GT 056. Povos indígenas, afrodescendentes e outros povos tradicionais, conflitos territoriais, e o não reconhecimento pelo Estado nacional.
Stephen G. Baines (Departamento de Antropologia, UnB) - Coordenador/a, Luis Eugenio Campos (Universidad Academia de Humanismo Cristiano) - Coordenador/aResumos submetidos |
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A dupla face das paisagens: o incremento do turismo e a configuração de uma arena de conflito no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses Autoria: Benedita de Cássia Ferreira Costa Autoria: O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (PNLM), criado pelo decreto No. 86.060/81, abrange os municípios de Barreirinhas, Santo Amaro e Primeira Cruz e possui uma área estimada em 155.000 hectares. A criação dessa unidade de conservação de proteção integral ocorreu sem que a presença das famílias que historicamente vivem e trabalham nessa ampla região fosse registrada pelo Estado. O presente work procura refletir sobre os problemas que definem uma arena de disputa envolvendo, por um lado, famílias de comunidades tradicionais e, por outro, o Estado e agentes econômicos em torno da privatização das atividades turísticas nas áreas historicamente ocupadas pelas famílias no PNLM. Busca identificar os elementos e conteúdos imagéticos utilizados para divulgar o potencial turístico do PNLM no contexto de concessão da gestão do turismo a agentes econômicos privados. A partir da análise de material fotográfico veiculado por órgãos oficiais, por veículos nacionais e locais de promoção turística, pretende ultrapassar, como obstáculo epistemológico, a relação naturalizada entre imagem e turismo, realizando um iconoclash (LATOUR, 2008) a partir da análise do processo de construção social dessas imagens, que projetam a ideia de paraíso configurado a partir de dunas, lagoas cristalinas, céu azul e muito sol, sugerindo um lugar natural, óbvio (BARTHES, 1990). Pensando no “avesso” ou no obtuso (BARTHES, 1990) dessas imagens, elas nos dizem que antes de ser “Parque” havia e ainda há um modo de vida de comunidades tradicionais historicamente consolidado, a partir de formas específicas de interação com a natureza, hoje pensada como um “produto” a ser comercializado no mercado do turismo. A construção de uma paisagem que remete a um produto turístico é reveladora de uma arena de conflito entre as definições e usos da unidade de conservação, na medida em que as imagens, acompanhadas de narrativas sobre os “Lençóis Maranhenses”, operam na construção de uma natureza prístina e intocada, simplificando ou apagando sua variedade e diversidade humana, desconectando-as de questões político-econômicas relacionadas à sua própria produção, enquanto destino turístico único. Problematiza, assim, o processo da “descoberta” e a “concessão” dessa unidade de conservação, que demonstra por um lado, a continuidade da natureza que sofre um regime cada vez maior de comoditização e, por outro, a descontinuidade do humano, promovendo uma invisibilização do modo de vida de comunidades tradicionais. Dessa forma, a paisagem natural (turística e de paraíso) contrasta com outra, concebida como paisagem cultural, que restaura e torna relevante o encontro de pessoas e lugares, definidor do modo de vida das comunidades tradicionais ali presentes.
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A Etapa Fantasma: política e semântica nos procedimentos preliminares de reconhecimento de Terras Indígenas Autoria: Christian Ferreira Crevels Autoria: Este artigo pretende jogar luz sobre atividades administrativas que antecedem os procedimentos formais de reconhecimento e demarcação de Terras Indígenas. Chamadas comumente de “estudos preliminares”, ou “etapa de qualificação da demanda”, tratam-se de atividades diversificadas realizadas pela FUNAI após o recebimento de uma demanda por reconhecimento fundiário indígena, com o intuito de levantar informações que venham a subsidiar a preparação para a criação do Grupo Técnico de Identificação e Delimitação, previsto no Decreto nº 1775/96. No cenário atual de desmonte orçamentário da FUNAI, os works preliminares também são destinados à aferição de critérios de priorização dos casos particulares no planejamento de atividades do órgão indigenista de Estado. Não obstante, não raro as demandas indígenas permanecem nesta “etapa de qualificação” por muitos anos sem verem a criação de um Grupo Técnico, mesmo com diversos relatórios de estudos preliminares produzidos. Outrossim, atividades preliminares anteriores à criação do Grupo Técnico não possuem regularização legal, prazos estabelecidos de execução, ou mesmo definição programática – sua conclusão não implica imediatamente a sequência do procedimento demarcatório.
O fato de que a documentação produzida durante esta “etapa” seja na maioria das vezes sigilosa e restrita ao âmbito interno da FUNAI, faz com que seja pouco frequente que a antropologia dedique sua atenção a ela. Em bem verdade, quase toda atuação preliminar ou de qualificação é silenciosa e carece de controle social se não por parte dos indígenas ou no caso de eventual judicialização da questão.
A partir da apresentação e análise de uma série de casos de demandas por demarcação de terras, do Distrito Federal e do Amazonas, incluindo os documentos produzidos pelo órgão indigenista no âmbito da “qualificação da demanda”, faz-se notar a presença de ingerência política sobre os processos demarcatórios, tanto por omissão quanto por negligência durante os estudos preliminares. Política que versará sobre a tradicionalidade da ocupação e, por vezes, mesmo à própria condição indígena, evitando que essas terras recebam o devido processo demarcatório.
Considerado o panorama estatístico das terras indígenas no Brasil, é possível notar que a maior parte do montante de terras com pendências no procedimento demarcatório correspondem às terras em que o procedimento sequer foi iniciado com a publicação no Diário Oficial da União de portaria de criação do Grupo Técnico. Assim, os procedimentos administrativos que antecedem o processo de demarcação pode representar o maior espaço de disputa política em que se encontra a problemática do reconhecimento de terras indígenas no Brasil.
