GT 040. Fronteiras, saúde, gênero e sexualidade: conexões, deslocamentos e alteridades corporais, espaciais, temporais
Guilherme Rodrigues Passamani (UFMS) - Coordenador/a, José Miguel Nieto Olivar (Faculdade de Saúde Pública USP) - Coordenador/aO GT visa aglutinar pesquisas que reflitam sobre fronteira, saúde, gênero e sexualidade a partir de contextos espaciais, temporais ou corporais imaginados como marginais, fronteiriços ou minoritários, ou que remetam a problematizações, conexões laterais ou transformações acerca de centros ou arranjos majoritários. Nesse marco relacional, interessa pensar as experiências de sujeitos e grupos sociais a partir da intersecção com outras categorias de diferenciação: etnia, região/procedência, geração, classe, escolarização, orientação sexual, religião, raça/cor. Estamos atentos, também, a questões como trânsitos, deslocamentos, circulação, fluxos migratórios e processos de (des/re)territorialização e fronteirização, relacionados com agenciamentos de saúde, de gênero e sexualidade. Além de pesquisas sobre "mobilidades", são bem-vindas pesquisas que abarquem a construção social do desejo, do cuidado, do adoecimento e do gênero em “outros geográficos”, “entre-cidades”, "zonas” e contextos rurais, priorizando aqueles lugares que estão atravessados pela sua nomeação como fronteiras, margens ou periferias. O GT tem o intuito de melhor compreender as multiplicidades de formas e sentidos da saúde (processos de adoecimento, cuidado e morte), do gênero e da sexualidade, em articulação com processos territoriais "menores".
Resumos submetidos |
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"Doenças de bicho": cosmopolítica da gestação, parto e e pós-parto entre as mulheres Autoria: Vanderlúcia da Silva Ponte, Maria Madalena dos Santos do Carmo
Thaynã do Socorro Santiago Galvão dos Reis Autoria: O presente estudo analisa a cosmopolítica (VIVIEIROS DE CASTRO, 2018; LATOUR,1992) da gestação, parto e pós-parto entre as mulheres Tenetehar-Tembé, procurando compreender as práticas de auto atenção (MENÉNDEZ,2003) e agência dos não humanos no corpo da mulher nessa fase da vida. É uma relação que se produz em perspectiva (VIVIEIROS DE CASTRO, 2006), em que humanos e não humanos agenciam e dão sentido aos processos de adoecimento e cura. Trata-se de um estudo etnográfico com ênfase nas narrativas orais (mitológicas, ritualísticas e outras) da cosmologia indígena, que procura compreender, por meio do diálogo entre história e antropologia, como essas narrativas produzem e reproduzem processos indenitários e territorialidades. Com base nesse estudo compreende-se que as noções de saúde e doença são, em grande parte, provocadas por entidades não humanas ligadas aos sobrenaturais ou aos espíritos dos mortos, e que para maior controle no corpo da mulher, as parteiras e pajés lançam mão de elementos da natureza, da cantoria, rezas, entre outros elementos, para curar e controlar os danos causados por esses sujeitos, tendo no corpo ( e principalmente no sangue) o lugar especifico para a aplicação de determinadas terapias, que no geral visam prevenir doenças do corpo, da mente e da alma.
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"Tem babado novo no Insta": Um olhar sobre o circuito Drag de Santa Maria, sul do Brasil. Autoria: Rafaela Oliveira Borges Autoria: Ainda persistem no que concerne às questões em torno do corpo, gênero e sexualidade, perspectivas que consideram a identidade de gênero marcada pela identidade sexual. São perspectivas essencialistas que pensam sexo, gênero e a sexualidade em uma sequência lógica, imutável e dada como natural. Em sentido contrário, argumento em pesquisa de mestrado, que esta relação limita o entendimento sobre as diversas formas de viver as corporalidades, os gêneros e as sexualidades. Além disso, promove o apagamento de sujeitos que contrariam a ordem heteronormativa. Logo, as/os artistas Drag Queens constituem o tema de estudo desta pesquisa. Busco compreender as experiências de Drag Queens na cena Drag de Santa Maria - RS. A experenciação Drag e a cena que constituem são pensadas em um contexto on/off-line; perpassando a investigação pela cena Drag da cidade e pelos usos que são feitos das mídias digitais - Facebook, Instagram e Youtub - pelo grupo pesquisado, como uma continuação online do contexto off-line de experimentação da cena Drag. Para isso, atualmente, desenvolvo o empreendimento etnográfico. Ressalto que através de perspectivas da antropologia urbana e digital venho mapeando a cena Drag abarcando esferas da vida pública desses/as artistas, suas práticas e como interagem com os espaços urbanos e as mídias digitais na constituição de um circuito Drag. Destaco a problemática atual, no qual há uma grande escassez de locais para "performar" na cidade, sendo que as Drags locais tem empreendido em demonstrar suas performances nas mídias digitais e ampliam o circuito Drag local para cidades vizinhas, trabalhando como DJ's e “performers”. Assim, evidencio a característica da cena Drag local, em que há muitas Drags, porém angariando espaço para a arte Drag. Ainda, a produção de um corpo Drag – "transformation", termo nativo para o ato de montar-se Drag – corrobora em reflexão sobre corpo e gênero. Assim, através de perspectivas pós-estruturalistas, dos estudos queer, de gênero e sexualidade e da antropologia do corpo, busco refletir sobre o deslocamento da ordem heteronormativa através da fabricação de um corpo Drag, salientando o caráter construído das dimensões de gênero e sexualidade através de instâncias socioculturais. Ademais, o corpo é pensado enquanto base de existência da cultura, tornando-se a experiência sociocultural, o corpo no mundo, como corporificada. Ademais, enfoco que as pesquisas que tomam como tema a experiência Drag, partem de grandes centros urbanos. Nesse sentido, saliento a escassez de estudos sobre experiências Drag e transgênero em cidades interioranas e de médio porte, como Santa Maria e região. Com efeito, relaciono a experiência Drag Queen, refletindo sobre corpo e gênero, ao espaço urbano da cidade em um contexto on-offline.
