes e sentidos da “servidão” do pequeno camponês aos modelos dominantes. Tendo como campo problemático geral as transformações contemporâneas no e do campesinato brasileiro, situo esse tema diante da possibilidade de inquirição etnográfica da chamada “agricultura familiar” na sua intercessão com a noção-tendência de “desenvolvimento rural”. Proponho assim fazer na contramão daquelas forças homogeneizadoras que tendem a comprimir e a reificar indivíduos, grupos e processos sociais à existência funcional e subserviente a processos hegemônicos, de cima para baixo. Para isso, frequentei, durante três anos, uma comunidade cafeeira da região do Caparaó, na Zona da Mata mineira, no intuito de conhecer e de me relacionar com as famílias de agricultores. Me aproximei e participei de suas construções cotidianas de sentidos e valores que colocam em evidência a agricultura familiar enquanto uma espécie de motor pensado na realização de um ideal de autonomia ligado à valorização da vida no campo por meio do advento de novas possibilidade de desenvolvimento social e econômico. Detive atenção sobre os sentidos e usos locais concedidos aos processos associados a um viver contemporâneo na agricultura familiar no modo em que esta é cotidianamente elaborada por meus interlocutores num contexto onde as políticas públicas setoriais aparentam ser centrais. E, afinal, são? Como essa expressão genérica assume concretude no domínio vivo das práticas e astúcias locais? Neste work, ao conceder enfoque analítico na perspectiva das relações com o crédito subsidiado (PRONAF), pretendo apresentar algumas relações desses “beneficiários” com as técnicas, tecnologias e conhecimentos proporcionados pelas relações com essa política setorial. Procuro, assim, pensar os dispositivos temporais que conformam, contestam e estranham o sentido de “desenvolvimento” e de “agricultura familiar” no contexto estudado.

Agroecologia no coração do agronegócio na Argentina. Chacareros, hippies e agrônomos experimentam outras formas de produzir alimentos
Autoria: Romina Cravero
Autoria: A partir de um estudo etnográfico, propomos analisar as maneiras como agricultores usam vários métodos tradicionais e ecológico para produzir alimentos na região socioprodutiva Argentina conhecida como "pampeana". A partir de um work de campo intensivo, vamos a indagar a forma como quatro quintas, sob o rótulo de agroecologia, elaboram métodos para produzir alimentos, construir suas ferramentas, matérias-primas e suprimentos para produzir. Desta forma, eles e elas estão transformando suas expectativas e modo de vida, e exploram novas formas de se relacionar com o ambiente e as entidades que o habitam. Procuramos reconstituir como essas pessoas experimentam formas de produzir que contrastam com o modelo agrícola hegemônico na Argentina, que exige o cultivo de grandes extensões de commodities, de capital intensivo, e cujo mercado de insumos biotecnológicos e de comércio para o mercado internacional é controlado por grandes e poucas empresas transnacionais. Vamos nos concentrar em particular na divergência de suas trajetórias sociais (da agricultura familiar, neoruralismo, transição profissional), bem como suas contatos e cruzamentos com o agronegócio.
As Reservas Extrativistas e os Guardiães da Floresta .
Autoria: Izabel Cavalcanti Ibiapina Parente
Autoria:

O objetivo central deste work é analisar os discursos produzidos sobre a natureza amazônica e os seringueiros no período que se estende de 1970 até os dias atuais. Para tanto, apresento um texto que expõe especificamente a trajetória e a biografia de Chico Mendes. A justificativa para este recorte metodológico é a seguinte: Chico Mendes foi um ícone, um grande símbolo na luta pela criação das Reservas Extrativistas (RESEX) no Brasil. O legado que ele deixou para os povos extrativistas foi tão potente que a imagem dele se reverbera inevitavelmente nas dos demais seringueiros da Amazônia. Assim, ao traçar as representações criadas encima da figura de Chico Mendes, consigo trazer à luz o imaginário popular alimentado sobre o seringueiro “genérico”, ou melhor, “hiper-real”, parodiando a expressão cunhada por Alcida Rita Ramos (1995). O work está dividido em quatro partes. A primeira traz uma contextualização histórica das políticas públicas voltadas à borracha amazônica no período que se estende de 1946 a 1990. Na segunda seção, analiso as imagens construídas por Andrew Revkin, jornalista e ambientalista norte-americano, sobre a natureza amazônica e sobre um dos principais líderes do movimento dos seringueiros do Acre: Chico Mendes. Para tanto, recorro ao livro The Burning Season (1990), escrito por Revkin. Na terceira seção, apresento o processo de criação da imagem do “seringueiro guardião da floresta”. O objetivo do tópico é demonstrar como tal imagem foi criada e quais foram as pessoas responsáveis por ela. Veremos os primeiros passos para a invenção da imagem do “seringueiro pró-ambiente” que foram dados por um grupo específico de ativistas ambientas e sociais no ano de 1985. Na quarta e última seção, analiso os discursos de Chico Mendes em dois momentos históricos distintos: no início dos anos de 1980 e no final dos anos de 1980. Ao longo desse período, Chico Mendes alterou significativamente a sua fala, o que evidencia, de certo modo, o caráter inventivo do seringueiro “pró-ambiente”. Veremos que Chico teve um papel ativo na construção da sua imagem, atuando como protagonista da sua própria história. Ademais, ficará claro o quanto Chico Mendes foi perspicaz e até mesmo visionário. Ele surfou na onda do discurso ambientalista, angariou alianças diversas – inclusive com indígenas e com ONGs internacionais – e foi capaz de construir um discurso positivo sobre si e sobre os seus companheiros de ofício: os seringueiros da Amazônia.