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A não demarcação de terras indígenas como um fator de violação à cosmovisão de territórios tradicionais Autoria: Francisco Cláudio Araújo de Castro da Paz, Juliana Cristina Vasconcelos Maia Autoria: Apesar de reconhecido juridicamente por meio da Constituição Federal de 1988 e outras legislações infraconstitucionais (SOUZA, 2017), o direito à demarcação de terras indígenas não tem sido concretizado como determina a legislação, o que tem gerado grandes impasses na vida de povos indígenas, sobretudo na cosmovisão dos territórios dessas comunidades (OLIVEIRA, 1988) que, com o passar dos anos, vêm perdendo suas tradições face à omissão do Estado em não efetivar o reconhecimento desses territórios, que se dá por meio do processo de demarcação. Nesse sentido, presente pesquisa objetiva tecer discussões acerca dos impactos gerados em decorrência da não efetivação das demarcações de terras indígenas, destacando a violação aos diversos saberes, hábitos, costumes e linguagens desses povos, dando ênfase à temporalidade e a noção de mobilidade e os reflexos dessa dinâmica sobre os lugares nos quais habitam os povos indígenas, tendo como fundo destacar a importância da demarcação para a permanência da organização social e cultural dessas comunidades. Assim, work parte de uma revisão teórica dos conceitos de territorialidade e cosmovisão no campo da Antropologia, mediante análise bibliográfica e jurídica acerca dessa relação com a demarcação, além da abordagem documental realizada mediante a verificação do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil de 2016, realizado pelo Cimi, a fim de compreender como a morosidade nos processos demarcatórios contribui para explicar a situação de uso e ocupação do espaço por povos indígenas.
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A SOCIOGÊNESE DAS IDENTIDADES COLETIVAS CONSTRUÍDAS EM SITUAÇÃO DE CONFLITOS TERRITORIAIS: o caso dos agricultores “atingidos” pela barragem Figueiredo, em Potiretama/CE Autoria: Roberta de Castro Cunha, J. Max Maranhão Piorsky Aires
Professor Adjunto de Antropologia (UECE)
Autoria: Este artigo analisa a sociogênese dos processos de construção identitária dos agricultores da comunidade Lapa, produzidos na luta pelo reconhecimento do território e enfrentamento das tensões sociais, advindas com a instalação da Barragem Figueiredo, no município de Potiretama/CE. A pesquisa exploratória inicial foi realizada no ano de 2017, subsidiada por análise documental e observação participante, além de discussões sobre a agenda política de retrocessos e ameaças aos direitos dos povos e comunidades tradicionais, que cada vez mais se deparam com a ameaça de extinção dos seus modos de vida, em decorrência da ação do Estado, que se utiliza de estratégias e interpretações das legislações específicas, para violar e restringir direitos, situação caracterizada no caso empírico analisado e acompanhada pela pesquisadora enquanto técnica da Defensoria Pública da União no Ceará. Para tanto, o artigo inicia com a apresentação do processo de instalação da barragem, uma vez que tal processo está intrinsecamente relacionado à formação dos grupos, das identidades e das territorialidades específicas na região. Em seguida, descreve a realidade da comunidade Lapa, identificando como os moradores resistiram e enfrentaram as imposições do Estado para permanecerem em seu território. Mais adiante, o texto problematiza sobre as disputas e classificações produzidas na região, dialogando com estudos que, para além da questão identitária, incluem o olhar sobre as questões societária, política e os processos de territorialização, bem como com análises que enfocam classificações identitárias, construídas em situação de conflito e objetivadas em movimentos sociais. Por fim, conclui que o surgimento e o acionamento da identidade coletiva dos agricultores da comunidade Lapa – “atingidos por barragens” – se configuram estratégias de visibilidade e enfrentamento às violações de direitos causadas pelo Estado e aponta que o reconhecimento social da diferença de um grupo, não se limita à adequação às classificações estatais.
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A tese do Marco Temporal de Ocupação e as populações indígenas: tentativas de deslegitimação da luta Autoria: Ana Paula Magno Perez Autoria:
Os direitos territoriais indígenas estiveram presentes tanto na legislação colonial portuguesa quanto na legislação do Império e da República brasileira. Ao longo de todos esses séculos esses direitos foram colocados em questão de diferentes maneiras. Recentemente emergiu a discussão da Tese do Marco Temporal de Ocupação, que é a ideia de ser necessária presença dos índios na área objeto da demarcação no dia 5 de outubro de 1988 para sejam reconhecidos seus direitos originários. Esta argumentação tem sua origem nas condicionantes determinadas no parecer do ex-ministro Menezes de Direito, por ocasião do julgamento de ação que contestava os limites da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no STF. O cenário atual é total retrocesso em relação ao reconhecimento de vários direitos que resultaram de intensa mobilização e lutas dos setores envolvidos. Entre aquelas conquistas se encontra o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas que habitam o território brasileiro desde tempos imemoriais. A Constituição Brasileira estes direitos como originários, isto limita papel do Estado a apenas reconhecer estes direitos, dessa forma sendo impossível de acordo com a Carta Magna limitá-los a um período específico no tempo como o faz a Tese do Marco Temporal. Porém, é importante entender que a Tese é apenas mais uma tentativa de deslegitimação e não reconhecimento por parte dos governantes do direito indígena sobre o seu território. As formas de deslegitimação da luta indígena por seus direitos e territórios perpassam as políticas do Estado, apesar dos seus direitos estarem expressamente previstos na Constituição de 1988, como já foi dito. Ao longo de nossa história os direitos indígenas foram mitigados de diversas maneiras. Durante a ditadura, por exemplo, e até mesmo após seu fim existiram projetos que visavam a emancipação dos índios “aculturados”, porém, o foco destes era, na verdade, as terras indígenas. Eles eram um meio de deslegitimar a posse indígena. Após a Constituição de 1988 estes discursos de deslegitimação da posse indígena sobre suas terras passaram por uma transformação, e passou a ter outras formas. A Tese do Marco Temporal, que surge com o julgamento pelo STF da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e atinge seu ápice com o parecer 001 da AGU. Através do Parecer, eles buscam que tal Tese se transforme numa política de governo, pois ele passaria a ser aplicado a todas as demarcações de terras indígenas. Sendo deixado de lado, assim, as diversidade diversidade dos conflitos e das populações indígenas existentes, pois parte de uma visão homogeneizadora das populações indígenas. E sendo aplicada poderá causar e perpetuar danos irreparáveis. |
Até onde posso ir: uma etnografia de luta pela demarcação e aviventação de marco na Terra Indígena de Mangueirinha Autoria: Rodrigo Kavag de Souza Autoria: Resumo: a seguinte pesquisa etnográfica foi elaborada na Terra Indígena de Mangueirinha no Paraná, com o objetivo de analisar como vem sendo feito e preservado os marcos que estabelecem a divisa física da referida terra. Para tanto foi utilizado a observação participativa, analise bibliográfica e documental visando um entendimento mais aprofundado sobre a temática abordada. Com isso foi possível verificar que a terra indígena em questão tem uma demarcação muito antiga, e ainda não tem a aviventação de marco concluída devido contradições de limites existente entre os vizinhos da mesma e os indígenas, e que carece de estudos futuros para ver como essa questão está sendo tratada pelo estado.
