GT 050. Os trinta anos da Constituição Federal de 1988 e os direitos dos quilombos: dinâmicas territoriais, formas de resistências e desafios antropológicos
Raquel Mombelli (NEPI/UFSC) - Coordenador/a, Aderval Costa Filho (Universidade Federal de Minas Gerais) - Coordenador/aA proposta pretende reunir reflexões antropológicas em torno da afirmação e consolidação dos direitos das comunidades quilombolas no país, no marco dos 30 anos de Constituição Federal de 1988 e dos 15 anos da publicação do Decreto 4.887/2003. Os avanços e as limites no que diz respeito à implementação dos direitos territoriais, sociais, culturais, entre outros, diante do incremento dos denominados “projetos de desenvolvimento”, sob a justificativa de “aceleração” do crescimento econômico e da necessidade de “obras de infraestrutura”, tais como a energética, rodovias, mineração, portos, aeroportos, linhas de transmissão de energia, entre outras. Neste contexto, a violação dos direitos humanos e territoriais das comunidades quilombolas vem alcançando escalas mais amplas devido ao descumprimento de normas legais, e a franca promoção de expropriação territorial e extinção premeditada de práticas culturais e organizacionais destas comunidades, financiadas pelos grupos econômicos que articulam politicamente as demandas do agronegócio e de projetos de crescimento econômico, promovendo até mesmo alterações nos marcos legais e na própria Constituição Federal. A proposta é um convite à reflexão sobre o tema, comparando experiências etnográficas, no contexto afro-latino-americanos e internacionais, assim como refletir sobre os novos desafios éticos, teóricos e epistemológicos postos ao fazer antropológico, à articulação entre a academia e movimentos sociais, à atuação profissional.
Resumos submetidos |
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30 anos Após A Constituição de 1988 - território e identidade quilombola na comunidade de Coqueiros Ceará Mirim/RN. Autoria: Francisco Cândido Firmiano Júnior Autoria: O presente artigo tem como objetivo discutir a construção da identidade e as formas de territorialização na comunidade quilombola de Coqueiros, na zona rural de Ceará Mirim/RN. Entre os principais aspectos irei tratar da relação das famílias com a terra. Neste sentido, é importante compreender a história dos antigos trabalhadores dos engenhos, na ocasião da definição do território, para isso será preciso observar nos laços de parentesco incluindo as tradições familiares. Partirmos da concepção e dos processos de constituição territoriais, com o propósito de compreender a formação de uma identidade quilombola num contexto político desfavorável às reivindicações das populações tradicionais, desta forma os moradores ainda não solicitam uma titulação coletiva. A reflexão, ainda inicial, parte da discussão conceitual do processo de constituição do território com o propósito de compreender o processo de formação de uma identidade quilombola sem referência a um território comum. O processo reflexivo parte de minha própria vivência como quilombola inserido no debate em torno da aplicabilidade do artigo 68 da constituição federal, 30 anos após a constituição de 1988.
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A "formiga", sai do formigueiro? Conflitos, violência e mobilização de comunidades quilombolas na Bahia (2003-2018) Autoria: Tiago Rodrigues Santos Autoria: Este artigo objetiva analisar a questão quilombola na Bahia a partir das dimensões dos conflitos, das violências vivenciadas pelas comunidades e as estratégias de mobilização das comunidades e representações a partir de 2003, com a assinatura do Decreto 4887/2003. Dados do GeografAR-UFBA, indica a existência de 991 comunidades negras rurais e quilombolas, das quais 758 comunidades quilombolas já foram certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP). Esta expressiva presença de comunidades negras – resultado do processo de formação socioterritorial do Estado da Bahia – enseja uma série de fenômenos, fatos e análises acerca desta realidade. Como na escala nacional, as comunidades quilombolas vivenciam conflitos fundiários e violências que marcam a seu cotidiano e que não devem ser pensados a partir dos conflitos agrários no campo baiano. No período de 2003 a 2017, ocorreram 1.250 conflitos por terra no estado, sendo 107 diretamente em quilombos. Qual a natureza e base destes conflitos? Qual a sua espacialização? Qual a dinâmica destes conflitos no período recente, sobretudo após o Golpe de 2016? Outra dimensão importante é pensar as formas de mobilização e ocupação do espaço público pelas comunidades quilombolas. Quais as representações constituídas? Como se dá a negociação e conflito com o Estado? Com base em pesquisa de campo, consulta aos Cadernos de Conflitos no Campo da CPT – para o período de 2003 a 2017 – e informações da Hemeroteca do Grupo de Pesquisa GeografAR, temos o objetivo de discutir quais os principais conflitos, os relatos de violência e os casos de assassinatos de lideranças quilombolas na Bahia no período de 2003 a 2017, atentando de forma particular qual o impacto de dois anos do Golpe jurídico-parlamentar-midiático sobre as comunidades quilombolas do estado.