Auto-identificação, mediação e estratégias de reprodução social e mobilização coletiva na comunidade Quilombola de Juçatuba (MA)
Autoria: Leandro Augusto dos Remédios Costa
Autoria:

Este work tem como objeto de estudo a relação entre estratégias de reprodução social e estratégias de mobilização coletiva. O ponto de partida é a “auto-identificação” no contexto quilombola, esse mecanismo jurídico estatal presente no decreto 4887/2003 que garante a classificação de “remanescentes de quilombo” tornando os grupos que reivindicam tal identificação como sujeitos de direitos. O campo empírico para tal reflexão é a comunidade quilombola Juçatuba, localizada no município de São José de Ribamar, no Estado do Maranhão, e certificada em 10 de maio de 2007 pela Fundação Cultural Palmares. A “auto-identificacação” exige um capital cultural específico, ou seja, o domínio de certos códigos, linguagens e práticas exigidas pela burocracia estatal, entretanto, sabe-se que tal capital é desigualmente distribuído nas sociedades “modernas”. Diante disso, surge a necessidade de uma série de mediadores, internos ou externos à comunidade que possuam tais capitais para mobilizar a “auto-identificação”. Nesse sentido, este work privilegia os mediadores de Juçatuba e sua representação sobre a “auto-identificação” é apreendida por meio de incursões no campo empírico, questionários aplicados com os moradores e entrevistas realizadas com os mediadores. Nessa comunidade os mediadores foram identificados como os membros da Associação de Moradores, sendo a representação desses agentes sobre a “auto-identificação” é de que a educação universitária é o elemento que lhes possibilita a busca pelas “origens” da comunidade e o conhecimento sobre o direito territorial quilombola. A reconstrução processual da “auto-identificação” mostrou que Juçatuba já possua instituições representativas marcadas pela divisão de gênero, inicialmente pelo domínio masculino, a Comissão dos Nove Homens que representava a comunidade, até que esta foi substituída por clubes de mães, que, por sua vez, foram desfeitos e tornaram-se a Associação dos Moradores. Diante disso, a última parte do artigo retoma as representações dos agentes sobre a “auto-identificação” como tornada possível em decorrência da educação universitária. Para não reduzir a análise à tarefa de apreender e reproduzir as representações sumárias, foi necessário ir além das explicações apresentadas pelos agentes para fazer surgir o sistema de relações objetivas em que estes estão inseridos, o que mostrou que as transformações nas formas de mediação interiores ao grupo estão relacionadas a transformações nas condições objetivas de reprodução social do grupo e que, portanto, geram outras estratégias de reprodução social (como investir na educação universitária) bem como outras estratégias de mobilização coletiva.

