GT 048. Novas perspectivas para o estudo das religiões de matriz africana nas Américas
Clara Mariani Flaksman (PPGCS/UFBA) - Coordenador/a, Gabriel Banaggia (PPGCIS/PUC-Rio) - Coordenador/aResumos submetidos |
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Algumas questões sobre dança e escrita. Autoria: Ana Rizek Sheldon Autoria: Esse texto tem como questão inicial discutir como a experiência religiosa da dança foi e é apresentada pela escrita antropológica. Em quais termos e a partir de quais endereçamentos? Essas perguntas, norteiam uma breve análise da produção etnográfica acerca das religiões de matriz africana no Brasil e das diferentes formas em que certas práticas desse universo religioso foram apresentadas, no século XX. Se é possível ver a dança como uma parte constitutiva das cerimônias públicas no caso do candomblé, pois compõe momentos em que as entidades se fazem presentes nos terreiros aos olhos de todos, as descrições destinadas a ela testemunham mudanças nas abordagens de pesquisa ao longo do tempo. Além disso, a dança parece ter uma posição central nas feições públicas (mais visíveis também aos não-iniciados) do modo de vida do candomblé, o que pode adicionar aos processos que a envolvem, dinâmicas de relações que a tencionam com outros âmbitos da vida (como tensões relativas a afetividades, processos de identificação étnicos-raciais, ou ainda conectando religiosidade com processos de work em arte). Por fim, o work procura dar certo relevo aos estudos que se ativeram às danças de caboclos e suas relações com outras entidades.
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Babá-Eguns, imagens e outras forças no terreiro de Omo Ilê Agboulá (Itaparica/ BA) Autoria: Andréa Silva D'Amato Autoria: A experiência etnográfica a que se propõe esta pesquisa tem lugar no pequeno povoado do Alto da Bela Vista, localizado na praia de Ponta de Areia, município de Itaparica, no estado da Bahia. Particularmente, envolve os moradores do entorno do terreiro Omo Ilê Agboulá e seu culto aos ancestrais, conhecidos como Babá-Eguns. Por meio de fotos e documentos diversos, tanto de acervos pessoais como de arquivos públicos, a ideia é compartilhar aspectos de minha interlocução com anfitriões e frequentadores do terreiro sobre memórias, histórias e presenças acionadas por essas imagens. As potencialidades de associação entre o fazer etnográfico e as possíveis narrativas geradas por intermédio das fotografias permeiam a pesquisa.
A representação ancestral cultuada nos terreiros de Babá-Egum são manifestações materiais de uma força invisível que se faz presente aos olhos. Assim como as fotografias atestam com sucesso a ausência do que elas fazem presente, os Babá-Eguns necessitam da corporificação, por meio do opá, a casa-roupa sagrada, para adquirir uma forma e visibilidade. Nos dois casos, a ausência visível é transformada em uma nova forma de presença. Neste paralelo, situado entre vida e morte, presença e ausência, mobilizados tanto nos cultos, como nas fotografias, reside o ponto de interesse do work. Como em um ato ritual, as fotografias contêm seus mistérios, participam de agenciamentos, enredos, e este parece ser o grande desafio que as imagens colocam para a pesquisa etnográfica.
Os arquivos discordam de sua própria preeminência de serem incontestes, de serem o espaço de um tempo remoto. É justamente nesse universo fugaz de verdades relativas que este estudo se instaura, revisitando arquivos, conferindo-lhes novos usos e sentidos, sugerindo outros ordenamentos, cruzando fronteiras porosas para criar movimentos de articulação em que fotografias do passado possam vir a ser também as imagens para o futuro, buscando outros sistemas de relações, capazes de renovar percepções na elaboração de trajetos ligados à memória que traduzam formas distintas de apropriação dos percursos históricos.
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Candomblé em Goiás - movimentos de chegar, reconhecer e se relacionar Autoria: Emília Guimarães Mota Autoria: Diferente de Goiás, outros estados brasileiros apresentam casas de candomblé bastante reconhecidas, seja entre afrorreligiosos seja através dos estudos acadêmicos. A Iyalorixá Watusi, minha mãe de santo e principal interlocutora, afirma que esse possível desconhecimento sobre candomblé goiano se deve ao fato de a história dele ser recente, quando comparado à Bahia ou Rio de Janeiro. História que remonta o final da década de 1960, quando Pai João de Abuque chegou na capital, Goiânia, trazendo o candomblé de nação angola. Outro marco importante aconteceu no início da década de 1990, quando Pai Djair chegou na cidade e abriu a primeira casa de candomblé ketu. Também apresentou-se como descendente do Axé Oxumarê, da linhagem que partiu da casa de Salvador (BA) rumo ao Rio de Janeiro.