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A construção do Estado Nação, projetos desenvolvimentistas e mobilização política: diferentes arranjos coletivos na luta pelo direito Autoria: Cintia Beatriz Müller Autoria: A realização de perícia junto à comunidade de Porto Dom João, em São Francisco do Conde, BA, entre novembro de 2017 e janeiro de 2018, contribuiu para o debate jurídico e acadêmico sobre a questão quilombola, a prática antropológica junto a processos judiciais e disputas em torno de direitos coletivos. Suscitou, também, discussões sobre as dinâmicas contemporâneas relacionadas a arranjos coletivos de sujeitos de direitos. Com a Constituição Federal de 1988 as comunidades de quilombos passam a ser sujeitos de direitos reconhecidos e identificados em áreas de ocupação territorial novas e antigas cujas coletividades vivenciam ou vivenciaram, ao longo de gerações, diferentes efeitos sociais de projetos desenvolvimentistas. No caso em tela a localidade de Porto Dom João, na Baía de Todos os Santos, foi submetida aos efeitos sociais da implantação de engenhos de cana, fazendas de cacau, Usinas, da exploração de petróleo, por parte da Petrobrás e, contemporaneamente, de empreendimentos privados (como fazendas, por exemplo). Estes empreendimentos foram implantados em momentos específicos de projetos e processos desenvolvimentistas, impulsionados por atores estatais e privados de diferentes níveis, e que levaram as pessoas a expressar sua luta pelo direito e cidadania a partir de diferentes arranjos associativos. Assim, este artigo analisa de que forma diferentes momentos históricos, que comportaram variados projetos desenvolvimentistas e de construção de uma imagem de “Estado Nação”, impulsionaram diferentes arranjos de mobilização de afro-brasileiros pelo acesso a direitos.
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A musealização como política de reconhecimento Autoria: Patrícia Maria Portela Nunes Autoria: A presente comunicação busca colocar em discussão um conjunto de iniciativas efetuadas por um conjunto amplo de agentes sociais referidos a comunidades autodefinidas como quilombos que nos convidam a refletir sobre novas formas de mobilização política face a um contexto de intensificação das violações dos direitos étnicos assegurados pela Constituição de 1988. Trata-se de refletir sobre um conjunto de iniciativas de criação de pequenos museus comunitários que sugerem o fortalecimento de processos de afirmação identitária contrariando as ações oficiais de intervenção, direcionadas à implementação dos chamados projetos de “desenvolvimento”, ou os interesses empresariais que são sustentados pelas ações dos chamados fazendeiros e legitimados figura jurídica da propriedade privada. Resultado de relações de pesquisa estabelecidas com associações comunitárias e movimentos sociais, a criação dos chamados “centro de ciências e saberes” têm reunido uma grande variedade de artefatos referidos à construção da memória de diferentes unidades sociais autodefinidas como quilombolos. Se, de uma parte, tais experiências de pesquisa etnográfica nos permitem colocar em discussão princípios clássicos da prática etnográfica, de outra parte elas nos convidam a pensar sobre uma nova modalidade de coleção incitada com a criação dos chamados “centro de ciências e saberes”, como são designados essa modalidade de iniciativa que se aproxima da ideia de museu. Considerados por aqueles que organizam essas ‘novas coleções’ como ‘museus vivos’, as experiências ora refletidas parecem apresentar certa dissonância com a ideia de “cultural material”, que tão bem orientou o chamado “colecionismo”, hegemônico no século XIX. Distinguem-se, por essa via de análise, das iniciativas das empresas coloniais em suas ações de musealização pertinentes aos chamados “primitivos” _ ou “selvagens” por derivação _ fundamento do pensamento evolucionista que tão bem legitimou as ações do poder colonial. A ênfase num conjunto de práticas e saberes percebidos como “vivos” parecem sugerir que a dinâmica de tais iniciativas demarcam uma inflexão face as políticas oficiais de patrimonizalização ou de musealização porquanto os critérios de seleção dessas “novas coleções” não são dissonantes dos atos de mobilização pelo reconhecimento dos territórios reivindicados e das identidades consolidadas. Trata-se, conforme procuro refletir, de novas formas de mobilização politica face a situações de conflito, recolocando-nos no debate sobre o direito das comunidades quilombolas no Brasil.