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A cor da relação: corpo e afetividade de mulheres negras em um bairro de Natal/RN Autoria: Amanda Raquel da Silva Autoria: Este work apresentará resultados de uma pesquisa de mestrado que busca etnografar e analisar as experiências erótico-afetivas de mulheres negras brasileiras, mais precisamente residentes na cidade de Natal/RN. Me interessa explorar de que forma a expressão dos afetos e a construção de relações erótico-afetivas estão relacionadas com a dimensão racial. As interlocutoras da pesquisa são mulheres negras residentes num bairro considerado periférico na cidade, entre cinquenta e setenta anos de idade. Logo, esse work trará à tona um aspecto que não tem sido frequentemente tratado em estudos que tomam como cerne o tema da raça no Brasil, a afetividade. Com isso, o work reconhece que também a construção subjetiva das relações afetivas carrega as marcas da história de dominação e subalternização das pessoas negras no país, mas reconhecemos pouco que as escolhas sexuais e os arranjos erótico-afetivos também são parte desse processo histórico. Sendo eu, mulher negra jovem trabalhando na função de Agente Comunitário de Saúde, cargo criado pelo Sistema Único de Saúde como tentativa em melhorar as condições de saúde de comunidades consideradas carentes; se torna inevitável um contato maior com populações negras, maioria populacional de tais localidades. A aproximação com as interlocutoras da pesquisa se deu através das minhas visitas como ACS, quando frequentemente são as mulheres que trazem demandas e preocupações acerca da saúde própria e de seus familiares. Assim, a dimensão da saúde tornou-se fundamental na pesquisa, não apenas como porta de entrada para iniciar as conversas, mas como eixo ao redor do qual muitas dos relatos afetivos dessas mulheres são organizados e explicados. Apesar do foco inicial das conversas ser as situações de saúde, aos poucos essas se aprofundaram em temas afetivo-sexuais de suas trajetórias, desde juventude até os momentos atuais. Assim, sexualidade e recorte etário se tornam também marcadores chaves de análise, o que também demanda um olhar atento e cuidadoso sobre as dimensões do envelhecimento. Ainda, algo que aparece em campo é a frequência de discursos que podem demonstrar uma “hiperginecologização” dos corpos dessas mulheres, quando ao falarem sobre suas trajetórias afetivas utilizam como ponto de partida a condição de saúde reprodutiva de seus corpos.
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Antropólogos em serviço de saúde: descrição da atuação prática em um serviço de saúde mental para refugiados e imigrantes Autoria: Alexandre Branco Pereira Autoria: A atuação de antropólogos em serviços de saúde não é algo usual, ao menos no Brasil. Se é possível apontar para uma profusão de pesquisas realizadas em hospitais, o work prático de antropólogos nesses ambientes costuma ser raro. Esse work pretende discutir a atuação prática de um antropólogo em um serviço de saúde mental especializado em imigrantes, refugiados e surdos localizado na cidade de São Paulo, descrevendo as dificuldades inerentes à invenção - teórica e prática - de um exercício pouco imaginado da antropologia, pensando e propondo formas de "transformar o dado em cuidado". Além disso, pretende-se também discutir as bases epistemológicas na qual o serviço em questão repousa, problematizando a razão de o espaço para a antropologia em serviços de saúde se abrir justamente em serviços de saúde mental, em geral, e especializado no atendimento de imigrantes, refugiados e surdos, em específico.
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Assédio sexual no espaço público: quem está falando? As experiências dos corpos em trânsito das mulheres negras periféricas Autoria: Bruna Dos Santos Galichio Autoria: Este work tem por objetivo investigar como as mulheres negras da periferia experienciam as categorias de diferenciação gênero, raça, sexualidade e classe social em seus trajetos pela cidade de São Paulo, ao serem interpeladas por práticas que estão sendo reivindicadas como assédio sexual, dentro de uma economia moral contemporânea. Dessa maneira, parte-se da tentativa de conhecer que termos são utilizados pelos próprios sujeitos e compreender quando é possível falar em violência ou dano moral. A noção de diferença como experiência torna-se chave para compreender os modos de dar sentido não só ao que está sendo chamado de assédio, mas ao corpo.
Raça e classe também aparecem em disputa dentro de um cenário de produção negra e periférica, que está discutindo a importância de se afirmar a partir desses marcadores e, ao mesmo tempo, interpela quem tem legitimidade para fazê-lo. Nesse sentido, o discurso sobre o colorismo produz e é revelador da tensão entre o reconhecimento e pertencimento racial de um lado e, de outro, das experiências raciais cotidianas dos sujeitos.
Dentro desta perspectiva, pretende-se problematizar um suposto imaginário que articula raça e sexualidade para trazer à tona os lugares dos corpos negros e suas experiências. Da mesma maneira, busca-se tensionar fronteiras do significado de violência, presente em algumas práticas e ausente em outras, compreendendo os modos dos sujeitos experienciá-las e de negociar com as categorias raça e sexualidade.
Outra perspectiva do campo sugere a ameaça do assédio como mecanismo de controle do corpo feminino. Aqui, articulado com o marcador de classe, pode revelar um território que é mais propício a obscurecer a violência, seja pela iluminação precária, pela existência de terrenos baldios ou, por exemplo, pela necessidade de caminhar longos trechos a pé. Assim, busca-se compreender as implicações sociais nos cotidianos das mulheres negras periféricas, no que diz respeito ao acesso à cidade e à cidadania em decorrência dessa ameaça. Dito de outro modo, em que medida as mulheres deixam de aceitar certo work, ou a fazer tal curso, ou a ir naquele parque, ou a alugar tal casa em determinada rua e em que medida elas podem negociar com esses riscos ao fazerem suas escolhas.
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Cara (maduro) ou coroa: reflexões em perspectiva interseccional sobre homossexualidade, gênero e envelhecimento em áreas centrais e periféricas do Rio de Janeiro Autoria: Alexandre Gaspari Ribeiro Autoria: O work pretende apresentar as primeiras reflexões teóricas envolvidas em minha pesquisa, iniciada em 2018 para obtenção do título de doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPCIS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O estudo tem como foco principal as relações entre homens com práticas homossexuais e homoafetivas, moradores e/ou frequentadores da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), de áreas consideradas “centrais” e “periféricas”, e que se enquadram na chamada “meia-idade” – faixa etária que, embora elástica e imprecisa, estaria localizada entre os 40 e os 60 anos. Por se tratar de uma análise relacional, o levantamento também irá abordar homens “jovens”, com idade inferior a esse marco temporal, que mantêm relações sexuais e/ou afetivas com homens mais “velhos”.