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Como viver? O procedimento de Escuta Étnica no contexto do Pluralismo Jurídico Autoria: Ana Elisa de Castro Freitas Autoria: Analisa-se os horizontes hermenêuticos da prática antropológica pericial em processos criminais envolvendo a imputabilidade penal da pessoa indígena. Considerando o paradoxo entre a responsabilização individual do direito penal brasileiro e a matriz étnica do sujeito coletivo indígena, descreve-se e examina-se o procedimento de Escuta Étnica e suas possibilidades de alargamento da igualdade material no âmbito do pluralismo jurídico. Argumenta-se que o procedimento de Escuta Étnica permite qualificar o processo judicial ao tornar acessíveis os fundamentos da eticidade indígena, orientando e conferindo maior efetividade a decisão judicial no decorrer do processo penal.
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Dinâmicas das lutas por reconhecimento étnico no Maranhão Autoria: Elizabeth Maria Beserra Coelho, Mônica Ribeiro Moraes de Almeida Autoria: No presente artigo, buscamos discutir processos sociais designados na literatura antropológica como etnogênese, emergência, viagem de volta, ressurgência, que se configuram como movimentos de afirmação identitária, acionando critérios de etnicidade. Esses processos configuram-se em situações nas quais as frentes coloniais da sociedade brasileira se impuseram sobre territórios e povos indígenas, forçando-os as mais diversas situações de invisibilidade. As mudanças na postura do Estado em relação aos povos indígenas, pós constituição de 1988, de reconhecimento e respeito à diversidade étnico cultural que caracteriza esse Estado, fortaleceram os movimentos de afirmação étnica dessas coletividades. Tomamos como referência movimentos de etnogênese, no Maranhão, que foram se constituindo a partir de 2002, fazendo frente a diferentes empreendimentos externos. São tomados como campo empírico os movimentos capitaneados pelos povos indígenas Krenyê, Gamela e Tremembé. Tratam-se de processos que se encontram em diferentes momentos de luta e que estão assumindo trajetórias diversas, mas que se articulam na pauta das reivindicações e nas adversidades que enfrentam.
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Impasses para o Reconhecimento e Demarcação da Terra Indígena de Almofala/CE Autoria: Ianka Aragão Felipe Autoria: O presente work é fruto de pesquisa junto à Procuradoria Seccional Federal em Sobral/CE, órgão de representação judicial e extrajudicial da FUNAI. Tem-se como objetivo apresentar os impasses para a demarcação de área tradicionalmente ocupada por indígenas da etnia Tremembé na localidade de Almofala, distrito de Itarema/CE, delimitados em duas questões, a primeira de ordem administrativa, considerando a inércia da FUNAI, e a outra relativa aos conflitos territoriais perpetrados pela indústria do coco na região. Para a realização de tal pesquisa, o procedimento metodológico utilizado foi o bibliográfico/documental. O povo Tremembé na região de Almofala denota ao início da colonização europeia, sendo essa área originalmente “concedida” à ocupação indígena através de alvará do Rei Português, datado dos fins do século XVII. Frisa-se que apesar dos movimentos migratórios da seca e dos conflitos territoriais, essa etnia continua existindo e resistindo na região. A demarcação teve início em 1993, estando atualmente na fase de delimitação. Ocorre que paralelamente à isso, foi ajuizada ação pela empresa DU COCO AGRÍCOLA, que ainda está em curso, objetivando a anulação do ato administrativo que reconheceu a terra indígena, motivo pelo qual a FUNAI, inicialmente, ficou impedida de continuar a demarcação, apenas através de decisão judicial, foi possível retomar os works. No tocante, aos conflitos territoriais, convém destacar que dados da Funai e declarações do povos residentes, relatam casos de violências praticados pelos proprietários das empresas de coco, desde a década de 70, os quais cercavam as terras indígenas, plantando coqueiros como garantia de posse, assim, obrigando os habitantes da terra ao deslocamento, e quando não saiam de imediato, às ameaças de morte vinham para efetivar o esbulho. Desse modo, para garantir o território a quem de direito, faz-se necessário o processo de Demarcação, disposto no art. 231 da Constituição Federal e regulamentado pelo Decreto nº 1775/96, para impedir isso, a empresa DU COCO insurge ao mito do grau de integração, tentando incutir a ideia falaciosa de que pelo contato com não-índios, os Tremembés de Almofala não teriam mais direito à terra, como se perdessem sua etnia, teoria essa já refutada pela antropologia, visto que forma cultural inalterada é exigência que destoa da realidade social, além de não ser requisito para reconhecimento de terra indígena. Por outro lado, o processo de demarcação ainda não foi concluído por morosidade da Autarquia Indigenista, consequência também do desmonte realizado pelo atual governo, sendo fechada a sede da FUNAI em Itarema, com a alegação de falta de recursos, mas que na realidade se trata de não prioridade aos direitos sociais.
