Cinque Terre
GT 038. Famílias em perspectiva: filiação, parentalidades e outras formas de conectividade
Leandro de Oliveira (Universidade Federal de Minas Gerais) - Coordenador/a, Alessandra de Andrade Rinaldi (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) - Coordenador/a, Flávio Luiz Tarnovski (Universidade Federal de Mato Grosso) - Debatedor/a
Este GT é motivado pelo cenário contemporâneo de controvérsias públicas envolvendo família, gênero, sexualidades e direitos. O grupo discutirá a família enquanto modo de conectividade localizado (modulado por marcadores como geração, classe social, religião, etc) e enquanto símbolo político disputado. Abordaremos temas como conjugalidades, parentalidades, adoção e relações com a família de origem, examinando reconfigurações das conexões entre público e privado. A proposta é focalizar nexos entre cenários político-culturais, movimentos sociais, micropolíticas do cotidiano, interações e relações de poder em contextos plurais, com atenção a experiências relativas ao exercício parental entre sujeitos com diferentes orientações sexuais e identidades de gênero. Quais são os percursos trilhados por casais (ou por pessoas fora de parceria conjugal) ao construir a filiação como projeto (ou ao rejeitar e/ou abdicar de filhos preteridos)? Como operam as formas de parentalidade exercidas por pessoas LGBT e sobre pessoas LGBT? De que forma discursos científicos, jurídicos e políticos têm abordado estes temas? Serão acolhidos estudos que abordem: conflitos, manutenção de laços e discursos sobre emoção no cotidiano da casa e dos grupos domésticos; usos políticos da noção de família, moralidades e a produção de discursos de verdade; produção e ruptura de laços no âmbito das práticas jurídicas; enlaces entre família, direitos sexuais e laicidade do Estado.
Resumos submetidos
A casa que acolhe: etnografia de uma casa de acolhimentos para pessoas LGBT’s
Autoria: Jesser Rodolfo de Oliveira Ramos
Autoria:

Neste paper pretendo descrever as relacionalidades que são estabelecidas entre os moradores e moradoras da Casa 1. A Casa 1, objeto da minha pesquisa de mestrado que se iniciou em março desse ano, é um centro cultural e uma república de acolhimento que ajuda pessoas LGBTs expulsas de casa por suas famílias devido às suas orientações sexuais e suas identidades de gênero. O acolhimento dessas pessoas na república ocorre por 4 meses e tem como objetivo atender e assistir seus moradores e suas moradoras. Além disso, no centro cultural são realizadas atividades educacionais, culturais e educacionais para os moradores e moradoras da república e para pessoas que frequentam a Casa 1. O objetivo da Casa é construir um “espaço seguro para as pessoas LGBTs acolhidas e para todas as pessoas - de grupos raciais, de classe, de faixa etária e de origem distintas - que frequentam o centro cultural” para, assim, promover “a potência e a riqueza dessas experiências e trocas”. Trata-se de um “projeto orgânico que se modifica de acordo com a necessidade e a diversidade dos seus públicos”. Segundo me disse um dos organizadores, além de ser um espaço que acolhe pessoas LGBTs, a Casa 1 busca construir um espaço coletivo e político. Nesse sentido, pode-se dizer, que a Casa 1 é um lugar, como aponta (Carsten e Hugh-Jones, 1995), onde a vida se desdobra, se modifica e se move. Todas as dinâmicas e os movimentos que ocorrem nos espaços da Casa 1 podem estabelecer múltiplas formas de relacionalidades (Carsten, 2000) entre seus habitantes. De acordo com seus organizadores, o ato de acolher é “mais que oferecer um teto, é também apresentar oportunidades, trazer perspectivas e socializar”. Dessa forma, a Casa 1 é um lugar que pode evocar e mobilizar as discussões antropológicas de casa como um lugar que movimenta processos vitais, um lugar que faz política e um lugar que se relaciona com o mundo. A partir disso, uma das questões que passou a guiar minha pesquisa foi atentar para que dinâmicas e processos compõem a Casa 1 em meio às múltiplas formas de relacionalidades que são construídas entre a Casa 1 e seus habitantes, sejam eles os moradores da república de acolhimento ou as pessoas que frequentam o centro cultural. Neste paper especificamente, pretendo mostrar os arranjos associativos particulares que são produzidos pelos moradores e moradoras da república e, assim, descrever como esses arranjos articulam uma noção de casa específica nesse espaço doméstico.