A pesquisa intenciona tratar como outras categorias sociais de diferenciação operam para aproximar ou distanciar os sujeitos daquilo que é considerado “ser velho”, sobretudo por se localizar em uma faixa etária que, em tese, ainda estaria fora da “terceira idade”. Por isso, aspectos como corporeidade, gênero, classe social e raça/cor da pele ganham grande importância para uma análise em perspectiva interseccional.
Metodologicamente, o estudo englobará, além de revisão bibliográfica e acréscimo de novas perspectivas teóricas, pesquisa etnográfica qualitativa, em campos físico – espaços de sociabilização de homens homossexuais “de meia-idade” e “jovens” localizados na RMRJ – e virtual – comunidades em meio eletrônico destinadas a aproximar não apenas homossexuais “maduros”, mas estes e homens “jovens” (netnografia).
Também pretende-se usar como ferramentas de apoio as redes sociais, como o Facebook, o Instagram, o Whatsapp e outras que possam surgir como fontes de informação. Tais canais também são úteis para a manutenção de contatos e a realização de entrevistas.
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Desigualdades, Redes de afeto e Políticas Afirmativas no Refúgio LGBT+ Autoria: Nathalia Antonucci Fonseca Autoria: O presente artigo tem por objetivo apresentar uma discussão sobre o projeto LGBT+movimento, que trabalha pela incidência, sensibilização e articulação de redes de afeto que facilitem a integração, acolhimento e expressão da pessoa LGBTI+ migrante e refugiada no Rio de Janeiro. A discussão se fundamenta na crítica da categoria de não-humanos, a partir da primeira e segunda desigualdades apontadas por Rousseau. A fim de discutir a ambiguidade da categoria frente a prática recorrente de inferiorizarão de certos grupos sociais, em destaque a população LGBTI+. Em seguida, é proposto uma revisão do work de Gabriel Tarde para fomentar a discussão da formação de redes de afeto entre pessoas em movimento. Por fim, o artigo narra a experiência do encontro com um grupo de pessoas refugiadas venezuelanas LGBTI+, em um abrigo para refugiados na cidade de Boa Vista, em Roraima. O encontro ocorreu durante work de campo realizado para avaliação da situação da migração venezuelana com intuito de gerar maior visibilidade a questão nos meios acadêmicos.
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Entre a moral e o marginal: um estudo sobre o conflito urbano face a ocupação de migrantes venezuelanas em atividade de prostituição em um bairro de Boa Vista – RR. Autoria: Amanda Karine Monteiro Lima, Francisco Alves Gomes. Autoria: Trata-se de um estudo sobre a prática corporal enquanto artifício profissional, fixado em um cenário marginal, que atravessa as fronteiras do debate em torno da sexualidade e alcança o estigma acarretado pelo julgamento moral em razão da ocupação de mulheres venezuelanas em atividade de prostituição no bairro Caimbé, situado na zona oeste da cidade de Boa Vista – RR. Em decorrência da crise política, econômica e social vivenciada na Venezuela, muitas mulheres migraram para o Brasil e encontraram na prostituição a oportunidade de melhor remuneração dentre as escassas vagas de work disponíveis para se manterem e sustentarem seus entes que no país vizinho sofrem com a extrema miséria. Todavia, essa ocupação vem gerando intensos conflitos entre prostitutas e moradores do bairro face aos preconceitos com a atividade exercida pelas migrantes. Nesse sentido, objetiva-se entender as implicações dominantes que balizam o conflito político e interpelam o espaço urbano, bem como analisar o processo de invenção do “outro”, sob a perspectiva dos agentes sociais envolvidos e examinar os efeitos das “heterodesignações” atribuídas à mulher venezuelana, na condição de alteridade. Assim sendo, esse estudo inicia-se via análise de dados obtidos a partir da pesquisa bibliográfica em seguida, realiza-se o diálogo entre a literatura acumulada com os dados obtidos por meio da observação participante mediante o work etnográfico realizado no período de março a junho de 2018. O work de campo foi realizado a partir de incansáveis estadas em uma zona estratégica, representada pelo ponto de referência denominado Tacacá da Sol, local de intensa transitoriedade, frequentado pelos moradores mais antigos, visitantes de outras regiões e prostitutas quando não estão em atividade. Portanto, a priori, é possível perceber que as narrativas sobrepujadas pelo discurso higienista atinente ao moralismo majoritário, conserva-se, em uma disputa que invalida alteridades e discrimina práticas de um contingente heterodesignado por serem mulheres, prostitutas e venezuelanas circunscrita num campo de debate heterogêneo.