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Afirmação identitária de quilombolas: as novas formas de mobilização Autoria: Cynthia Carvalho Martins Autoria: Nesse work pretendemos refletir sobre as “novas formas de mobilização” presentes na reivindicação de uma territorialidade específica em situações nas quais os autoidentificados quilombolas recorrem ao passado como forma de afirmação de direitos do presente. Essa “condição de possibilidade” está referida aos denominados “engenhos” de cultivo monocultor de algodão e cana-de-açúcar presentes nos séculos XIX e XX na região conhecida como “Baixada Maranhese”. Com o refinamento das estratégias daqueles que se apropriaram das terras quilombolas a partir da denominada “Lei de Terras” os quilombolas passaram a acionar novas formas de mobilização. Eles recorrerem às narrativas sobre os engenhos como forma de reivindicar seus direitos ao reconhecimento de seus modos de vida. Um conjunto amplo de obstáculos ao acesso aos direitos constitucionais merece nossa atenção e nos ajudam a compreender a relação que os agentes sociais mantém com os recursos naturais e a dinâmica das territorialidades que fundamentam o argumento dos agentes sociais em seus pleitos perante o Estado brasileiro. Face ao denominado “roubo de ruínas” e às violências acionadas pelos pretensos proprietários de terra, os quilombolas passam a produzir narrativas sobre os engenhos até então não registradas pela historiografia oficial. Tais narrativas se desdobram na possibilidade de construírem suas próprias memória e sistematiza-las em livros que compõem a denominada “Narrativas Quilombolas” . Essa coleção sistematiza os relatos orais e tem como autores os próprios quilombolas. Percebe-se, portanto, um fortalecimento identitário e o questionamento dos mecanismos de dominação que individualizam processos sociais coletivos. A experiência etnográfica permitiu a percepção de formas de luta distintas, nem sempre percebidas pelo Estado como mobilizações. Tais formas, quando ganham força e visibilidade, surpreendem pela sua consistência e pelos elementos inusitados que suscitam. Os próprios momentos rituais são acompanhados de uma inserção da dimensão política nos espaços sagrados. E, dessa forma, abre-se a possibilidade de pensar a política fora de uma padronização considerada legítima e no âmbito de relações sociais específicas que lhes confere um simbolismo coadunado com as práticas dos agentes sociais representativos dos povos e comunidades tradicionais.