Ancorada nestas duas referências do candomblé goiano e nas experiências dos afrorreligiosos em Goiás, a proposta deste work, que é parte de meu mestrado e tem cunho etnográfico, é colaborar com os conhecimentos sobre essa religião de matriz africana, seus movimentos e variações.
A chegada tem sido uma maneira de falar sobre as trajetórias do candomblé, desde a chegada dos povos que permitiram sua formação, à chegada dele aos outros estados brasileiros. Em Goiânia é termo recorrente. Segundo Iya Watusi, depois da chegada de Pai João e Pai Djair, outros afrorreligiosos continuam chegando com a intenção de construir seu espaço e nome na religiosidade. Assim, a referência do Axé Oxumarê é muito presente no estado mas nem sempre através da linhagem de Pai Djair.
Saber de onde veio, de quem é filha/o, quais são as famílias com as quais mantem relações, são pontos importantes para o estabelecimento de outras, para aquela/e que acaba de chegar. Os movimentos de chegar abrangem mudanças de nação, mudanças de Axé, e provocam diferentes modos de se relacionar, de práticas de reconhecimento, de mecanismos que visam precaução e o estabelecimento de fronteiras, de alianças, entre os afrorreligiosos. A partir das chegadas será possível falar e refletir sobre os temas citados, os conceitos que os agenciam e criam, como axé, nação, marmoteiro, que podem variar seus sentidos a cada situação prática cotidiana.
Para pensar a presença do Axé Oxumarê, seguiremos a análise de Iya Watusi sobre as influências de valores mercadológicos porque passa a religiosidade provocando mudanças de sentido que o Axé de referência de um filho de santo e/ou casa pode adquirir. Classifica como um regulador, que corrobora com um processo de homogeneização, com a perspectiva de um candomblé pop, de candomblé ostentação.
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Confluências no Terecô de Codó/MA Autoria: Barbara Pimentel da Silva Cruz Autoria: O terecô, religião de matriz africana presente em Codó/MA, forma um conjunto heterogêneo de tendas lideradas por pais e mães de santo que cultuam os encantados da mata. Na literatura antropológica de religiões no Maranhão predominam as análises sobre o tambor de mina praticado na capital do estado, de modo que essa vertente frequentemente opera como sobrecodificadora em relação ao terecô. Este work objetiva uma descrição do que identifiquei como uma troca de fluxos em níveis variados (entre pessoas, grupos, práticas, forças, casas, vertentes religiosas, entidades) que informa uma composição que não pressupõe síntese. Nada disso implica na ausência de conexões com outras vertentes, de modo que outros contextos etnográficos podem compor reflexões sobre e a partir do terecô, em termos que não em relação verticalizada. A própria dinâmica do terecô em Codó parece abrir para outras possibilidades de encontro entre diferenças, em um exercício de composição. O presente work trata de evitar as referidas sobrecodificações e tomar como ponto de partida as interações entre diferenças levadas a cabo no contexto do terecô. Neste sentido é que se apresenta uma proposta de leitura a partir de dois "mecanismos" percebidos nos toques de tambor da mata: 1) as viradas entre a mina e a mata e 2) a presença do vodum Verequete na abertura dos festejos grandes das tendas de Codó. No primeiro caso, de tempos em tempos o ritmo dos tambores vira da mata, ritmo mais acelerado e característico dos toques de terecô, para a mina, mais cadenciada e referenciada nos terreiros de tambor de mina da capital, São Luís. No segundo caso, invoca-se o vodum Verequete durante o Louvariê, embora ele não costume baixar nos terreiros codoenses. Sua função, conforme me explicou a mãe de santo Teresinha, é a de "organizar as correntes". Esses "mecanismos" oferecem chaves para pensarmos as formas de "operacionalização" de uma interação entre diferenças que permanecem enquanto tais ou, nas palavras de Antonio Bispo dos Santos (2015), de uma forma de colocar as coisas em relação que ajunta sem misturar.