Como os Nêgos dos Palmares: uma nova resistência na Serra da Barriga
Autoria: Rosa Lucia Lima da Silva Correia
Autoria:

A Serra da Barriga, em União dos Palmares, além de representar a memória de um acontecimento do século XVII, marcante para o Movimento Negro e para a História da nação, é uma área do bioma da Mata Atlântica, motivos pelos quais foi inscrita no livro do Tombo em 1986, instituída como Monumento Nacional em 1988 e transformada em Parque Memorial (Quilombo dos Palmares) em 2007, status que lhe rederam o título de área de utilidade pública para fins de desapropriação, estudos antropológicos, arqueológicos, ecológicos e reflorestamento, passando de terra de work – lugar e mundo da vida camponês - à terra da União - área destinada ao turismo étnico-ecológico e de produção de ciência -, integrante do patrimônio cultural e natural da nação. A patrimonialização gerou um campo onde diferentes territórios e territorialidades existem simultaneamente e em conflito. O Movimento Negro, juntamente com o Estado, são os detentores legais do território-patrimônio e também são os acionadores de uma territorialidade que coloca em risco a territorialidade camponesa, articulando, fomentando e executando um jogo de poder que se caracteriza pela implantação de novos significados e usos do território que não o de morada da vida e terra de work, simbologia camponesa do espaço. Isso explica por que 1. o campesinato não é considerado atributo do bem patrimonial (não tem reconhecida representação na historiografia nacional); 2. a seleção oficial do patrimônio de um grupo social (no caso o negro) em determinado território regulariza sua presença e uso e exclui legalmente outros grupos ali presentes; 3. em se tratando de uma área natural protegida de uso indireto não é permitida a moradia nem a exploração ou uso econômico que não os previstos pelos órgãos responsáveis por sua administração, estando assim, desqualificadas e desclassificadas perante a lei e o Estado, a presença, os saberes e os fazeres de qualquer grupo habitante, especialmente se ele se vale de técnicas rudimentares de uso da terra e não detém a sua posse. Os objetivos preservacionistas e museais ali instaurados ameaçam e restringem a sobrevivência da população local, porém, eles resistem (ou r-existem), se reconfigurando e criando novas formas de restituir o controle do seu território e de garantir seu patrimônio: tensionando o Estado, o Movimento Negro, reafirmando a identidade camponesa ou emergindo em outras identidades. Nesta perspectiva, os objetivos desta investigação foram os de identificar as mudanças operadas no mundo camponês da Serra da Barriga após a sua patrimonialização, as formas de resistência e agenciamentos para enfrentamento do conflito. Para tanto, esta etnografia utilizou-se de pesquisa documental, observação participante e entrevistas em profundidade com os atores envolvidos na trama.

De pidões, casas e vizinhos: a produção da vida e dos assentamentos rurais em São Paulo
Autoria: Nashieli Cecília Rangel Loera
Autoria: A região do Pontal do Paranapanema, no estado de São Paulo é, como os sem-terra dizem ‘a capital dos assentamentos’, a porção do estado, que nos últimos 30 anos teve o maior número de terras distribuídas pelo Estado brasileiro. Um assentamento rural nesta região está intimamente vinculado a outro através de uma rede de pessoas (parentes, amigos, conhecidos) e de casas, que se estendem no tempo e no espaço. Este work busca explorar etnograficamente mecanismos sociais que fazem possível a vida em comum e a existência destes espaços mutuamente interconectados. Um deles é a prática, comum entre os assentados, do “pedir coisas”, é através da constância no ‘pedir’ que os novatos ou recém assentados, passam de ‘pidão’ a se tornarem vizinhos, categoria nativa que traduz um conhecimento sobre o que o outro precisa, quando precisa, e que pode/deve dar em troca. Para isto, no caso de alguns assentados, manter sua antiga casa na cidade, situação comum nesta região, se torna uma espécie de poupança, que pode ser uma vantagem no circuito de trocas entre os assentados. A casa guarda objetos, alimentos que podem resolver uma necessidade imediata ou serem trocados, por exemplo, para resolvê-la. Esta prática, a de ‘pedir’ como tentativa constante de “produzir vizinhança” (por assim dizer) e que envolve o que meus interlocutores chamam de consideração, uma espécie de cuidado com o outro, vai além do cotidiano dos assentamentos, pois é reproduzida na relação com representantes do movimento sem-terra, com os fazendeiros locais, e com representantes de órgãos institucionais encarregados da distribuição de dons do Estado e políticas públicas.