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Configurações territoriais e processos de expropriação em comunidades quilombolas do Vale do Mucuri Autoria: Fabíola Nogueira da Gama Cardoso Autoria: Este work investiga os processos de territorialização e expropriação vivenciados por cinco comunidades remanescentes de quilombo localizadas no Vale do Mucuri, em Minas Gerais. Com base em pesquisa etnográfica por mim realizada para instruir os respectivos processos de regularização fundiária em curso no Incra-MG, procuro descrever e analisar alguns dos contextos de uso, apropriação, transmissão e perda das terras na região. Os casos são emblemáticos pois a história de ocupação da região foi baseada no apossamento de terras livres por sujeitos de diferentes situações sociais. Além da abertura de posses regidas por princípios diferenciados de work conforme usos e costumes tradicionais, a fixação na terra envolveu a formulação de arranjos para acomodar a descendência em parcelas de terras transmitidas por critérios genealógicos e de herança. A chegada da medição do governo e a partilha formal das terras de herança a ela atrelada atualizou os modos pelos quais eram elaboradas as possibilidades de acesso e controle da terra bem como os fluxos de pessoas para dentro e fora de seus limites. Nesse contexto, observa-se uma grande fragmentação das terras de herança em um processo de transferência de terras que seguiu, basicamente, dois caminhos: i) compra e venda entre camponeses-posseiros/sitiantes, sejam eles membros da família herdeira ou de outras famílias que podem ou não ser, ou vir a ser, consideradas de dentro da comunidade e; ii) compra e venda de camponeses-posseiros/sitiantes para fazendeiros. Mais recentemente, as transformações das relações territoriais locais passam ainda pela adesão dessas coletividades às identidades de “comunidades remanescentes de quilombo”, o que enseja a mobilização em torno da demanda por um direito territorial coletivo e se expressa, muitas vezes, no acirramento de velhos conflitos. Desde o reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares e a abertura dos processos de regularização fundiária no Incra, são inúmeras as violações dos direitos das comunidades, como a tentativa de assassinato do prefeito do município, quilombola da comunidade Carneiro, em 2015 e, no mesmo ano, a proposição de um projeto de lei que previa retirar o termo “quilombola” da comunidade Santa Cruz. Ao traçar as histórias de vida e apresentar as práticas e os usos e fluxos territoriais de famílias envolvidas nesses processos, busco compreender a história da conformação fundiária local e refletir sobre os avanços e limites quanto à implementação dos direitos das comunidades.
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Conflitos territoriais e desarticulação da relação com a terra: a experiência vivida pela comunidade quilombola da Lagoa Santa, Ituberá-Ba Autoria: Greice Bezerra Viana Autoria: Este resumo apresenta o processo de pesquisa realizado com a comunidade quilombola da Lagoa Santa, localizada no município de Ituberá, Bahia, Brasil. Tal estudo é realizado no âmbito do mestrado em Ciências Sociais do programa de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e é fruto do work realizado com a referida comunidade para o desenvolvimento de relatório antropológico do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). De modo geral, a pesquisa, por meio de estudo de caso, tem analisou os antagonismos que impedem o acesso ao território tradicionalmente ocupado pelo referido grupo, e explicitou questões referentes as consequências da expropriação para o modo de produção e as práticas de work. O quilombo estudado enfrentou, em dois momentos distintos de sua história, situações conflituosas de perda de parte de seu território. Tais eventos contribuíram para desarticulação da relação com a terra e, consequentemente, para a desestruturação das relações sociais e de produção. Assim, a historicidade, a organização social da comunidade e as territorialidades possuem destaque neste processo de pesquisa.
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De "morenos" a quilombolas: políticas públicas, novos significados e velhas relações na Comunidade de Casca, RS Autoria: Mônica de Andrade Arnt, Luciana Schleder Almeida (UNILAB) Autoria: No âmbito das reflexões propostas no passar das três décadas do principal marco legal do reconhecimento dos direitos das comunidades remanescentes de quilombos, elaboramos uma breve revisão de seus desdobramentos em um cenário local. No município de Mostardas, Rio Grande do Sul, este processo principiou paralelamente a um definitivo projeto de desenvolvimento, a pavimentação da “Estrada do Inferno”, incrustada ao longo de uma península, onde existem quase uma dezena de comunidades quilombolas reconhecidas. Uma delas, a comunidade de Casca, vivenciou experiências pioneiras, a exemplo do processo de regularização fundiária, que culminou na primeira titulação de território quilombola rural no Estado. Casca ganhou larga visibilidade, acumulou interação com novos atores, sobretudo oriundos de centros urbanos, como jornalistas, políticos, estudantes, pesquisadores, técnicos. Casca foi incluída em diversas políticas públicas para quilombolas e conquistou direitos específicos, como as cotas para acesso ao ensino superior, assim como a possibilidade de acesso a políticas antes exclusivas para agricultores familiares não-quilombolas. Ao afastarem-se da categoria de “morenos”, como são chamados por outras comunidades, e serem reconhecidos como quilombolas, passaram a ser compreendidos como sujeitos de direito, membros de uma “comunidade tradicional”, e conquistaram cidadania. Não sem acirrar preconceitos e conflitos. Mas uma vez que consistam em eventos recentes, a comunidade segue submetida à dependência econômica, fornecendo mão-de-obra para os latifúndios do entorno e marginalizados na divisão dos recursos públicos, recebendo de forma precária serviços de educação, saúde e infraestrutura. Embora não tenham chegado a permitir uma alteração significativa na posição ocupada em uma estrutura social que remonta há três séculos, as políticas públicas para quilombolas possibilitaram à comunidade de Casca oportunidades inéditas e significativas na atualização de suas relações internas e com outros grupos.