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Entre a onça pintada e a sucuri, o carnaval e o futebol: nacionalidade, travestilidade e reconhecimento na fronteira Brasil-Bolívia Autoria: Tiago Duque Autoria: O objetivo aqui é discutir parte dos resultados de uma pesquisa sobre normas e convenções de gênero e sexualidade na fronteira Brasil-Bolívia, iniciada em 2014. A cidade de Corumbá (MS), tida como a Capital do Pantanal, é conhecida por festividades culturais, cívicas e religiosas. Através de etnografia (online e off-line), envolvendo entrevistas semi-estruturadas, analisei o envolvimento e a participação de efeminadas nessas festividades, desde o planejamento à execução. Efeminadas aparece como um termo êmico destinado a homens gays, travestis ou mulheres transexuais. Pretendo analisar a presença de uma travesti em especial, tanto no “Amistoso da Diversidade” (jogo de futebol entre efeminadas de Corumbá e Ladário, uma cidade vizinha) como no Carnaval de 2015. Esta interlocutora fantasiou-se de onça pintada para ir desfilar na Passarela do Samba e foi fazer um show artístico com uma enorme cobra de pelúcia na partida de futebol. A onça pintada e a sucuri são animais hipervalorizados na região, não somente porque atrai turistas, valorizando a cidade, como também por fazer parte da cultura local. A travesti parece incorporar esses elementos como espécies de próteses de gênero (PRECIADO, 2002) tipicamente nacionais, indo além de um farmacopoder transnacional (PRECIADO, 2018). Juntamente com a performance feminina, materializa um corpo (BUTLHER, 2008) travesti risível, mas não abjeto, merecedor de aplausos, nos dois eventos. O carnaval e o futebol são marcas de nacionalidade. Eles, associados ao reconhecimento das efeminadas na cidade, via a participação das mesmas nessas atividades, no discurso dos interlocutoras/es, apresentam-se como uma diferenciação fronteiriça entre Brasil (sem preconceito) e a Bolívia (preconceituoso). Ainda que os dados apontem para a violência contra efeminados na cidade, a percepção de que Corumbá é uma cidade sem preconceito é bastante marcante na região. Ocorre o oposto quando se referem ao país vizinho. Nesse sentido, a análise aponta para os elementos que contribuem com essa percepção em relação a cidade quando comparada com o outro lado da fronteira. O riso, acompanhado de aplausos, seja no carnaval ou no amistoso, associado a objetos de “desejo dos turistas” e supervalorizados pelas/os moradoras/es, como a onça e a cobra (RIBEIRO, 2015), compõem o quadro de significados que possibilitam a agência da travesti em questão. Entre outras coisas é possível concluir que, mesmo em contextos de violência diante de experiências de gêneros dissidentes e sexualidades disparatadas, a diferença não necessariamente é um elemento depreciador (BRAH, 2006). Ao invés disso, serve para pensar as normas e convenções dos contextos fronteiriços de constituição de uma nacionalidade valorizada diante de um outro depreciado.
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Envelhecimento, adoecimento e cuidado nos territórios militarizados do Rio de Janeiro Autoria: Camila Pierobon Moreira Robottom Autoria: As dinâmicas do cuidado que envolvem idosos, doentes mentais e cuidadores têm sido invisibilizadas nas pesquisas das áreas de humanidades e biomédicas (Woodward 2012; Kleinman 2015). A invisibilidade se agrava quando consideramos a vida diária de doentes e cuidadores em contextos de guerras, de deslocamentos forçados, de epidemias e/ou de extrema pobreza (Kleinman et al. 2016). Neste texto eu vou apresentar os resultados de minha etnografia em habitações populares na cidade do Rio de Janeiro, situadas em um território controlado por grupos de tráfico de drogas. Destacarei como uma mulher - moradora de um território militarizado vive o cotidiano ordinário em meio a combates armados, riscos e ameaças intermitentes sobre os habitantes - desenvolveu práticas e “éticas do cuidado” (Laugier 2015) como responsável pela sua mãe, idosa e portadora de alzheimer avançado. A análise da ética do cuidado colocada em prática por Leonor será desenvolvida na sua relação com a baixa renda familiar, a precariedade da casa e dos serviços de infraestrutura. Assim, num primeiro grupo de questões, eu quero apresentar o que significa cuidar de uma pessoa idosa e portadora da doença de alzheimer em situações de pobreza e em territórios militarizados. Num segundo grupo de questões, eu pretendo problematizar a temporalidade através do envelhecimento e da duração da doença de alzheimer no corpo e na mente de Dona Ana, a partir dos efeitos produzidos na subjetividade e no corpo de Leonor. Para trazer essas questões, eu pretendo mostrar como as doenças mentais foram absorvidas na vida diária, como passaram a fazer parte do cotidiano e se combinaram com outras doenças e com os enfraquecimentos corporais crescentes como cataratas, câncer e pneumonia, no caso de Dona Anna, e com o prolapso genital e o glaucoma presentes no corpo de Leonor. Eu pretendo trabalhar como operou o adoecimento do cuidador e como se hierarquizaram os cuidados e os corpos. Para esta discussão, eu pretendo trazer os conflitos familiares e as desigualdades de gênero que colocaram Leonor como a única responsável pelo cuidado com a mãe. As questões que levantei acima serão trabalhadas de forma entrelaçadas e nos ajudarão a entender como se coadunam na vida diária doença mental, cuidado, pobreza, gênero, família, corpos e subjetividades em uma metrópole como o Rio de Janeiro.
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Espiritualidade, subjetividade e doença: experiências com o HIV Autoria: Asher Grochowalski Brum Pereira Autoria: Paul Beatriz Preciado, em Testo Junkie, analisa o regime heterossexual como uma extensão da sociedade biopolítica no qual se produzem protocolos farmacológicos para a normatização dos corpos. São exemplos disso as normas para a autoadministração de testosterona para a mudança de gênero e o tratamento com antirretrovirais contra o HIV. Partindo do suposto formulado pelo autor, propomos analisar como o cultivo da espiritualidade pode configurar-se em alternativa ao protocolo farmacológico para o tratamento de doenças. Nossa hipótese é que o cultivo de determinados tipos de espiritualidade produz subjetividades que ressignificam a doença, tal como é exposta pelos saberes médicos e farmacêuticos. Com efeito, observaremos o relato e a trajetória de Kevin, um jovem gay que, ao descobrir-se portador de HIV, começou a autoadministração do tratamento antirretroviral. Ao começar a questionar a eficácia do tratamento protocolar, procurou na sociedade esotérica autodenominada Ordem Rosa Cruz uma alternativa de cura para o HIV. Desse modo, por meio de descrições empíricas, procuraremos demonstrar como a subjetividade de Kevin se modifica em seu trânsito por ambientes médicos do SUS (Sistema Única de Saúde) e pelo templo Rosa Cruz. Ao descobrir-se portador de HIV, Kevin começou o tratamento antirretroviral e frequentava regularmente o SAE (Serviço de Assistência Especializada em HIV/Aids), na cidade de São Paulo, para fazer o controle de sua “carga viral” e, desse modo, regular a administração da medicação antirretroviral. Quando começou a frequentar a Ordem Rosa Cruz, encontrou nas meditações uma forma de espiritualidade que se concentrava no próprio corpo e no alívio (e mesmo eliminação) da doença. Portanto, nosso intuito é abordar a interação entre espiritualidade, subjetividade e doença e, desse modo, compreender formas de contraconduta dentro do regime farmacológico de governo dos corpos.