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Kawsak Sacha: Uma perspectiva runa sobre conservação Autoria: Marina Ghirotto Santos, Fausto Daniel Santi Gualinga, estudante do curso de especialização em "Liderazgo, Cambio Climático y Ciudades" na Flacso-Quito/Equador. Autoria: Este artigo tem como objetivo descrever e analisar em que consiste a categoria de “conservação” do território correspondente ao Povo Originário Kichwa de Sarayaku, localizado na Amazônia equatoriana, partindo de sua proposta denominada Selva Viviente ou Kawsak Sacha (em castelhano e kichwa, respectivamente). Embora esta proposta venha sendo trabalhada há mais de 10 anos, desde 2012 Sarayaku começa a publicizá-la como parte do esforço em efetivar os direitos da natureza e dos povos originários, previstos na constituição equatoriana de 2008, a partir do reconhecimento jurídico-político da existência de outros seres – espíritos, árvores, cachoeiras, Pachamama ou Allpamama, etc. – como vivos e conscientes, tal como os humanos. Em julho de 2018, quando é realizado o evento oficial de lançamento da proposta em Quito, Sarayaku declara seu território como área de proteção livre de exploração extrativista, petroleira, mineira, madeireira, etc. Na contramão da licitação de novos blocos petroleiros em seu território, assim como de mecanismos de conservação associados ao mercado (como seria o REDD+), Sarayaku enfatizou que esta é uma “nova categoria de conservação de territórios indígenas”, uma vez que a titulação da terra (alcançada em 1992) não garante a manutenção de suas práticas de vida, direitos e tampouco a autonomia em definir o que é, como cuidar e interagir em/com seu território. Ou seja, ainda que este povo seja “reconhecido” pelo Estado – não sem conflitos – tanto em termos da demarcação de suas terras quanto como parte da nacionalidade kichwa, se encontra, entretanto, diante de outro plano de “não reconhecimento”, ao qual respondem com propostas políticas e categorias própria (runas) de conservação. Esta proposta faz parte de uma longa trajetória protagonizada por Sarayaku de luta e resistência anti-extrativista, sobretudo petroleira, além de um novo marco na elaboração de conceitos e propostas (cosmo)políticas que este povo tem historicamente apresentado ao Estado e a organizações internacionais (ONU, coalizões da sociedade civil, etc.) como um passo “mas allá” da resistência. Se de fato esta proposta é uma “tradução ao mundo dos brancos” de conceitos e práticas concretas de vida de Sarayaku – sobre a qual um olhar detido pode ajudar a pensar outros casos de violações e tentativas de deslegitimação – a análise a que se propõe este artigo está também atravessada pelas questões teóricas, politicas, acadêmicas e interpessoais relacionadas ao esforço (assim como aos desafios) de analisar etnograficamente, e em coautoria, um determinado problema. Isto tem implicado um exercício de comparação entre concepções “ocidentais” e “originárias” e um deslocamento das posições anteriormente fixas de “interlocutor/a” e “investigador/a”, assim como de nativo/a.
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Marco temporal, tradição e integracionismo: a judicialização dos processos de demarcação territorial em Olivença Autoria: Mariana Vilas Bôas Mendes Autoria: Este work versa sobre as controvérsias jurídicas introduzidas pela tese do Marco Temporal sobre os processos demarcatórios de terras indígenas no Brasil e, em especial, sobre o processo demarcatório da TI dos Tupinambá de Olivença, no sul da Bahia.
A tese do Marco Temporal propõe que só sejam reconhecidas como tradicionalmente ocupadas aquelas terras em que os indígenas que as reivindicam se encontravam na data da promulgação da Constituição de 1988, exceto em caso de renitente esbulho. No entanto, qual será o limite temporal a partir do qual a alegação de retirada forçada dos índios de suas terras pode se sobrepor ao marco temporal da promulgação da CF88? Qual será o momento em que, juridicamente, pode-se afirmar a persistência ou a ausência de uma tradição?
A passagem de cinco séculos conduz o olhar da sociedade para um problema local e atual - a distribuição territorial indígena atual, os conflitos grileiros, posseiros e latifundiários que estão ali, naquele momento, reivindicando a propriedade daquelas terras. A impossibilidade de se afirmar convicta e cientificamente quem é índio e quem não é, seja a partir de padrões sócio-culturais, seja a partir de exames genéticos, torna paradoxalmente fundamental determinar “quem é índio” e “quem não é” para os fins jurídicos da demarcação territorial. Tais preocupações ou alegações do Estado ou dos interessados privados nas terras indígenas são o modo kafkiano de se prolongar o processo demarcatório até que ninguém seja índio, considerando as pressões assimilacionistas e essencialistas sobre as políticas indigenistas brasileiras. Estabelece-se assim um jogo de escala: o problema pode ser consensualmente compreendido quando remetido a uma escala temporal que remete ao Brasil colônia - a afirmação clássica: “os índios são os verdadeiros donos desta terra”. No entanto, ao transportar para o século XXI essa afirmação, seu significado se torna outro, nada consensual ou pacífico, os índios e a terra deixam de ser categorias genéricas e pacificadas e tornam-se objetos de disputa jurídica, semântica e agrimensora. O reconhecimento da territorialidade indígena no presente perde seu caráter romântico de “reconhecimento dos povos originários do Brasil” e adquire um caráter negativo, de engodo ou artifício para “tirar a terra de quem produz”. Esse é o caso dos Tupinambá de Olivença, população que foi forçadamente deslocada pelos produtores de cacau, miscigenada e considerada integrada à sociedade dos brancos e que vem respondendo a vários processos judiciais desde que sua etnicidade e territorialidade foram reconhecidas.