A “Tradicional Família Militar” no Brasil: permanências e transformações
Autoria: Celso Correa Pinto de Castro
Autoria:

O objetivo da apresentação é discutir um tema ainda pouco explorado em pesquisas acadêmicas, apesar da importância que se reveste para a instituição militar: a “família militar”, uma categoria nativa fundamental para a construção da identidade militar. Embora esse modelo de família possa ser considerado como similar ao modelo “tradicional” da sociedade brasileira, temos aqui algumas características específicas. Por acompanharem as várias mudanças de cidade dos maridos, as esposas dos oficiais dificilmente podem ter um work autônomo. Além disso, passam a pertencer a um mundo social que se vê, em muitos aspectos, como simbolicamente apartado do que representam como sendo o “mundo civil”. Finalmente, a vida privada dessas mulheres quase sempre transcorre sob um onipresente olhar público institucional e do grupo, e reproduz em certa medida, entre elas, a hierarquia dos maridos. Apesar das permanências, contudo, alguns elementos apontam para transformações nesse cenário, decorrentes quer do contexto histórico e político, que afeta a interação com a “sociedade civil”, quer do efeito de mudanças societais, como a maior participação das mulheres no mercado de work, ou institucionais, como o ingresso de mulheres nas Forças Armadas. A apresentação estará baseada na análise de narrativas autobiográficas de um conjunto de 33 mulheres de militares, incluídas em três livros publicados entre 2008 e 2014. Essas narrativas permitem observar aspectos da vida militar a partir do ponto de vista de personagens cuja voz é muito pouco conhecida fora da caserna. Além disso, a apresentação também recorrerá a pesquisas empíricas consolidadas no livro “A família militar no Brasil”, publicado pela Editora FGV em abril de 2018.

Amigas, Mães e Esposas: Contexto familiar contemporâneo
Autoria: Josyanne Gomes Alencar
Autoria:

O artigo explora a relação familiar organizada por Claudia, Pâmela e Mateus – que é filho das duas. A família reside com a mãe de Claudia, em uma cidade da região Oeste Potiguar, localizada no estado do Rio Grande do Norte. O objetivo deste artigo é pensar como famílias compostas por duas mães vêm atualizando o repertório sobre contexto familiar em cidades de pequeno porte na região Nordeste do Brasil. A mãe de Claudia, embora more com ela e sua companheira há onze anos, demonstrou surpresa e espanto ao ser comunicada pela filha, de que receberiam em casa, a visita de uma pessoa da assistência social do município, para tratarem sobre a guarda de Mateus. A partir das narrativas sobre o que se apresenta nos interstícios do dito e do não dito, do que é visto e do é mostrado, veremos em que medida a literatura sobre lesbianidade nos ajuda a pensar esses silêncios construídos, enquanto aquilo que confere manutenção para as relações vivenciadas entre mulheres. Podemos notar como zonas de tensionamentos convergem entre si, de diferentes maneiras no século XXI, convivendo com os avanços em relação ao combate à discriminação e à extensão dos direitos civis, como o casamento e a adoção pela população LGBT.

As lutas de família no Brasil: sobre violência e reciprocidade, honra e vingança.
Autoria: Marcos Nogueira Milner
Autoria:

Ditados e expressões — “sangue do meu sangue”, “não se vende o sangue” — atribuem ao sangue não só o significado de parentesco, de pertencimento familiar, mas também elencam o tecido sanguíneo como sinônimo tanto de vida quanto de morte — “corre sangue em suas veias”, “o sangue foi derramado”; uma dívida de sangue, consequentemente, só pode ser equacionada também pelo derramamento sangue. Levando em consideração, portanto, o valor tradicionalmente atribuído ao sangue, a mera retenção do assassino sob a responsabilidade do Estado por um determinado período pode não ser considerada uma alternativa aceitável para a família da vítima; uma família tradicional, honrada, cobra todas as ofensas, a expiação violenta se faz necessária. Como o monopólio da punição é essencial para a manutenção de um regime democrático, existe um conflito evidente entre a impessoalidade contemporânea — o código penal, a ordem, as instituições constituídas e legalmente amparadas — e os elementos tradicionais, representados pela máxima da lei de talião, “olho por olho, dente por dente”, por exigências inatas à subjetividade familiar. Em outras palavras, parte-se do pressuposto que o Estado não é capaz de gerenciar satisfatoriamente conflitos que envolvam a honra familiar; neste sentido, a coexistência de vingança e justiça como elementos de punição continuam presentes na sociedade e na cultura brasileira como formas relevantes de punição. A proposta deste work é traçar um breve panorama, introdutório, sobre as vinditas, sobre as lutas entre famílias no Brasil, levando em consideração não só o aspecto histórico como a sobrevivência dos ciclos de contraprestações particulares em casos violentos até os dias atuais. Para tal, pretende-se tomar em conta a teoria antropológica disponível sobre a relação entre reciprocidade, honra e vingança, tal como aspectos trabalhados por autores do pensamento social brasileiro que tomam em consideração a relação da família com o todo, do privado com o público.

Conjugalidade lésbica em perspectiva: conflitos, violências e empoderamento.
Autoria: Paula Cristina de Almeida Silva
Autoria:

Este work traz análises preliminares e reflexões de uma pesquisa em desenvolvimento na cidade de Goiânia-GO, onde analiso experiências sobre conflitos e violências em contextos de conjugalidade lésbica,buscando compreender de forma mais ampla as interseccionalidades entre família, violência, gênero e sexualidade. Inicialmente apresento uma breve revisão bibliográfica sobre parentalidade, conjugalidade e violência conjugal entre mulheres lésbicas, com foco em etnografias que, de alguma forma, investigaram experiências conjugais e / ou parentalidades lésbicas. O objetivo maior deste estudo é analisar estratégias de transposição aos processos de violência nas práticas conjugais lésbicas, e compreender qual seu impacto no percurso de vida das mulheres interlocutoras desta pesquisa. Para tanto, realizo levantamento das narrativas de mulheres lésbicas que viveram relacionamentos por elas concebidos como violentos; e proponho uma análise para compreensão dos conflitos, das dinâmicas de estabelecimento da violência neste contexto, e dos elementos que motivam a manutenção ou rompimento dos laços familiares/conjugais entre mulheres. Por fim, busco compreender, também, como minhas interlocutoras constroem o sentido de violência. Até o presente momento desta pesquisa, um elemento que tem emergido das falas das interlocutoras é a revelação de suas fontes de forças através de redes de solidariedade (famílias do coração, HENNING, 2014) com amigas e outras mulheres .

Definições circunstanciais de família nos enunciados jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça
Autoria: Sara Regina Munhoz Tiberti
Autoria:

Proponho apresentar os resultados parciais de minha pesquisa a respeito das definições de família na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A partir da análise dos documentos produzidos e divulgados por este Tribunal, sugiro verificar de que maneiras, ou a partir do acionamento de que argumentos, têm sido definidos os parentes e os ex-parentes pelo STJ e, ainda, quais as consequências dessas definições no que são consideradas pelo entendimento jurídico as obrigações das famílias. Analiso os modos como, por exemplo, coabitação, afetividade, consanguinidade, afinidade são acionados e suas implicações na demarcação dos contornos do que é familiar. O caso específico dos divórcios e das dissoluções de união estável têm funcionado, nas últimas décadas, como um dos espaços de visibilidade das discussões que reformularam os modos de se encarar as famílias e que depreenderam novos tipos de conexões para defini-las. Eles demandam reflexões jurídicas a respeito das funções sociais dos pais, das divisões dos bens e patrimônios, das responsabilidades de parentes afins e consanguíneos. Os acórdãos redigidos e divulgados pelo STJ, permitem que relações interpessoais consideradas familiares recebam tratamento jurídico tanto na resolução de conflitos e nas determinações de direitos e obrigações, quanto nas descrições das normas de sucessão e partilhas de bens. Esses documentos, muito abreviados e dependentes de padrões estilísticos bastante rígidos, precisam dar conta de pacificar o entendimento do STJ a partir do confronto entre teses levantadas em casos concretos. Os enunciados ali assentados poderão ser selecionados e utilizados na composição de outras peças processuais e farão circular o entendimento do Tribunal, funcionando como precedentes em outras instâncias da justiça brasileira. Esses precedentes estabilizam, ainda que temporariamente, expectativas acerca dos contornos e das funções de família. Pela aproximação das recentes discussões da antropologia da família com os debates da antropologia dos documentos, descrevo as jurisprudências como um espaço de disputas enunciativas com efeitos de realidade bastante concretos. A partir do material já selecionado na pesquisa, work com a hipótese de que as jurisprudências são ferramentas na construção de significados fixados e compartilhados. Elas são produtoras dos objetos nelas debatidos, e não simples repositórios de fatos que lhes sejam anteriores e exteriores. Argumento, nesse sentido, que esses documentos jurídicos têm feito famílias nos momentos em que, ao se desfazer, elas se constroem em interpretações circunstanciais.

Família e Conectividade para jovens adolescentes de um abrigo em João Pessoa/Paraíba
Autoria: Fernanda Sattva de Espindola Brandão
Autoria:

O presente artigo tem como objetivo trazer notas etnográficas, relatos de campo e fazer algumas reflexões a partir da análise sobre família e parentesco no meu campo de pesquisa no curso de Mestrado em Antropologia na Universidade Federal da Paraíba. Este campo, ainda em andamento, se situa num abrigo, ou instituição de acolhimento, não-governamental no município de João Pessoa, Paraíba. Acolhe jovens adolescentes do sexo feminino, e atua de acordo com a legislação do Estatuto da Criança e do Adolescente, executada e fiscalizada pelo sistema judiciário. A instituição de acolhimento carrega algumas particularidades que devem ser levadas em consideração diante do objetivo desde artigo, como: (1) trata-se de uma fundação criada e gerida por uma comunidade da igreja católica, que funciona num espaço físico voltado não só para o abrigamento, mas também para todas as atividades religiosas da fundação (missas, reuniões de missionários e eventos da igreja, por exemplo); (2) desta forma, as cuidadoras das jovens adolescentes são missionárias da comunidade, que se dedicam a cuidar dessas jovens adolescentes, morando no mesmo espaço que elas e; (3) o perfil acolhido nesse abrigo é o de jovens adolescentes, especialmente as que engravidaram, pois lá podem ficar abrigadas junto com seus filhos. Inseridas no contexto de acolhimento estatal, estão as interlocutoras da minha pesquisa: 13 jovens adolescentes entre 11 e 18 anos, cinco destas com filhos e filhas que se encontram abrigados com elas, todas com pelo menos 6 meses dentro da instituição. Para as análises em torno do tema família e conectividade (relatedness) me utilizo das elaborações de, principalmente, Janet Carsten e Marilyn Strathern sobre culturas de conectividade e Claudia Fonseca, tanto a respeito da atualidade da antropologia nos estudos sobre família e parentesco, quanto sobre as práticas jurídicas através de um olhar antropológico. A partir das análises, uma das questões mais importantes foi perceber que as jovens adolescentes encontram formas de transcender as questões com suas famílias de origem, seja planejando suas próprias famílias para o futuro, através de casamento, seja encontrando novas configurações familiares com seus padrinhos, madrinhas e com suas cuidadoras (pessoas adultas, mais velhas que elas) e até mesmo constituindo mães, filhas, irmãs e netas entre elas. Estas relações e como se configuram serão explanadas neste artigo.