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gênero, sexualidade e relações familiares entre encarceradas em Manaus Autoria: Lourdes de Fátima Moraes de Sousa Saldanha, Márcia Regina Calderipe Farias Rufino
Ana Kelly Gualberto de Souza Autoria: Este paper se propõe a apresentar uma reflexão sobre mulheres em privação de liberdade, na cidade de Manaus, que se desconectam sexualmente de seus antigos parceiros por força da ruptura da relação quando são encarceradas. Ao observar os dados sobre visitas íntimas, percebe-se que as mulheres criminosas recebem um número bem inferior de visitas se comparado aos homens na mesma situação. Pela discussão de gênero e sexualidade é possível compreender como essas mulheres “abandonadas” pelos companheiros e famílias organizam-se e fazem escolhas para a vivência de sua sexualidade no mundo da prisão. Na situação de encarceramento, pensar a partir das elaborações de gênero permite identificar quais são os marcadores e expectativas que fazem com que os homens continuem sendo referencia para suas famílias, ao passo que, de modo geral, as mulheres perdem seu lugar nas relações conjugais, sendo excluídas do convívio familiar.
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Mulheres em cena: casoso de assédios sexuais nos transportes coletivos Autoria: Hellen de Paula da Silva Autoria: Este work foi desenvolvido com o objetivo de investigar e analisar os casos de assédios sexuais aos quais as mulheres estão sujeitas nos transportes coletivos. Sua proposta é examinar, compreender e discutir o contexto de violência fundamentado num processo de relações desiguais entre os gêneros, bem como apontar os fatores culturais, sociais, históricos e legais que dão base não apenas para que essas situações aconteçam, mas que constituem entraves na resolução dos conflitos a elas relacionados. Como ferramentas metodológicas foram utilizadas bibliografias, pesquisas nas plataformas IBGE, IPEA, mídias jornalísticas e sociais, além da pesquisa de cunho antropológico realizada através de entrevistas e aplicação de formulários qualitativos com mulheres de diversas faixas etárias usuárias dos transportes coletivos de Belém do Pará e Ananindeua, cidade satélite desta capital. Como resultado foi identificado à recorrente situação de insegurança a que as mulheres estão submetidas cotidianamente, os empecilhos à formalização de denúncias, assim como a obtenção de respostas legais para esse problema, o que não constitui impedimento para a resistência das mulheres no sentido de alterar esse quadro de vulnerabilidade e culpabilização.
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NAS FRONTEIRAS DA EPIDEMIA? articulações e desarticulações para pensar práticas de conhecimento e circulações transfronteiriças na Amazônia Autoria: Thiago de Lima Oliveira Autoria: Os últimos anos têm sido marcados por intensas transformações nas tecnologias biomédicas para tratamento do hiv, cotejando inclusive uma certa atmosfera da qual participam expectativas públicas nomeadas como “cura”, “última década”, ou mesmo “fim da aids”. Esse cenário é configurado pelo fluxo de circulação global de informações e tecnologia, uma rede de que participam agentes com status e interesses desproporcionais e divergentes; é também contrastado, nos limites de uma política nacional de saúde no Brasil, pelo processo de desmonte e fragilização do serviço de atendimento público, especialmente os de nível básico – com repercussão em pautas extens(iv)as na saúde pública-, pelo crescente avanço de pautas comprometidas com conservadorismos e dispositivos de controle sobre corpos e experiências de gênero e sexualidade ordenados sobre outras gramáticas, bem como a desarticulação de frentes combativas de atuação e debate que constituíam uma contraparte importante da reflexão aprofundada sobre políticas regionais de saúde. Na arena todas essas questões parece um pouco simplório sinalizar para os regimes de distinção e as economias de continuidade e descontinuidade que configuram as experiências de viver com hiv em contextos “descentrados”. Parece, mas talvez não seja. Considerando o modo como tais discussões circulam a partir de e entre grandes centros urbanos de uma economia farmacopolítica, pode ser interessante retomar os debates sobre a “interiorização” dos processos de sofrimento social, em especial do hiv em vista de sua posição para construção dos debates sobre os limites, fronteiras e zonas de expansão das políticas sexuais. A presente comunicação tem como propósito estabelecer um investimento descritivo e analítico sobre as práticas de conhecimento e formas de reflexão política sobre a experiência de viver com HIV em contextos transfronteiriços. Em tais espacialidades, as dinâmicas de diálogo com as políticas de saúde se realizam articulando múltiplos eixos de negociação com/contra o Estado propiciadas pela possibilidade de circulação entre limites nacionais, e a construção de redes de comunicação e articulação a partir de relações complexas com outros agentes. A partir da experiência etnográfica que venho desenvolvendo na região de tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia, na comunicação busco apresentar algumas reflexões sobre o modo como sentidos de saúde, pessoa e cidadania se flexibilizam e constituem-se na circulação transfronteiriça a partir também da articulação de eixos de construção de diferença em termos de raça, cor de pele, língua, pertencimento étnico e/ou nacional, gênero e sexualidade que conferem sentido e valor à avaliação relacional da presença e da precariedade de si e do outro.