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Impactos socioambientais em São Francisco do Paraguaçu, Bahia Autoria: Bruna Pastro Zagatto, ZAGATTO, Bruna PAstro Autoria: Em outubro de 2009, a Reserva Extrativista Baía do Iguape, localizada no Recôncavo Baiano, perde sua porção sul para a construção de um polo industrial naval em Maragojipe. Como medida compensatória, a RESEX é ampliada para 10.082,45 hectares na sua porção norte, se sobrepondo às terras delimitadas pelo INCRA como território quilombola de São Francisco do Paraguaçu. Neste mesmo o polo, gerido pelo Consórcio Estaleiro Enseada do Paraguaçu (formado pela Odebrecht, OAS, Kawasaki e UTC Engenharia), recebe as licenças ambientais de implantação. A drenagem do manguezal, logo no início das obras, impactou socioambiental e economicamente dezenas de comunidades quilombolas e pesqueiras, que tiveram a pesca e a mariscagem drasticamente reduzidas pela morte de peixes e crustáceos. Em contrapartida, havia a promessa de que os pescadores e quilombolas da região teriam prioridade de emprego no estaleiro. Alguns quilombolas foram de fato contratados no processo de construção do polo industrial, porém os contratos foram temporários. Em outubro de 2014 o estaleiro recebeu do IBAMA a Licença de Operação para iniciar a fabricação de navios-sonda para a Petrobras, porém quatro meses depois o Consórcio do Estaleiro anunciou o encerramento das atividades em Enseada alegando uma crise na indústria naval. Imediatamente mais de 2 mil funcionários foram demitidos. Na ocasião, três das empreiteiras envolvidas na obra estavam sendo investigadas por fraudes, superfaturamento e seus dirigentes estavam sendo interrogados pela polícia federal por corrupção. O estaleiro, que tinha mais de 80% das obras concluídas, parou de funcionar em fevereiro de 2015 e até hoje está sem previsão de continuação. Com as obras paradas, milhares de pessoas foram desligadas e entre elas os quilombolas que haviam conseguido se empregar no estaleiro. A situação se agravou depois que o Ministério Público Federal ajuizou em 2017 uma ação civil pública contra as empresas que formam o Consórcio Estaleiro Enseada do Paraguaçu, a União e o Estado da Bahia pela instalação considerada ilegal do polo naval. O IBAMA e o ICMBio também são alvos da ação do MPF por terem autorizado uma obra que gerou impacto econômico a mais de 8 mil pessoas de mais de 20 comunidades tradicionais que antes viviam quase que exclusivamente da pesca e do extrativismo marinho. O que se viu, portanto, foi um duplo impacto sobre as comunidades quilombolas da região. Um, socioambiental e econômico no momento da implementação da obra. O outro, com o abandono do Estaleiro, que gerou demissões em massa e acabou com a única promessa levada à região: emprego.