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O livre convencimento nas decisões judiciais a respeito de direitos territoriais indígenas: reflexões a partir das teorias do transconstitucionalismo, da desconstrução e do perspectivismo ameríndio Autoria: Carolina Ribeiro Santana Autoria: Há entre os juristas dois conhecidos aforismos latinos que exprimem o dever do juiz de saber e de dizer o direito mais adequado aos fatos apresentados pelas partes em um processo judicial: da mihi factum, dabo tibi ius (Dá-me os fatos que te dou o direito) e iura novit curia (o juiz sabe o direito). Acredita-se que mais que o dever de dizer, o magistrado tem a exclusividade de fazê-lo; as partes e peritos aptos a provar os fatos não participam da interpretação do direito. Sustentados por tradição de origem medieval esses brocardos reservam ao juiz o poder para investigar e aplicar oficiosamente esse direito na solução de um caso. No exercício do livre convencimento a fundamentação não exige que o magistrado se prenda aos argumentos das partes: é sua função, distante de todos, conhecer o direito e enquadrá-lo aos fatos. Vez ou outra pode, até mesmo, extrapolar o objeto do debate processual e impor uma escolha preconcebida desligada do procedimento em contraditório.
A complexidade da sociedade atual nos leva, todavia, a desconfiar da harmonia dessa dinâmica quase solipsista. Casos que envolvam minorias, especialmente direitos humanos e fundamentais, tem exigido que os magistrados se abram para novos saberes e, também, para novos diálogos acerca de saberes cujo domínio lhes escapa. Tal abertura não pode se limitar aos expedientes periciais e às inspeções judiciais, vez que eles são majoritariamente voltados à resolução de conflitos no interior da mesma ordem jurídica. Quando ordens diferentes entram em relação trata-se, antes, de uma disposição para uma postura fenomenológica que ceda às exigências de outras perspectivas em relação ao significado e abrangência de direitos colidentes.
Para pensar a relação entre a ordem jurídica estatal e as ordens das sociedades indígenas, busquei estabelecer um diálogo entre o a teoria do transconstitucionalismo de Marcelo Neves, a desconstrução, de Jacques Derrida e o perspectivismo ameríndio, de Eduardo Viveiros de Castro. A primeira dedica-se a refletir criticamente as práticas jurídicas em relações que se estabelecem entre ordens diferentes (estatal e indígena), a segunda busca girar o vetor da violência estatal permitindo direcioná-lo ao próprio direito, questionando a autoridade mítica que sustenta o texto legal injusto. A terceira, por fim, nos permite questionar o lugar do sujeito de direito, a hegemonia de sua perspectiva e as consequências de escolhas etnocêntricas feitas pelo Estado. Mesclando aportes jurídicos, filosóficos e antropológicos problematizarei como seria possível aproximarmo-nos de uma decisão judicial o mais justa possível diante de uma relação assimétrica, no intuito de incitar a reflexão em torno da viabilidade da adoção de posturas não convencionais no exercício do livre convencimento.
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Os Tenharim se pintam para guerra: formas de resistência e estratégias dos Tenharim frente ao empreendimento Barragem Tabajara no rio Machado Autoria: Jordeanes do Nascimento Araujo Autoria: Resumo.
A História do Povo Tenharim está envolta nos processos de ocupação da Amazônia, principalmente aqueles ligados ao sistema de Seringal e a construção da BR-230, nos anos 1970. A Transamazônica, como política estatal, modificou a organização social, cultural, política, econômica e estrutural das aldeias. Estrategicamente, os Tenharim passaram a ocupar a margem da estrada, como forma de garantir a defesa territorial e cultural, num esforço de empreender a luta por seus direitos constitucionais. Este work tem como objetivo problematizar os dilemas da "ilusão da participação" de povos indígenas, especialmente os Tenharim-Kagwahiwa afetados pela implementação de grandes empreendimentos, notadamente no que concerne a Hidrelétrica do Tabajara. De fato, 50% dos castanhais naturais da terra indígena Tenharim irão ser comprometidos pela hidrelétrica. Além disso, este work busca pontuar as estratégias indígenas de resistência frente a ação da agência estatal.
Palavras-chave: conflitos socioambientais, política indígena, Tenharim Kagwahiwa, Sul do Amazonas
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Política fundiária e o não-reconhecimento dos direitos territoriais quilombolas Autoria: Vanessa Costa Cançado Silva, Breno Trindade da Silva Autoria: A política fundiária de regularização de territórios quilombolas tem seu fundamento legal no artigo 68 do ADCT e no Decreto 4887/2003, que teve a constitucionalidade questionada pela ADI 3239, recentemente julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal. O reconhecimento da constitucionalidade do referido Decreto é uma importante conquista num cenário de acirramento de conflitos e ataques contrários aos direitos territoriais das comunidades quilombolas. A Convenção 169 da OIT é outro importante marco legal que trata de questões também pautadas no julgamento da ADI 3239.
A manutenção do referido Decreto é vista como um episódio positivo num cenário adverso. Outras iniciativas de parlamentares e demais atores contrários à titulação dos territórios quilombolas podem ser citadas, como a PEC 215/2000, a CPI Funai/INCRA e, recentemente, o ofício da Confederação Nacional de Agricultura que pede a revogação do Decreto 6040/2007 (Ofício nº239/2018-CNA). Esse último cita especificamente os casos da atuação da Secretaria Geral da União em Minas Gerais e investe contra um dos principais mecanismos de reconhecimento dos dispositivos legais, a autoatribuição.