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Edison Carneiro e a Cosmopolítica Bantu Autoria: Ricardo Pereira Aragão Autoria: A partir da releitura de "Negros Bantos" de Edison Carneiro, o presente work tem por objetivo apresentar pistas para discussão sobre a presença dos espíritos dos Caboclos num Candomblé Angola de Salvador a partir de uma Cosmopolítica Bakongo, captada nas pesquisas etnográficas realizadas no terreiro e iluminada pelas leituras de diversos works do filósofo Kia Busenki Fu Kiau e suas descrições de uma possível ontologia Bantu a partir da experiência religiosa no Culto Lemba. Neste sentido, a presença dos caboclos no terreiro em questão abre possibilidades de seguir o fluxo de intensidades nas quais esta ontologia dialoga com outros modos de "compor" a religiosidade afroíndigena. Sendo assim, o texto de Edison Carneiro levanta questões interessantes da partir da afirmativa deste de que os cultos de matriz Bantu não possuiriam um panteão tendo que "copiar" o panteão nagô. Será? Será que o conceito de "panteão", como entendido por Carneiro, seria aplicável à perspectiva Bantu de sacralidade? Como a presença dos caboclos poderia iluminar esta possível ontologia nos fluxos de produção deste Candomblé Angola?
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Educação da audição no Candomblé: notas iniciais Autoria: Taisa Domiciano Castanha Autoria: Neste work pretende-se, através do contexto etnográfico do Candomblé, mostrar como os sentidos - sobretudo a audição - existem entrelaçados e não enquanto faculdades isoladas. Partindo do conceito de educação da atenção cunhado por Tim Ingold (2008;2010), busca-se discutir o processo de aprendizagem auditiva dentro do Candomblé. O percurso pelo qual os ouvidos, juntamente com outros sentidos, são educados nessa religião é exposto através de três dimensões: primeira, aprender a ouvir calado; segunda, aprender a ouvi os atabaques; e terceira, aprender a ouvir os próprios Orixás. Nesse processo de educação da audição, a hierarquia, o engajamento corporificado, a participação, bem como a produção da vida e de si mesmo, são constantes transversais do "saber ouvir" no Candomblé.
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Exus, almas e o cuidado do mundo Autoria: Carolina Souza Pedreira Autoria: Partindo da etnografia conduzida na cidade de Andaraí, Bahia, acerca da morte, dos modos de morrer e dos diferentes destinos que recaem sobre o espírito ou a alma no pós-morte, proponho examinar desvios e cruzamentos nas relações entre exus e almas tanto em um terreiro de jarê, designação sob o qual se afiliam os candomblés de caboclo na Chapada Diamantina, quanto na ciência das almas, o conhecimento advindo da devoção professada por algumas mulheres da cidade. Exus, também chamados de escravos, e almas possuem responsabilidades contrárias e coincidentes com o mundo em parte derivadas de processos além-túmulo, ao habitar, visitar, zelar e arruaçar cemitérios, cruzeiros, encruzilhadas e outros espaços. No jarê e na ciência das almas, essas entidades conformam, em diferentes escalas, a noção de pessoa. É pelo deslocamento de exus e almas na terra e em sua composição com os/as viventes, em especial por intermédio de sonhos e aparições, assim como conflitos e obrigações rituais, que essa comunicação irá investigar os modos de cuidado do mundo regidos pelas duas entidades.