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O conceito de “sobrevivência” revisitado: as nuanças evolucionistas da noção de “remanescente das comunidades dos quilombos” no debate constitucional Autoria: Emmanuel de Almeida Farias Júnior Autoria: Este texto propõe uma revisão crítica da literatura evolucionista clássica, tendo em vista a aplicação da noção de “remanescente” no Artigo 68, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), da Constituição Federal de 1988. Mas especificamente, o debate em torno da garantia de direitos territoriais das comunidades quilombolas designada formalmente como “remanescentes das comunidades de quilombo”. Para tanto, analiso a noção de “sobrevivências” desenvolvida por Tylor e a sua aproximação com a de “remanescentes” utilizados pelo legislador, para identificar realidades empiricamente observáveis do presente. Alguns autores argumentam que o legislador da constituinte imaginava tratar-se de algumas dezenas, tidas como sujeitos de direito, tendo em vista que pensavam estar se referindo há “sobrevivências” de “situações sociais” ligadas ao quilombo de Palmares stricto sensu. Tal equívoco semântico pode ser explicitado, atualmente, pelas tensões sociais ocasionadas pelas tentativas por parte de legisladores da chamada “bancada ruralista” de colocarem em pauta, discussões como a do denominado “marco temporal”, ou seja, pretendendo limitar os efeitos do Artigo 68, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal de 1988, àqueles “remanescentes das comunidades dos quilombos” que estavam ocupando o mesmo território entre os anos de 1888 a 1988. Pretendo, ainda, analisar o movimento de ressignificação da noção de “remanescentes” pelo movimento negro, pelos quilombolas e por antropólogos, sociólogos e historiadores, que se afastam dos pressupostos evolucionistas tayloriano de “sobrevivência”, de “resto” ou “resíduo”, que tinha como “ideia matriz” a noção de “sobrevivências” de Tylor. A noção de “remanescentes” foi ressignificada, e hoje, representam mais de quatro mil comunidades espalhadas em quase todos os estados da federação. Assim, este texto pretende a realização de uma história social da noção de “sobrevivências” e seu desdobramento no texto constitucional e na realidade social brasileira, onde estas realidades empiricamente observáveis se referem há uma multiplicidade de “processos de territorialização”.
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Olhares acerca do processo de construção do artigo 68 (ADCT/CF-1988) e seus desdobramentos na atualidade. Autoria: Daisy Damasceno Araújo Autoria: Nesse work desenvolvo uma reflexão sobre as disputas e negociações que ocorreram durante a elaboração da Constituição Federal de 1988 (CF/88), enfatizando as discussões realizadas em torno da garantia dos direitos de cidadania diferenciada no Brasil. Com o olhar voltado especificamente para a elaboração do artigo 68 dos ADCT, que visa garantir o território aos remanescentes das comunidades dos quilombos, tomo como base os processos ocorridos durante a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) de 1987-1988 e o contexto em que se deu sua efetivação. O processo constituinte, na figura da ANC, representou um marco no âmbito jurídico no Brasil, apresentando-se enquanto ruptura da ordem jurídica presente até aquele momento, com a participação de múltiplos agentes, uma variedade de movimentos sociais, configurando um espaço onde os segmentos mais mobilizados da sociedade puderam atuar, principalmente no que diz respeito à questão dos direitos étnicos. Dou destaque especial para a Comissão da Ordem Social, na figura da Subcomissão de Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Outras Minorias, instalada no dia 07 de abril de 1987. Mesmo após a promulgação da CF/88, do amplo debate em torno do artigo 68 (ADCT), das regulamentações (a exemplo do Decreto 4887/2003) e do aumento do número de comunidades certificadas em todo o Brasil, o principal desafio ainda continua sendo a garantia dos territórios através da titulação dos mesmos. A maioria das Comunidades Remanescentes de Quilombos sofre com a grilagem de seus territórios e com os conflitos originados dessas situações. Dessa forma, essa proposta se constrói no sentido de ampliar o debate que aponta para a inserção “amputada” do artigo 68 na carta magna, que ocorre “no apagar das luzes”. Busco entender o processo de disputas existentes nesse cenário, com olhar voltado para os agentes envolvidos e seus discursos. Falavam em nome de quem? Representavam quem nesse processo? O parlamento? Movimentos sociais? Os anseios populares? E o embate com temas discutidos pelas outras Subcomissões, que abordavam assuntos ligados a interesses de grandes grupos econômicos e financeiros? Como se construiu esse artigo, que até os dias atuais, 30 anos depois, tem provocado uma série de mobilizações para a sua efetividade? Tomo como referência a investigação que realizei de 2017 a 2018, utilizando como fontes os Anais da Constituinte (acervo Eletrônico), disponibilizados através das Atas das Comissões e Subcomissões da ANC (1999), os discursos de constituintes e convidados que debateram com os membros da subcomissão, além de biografias e entrevistas concedidas pelos mesmos, na tentativa de perceber o lugar de fala desses agentes e os critérios utilizados para que o artigo se configurasse daquela forma no texto final.