Além de tais ataques, há também diversos entraves nos órgãos do Poder Executivo, desde aqueles diretamente responsáveis pela regularização dos territórios quilombolas (como o INCRA) até outros que, de alguma maneira, lidam com o direito territorial das comunidades (como órgãos ambientais). Os próprios técnicos e gestores públicos muitas vezes operam a partir de “equívocos conceituais”, onde o fazer antropológico é questionado e deslegitimado por um fazer institucionalizado que demonstra dificuldades em internalizar novas epistemologias.
Minas Gerais é o terceiro estado em número de comunidades quilombolas e conta com limites significativos em relação à regularização fundiária dos territórios pleiteados. Levantamentos realizados pela ONG CEDEFES consideram um universo de aproximadamente 800 comunidades identificadas no estado. Todavia, somente um território foi titulado pela Fundação Cultural Palmares e outro encontra-se com 72% da área arrecadada em um contexto de 251 processos administrativos instaurados no INCRA.
Dessa forma, buscamos refletir sobre os limites do reconhecimento e/ou formas de não-reconhecimento observadas no cenário estadual a partir da política fundiária implementada pelo INCRA. Para isso trataremos das disputas internas às instituições no que se refere a conceitos como território e reconhecimento que embasaram a construção da política pública; bem como às sobreposições de interesses entre demais órgãos públicos, como ICMBio, e interesses empresariais, como mineração e empreendimentos imobiliários, que impactam diretamente as políticas para comunidades quilombolas.
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Procesos de invisibilización y etnogénesis entre Santiago y el río Bío Bío. La formación nacional de alteridad en Chile y la reemergencia indígena. Autoria: Luis Eugenio Campos Autoria: A partir de finales de la década del 90 han reemergido numerosos pueblos indígenas que se consideraban desaparecidos a lo largo de toda América y muchas personas pasaron también a identificarse como indígenas en diferentes ciudades y regiones, sin antes considerarse como tales. A este fenómeno se lo ha abordado desde diferentes conceptos y perspectivas teóricas. Etnogénesis, reetnificación, emergencia y reemergencia indígena son sólo algunas de las categorías utilizadas para referirse a esta situación considerando variables como la invisibilidad, las formaciones nacionales de alteridad, la influencia del estado en estos procesos, el impacto de políticas públicas y los procesos de democratización que afectaron Latinoamérica después de los gobiernos dictatoriales. En el proyecto Fondecyt 1150876 (2015-2018) propusimos abordar la comparación de 4 casos de Etnogénesis en Chile y se realizó, además un catastro nacional e internacional de procesos actuales de reaparición de indígenas. De ese estudio se ha desprendido que en la mayoría de los casos las localidades emergentes habían sido sometidas a procesos de invisibilización debido a la construcción específica de formas nacionales de alteridad y que el en cambio en las políticas de reconocimiento habría incidido en su reaparición. En este proyecto se plantea abordar comparativamente diferentes casos correspondientes a la gran macro zona central que va desde Santiago hasta el río Bío Bío. El objetivo es caracterizar comparativamente los procesos indígenas emergentes a partir de un levantamiento histórico de la presencia indígena, los procesos de alteridad colonial y nacional a los que fueron sometidos y de su actual proceso de reemergencia indígenas o de la ausencia de éste. Con esta investigación se espera entregar una caracterización de las actuales comunidades y asociaciones indígenas de la macro región central entre Santiago y el río Bío Bío, identificando su origen (colonial o producto de migraciones posteriores); identificar antiguos pueblos de indios y su permanencia o no hasta la actualidad; sus demandas actuales, los académicos que investigaron su presencia; y las razones de la invisibilización. En términos generales se propone poner en cuestión las formas nacionales y regionales de alteridad y su materialización en la ideología del mestizaje que negó durante años la presencia indígena en la zona, incluyendo las justificaciones históricas y antropológicas que sustentaron la invisibilización.
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Religiosidade Truká e o Rio São Francisco (PE): um estudo da violência simbólica das grandes obras Autoria: Manuela Schillaci Autoria: Este work pretende propor uma reflexão sobre cosmologia e território entre os Truká, povo indígena ribeirinho morador do submédio São Francisco, que habita no arquipélago cuja maior ilha é a Ilha da Assunção, localizada no Município de Cabrobó (PE). A partir da apresentação histórica das dinâmicas de territorialização e desterritorialização que proporcionam uma contextualização e compreensão da atual configuração territorial, esboçamos as condutas ecológicas que caracterizam o cotidiano Truká e a ligação com o rio, para partir para a análise da experiência religiosa dos Truká abordada na “perspectiva do habitar”. Território e cosmologia, vistas como construções históricas contextuais, são analisadas em sua indissociabilidade, propondo uma cosmografia que conecta aspectos geográficos e cosmológicos da vivência do território aquático Truká. O caminho teórico-metodológico da abordagem da territorialidade religiosa do povo, desvela uma rica vivência religiosa que tem um caracter claramente territorializado. A experiência religiosa, com suas dimensões de sensorialidade e corporeidade, é investigada considerando o conjunto e continuum de inter-relações sociais e ambientais que veem agências humanas e não-humanas, dos encantados e demais seres cosmológicos, atuando no território compartilhado. A relação com os lugares da memória, os lugares mitológicos, cosmológicos e de moradia dos encantos, os lugares das práticas rituais, desenham uma territorialidade religiosa que está ameaçada pela implementação das grandes obras desenvolvimentistas. A política interventiva do hidro-negócio, que já tem modificado a vida e o território Truká com a construção de usinas hidrelétricas desde a década de 1970, inaugura um novo capítulo que prevê, além do projeto de transposição, a implementação das barragens de Pedra Branca e Riacho Seco no trecho do rio onde moram os Truká. Neste contexto de atualização dos conflitos socioambientais na região, proponho a análise da ação das grandes obras em termos de violência simbólica, porque atinge a dimensão cosmo-territorial da vida dos Truká. A defesa do território e da perspectiva do lugar, nos permite repensar em termos políticos e epistemológicos as concepções da natureza que orientam a ação desenvolvimentista nos territórios, questionando a visão hegemônica da natureza como externalidade manipulável, para recolocar a humanidade como parte desta natureza, a partir do olhar sobre o mundo, próprio de outras cosmologias. Considerando a vivência cosmo-territorial e do local, no contexto dos conflitos socioambientais vistos como choques cosmológicos e de territorialidades, podemos reler as ecologias imperialistas da natureza e questioná-las.