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Festas de Santo e outras celebrações em Corumbá e Ladário (MS): um diálogo no idioma das religiões afro-brasileiras Autoria: Álvaro Banducci Júnior, Mario Teixeira de Sá Autoria:
As cidades de Corumbá e Ladário, no Mato Grosso do Sul, constituem centros urbanos interligados, com história de ocupação comum e com economia e manifestações culturais populares bastante similares. Um dos aspectos que caracteriza a vida social dessas cidades são os acontecimentos religiosos e festivos que mobilizam grande parcela da população local, além de atrair número significativo de visitantes. O Carnaval de Corumbá, reconhecido como um dos mais animados e expressivos do Centro Oeste, conta, em seus blocos carnavalescos, com integrantes oriundos de diferentes lugares do país; a Festa de São João (24/06), na qual ocorre o banho do Santo no Rio Paraguai, atrai anualmente devotos de várias regiões do estado; no dia de São Cosme e Damião (27/09) é decretado feriado nas cidades, quando as ruas são tomadas por crianças em busca de doces e guloseimas; a festa de Nossa Senhora do Carmo (16/07) reúne milhares de devotos na cidade de Ladário; enquanto que as festas dedicadas à Virgem de Urkupiña (17/08) promovem, em Corumbá e na vizinha Puerto Quijarro (BO), a interação da população local com a população boliviana. No dia 31 e dezembro de cada ano, as margens do rio Paraguai, no Porto Geral, são tomadas pelo público em rituais de oferendas dedicados a Yemanjá. Tendo em vista esse cenário de celebrações e a partir da experiência de campo em distintos contextos festivos dessas cidades, este work visa revelar a existência de um elo dialógico entre muitas dessas manifestações, propiciado pela presença e participação de determinados agentes sociais nos diferentes eventos. Elementos de uma prática ritualística ou devocional, presentes num contexto de celebração, acabam por se desdobrar, por influência desses agentes, em outros espaços festivos. O que esse estudo pretende demonstrar, em última instância, é que esses agentes têm em comum o pertencimento a religiões de matriz africana, sendo eles, e a lógica de suas práticas religiosas e devocionais, os promotores dos elos entre as diversas manifestações culturais das duas cidades. |
Infância e aprendizagem em um terreiro de umbanda: explorando diferentes perspectivas. Autoria: Renata Silva Bergo, Ana Maria Rabelo Gomes Autoria: A presença de crianças na umbanda sempre chama a atenção, sobretudo quando ocupam algum cargo ou função de destaque na hierarquia religiosa. O presente work apresenta aspectos de uma pesquisa etnográfica conduzida em um terreiro de umbanda em Belo Horizonte (MG), no que se refere a singular forma como as crianças tomam parte da prática da religião. A maneira como são tratadas em tal contexto e os modos como participam e interagem nas mais variadas atividades rituais evidenciam a existência ali de concepções bastante específicas de infância. A visão umbandista sobre os pequenos legitima suas falas e ações, reconhecendo neles até mesmo uma condição privilegiada de compreensão e acesso ao mundo espiritual. No desenvolvimento da pesquisa, (Bergo, 2011) foi possível compreender o terreiro de umbanda como uma comunidade de prática e as experiências vivenciadas pelos participantes como percursos de aprendizagem situada (LAVE e WENGER, 1991). Entre outras questões, observa-se que a relação entre adultos e crianças na umbanda se equilibra num processo constante de negociação entre a necessidade de garantir a existência e perpetuação de certas tradições religiosas e o respeito aos direitos concernentes a condição infantil de algum de seus membros. A partir daí, busca-se desenvolver discussões e aproximações para uma etapa subsequente, em que se procurar indagar sobre a compreensão das próprias crianças sobre as várias situações vivenciadas no terreiro.
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Mesas de Santo e construção de corpos quilombolas no norte do ES Autoria: Bethânia Dias Zanatta Autoria: Percorro duas comunidades da região do Espírito Santo conhecida como Sapê do Norte, Angelim I e Linharinho, buscando compreender aspectos cosmológicos da Mesa de Santa Maria (também conhecida como Cabula) e da Mesa de Santa Bárbara através do que é colocado em evidência nas relações cotidianas entre os seres das séries intra- e extra-humana que compõem esses territórios quilombolas. As Mesas de Santo fazem parte de um sistema maior de relações com o corpo, das vivências dos infortúnios e o combate dos mesmos, nos seus rituais eram/são efetuadas curas, magias, bençãos, maldições, vidências, previsões. As Mesas de Santo são genericamente descritas na literatura como Cabula, entretanto, essa classificação refere-se mais diretamente à Mesa de Santa Maria. Nas Mesas de Santa Maria relatadas no Angelim I os encontros eram realizados no meio da mata, no camucito, onde várias pessoas participavam em buscas de remédios para males de todos os tipos. A Mesa era comandada pelo Embanda, o único a receber santo ou guia, e ele era ajudado por uma pessoa de sua confiança, o Cambono. Nessas Mesas não eram realizados sacrifícios de animais e a força dos santos vinha da mata. Na Mesa de Santa