Entre cutiões e teimosos: mobilidade espacial e permanência na terra
Autoria: Marina Sousa Lima
Autoria: O objetivo deste artigo é investigar a mobilidade espacial e os modos que configuram a permanência na terra. O lócus da investigação desta pesquisa se deu numa parcela do Projeto de Assentamento Ajarani, uma área de Reserva Florestal, localmente conhecida enquanto Bola, no estado de Roraima. Diversas modalidades de ocupação, demanda pela terra, seus sentidos e formas de significá-la por parte dos demandantes desta parcela conformam uma territorialidade específica. Homens e mulheres que permanecem na Bola, referem-se a si como teimosos, pessoas insistentes que enfrentaram adversidades para permanecer nesta localidade. Em referência a estas formas locais de sociabilidade, observamos que diversos são os tempos e modos de deslocamento que marcam relações sociais e permeiam o andamento das atividades rotineiras. Os sentidos que a terra assume para aqueles que vivenciam processos de deslocamento e ocupação atravessam diversos usos e sociabilidades locais, tendo como consequência o que chamo de performance de atividades cotidianas que asseguram a permanência na terra. Considerando circulação como uma possibilidade de chave explicativa para diversas dinâmicas de trocas, de circulação de pessoas, bens, dons, dádivas, dívidas, pessoas e afetos, é possível falar de diversos elementos da região: trânsito de pessoas na região do PA Ajarani, trocas e favores, circulação de informações e fofocas. Se, no universo dos possíveis, ficar no lote ou deixa-lo, constituem opções no horizonte, o que faz as pessoas permanecerem? A este respeito, o argumento é de que abrir as picadas inaugura o “tempo de acampamento” para aqueles que participam de acampamentos e aberturas de estradas na Amazônia. Porém, modos específicos de sociabilidade se desenrolam na continuidade dos modos de habitar e cuidado da terra que produz pertença. A hipótese é a de que na produção de um tipo de território específico se produzem também formas particulares de habitar, neste caso, na Amazônia, perpassando relações, pessoas, tempos e regimes de work.
Faxinais: territorialidade, direitos e movimentos sociais em Pinhão, Paraná
Autoria: Dibe Salua Ayoub
Autoria: No presente work, analiso como moradores dos faxinais de Pinhão, Paraná, acionam a categoria “faxinal” no cotidiano e na luta pelo reconhecimento de direitos ao território. Esses moradores participam de diferentes movimentos sociais: o Movimento de Posseiros (MP), a Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses (APF) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Embora cultivem modos parecidos de relacionar-se com o território, e compartilhem experiências de conflito com uma empresa madeireira, os membros desses movimentos perseguem formas distintas de direitos territoriais. Enquanto o MP e o MST buscam a criação de assentamentos da reforma agrária, a APF agencia a identidade de “faxinalense” em sua luta pela regulamentação de territórios coletivos. Levando isso em consideração, reflito sobre as tensões entre o “faxinal” enquanto categoria representativa da elaboração de vínculos com a terra e de classificações do ambiente, e enquanto categoria jurídica. Ademais, observo como essas tensões se apresentam nas lutas por direitos levadas adiante pelos movimentos sociais presentes em Pinhão. Para tanto, discuto os modos com que os membros dessas organizações avaliam o uso coletivo da terra para a criação de animais, tema central para o atual reconhecimento jurídico dos faxinais enquanto territórios tradicionais.
Os Caminhos da Mediação em Territórios Quilombolas e os Descaminhos dos Processos de Reconhecimento: olhar comparativo sobre mudanças prático-discursivas no contexto presente dos territórios quilombolas
Autoria: Renata Medeiros Paoliello
Autoria: O objetivo do paper é apresentar resultados de reflexão comparativa sobre diferentes experiências em "territórios" alvo de processos de reconhecimento, no que toca às tensões atuais, incidentes sobre práticas discursivas dos beneficiários, a partir de suas percepções sobre o refluxo das políticas de reconhecimento, nos últimos três anos. os critérios comparativos referem-se a distintos modos de organização e relação com a terra antes do reconhecimento, e a momentos históricos diversos de experiência de intervenções estatais, supondo-se que todos eles são contextos de mediação, mas mediação que se dá a partir de encontros problemáticos entre agências estatais, portadoras de um conjunto de programas de políticas públicas de caráter genérico, ao mesmo tempo em que seus agentes carregam suas perspectivas políticas e visões específicas dos beneficiários, e as perspectivas e entendimentos destes em relação ao mundo social em que se inserem e ao estado, conforme sua experiência histórica de relações com a sociedade e com as instituições administrativas e político-jurídicas. O discurso mediado, no novo contexto do reconhecimento, implica na incorporação de novas identificações e de uma orientação para o agir coletivo, tendo em vista que o direito territorial não é legalmente individualizado. Pode-se dizer que estes beneficiários experimentam os efeitos de uma plêiade de políticas governamentais que supõem um projeto de democratização e de redistribuição, para além do reconhecimento. No entanto, diante da experiência de estagnação e refluxo deste projeto, a partir, principalmente, de 2016, mas que já vinha sendo desacelerado, agudizam-se afastamentos no que toca à ação coletiva e ao novo modo de organização, embora as associações de moradores permaneçam operantes. As perguntas que derivam de tal situação, de dimensão nacional, e que nortearam a pesquisa, relacionam-se ao modo pelo qual, diante dessas novas tensões e afastamentos, configuram-se novas modalidades de mediação, novas práticas discursivas que visam ao mesmo tempo assegurar direitos e delinear novas estratégias pelas quais se redefinam condições sociais,e que podem ser decisivas para a continuidade dos "territórios quilombolas".