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Parto e nascimento Maxakali: desafios e possibilidades para o cuidado em saúde Autoria: Érica Dumont Pena, Maria Christina Almeida Barra
Luiza Regina de Oliveira Infante
Letícia Zara de Freitas Ribeiro
Fernanda Soares Resende dos Santos Autoria: Considerando a precarização do atendimento de saúde das mulheres indígenas, em que a taxa de mortalidade neonatal e materna é mais elevada que a população não indígena, o desconhecimento por parte dos profissionais quanto respeito e a valorização das especificidades étnicas e culturais das mesmas e as lutas das mesmas em torno da saúde, objetiva-se discutir os saberes e as práticas sobre a gestação, o parto e o pós-parto das mulheres indígenas de Minas Gerais da etnia Maxakali e Xakriabá, de modo a indicar desafios e possibilidades para o aprimoramento das políticas públicas de saúde das mulheres e das crianças nesse contexto. Para tanto, procedeu-se à pesquisa de caráter qualitativo, a partir da “revisão integrativa” e entrevistas em profundidade com lideranças deste povo. O presente work apresentará processos de pajelança e de cuidados entre mulheres e seus maridos assim como diálogos, propostos pelo povo Maxakali, com o campo da saúde não indígena
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Questões de gênero, de "segurança", de "foro íntimo": controvérsias em torno da revista íntima de travestis e transexuais no sistema penitenciário e socioeducativo de Minas Gerais Autoria: Vanessa Sander Serra e Meira Autoria: Esse work busca refletir sobre algumas controvérsias que surgiram com o processo de elaboração e aplicação de novas resoluções para o atendimento à população LGBT no sistema penitenciário e socioeducativo do estado de Minas Gerais. Essas resoluções, além de apresentarem a possibilidade de transferência eletiva de travestis e transexuais para unidades femininas e exigir que elas sejam tratadas segundo sua identidade de gênero - utilizando o nome social e as roupas que elegerem – também estabeleceram que as revistas íntimas dessa população deveriam ser realizadas exclusivamente por agentes penitenciárias mulheres. Em vista dessa nova normativa, a proposta desse paper é deter-se, mais especificamente, em torno das polêmicas levantadas pelas agentes penitenciárias femininas que, diante de tal implementação, passaram a se recusar a realizar as revistas íntimas em travestis e mulheres transexuais, conforme recomendado pelo documento. Essa recusa, que recebeu ampla atenção midiática, foi formulada a partir de gramáticas muito variadas: alegando constrangimento, risco de "violência de gênero" e estupro, quebra de protocolos de segurança, influência da "ideologia de gênero", e até mesmo violação de direitos humanos contra a categoria profissional.
A partir de incursões etnográficas na Ala LGBT de uma unidade prisional masculina, em reuniões da Secretaria de Direitos Humanos e em audiências públicas sobre o tema, pretendo discutir a natureza complexa e heterogênea dos modos de regulação moral das expressões de gênero e das práticas erótico-sexuais envolvidos nas querelas em torno da gestão cotidiana de travestis e transexuais presas e socioeducandas. Penso ser possível, assim, refletir sobre conjuntos singulares de técnicas de produção de sujeitos que se consolidam a partir do enfrentamento ou da coalizão de diferentes atores ou forças sociais, e que refletem representações sociais de natureza muito diversa: ideias científicas, crenças religiosas, valores morais, princípios jurídicos e posições políticas (Carrara, 2016).
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Refletindo sobre work doméstico a partir de experiências de mulheres bolivianas moradoras da cidade de São Paulo Autoria: Eloah Maria Martins Vieira Autoria: Neste artigo, pretendemos discutir como que mulheres bolivianas, que residem na cidade de São Paulo (Brasil), articulam o work doméstico não remunerado em suas casas e famílias. Ou seja, estamos refletindo sobre as estratégias de algumas mulheres bolivianas para a execução dos works de limpeza, cozinha e cuidado com seus filhos e pais. Considerando que o work doméstico é intermitente e equivale à grande parte do dia de muitas mulheres, destacamos a importância e pertinência de estudá-lo para problematizar construções e relações desiguais de gênero. Ainda que tanto no Brasil como na Bolívia, o work doméstico seja culturalmente associado às mulheres, a imigração de bolivianas para São Paulo pode significar o contato destas imigrantes com diferentes modos de organização deste work ou a necessidade de reorganizá-lo em suas casas ou famílias. Além disso, ser imigrante pode dar contornos específicos à forma como o work doméstico é organizado; uma mulher imigrante pode ter dificuldades para estabelecer redes e experienciar xenofobia, assim como pode integrar cadeias globais de cuidado. O artigo em questão é fruto de um mestrado em desenvolvimento. No presente momento, estamos analisando os dados coletados durante o work de campo através de entrevistas e observação participante. A partir do contato com algumas mulheres bolivianas em São Paulo, percebemos que são diversas as estratégias de execução do work doméstico articuladas por elas. Pudemos conhecer em campo mulheres que compartilham com seus maridos a execução do work doméstico, sem que isso signifique a inexistência de tensões e conflitos entre eles. Além disso, também conhecemos: mulheres madres solas que executam sozinhas todo o cuidado com seus filhos; mulheres que se responsabilizam pelo cuidado com seus pais; e algumas que já participaram de cadeias globais de cuidado, pois imigraram sozinhas e seus filhos ficaram na Bolívia. Atualmente, algumas destas mulheres participam do work de cuidado para com seus netos. Dessa forma, podemos pensar como as estratégias para execução do work doméstico não remunerado variam entre homens e mulheres, entre diferentes mulheres, entre lugares e ao longo do tempo. Para analisar os dados coletados, consideramos que bolivianas na cidade de São Paulo são transmigrantes e, assim, migrar não significaria romper relações com a Bolívia, mas sim renegociá-las a partir de novas relações vividas no Brasil. Portanto, a análise das estratégias de execução do work doméstico não remunerado articuladas por mulheres bolivianas moradoras de São Paulo pode elucidar diferentes dimensões das suas vidas, assim como aspectos das relações construídas entre Bolívia e Brasil.
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Tecendo redes: gênero, cuidado e estado na periferia de São Paulo Autoria: Milena Mateuzi Carmo Autoria: Este texto apresenta reflexões preliminares de minha pesquisa de doutorado, ora em andamento, que busca compreender como as mulheres moradoras de espaços segregados da periferia da cidade de São Paulo vivenciam a produção destes territórios. Construo minha argumentação a partir da leitura de works que identificam uma atuação cada vez mais violenta e repressiva por parte do Estado nestas periferias, sobretudo através do crescimento de ações violentas por parte da polícia e do aumento do encarceramento cujo alvo principal são homens jovens negros. Neste contexto, procuro entender como este processo de produção de território afeta homens e mulheres de modos distintos e contribui para o surgimento de agenciamentos e resistências também generificadas.
A partir do work de campo com algumas famílias que tiveram um ou mais membros assassinados ou presos, venho observando que enquanto os homens são alvos diretos destas violências, as mulheres assumem o protagonismo do cuidado. Cuidado esse que não se restringe ao âmbito doméstico, mas que se reproduz em várias dimensões do público. Isto é, as mulheres seriam responsáveis tanto pelo cuidado no que se refere ao afeto e à administração cotidiana da casa, como também estariam presentes em diversos espaços públicos negociando com setores do Estado, com tráfico de drogas e com ativismos locais, buscando assim, lidar com os efeitos destas violências que atingem diretamente os homens da família.