Bárbara, ainda existente no Linharinho, os encontros são realizados dentro de uma construção específica para isso, ao som de tambores e com a realização de sacrifícios de animais. Durante o ritual vários participantes podem incorporar os santé, não só quem coordena a Mesa. Também chamado de Embanda, esta pessoa é auxiliada pelo Alabê. O assento de Santa Bárbara é composto dos santos, cada pedra é um santo. O santo principal é Orona Jogun, que é também Iansã e Santa Bárbara. Os santos ou santés estão nas e são as pedras. Durante os rituais da Mesa de Santa Bárbara, entidades de várias linhas podem se fazer presentes, tanto orixás quanto caboclos, exus, carreros e ciganos. O mundo dos outros não é experenciado como descontínuo àquele aonde os humanos vivem e sim como um outro lado desse mundo, um lado “seguramente menos visível, porém indissociável dele e de alguns lugares e momentos privilegiados de intersecção, nos quais virtualmente se pode ver (tanto no sentido perceptivo quanto conceitual) aquilo que na maior do tempo não é visto” (Barbosa Neto, 2012, p. 153). Os cuidados com o corpo também são mobilizados nas atividades cotidianas, a saúde depende de como se cuida do próprio corpo, mas também das interações adequadas entre as pessoas. A cosmo-ontologia das comunidades que percorro, reconhece que a pessoa é múltipla, formada por santos, espíritos, guias, orixás, eguns e moldada por ervas, alimentos, rezas, etc., e, para além disso, reconhece a pessoa em seus elementos materiais e imateriais e o que corpo não é uma forma acabada e está sendo constantemente construído.
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O Mercado Religioso em Cuba e no Brasil: Uma Reflexão sobre as Relações Econômicas e a estética ritual dos Cultos nas religiões Afro-Americanas Autoria: Carlos Eduardo Martins Costa Medawar, Marco Antonio da Silva Mello Autoria: O candomblé sempre foi identificado como uma religião de cunho popular. Entretanto, por mais paradoxal que pareça, sempre se caracterizou como uma das religiões mais caras do Brasil.
As mercadorias que compõem o “enxoval” do iniciado e que dispensam avultadas quantias, em seus sentidos específicos carregam um valor cultural tão grande quanto o financeiro. Elas, por si mesmas, refletem suas necessidades em termos de uso. Do uso que farão no processo ritual. E é exatamente a necessidade que se faz delas, que determinará o seu valor, pois, antes disso são apenas coisas.
Os produtos e as relações de consumo estabelecidas, são expressões de todo esse complexo e é exatamente por isso que o mercado ganha força e expressão fundamental nesses cultos religiosos. Mais do que um aspecto a ser considerado no processo de compras que o indivíduo faz antes de sua iniciação, é ele fator constitutivo do próprio ritual.
Essa experiência na relação entre as Religiões Afro-americanas, tão evidente no mercadão de Madureira no Rio de Janeiro, é reproduzida em outras praças de mercado, em regiões que se tornaram referências afro-diaspóricas no “novo mundo”, tais como em Salvador, na Feira de São Joaquim ou em Havana, no mercado conhecido como 4 Caminhos.
Em todas elas torna-se evidente que o mercado, para além de sua função econômica, cumpre papel fundamental na constituição dos ritos e em suas inserções no mundo social.
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Os fluxos circulatórios do espírito: O culto aos ancestrais na Tenda Espírita de Umbanda Cabocla Yacira Autoria: Rafael Santos Ribeiro Autoria: A vida nas religiões afro-brasileiras está na expressão e vivência na natureza. Os seus adeptos não percebem o mundo como algo distante ou separado de si, mas, como fluxos circulatórios ligados ao mesmo tecido, chamado por eles de ayê (terra) e orum (céu). Este movimento e inserção no mundo dialogam com o que Tim Ingold (2012; 2015) chama de malha de linhas entrelaçadas de crescimento. Dentro deste processo afro-religioso está inserido o culto aos ancestrais. Segundo os ensinamentos religiosos de matriz africana, a morte é o momento de reencontro com a ancestralidade. A morte de um individuo de uma determinada ilê (casa) deve ser tratada com rituais específicos e, dependendo do seu grau hierárquico, mais complexo será o ritual. Desse modo, segundo a concepção de vida e morte, nesta religião, o axé (energia) de quem partiu para orum não se perde, apenas se transforma, ou seja, a energia continua no local, havendo apenas um fluxo circulatório do espírito, assim, o axé não será visto como algo que se acaba com a morte, mas que continua em forma de círculo aberto e que liga à novos caminhos. Assim, o work busca discutir sobre o culto aos ancestrais na Tenda Espírita de Umbanda Cabocla Yacira (TEUCY), localizada na cidade de Ananindeua-PA, região metropolitana de Belém. Este culto é realizado todos os anos no período do mês de novembro, logo a pós o dia dos finados. Os registros etnográficos tratam do ritual que ocorreu no ano de 2017 e fazem parte da pesquisa de mestrado, que se encontra em andamento. O work busca inovar nos debates sobre as religiões de matrizes africanas, principalmente por tratar de um campo, ainda, pouco explorado que é a religiosidade afro-brasileira no Estado do Pará, especificamente na região metropolitana de Belém.