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Quilombolas e Direitos Constitucionais: A experiência da Mesa Quilombola no Maranhão Autoria: Gardenia Mota Ayres Autoria: Passados trinta (30) anos da aprovação do Artigo 68 (ADCT/CF/1988) podemos asseverar que os direitos territoriais das designadas juridicamente comunidades remanescentes de quilombos estão em constante suspensão. Após 15 anos da aprovação do referido Artigo temos a criação do Decreto 4.887/2003, com intuito de estabelecer os procedimentos e competências para titulação definitiva dos territórios quilombolas. No entanto, o decreto federal em questão tornou-se alvo de questionamentos, culminando com a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3239/04(ADIN), um poderoso instrumento de negação e flexibilização dos direitos impetrada pela bancada partidária do antigo PFL, atual DEM. O jogo de forças política partidária, a conivência do Estado de Direito e sua histórica associação com o latifúndio e setor privatista, permitiu que o processo de votação da ADIN 3239/2004 se estendesse por mais de uma década e a votação final, mesmo que favorável aos quilombolas, não alterou o retrocesso e situações conflituosas autorizadas a partir do alongamento da Ação. A tramitação da ADIN causou situações e danos irreparáveis, os riscos da sua passagem são imensuráveis. É nesse cenário que no Maranhão as representações das comunidades quilombolas unem esforços para que o INCRA institucionalize a Mesa de Regularização Fundiária Quilombola, objetivando acompanhar, identificar e encaminhar soluções sobre a regularização dos territórios quilombolas no Estado do Maranhão. A experiência da Mesa Quilombola pode fornecer instrumentos para pensarmos estratégias diante da inoperância do Estado e das tramas que se constroem no jogo de força política, na solidez do racismo institucional, que deliberadamente impedem que os direitos quilombolas sejam assegurados. As reflexões acerca da Mesa Quilombola também mostram como as comunidades se articulam e re(criam) suas formas organizativas, mesmo àquelas que estão reivindicando o direito à terra/território antes mesmo da Constituição de 1988.
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Quilombos e patrimônios na Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988) Autoria: Yussef Daibert Salomão de Campos Autoria: A Assembleia Nacional Constituinte (ANC), transcorrida no Brasil nos anos de 1987 e 1988, foi perpassada pela participação do movimento negro. Atas das audiências constituintes apontam como proposta para a cultura no novo texto constitucional itens como os seguintes: “a liberdade de expressão criadora dos valores da pessoa e a participação nos bens de cultura, indispensáveis à identidade nacional na diversidade da manifestação particular e universal de todos os cidadãos”; “a preservação e o desenvolvimento da língua e dos estilos de vida formadores da realidade nacional”; “o concurso de todos os grupos historicamente construtivos da formação do País, na sua participação igualitária e pluralística, para a expressão da cultura brasileira”; “o acesso aos bens da cultura na integridade de suas manifestações”, “a sua livre produção, circulação e exposição a toda a coletividade” “a preservação de todas as modalidades de expressão dos bens de cultura socialmente relevantes, bem como da memória nacional”; “preservação da ambiência dos bens da cultura, visando a garantir: o acautelamento de sua forma significativa, incluindo, entre outras medidas, o tombamento e obrigação de restaurar” “o inventário sistemático desses bens referenciais da identidade nacional”; e a seguinte definição: são bens de cultura os de “natureza material ou imaterial, individuais ou coletivos, portadores de referência à memória nacional, incluindo-se os documentos, obras, locais, modos de fazer e valor histórico e artístico, as paisagens naturais significativas e os acervos arqueológicos”. Durante todo o processo, pouco se viu acerca das reivindicações pela memória, identidade e da propriedade e seu atrelamento ao patrimônio cultural. Ainda que as audiências nem sempre repliquem aquilo que foi reivindicado pelos documentos, a ANC possibilitou a inserção de atores em uma rara oportunidade de inclusão participativa. A diferença de linguagens e dificuldades de compreensão de termos jurídicos em audiências afastou a oportunidade de maior e efetiva participação. Nesse work proposto, apresentaremos como a posse e a propriedade das terras de quilombolas foram usados como arrefecimento de demandas, via patrimônio cultural; e atendimento de interesses financistas, via impedimento da reforma agrária.