Minha hipótese é a de que essa tarefa do cuidado, por um lado, é experimentado como sobrecarga que geraria o repetido adoecimento, sobretudo emocional, como venho observando em meu campo. Contudo, por outro, é também vivido como sentido de vida, o motivo pelo qual muitas mulheres encontram para continuar vivendo em meio a tanto sofrimento, como muitas delas afirmam.
Meu argumento é o de que essas mulheres, no protagonismo do cuidado, tendem a tecer redes compostas predominantemente por outras mulheres, já que são elas a maioria tanto nas políticas sociais locais (assistentes sociais, psicólogas, educadoras, etc), quanto no ativismo que denuncia a violência do Estado na periferia (hoje organizado em torno da chamada luta contra o genocídio da juventude negra e pobre). Neste processo, estariam não apenas produzindo-se a si mesmas, mas também teceriam redes que entrelaçam mundo privado e público, onde família, vizinhança, ativismo e o próprio Estado são acionados como forma de mitigar os efeitos destas violências. Neste sentido, raça, classe e gênero seriam os marcadores sociais da diferença que não apenas produziriam desigualdades, violências e o próprio território, como também constituiriam a gramática a partir da qual se produzem agenciamentos e resistências.
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Tráficos, Trânsitos e Modificações Corporais: A (in)visibilidade do tráfico de adolescentes para fins de exploração sexual nas fronteiras do MS Autoria: Emilli Amarilha Faria, Jacira Helena do Valle Pereira Assis Autoria: O presente artigo tem por objetivo refletir sobre as (in)visibilidades do tráfico de adolescentes para fins de exploração sexual nas fronteiras do estado do Mato Grosso do Sul com o Paraguai e a Bolívia. Também são analisadas no artigo as relações das travestis adolescentes em situação de tráfico com a indústria farmacopornográfica. Com base em pesquisas já realizadas sobre a temática e com o auxílio das teorias queer, feminista e pós-colonial, pode-se perceber que a (in)visibilidade dos tráficos de adolescentes para fins de exploração sexual ocorre por intermédio dos discursos que permitem que determinados casos ganhem visibilidade e outros não. Sobre as jovens travestis, é possível afirmar que muitas buscam alterar seus corpos como forma de aproximar-se da matriz de inteligibilidade heteronormativa.
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Trajetória de vida e narrativas da prisão: travestis e transsexuais e o cuidado com o corpo Autoria: Antonia Gabriela de Araújo Alves, Violeta Maria de Siqueira Holanda Autoria: No presente work busco discutir acerca das narrativas produzidas por travestis e transsexuais que cumprem pena em regime fechado na Unidade Prisional Irmã Maria Imelda Lima Pontes, sendo esta a primeira unidade prisional destinada ao acolhimento do público vulnerável dentro do sistema prisional cearense. Além do público de Gays, Bissexuais, travestis e transsexuais (GBT) a prisão abriga idosos, portadores de deficiência física, estrangeiros e homens que respondem processo pela Lei Maria da Penha. Esses últimos tornam-se vulneráveis dentro das prisões por conta da atuação de facções criminosas que “não aceitam homem que bate em mulher, viado, nem abusador”.
O tensionamento entre as trajetórias de vida de travestis e transsexuais e a prisão conduz ao objetivo de analisar as narrativas produzidas a partir da vivência de travestis e transsexuais em uma unidade prisional dita “GBT” e que acolhe “os vulneráveis”. A trajetória social de luta do movimento LGBTQI+, assim como a reivindicação de fala pelos “subalternos” propicia a constituição de novos espaços discursivos contra-hegemônicos e a exigência por direitos. O alcance das pautas LGBTQI+ deve chegar aos espaços que historicamente são menosprezados e que, como no caso da prisão, acentua estigma e subalternização. A produção de um conhecimento interseccional torna-se imprescindível para articular experiências e complexificar a discussão sobre os mecanismos de opressão. Esse empreendimento será possível por meio da tessitura etnográfica da análise de narrativas e trajetórias de vida, que apresentam particularidades de experiências, ao mesmo tempo em que narram a trajetória social de um grupo, dessa forma tocam a curva de discursos mais amplos.
O corpo de travestis e transexuais em sua trajetória de vida é reconhecido como abjeto na medida que transforma-se configurando uma identidade feminina. A exclusão do corpo abjeto se dá em todas as instâncias de acesso à cidadania, na saúde a impossibilidade de um corpo “em devir” marginaliza o cuidado e potencializa a exclusão. Na prisão toda essa situação é complexificada e ganha contorno específico com relação ao acesso à saúde e o cuidado com o corpo, entretanto uma ‘Unidade Prisional GBT” revela diferentes meandros.
Partindo disso, minha hipótese é que as trajetórias revelam que o preconceito e a transfobia encurtam as possibilidades de acesso à cidadania e a saúde o que marginaliza corpo e história de travestis e transsexuais. Ao mesmo tempo a existência de um lugar fruto de conquista “LGBT” e a incorporação de conceitos como “transfobia” e “homofobia” aos discursos têm repercussão nas reivindicações e no autorreconhecimento como sujeito detentor de direitos.
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Um olhar acerca das relações eróticas de dominação e submissão no BDSM sob a perspectiva de gênero Autoria: Vera Lucia Marques da Silva Autoria: A partir da realização de uma netnografia, este artigo apresenta alguns elementos presentes no imaginário das relações eróticas de Dominação e Submissão, próprias da subcultura BDSM. BDSM é um acrônimo que deve ser lido em pares, ou seja, BD, se refere a jogos eróticos que envolvem Bondage e Disciplina; DS, jogos de Dominação e Submissão; e SM, jogos de Sadomasoquismo. O BDSM reúne, portanto, um conjunto de práticas sexuais dissidentes, nas quais o poder é erotizado. Blogs e sites relacionados ao BDSM foram acompanhados durante o work de campo, bem como as redes sociais Facebook e Fetlife. A este material, somam-se entrevistas de adeptos em outras mídias. Com isto, buscou-se examinar, de uma perspectiva de gênero, como as relações de Dominação e Submissão se configuram, no que se refere aos direitos, deveres e posturas adequadas, assim como os tipos ideais envolvidos. Percebeu-se um processo constante de reflexividade acerca de suas identidades, das normas e limites que regem os jogos eróticos. Para além de um mero papel sexual, os adeptos defendem que tanto a dominação quanto a submissão fazem parte de sua própria natureza, revelando um discurso essencializador e instaurando, o que afirmam ser uma orientação sexual. Tensões de gênero estão presentes entre os praticantes de BDSM e revelam o quanto no imaginário social a dominação está associada aos homens e a submissão às mulheres. Ainda que neste universo erótico o locus da dominação e o da submissão estejam abertos aos gêneros, conforme a suposta essência de cada um, a dominação feminina e a submissão masculina são ainda percebidas como transgressoras.