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Parceria entre pretos velhos e caboclos das matas no sul do Espírito Santo Autoria: Diogo Bonadiman Goltara Autoria: Partindo de um trecho da biografia do Pai Rei João Congo da Angola, preto velho parceiro do médium Cleiton de Paula, do Centro Menino Jesus (Zumbi, Cachoeiro de Itapemirim), em que se descreve uma história de fuga entre rodas de caxambu, rituais indígenas e fazendas de café, este work irá explorar os desenvolvimentos das relações entre caboclos e pretos velhos tal como se apresentam nas irmandades espíritas das comunidades negras da região. Longe de se caracterizarem como espíritos de identidade genérica, o material etnográfico apresenta essas duas entidades como remanescentes de escravizados familiarizados com determinados lugares e indígenas da etnia puri que habitaram a região. A narrativa de João Congo, ecoando muitas outras de pretos velhos e de filhas e filhos de santo das irmandades das casas de oração, expõe uma relação tradicional em que, de um lado, grandes curadores, rezadores e benzedeiros, os pretos velhos estão mais próximos das casas e das famílias de sangue e de santo (irmandades) – conexão que certamente está ligada ao encarceramento forçado, mas não unicamente – enquanto os Puri, habitantes das matas, conhecedores das plantas, são tanto fornecedores de matéria prima para curas quanto pacientes dos pretos velhos.
Ao desenvolver alguns aspectos das relações entre índios e negros na região a partir de tais narrativas, serão também apresentados os tipos de works que caboclos e pretos velhos realizam na contemporaneidade. Se entre os pretos velhos há uma ligação mais próxima com as casas, evidenciado, por exemplo, pelo tratamento de parentesco – vovô, vovó, pai, tio, tia – os caboclos são caracterizados geralmente como entidades em contínuo deslocamento. Serão ainda apresentados alguns desenvolvimentos das características e das relações de tais coletivos/entidades em um dos principais rituais das casas de oração da região, a troca de bandeiras. Além de conectar as irmandades, o ritual também produz a atualização da conexão com os santos padroeiros. Se os caboclos são as entidades que “jornalam” para levar a bandeira de uma casa até o orador de outra, os pretos velhos assumem o lugar de principais representantes dos santos (que não se materializam corporalmente) nas casas de oração. As narrativas míticas e os rituais parecem, por fim, indicar que a parceria entre os coletivos de caboclos puri e de pretos velhos e pretas velhas se desenvolve de e para um tipo de complementaridade muito importante para as conexões atuais entre as irmandades de santo que povoam a região sul do Espírito Santo.