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Território Geraizeiro de Vale das Cancelas: direitos humanos e segurança alimentar no norte de Minas Gerais Autoria: Júlio César Borges Autoria: Propõe-se discutir o processo de expropriação territorial das famílias e comunidades de Vale das Cancelas, localizada no norte de Minas Gerais, onde vivem cerca de 1.800 famílias auto-reconhecidas como coletividade tradicional denominada “geraizeiros” (Nogueira, 2009; Dayrell, 1991; CAA, 2015). Os primeiros agrupamentos humanos de origem européia se estabeleceram, na região de Vale das Cancelas, em decorrência da descoberta de diamantes na Serra de Santo Antônio do Itacambiruçu no final século XVIII. A partir de então surgem fazendas dedicadas a atividades agropecuárias, que se aproveitaram das extensas áreas de chapadas banhadas por dezenas de córregos e rios. Na gênese do sistema produtivo geraizeiro, encontramos práticas econômicas ligadas à pecuária, agricultura e extrativismo, unindo saberes europeus, africanos e indígenas. Seu modo de vida floresceu nas terras soltas de transição entre Cerrado e Caatinga. Como sublinha Nogueira (2009), essas terras eram chamadas soltas porque não apresentavam limites perceptíveis aos forasteiros. As fronteiras eram guardadas na memória dos moradores e vizinhos resultante da intimidade com o lugar. Contudo, a Lei de Terras de 1850 veio interpor indesejáveis forasteiros entre as comunidades. Essa lei veio facilitar a expropriação territorial das famílias geraizeiras ao exigir registro cartorial para configurar a dominialidade, transformando a terra em mercadoria passível de aquisição unicamente através da compra e venda. Questão premente que aflige os geraizeiros de Vale das Cancelas é, justamente, a insegurança jurídica quanto à posse do seu território e o não reconhecimento pelo Estado. O fato de não possuíram o título de suas terras os torna vulneráveis à ação de fazendeiros, empresas de reflorestamento (monoculturas de eucalipto e pinus) e mineradoras (nacionais e estrangeiras), que voltaram sua atenção para a região devido à descoberta de uma jazida de minério de ferro estimada em mais de um bilhão de toneladas. E assim, os gerais, categorizados como “terras devolutas”, se tornaram áreas estratégicas para expansão capitalista devido à sua baixa declividade, facilidade de mecanização e baixo custo de mercado. A apresentação oral será baseada em work de campo realizado, em janeiro de 2017, com metodologia qualitativa que privilegia o ponto de vista dos sujeitos pesquisados. O objetivo é demonstrar os efeitos da expropriação territorial sobre a violação de direitos, especialmente os direitos humanos e a segurança alimentar desses sujeitos.
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Territórios e Participação: Velhos Impasses das Políticas Indigenistas nas Situações de Sofrimento Mental em Povos Indígenas no Brasil Autoria: Breno Pedercini Autoria: Este work aborda o “sofrimento mental” em povos indígenas, expressão utilizada na política indigenista de saúde para abordar os fenômenos do alcoolismo, suicídio e transtornos psiquiátricos. Propõe-se que tais fenômenos sejam remetidos às questões relativas aos territórios e à participação indígena. Por um lado, a violação territorial interfere tanto nas condições de saúde/doença quanto no modelo de atenção à saúde. De outro, o direito de participação dos povos deve levar em conta o valor da tutela ainda presente nas políticas indigenistas do Estado brasileiro. O sofrimento mental seria assim considerado à luz do povo em questão, compreendendo os efeitos nocivos de fatores econômicos e políticos circundantes, como a violação territorial local e ofensivas à participação. Ainda que exista uma portaria para a criação de uma política específica para a saúde mental, publicada em 2007, a mesma permanece inexistente, enquanto os índices de sofrimento mental tem crescido de forma significativa nas aldeias. Objetivou-se, assim, investigar a construção institucional da política específica para lidar com o sofrimento mental, focalizando a contemplação dos direitos territoriais e participativos. O método etnográfico é utilizado na investigação de instâncias estatais para a compreensão da construção dessa política indigenista pelas agências governamentais corresponsáveis, como o Ministério da Saúde e a Fundação Nacional do Índio. Nesse sentido, é de grande importância a consideração de documentos que tratam da saúde indígena e do sofrimento mental como fontes de dados, a exemplo de relatórios, portarias e projetos de leis para evidenciar suas condições de produção e o tipo de conhecimento que veiculam. Além disso, faz-se importante o uso de entrevistas junto aos representantes envolvidos na construção da política, de modo a reconstituir o processo de elaboração dos planos de gestão e intervenção frente ao sofrimento mental. Tendo em vista que o direito diferenciado, previsto na Constituição de 1988, pressupõe o respeito aos direitos territoriais e participativos dos povos indígenas, questiona-se quais são as perspectivas para a política indigenista de saúde e o sofrimento mental, diante da violação continuada desses direitos pelo próprio Estado brasileiro – responsável tanto pelo modelo de atenção à saúde quanto pelas demarcações de terras indígenas.