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“Aqui eu sou um cara normal” - narrativas sobre espera e acesso a direitos entre homens trans na Argentina Autoria: Camilo Albuquerque de Braz Autoria: Neste work, interpreto narrativas de homens trans a respeito do acesso ao acompanhamento médico especializado e da busca pela retificação de registros civis na Argentina, a partir de uma pesquisa de pós-doutorado realizada entre 2017 e 2018. A partir de uma breve contextualização do cenário argentino em termos dos direitos trans após a aprovação e regulamentação da Lei de Identidade de Gênero, apresento parte do material de campo produzido a partir de entrevistas semiestruturadas realizadas junto a homens trans argentinos e também brasileiros que vivem na Argentina. O texto busca trazer elementos empíricos para dar continuidade a reflexões que tenho levantado a respeito da espera como uma categoria analítica fundamental para interpretar as experiências trans, na atualidade.
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“Cidade pequena não dá pra travesti, é só fumo”: o ambiente urbano e a performatização da identidade travesti Autoria: Pedro Henrique Azevedo da Silva Paiva, Elcimar Dantas Pereira Autoria: Com expectativa de vida de 35 anos de idade, residindo no país com os maiores índices de mortes motivadas por transfobia no mundo e com a prostituição sendo a principal atividade remunerativa para cerca de 90% das travestis, estas performatizam suas identidades no território brasileiro. A partir da pesquisa de campo etnográfica realizada com quatro travestis entre julho de 2015 e setembro de 2017, nos moldes da antropologia social com base na observação participante, refletimos como o ambiente urbano influencia na performance identitária das travestis na cidade de Mossoró/RN. Tendo por base as concepções sociológicas de urbanidade (SIMMEL, 1967; WIRTH, 1967) atreladas à ideia de indiferença e de antipatia para/com o/a outro/a, de liberdade como essencial, de solidão e de um lugar cujos indivíduos são socialmente heterogêneos, bem como entendendo que é através das relações sociais do cotidiano que se faz a cidade estudada pela antropologia (AGIER, 2011), é que as travestis se situam e demarcam um território citadino cuja sua travestilidade é performatizada, ou seja, concomitantemente elas “se fazem” na e fazem a cidade, ocupam e constroem uma territorialidade ao mesmo tempo em que delineiam suas identidades. É no ambiente urbano que as travestis veem mais alternativas, através de uma gama de oportunidades mais ampla que a cidade propicia, de construírem seus corpos, suas performances, seus deslocamentos, suas redes de sociabilidade com outras travestis e, sobretudo de conseguirem elencar/concretizar objetivos no plano das relações afetivas e da estabilidade financeira. A afirmação de Paola, uma das interlocutoras, quando diz que a “cidade pequena não dá pra travesti, é só fumo” (fumo, no pajubá, significa armadilha, uma cilada, é insistir em algo que não dar certo) fortalece intensamente a associação de travestilidade com a urbanidade e desse encontro germinam Projetos (VELHO, 1981) que intersecionam a prostituição e a afetividade, pois quando as travestis falam em oportunidades na cidade diz respeito principalmente ao work e este é, no caso delas, atrelado ainda veemente à prostituição, contudo, outros projetos surgem sob o prisma da inserção social das travestis na contemporaneidade, oportunizando outras mobilidades. As travestis significam e simbolizam a cidade - em seus lugares, fluxos e ritmos - enquanto localidade do urbano que territorialmente tem influência protuberante em suas performances. No entanto, é através da ideia de que há uma fluidez e descentramento da performance identitária travesti, que esta pode ser experienciada em qualquer localidade cujas pessoas reivindiquem tal identidade sem ter que corresponder a todo o conjunto de signos e símbolos sociais que essa performance pressupunha em territórios entendidos como hegemônicos.
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“t": o uso da testosterona na construção das transmasculinidades de jovens de Salvador Autoria: Maiara Diana Amaral Pereira Autoria: Para a realização dessa pesquisa busquei na antropologia feminista e de gênero um aporte teórico para a discussão e para o método escolhido: a etnografia. Segundo Alinne Bonneti (2006) a etnografia se torna importante para entender a relação de gênero, de acordo com um dado contexto e as diversas formas que essas relações podem ser vividas e resignificadas. Outro aspecto pelo qual a etnografia se torna fundamental é que se passa a pensar a relação de poder entre pesquisador e pesquisado.
Esse aspecto da etnografia abordado pela a autora foi muito importante para minha pesquisa, pois a partir do método etnográfico busquei perceber se durante a construção da transmasculinidade a partir do uso da testosterona há uma ressignificação da masculinidade, ou se mantem uma busca pela masculinidade hegemônica, isto é, se existem hierarquias de gênero no que diz respeito às transmasculinidades, e, a partir daí entender quais os “privilégios” e “impedimentos” que eu manteria como uma pesquisadora cisgênera com relação aos meus interlocutores transexuais, e qual o retorno que darei a eles.
A escolha da testosterona se deu porque além de ser o primeiro e mais recorrente meio biomédico de modificação corporal utilizado pelos homens trans, a “T”, como é chamada por eles aparece no discurso deles uma relação da hormonização com a construção de um corpo que os satisfaçam, como também com suas vivências da transmasculinidades.
Não negando as alterações biológicas e hormonais que são causadas nos corpos dos homens trans, procurei compreender qual o significado que os homens trans faziam dessas alterações para a construção das suas identidades de gênero.
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