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Religiões afro-cubanas na Colômbia: um universo em expansão e um novo campo de estudos em construção Autoria: Luis Meza Alvarez Autoria: Ao que tudo indica, a cada dia mais pessoas na Colômbia se aproximam das chamadas, na literatura antropológica, como religiões afro-cubanas, seja como iniciados ou apenas como consulentes. Há indícios da presença destas em várias cidades do país –por meio de santeros, babalawos, casas de santo e algumas botânicas– como registram alguns works acadêmicos (ainda escassos) e algumas matérias de jornais (também escassas e problemáticas). A presença relativamente recente destas religiões num país predominantemente católico, que teve tribunal da inquisição e que sempre se pensou que não havia espiritualidades ou religiosidades de origem africana, representa uma novidade e uma alternativa nas buscas de soluções de ordem espiritual e terapêutica por parte de consulentes –pessoas negras e não negras– nas cidades colombianas. Também constitui uma novidade para as ciências sociais colombianas, cujo interesse nelas é recente e reflete –na escassa produção sobre esse universo religioso– os modos de abordagem e debates presentes nos estudos sobre as populações negras na Colômbia, assim como reproduz alguns lugares comuns de algumas correntes contemporâneas de estudo sobre as religiões afro-americanas. Assim sendo, nessa proposta de comunicação procuro discutir com essa produção colombiana sobre as religiões afro-cubanas e a partir desse ponto pensar em opções de pesquisa que procurem levar em conta as interpretações nativas, documentar a complexidade desse universo religioso e contribuam para pensar de novo as espiritualidades/religiosidades não cristãs, especialmente, em relação com as populações negras na Colômbia
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Reversões do parentesco em um candomblé do Recife. Autoria: Olavo de Souza Pinto Filho Autoria: As reflexões contidas nesse texto são parte minha pesquisa de doutorado, em andamento, no terreiro Ilê Iemanjá Ogunte no bairro de Água Fria em Recife (PE). Pretendo aqui descrever os modos de composição e criação do “parentesco” nesse terreiro. Busco evitar certas oposições encontradas na literatura antropológica que situam de um lado o parentesco considerado como “real” ou “consanguíneo” e de outro o parentesco “de santo” como “parentesco fictício” ou “ritual” (Motta, 1987; Segato, 1984, Carvalho, 1984,Halloy,2005 entre outros). Minha principal preocupação é não tomar a nossa imagem de consanguinidade como autoevidente para, então, pensar “família de santo” como uma derivação dela.
É importante sinalizar que no terreiro em que pesquiso existe uma distinção, e não oposição, entre sangue e santo na composição de suas redes de parentesco que ligam diversos terreiros em Recife. Ou seja, o que consideramos como “parentesco de santo” é transmitido pelo “parentesco de sangue”, e o parentesco de sangue, por sua vez, incide no de santo a partir da interdição de que um pai ou uma mãe carnal (como a “consanguinidade” é expressa nos termos nativos) não poderia ser pai ou mãe de santo de um filho, tanto porque “ninguém é pai ou mãe duas vezes”, mas também, e principalmente, porque “misturaria as energias”. Veremos também que evitar a mistura é uma proposição poderosa nos modos de relacionar os domínios cosmológicos nos terreiros.
Um dos objetivos dessa apresentação é perseguir etnograficamente os desdobramentos da explicação dada pelos praticantes do candomblé do terreiro sobre seu “parentesco”, bem como seus efeitos sobre as teorias sobre a família de santo, . Nesse sentido, focalizo certas composições que se expressam por meio do parentesco como heranças espirituais, transmissão de técnicas oraculares, nomes, objetos rituais, assentamentos, capacidades intuitivas e criatividade.
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Ruy Coelho e a religiosidade dos Caraíbas Negros (Garífunas) em Honduras Autoria: Rodrigo Martins Ramassote Autoria: Em setembro de 1944, Ruy Galvão de Andrada Coelho (1920-1990), graduado em Filosofia (1942) e Ciências Sociais (1943) pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP), embarcava para os Estados Unidos, para ingressar como aluno no programa de pós-graduação da Northwestern University (Evanston, Illinois), sob a orientação de Melville J. Herskovits. Em 1948, viajou para a costa norte de Honduras, com o objetivo de investigar o processo de “aculturação” dos Caraíbas Negros (atualmente Garífunas) situados em Trujillo. A partir da análise dos princípios da organização social, da estrutura familiar e dos fundamentos e práticas cosmológicas garífunas, Coelho defende sua tese de doutorado “The Black Carib of Honduras: a study of acculturation” (1955), traduzida para o português, com o título de Os Caraíbas Negros de Honduras (2002).
Alinhada ao projeto intelectual de Herskovits, que se define pelo interesse pela dinâmica da “aculturação” e pelo mapeamento da distribuição e da intensidade da preservação de instituições sociais e práticas culturais africanas, e fazendo uso de parte de seus principais instrumentos conceituais – aculturação, foco cultural, reinterpretação, sincretismo, etc. – “The Black Carib of Honduras” descreve, em particular, as práticas religiosas e os princípios cosmológicos caraíbas (o conceito de alma, os principais ritos, cultos e cerimônias, o papel dos xamãs), retornando ao tema em dois artigos extraídos da pesquisa: “Le concept de l’âme chez les Caraïbes Noirs", no Journal de la Societé des Américanistes, em 1952 e “Personalidade e papeis sociais entre do xamã Caraíba Negros de Honduras”, na Revista de Antropologia da USP, em 1961.