Família no diálogo inter-societário: os Quilombolas
Autoria: Fernando Antonio Duarte Barros Junior
Autoria:

Este work é fruto de pesquisa entre a população do Coité, autodenominada quilombola. Iniciada no ano de 2012, buscamos compreender os processos de rearranjos das configurações familiais no decorrer dos cem anos de estabelecimento das primeiras famílias na localidade. O intuito em fazê-lo se relaciona com a possibilidade de compreender regras e a volatilidade de estruturas familiares nos vários momentos sociopolíticos e econômicos vividos. Ao passo em que historicamente ocupou os lugares mais inferiores da hierarquia local, entende-se a efetividade que mudanças dessa ordem podem gerar na população. É dessa ordem a opção por família enquanto marco metodológico e teórico para a etnografia. Entendendo a centralidade dessa instituição na elaboração de estratégias de manutenção material e cultural do grupo, família não apenas forma indivíduos, como também é formada a partir da interação dessas populações com outras. Isso se faz ainda mais notável quando temos em destaque o processo de inclusão coletiva no âmbito dos movimentos sociais e nos acordos e reordenamentos na ocasião da assumpção da identidade quilombola. Na mesma medida, foi possível compreender as interações das configurações familiares locais com o governo federal e seu (localmente) novo momento político, expresso por meio das políticas públicas, até então efetivas. A análise dos processos de estabelecimento das filiações, descendências, circulação de crianças e adultos - sublinhando-se gênero enquanto elemento central na decisão e qualificação das possibilidades individuais - evidencia a mudança das instituições familiais no decorrer da trajetória e constituição do povo quilombola de Santana do Coité. Nessa medida, é possível perceber a partir da micropolítica da constituição das famílias estruturando e reestruturando (in/ex)clusões, espaços, carências e possibilidades. Destarte, família se coloca enquanto elemento central também para a compreensão da territorialidade do povo e de relações políticas mais amplas, ao passo de “novas” políticas como “bolsa família”, e regularização fundiária e cadastramento das famílias por parte do INCRA, responsáveis por incluir o grupo social no contexto do Estado-Nação Moderno. Ou seja, num contexto de família nuclear contemporânea, algo nunca antes experimentado na localidade. Logo, podemos sublinhar a redefinição as relações de gênero, e os novos anseios e possibilidades matrimoniais, como expressão das possibilidades dos subgrupos e tipos sociais do Coité.

Família, religião e o processo de se assumir e aceitação entre jovens de uma Igreja Inclusiva de Manaus
Autoria: Isabelle Brambilla Honorato, Fátima Weiss de Jesus
Autoria:

O objetivo do work proposto é discutir as articulações entre homossexualidade, religião, família e juventude, a partir de pesquisa etnográfica realizada com a Igreja Apostólica da Renovação Inclusiva (IARI), da cidade de Manaus. A IARI congrega pessoas, predominantemente jovens, não heterossexuais, advindas de famílias pertencentes a igrejas evangélicas tradicionais, que após o processo de se assumir como homossexuais foram desligados ou se desligaram de suas igrejas de origem, buscando uma reinterpretação de sua religiosidade na IARI, bem como a possibilidade de realização de sua sexualidade. Nessa perspectiva, discutem-se as negociações da aceitação familiar em meio ao processo de se assumir que, frequentemente, gera um rompimento que aparta os sujeitos de suas famílias e de sua religião de origem.

Famílias homoparentais no Brasil contemporâneo: estudo das relações entre conjugalidade, parentalidade e filiação
Autoria: Flávio Luiz Tarnovski
Autoria:

O estudo das famílias formadas por homens e mulheres que se reconhecem como gays e lésbicas permitiu o desenvolvimento de novas linhas de pesquisa sobre as interfaces entre sexualidade, gênero e parentesco. Ao dissociarem sexualidade, procriação, conjugalidade, parentalidade e filiação, as diversas configurações familiares homoparentais permitem iluminar as conexões simbólicas que sustentam modelos ideais de família, além de atuarem como reveladoras das tensões que envolvem as transformações contemporâneas no campo das relações de parentesco. A partir de dados quantitativos e qualitativos de uma pesquisa sobre a diversidade de famílias formadas por lésbicas, gays e transgêneros no Brasil, esta comunicação apresentará análises sobre as articulações entre arranjos conjugais, modos de acesso à parentalidade, organização doméstica e estabelecimento das relações de parentesco. Em especial, pretende-se refletir sobre o contexto social das escolhas realizadas para se ter filhos e os seus efeitos nos modos de relacionamento com as famílias de origem.