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Territórios Guarani Mbya e Unidades de Conservação no Litoral Paulista: Multiterritorialidades na Sobreposição Autoria: Mariany Martinez dos Santos Autoria: No estado de São Paulo, a Mata Atlântica é o principal bioma associado à territorialização dos guarani mby’a. Devido as características da territorialidade do grupo, relacionada inclusive ao aspecto da mobilidade, fenômenos como o Oguatá (caminhada) e a “marcha a leste” são importantes para explicar seu movimento para o estabelecimento dos tekoas (local onde é possível o “viver bem”). Vários são os apontamentos de autores que buscam interpretar e compreender tal dinâmica que somente é explicada a partir de sua multidimensionalidade. A controvérsia territorial colocada pela sobreposição entre as ocupações indígenas e as Unidades de Conservação (UCs) no estado revela um conflito entre espacialidades distintas. Compreende-se que a lógica do estado no ordenamento territorial e a gestão das UCs de Proteção Integral sob a óptica preservacionista se traduz na imposição de regras e normas a estes grupos indígenas, submetendo-lhes concepções territoriais exógenas, referenciadas no conceito de natureza do homem ocidental. Considerando que tais contextos revelam as contradições entre territorialidades distintas em relação, o objetivo do presente estudo é compreender como as territorialidades guarani mby´a e do órgão gestor das Unidades de Conservação se estabelecem na sobreposição, a partir de um estudo de caso no litoral paulista.
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Territórios Indígenas negados pelo Estado: a Comunidade do Anzol, Roraima Autoria: Stephen G. Baines Autoria: O work examina a situação de territórios indígenas não reconhecidos pelo Estado a partir do caso da Comunidade do Anzol a cerca de 70 km de Boa Vista. Apesar de existir uma multiplicidade de situações de territórios indígenas não reconhecidos por Estados nacionais, cada uma com características particulares, a situação do Anzol revela que as forças anti-indígenas vêm de políticos de Roraima e um Ministro do STF. Depois que uma Ação Civil Pública movida por uma juíza federal, em 31 de março de 2017, determinou que a FUNAI iniciasse o procedimento de demarcação das terras da Comunidade Indígena Anzol, onde vivem 14 famílias extensas das etnias Macuxi e Wapichana, essa comunidade indígena ganhou espaço nas notícias, frequentemente em matérias jornalísticas que visam deslegitimar os direitos indígenas. Essa decisão judicial foi comemorada por lideranças indígenas de Roraima, inclusive o secretário estadual do índio, Dilson Ingarikó, que foi imediatamente demitido pelo vice-governador Paulo César Quartiero (DEM), um dos maiores combatentes da demarcação de Terras Indígenas em Roraima, líder dos produtores de arroz que foram retirados da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, após a decisão do STF em 2009, e que já foi prefeito de Pacaraima, deputado federal, e governador de Roraima. A Comunidade do Anzol, constituída de indígenas que sofreram uma longa história de deslocamentos em decorrência da ocupação colonial do Lavrado desde o século XVIII, em que muitos foram escravizados. Atualmente as famílias se encontram encurraladas em um pequeno enclave de 2 hectares de terra, onde convergem diversos interesses fundiários para tentar impedir a sua demarcação como TI. O avanço do agronegócio, o plantio comercial de acácia, a presença de fazendeiros, posseiros, e o Projeto de Assentamento Nova Amazônia estabelecido para assentar não-indígenas retirados da Terra Indígena Raposa Serra do Sol deixam a Comunidade do Anzol em situação de extrema vulnerabilidade. Em 2009, a Comunidade de Lago da Praia, vizinha do Anzol, sofreu agressões por parte de fazendeiros pretensos proprietários dessas terras, que expulsaram os moradores, queimando suas casas, posto de saúde e escola. Em 2015, visitei a Comunidade para conversar com os moradores, visando à possibilidade de colaborar no sentido de procurar um antropólogo que poderia dedicar um período longo para estudar as reivindicações de ampliação da TI Serra da Moça, ou a criação de uma nova TI, para incluir comunidades e territórios indígenas que foram excluídos nas demarcações fragmentadas realizadas nos anos 1980. As comunidades do Anzol e Lago da Praia mostram como a demarcação em áreas fragmentadas tem trazido enormes prejuízos para as populações indígenas excluídas dessas TIs, tornando suas vidas insustentáveis.
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“Embora eu seja brasileiro, eles me excluem do Brasil”: a invisibilidade dos povos do Cerrado Autoria: Rosângela Azevedo Corrêa Autoria: O Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil com 5% da biodiversidade do planeta Terra. Nele habitam os povos indígenas e comunidades tradicionais como os ribeirinhos, babaçueiras, quebradeiras de coco, povos de terreiro, ciganos, quilombolas, pescadores artesanais, geraizeiras, veredeiras, vazanteiras, apanhadores de flores sempre-vivas, retireiros, barranqueiros e outros que são a representação atual da sociobiodiversidade, conhecedores e guardiões do patrimônio ecológico e cultural da região. O território é a condição para dignidade e identidade destas comunidades que lutam pelo seu reconhecimento, regularização e titulação. O Estado é visto como um inimigo que ora se omite, ora investe em projetos contra seus modos de vida, ora não reconhece seus direitos territoriais. Especulação imobiliária, agronegócio com monocultivos de soja ou eucalipto, mineração, estradas, barragens, parques eólicos junto com sucessivas expulsões e apropriações de seu território por vários tipos de projetos é o que tem enfrentando os povos do Cerrado. O autorreconhecimento veio da necessidade de defesa de cada território, ao mesmo tempo, que lutam pelo reconhecimento do Cerrado como Patrimônio Nacional através da aprovação da Lei 504/2010. A sobrevivência dos povos indígenas e comunidades tradicionais depende da sobrevivência do Cerrado.
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