Processos de transformação social e estratégias reprodutivas de produtores familiares: fluxos migratórios e diferentes territorialidades
Autoria: Priscila Tavares dos Santos
Autoria: Neste artigo, elaboro um conjunto de questões que visam caracterizar processos de transformação social quanto às condições diferenciadas de acesso a recursos privados e públicos, produtivos e reprodutivos, incorporados e organizados por ações específicas no mundo rural. Tais ações são orientadas a assegurar uma autonomia relativa na constituição intergeracional considerando grupos de agricultores hortigranjeiros situados em território periférico ao espaço urbano da sede do município de Teresópolis (RJ). Ao adotar perspectiva processualista, valorizo a análise interpretativa quanto à constituição de diferenciados campos de ação, conforme condições situacionalmente variáveis de apropriação e orientação referencial da organização de recursos, especialmente públicos, que propiciem a elaboração de projetos de inserção e reprodução sociais. Por este investimento, pude compreender e valorizar processos de reconfiguração produtiva que exprimem a modificação de modelos de reprodução social e a percepção dos agricultores e seus familiares frente às formas de sociabilidade mediante os universos sociais que os conectam em mundos específicos em conformidade à projeção de sistemas de relações que vão sendo tecidas ou de fatores organizacionais da vida social.
Vilas Produtivas Rurais e “Terras do Governo”: reassentamento de famílias rurais atingidas por obras da transposição do rio São Francisco
Autoria: Verena Sevá Nogueira
Autoria: O projeto de transposição do rio São Francisco é uma obra pública do governo federal brasileiro que tem como objetivo o desvio das águas do rio São Francisco para o abastecimento de municípios carentes de recursos hídricos da região semiárida brasileira. As obras desse projeto, de responsabilidade do Ministério da Integração Nacional, tiveram início em 2007 e, alguns anos depois, provocaram a desapropriação de uma população distribuída ao longo da área a ser inundada. Parte desta população, majoritariamente proveniente de áreas rurais, foi posteriormente reassentada numa das 18 Vilas Produtivas Rurais construídas pelo governo. No município de São José de Piranhas, PB, locus empírico de uma pesquisa iniciada em 2014, mais de 200 famílias foram expropriadas de seus Sítios e reassentadas numa das 4 Vilas erigidas neste município. Sujeitas de um clássico processo de territorialização essas famílias passaram a conviver com um novo e regrado território formado por lotes residenciais, lotes de work e áreas de uso comum e de preservação ambiental. Nas cercanias das Vilas, limitando-as fisicamente, foram demarcadas e tituladas parcelas de terra em nome da União, destinadas a funcionar como área de segurança no entorno de uma grande barragem ali construída, e como áreas a serem inundadas ao final das obras. Nessas parcelas de terra da União, localmente chamadas “Terras do Governo”, algumas famílias reassentadas nas Vilas vêm mantendo reses que trouxeram dos antigos Sítios, assim como, forasteiros as têm utilizado para colocar seus rebanhos. Esta comunicação propõe uma reflexão sobre as territorialidades das famílias reassentadas numa das quatro Vilas construídas em São José de Piranhas, a Vila Produtiva Rural Cacaré. São analisados processos de construção do novo território ou espaço de vida dessas famílias, conformado pela combinação de memórias, técnicas e saberes trazidos de seus Sítios, com as novas regras territoriais ditadas pelo Estado para moradia e work nas Vilas Produtivas Rurais. Também são considerados as territorialidades que se expandem para fora dos limites das Vilas, adentrando nas “Terras do Governo”.