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Resistência e resiliência: fazer crescer em um quilombo marajoara. Autoria: Rafael Paiva de Oliveira Diaz Autoria: Este artigo busca um diálogo entre ecologias e antropologias. Ecologias menores e maiores, como pensa Ana Godoy (2010) e antropologias latino-americanas (ESCOBAR, 1999, 2014 ; RESTREPO, 2014) com as quais busca-se debater os conceitos de resiliência e resistência. A partir de questões vividas durante o work etnográfico junto a uma população quilombola no litoral amazônico, Ilha do Marajó, a comunidade de Mangueiras, localizada em Salvaterra, município do estado do Pará, discute-se como esse povo se faz crescer frente os diversos colonialismos a que está relacionada. Esse povo afro-indígena habita regiões de manguezais, campos, florestas de terra firme, várzeas, rios, mares, ao sabor das marés, no encontro da baía do Marajó com o oceano Atlântico, que adentra o rio Paracauari até quilômetros adentro da ilha. Estas populações vêm desenvolvendo ações para habitar o litoral amazônico e suas mudanças político-ecológicas, sejam elas nas escalas locais ou globais. Em um movimento de se deixar ensinar por essas populações, inspirado na máxima do “Conocer es recorer” (Vasco, 2007) onde a metodologia fundamental ‘’es el de recoger los concptos en la vida” para poder inferir sobre como essas populações enfrentam as imposições dos processos de desenvolvimento pensados para Amazônia fazendo-se crescer junto com seu entorno não concordo muito com esse negocio de entorno, eles são a paisagem, se relacionam com o ambiente a partir do que o professor Clóvis Cavalcanti (2004, 2005) definiria como uma econômica ecológica, ou seja, a economia é vista como um subsistema da ecologia, onde os limites ecológicos ditam as trocas econômicas, onde a sustentabilidade é uma escolha moral (Cavalcanti, 1994, 2012). A comunidade de Mangueiras possui cerca de 200 anos e é composta por “bairros” ou comunidades que foram unificados em um único território quilombola, assim assumindo novas fronteiras territoriais e políticas. Reconhecer no modo de vida desse povo uma forma de resistir e ser resiliente a partir de seus saberes frente aos colonialismos internos e externos, em um processo de se fazer crescer, no sentido que Tim Ingold (2006) expressa seu esforço para a dissolução dos conceitos de evolução e história. Portando, este artigo discute a importância da ecologia nos processos de luta em busca de direitos e como tais processos vem corroborado para a luta em busca da titulação das terras da comunidade de Mangueiras e demais políticas públicas destinadas a quilombolas.
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Uma Etnografia do Processo de Produção dos Laudos para Regularização Fundiária dos Territórios Quilombolas na Bahia (2003-2018): Um Balanço de 15 anos de Pesquisas Antropológicas Autoria: Flavio Luis Assiz dos Santos Autoria: As pesquisas para produção de laudos antropológicos com vistas à regularização fundiária dos territórios quilombolas, a partir de 2003, com o Decreto 4.887, passaram a ser financiadas e regulamentadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). A Bahia, de 2003 a 2018, se constituiu como a unidade da federação com o maior número de laudos publicados, totalizando 36 (trinta e seis) estudos técnicos-científicos concluídos. Nesses 15 (quinze) anos, os laudos foram produzidos através de diversas modalidades de execução: 18 (dezoito) elaborados em parcerias com Universidades e Fundações de Pesquisa (convênios), 07 (sete) elaborados por empresas privadas contratadas pelo INCRA (contratos) e 11 (onze) elaborados por antropólogos/as de carreira (execução direta). Assim, este work se propõe apresentar alguns resultados parciais de minha pesquisa de Doutorado em Antropologia que busca tomar a própria práxis antropológica de produção desses laudos como objeto de investigação, descrevendo e analisando como um determinado "processo etnográfico" vai se configurando a partir de uma série de questões/problemas/dilemas/consequências que emergem desse fazer especializado. A pesquisa está sendo realizada recorrendo-se à leitura e análise dos laudos antropológicos, associada com entrevistas com os/as próprios/as antropólogos/as que os produziram.
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