Esta proposta pretende revisitar o estudo de Coelho, aprofundando aspectos de uma pesquisa de pós-doutorado em andamento (iniciada em 2015, no Departamento de Antropologia Social da USP) de modo a refletir sobre os seguintes assuntos: a) qual o papel da esfera religiosa na reflexão de Herskovits e seus alunos a respeito da preservação de instituições e práticas culturais africanas no “Novo Mundo”?; b) como a monografia de Coelho se integra ao conjunto mais amplo de estudos orientados por Herskovits a respeito do tema?; c) quais as particularidades identificadas por Coelho em seu estudo?; d) é possível delinear, a partir desse conjunto, um quadro geral comparativo válido e extensivo ao chamado Atlântico Negro, na expressão Paul Gilroy? Eis, de maneira esquemática, um conjunto de perguntas a partir das quais pretendo avançar em direção ao debate intelectual sobre a difusão e a manutenção da experiência religiosa africana na geografia sem fronteiras precisas do território afro-atlântico.
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Traduzindo o Candomblé: uma análise da escrita lexicográfica na tradução de "The Taste of Blood– Spirit Possession in Brazilian Candomble" Autoria: Daniela Felix Martins Kawabe Autoria: O artigo tem como objetivo caracterizar e analisar as estratégias tradutórias do antropólogo australiano, Jim Wafer, na sua etnografia The Taste of Blood: Spirit Possession in Brazilian Candomble (1991); e a partir disso apresentar os primeiros desenvolvimentos de um projeto de tradução da obra para o português. Ou seja, pretende-se apresentar tais desenvolvimentos ao enfatizar o objetivo de levar adiante, na tradução, as estratégias tradutórias do antropólogo na sua escrita etnográfica. Compreende-se que tais estratégias, agrupadas sob a designação “escrita lexicográfica”, formam a poética do texto (Meschonnic, 2010) de Wafer; e que consequentemente demandam uma reflexão sobre elas, a fim de informar as decisões de tradução para o português. Para tanto, iniciaremos com uma breve exploração dos possíveis diálogos entre os Estudos da Tradução e a Teoria Etnográfica, principalmente aqueles tocantes a aspectos como: relação; poética e criatividade. Em seguida examinaremos a particularidade da escrita de Wafer, na tentativa de demonstrar sua “escrita lexicográfica”, e por fim apresentaremos algumas decisões sobre sua tradução.
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A inserção de terreiros de matriz africana na cidade de São Cristóvão-SE: o papel do lugar na instauração de práticas afro-religiosas. Autoria: Andréa Rosane Santos Barbosa Autoria: Esse work é parte de uma pesquisa de doutorado ainda em curso e que trata sobre os modos de inserção das práticas afro-religiosas na cidade de São Cristóvão, em Sergipe. A partir de exemplos etnográficos, eu procuro contribuir para o estudo das religiões de matriz africana explorando o papel do lugar no modo como as práticas afro-religiosas são mobilizadas, instauradas e transformadas. Lugar, retomando a reflexão trazida pela geógrafa Doreen Massey (2008), não deve ser confundido com superfície. Em vez disso, privilegio o estranhamento provocado pelo encontro de múltiplas trajetórias considerando as negociações que daí decorrem para que novos lugares possam se instaurar. Para tanto, procuro experimentar modos narrativos inspirados em percepções variadas. Em um primeiro momento, eu proponho uma reflexão sobre o corpo no candomblé, notadamente sobre os pés: geralmente esquecidos nas narrativas, veremos que eles podem revelar de modo singular o estranhamento do encontro, habilidades e dificuldades próprias de cada trajetória e que são agentes nas negociações necessárias para a instauração do lugar. Em um segundo momento, eu gostaria de pensar os modos como práticas litúrgicas viajam produzindo novos lugares. Para isso, eu proponho partir dos apelos das entidades que negociam a partir das possibilidades abertas pelos lugares. Finalmente, a partir de resultados preliminares da pesquisa, eu proponho uma reflexão sobre os Originais, nome dado aos mais antigos religiosos de matriz africana ainda vivos na memória dos são-cristovenses e ao modo particular com que os afro-religiosos nativos se relacionam entre si e com a população considerada forasteira.
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