Famílias, educação e trajetórias: a construção do pertencimento de classe dentre homens e mulheres negros nas camadas médias cariocas
Autoria: Guilherme Nogueira de Souza
Autoria:

O objetivo do presente work é analisar como que um grupo duplamente minoritário elabora seu pertencimento no mundo. Assentado numa perspectiva interseccional (HIRATA, 2014), pretende-se analisar a maneira como homens e mulheres negros vivenciam cotidianamente o fato de estarem nas camadas médias cariocas tendo em perspectiva o inevitável diálogo com uma gramática racial, assentada no nosso sistema de classificação racial (SOUZA, 2008; 2012), própria da ordem social de origem colonial que marca as relações de cor e perspectivas de pertencimento de classe na contemporaneidade brasileira. Para tanto, o presente work pretende analisar as trajetórias que estes homens e mulheres cumpriram para alcançarem ou reproduzirem sua posição social neste estrato. O artigo que se segue é fruto do work de campo realizado com profissionais de camadas médias, homens e mulheres, classificados como pretos e pardos. Ao total foram realizadas oito entrevistas em profundidade, sendo quatro com mulheres e quatro com homens. Com este intuito, o presente work pretende analisar o material obtido no campo a respeito do tema família, educação e trajetória. O tema família está sendo analisado em duas perspectivas: na primeira, ao discutir família faz-se referência à relação entre os entrevistados e seus pais na construção do seu pertencimento de classe, assim como a relação destes com diferentes projetos de vida elaborados no interior das famílias que, ao serem cumpridos ou rechaçados, possibilitaram a constituição do sujeito; na segunda, faz-se referência à relação dos entrevistados e seus filhos, apontando uma certa inversão de papeis e para o caráter geracional nesta relação de produção de pertencimento de classe. Em ambos os casos, operamos com a perspectiva de “projeto vida” como fundamento da análise. Por “projeto” entendemos a construção racional visando fins particulares pré-estabelecidos. O ato de projetar está inserido no âmbito da racionalidade, mas não se pode, entretanto, ignorar o fato de quem projeta o faz informado por valores internalizados e visões de mundo particulares. Desta forma, o ato de projetar está sempre carregado da subjetividade do agente. E exatamente por isso projetar é algo do racional, mas não significa que esse racional se oponha ao emocional ou algo parecido (VELHO, 2004). Ao analisar a construção do pertencimento de classe deste grupo em particular, o conceito de projeto aponta para uma construção racional e relacional de inserção e/ou manutenção de posição de classe fortemente assentada no controle comportamental e no investimento em trajetórias escolares exitosas como estratégia familiar e individual diante dos limites da estrutura racial e de classe, assim como seus efeitos na ordem simbólica.

Imagos de Família: aproximações e distanciamentos entre homoconjugalidades e o modelo heterocêntrico
Autoria: José Eleonardo Tomé Braga Júnior, Paiva, Antonio Cristian Saraiva
Autoria:

Os primeiros grupos políticos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT) que surgiram no Brasil tinham como principal objetivo reunir homossexuais interessados em assumir sua orientação sexual, encontrar pares e afirmar sua homossexualidade. Através dessa autoafirmação, esses grupos promoviam uma politização dos membros e possibilitavam um espaço político de reivindicação coletiva (UZIEL et al, 2006). Uma vez conquistado o lugar de movimento social organizado, os grupos LGBT passaram a discutir e organizar demandas através dos Encontros Brasileiros de Homossexuais (EBHO). Já no 2º EBHO, em 1984, surge a pauta da legalização do “casamento gay” (FACCHINI, 2003). No Poder Legislativo, essa pauta surge por meio do Projeto de Lei 1151/95 que dispunha sobre o reconhecimento de uniões civis entre pessoas do mesmo sexo. Tal projeto motivou vários debates por meio de audiências públicas, com participação de diferentes seguimentos sociais (UZIEL, 1999). Em seguida, com o objetivo de não fazer menção ao desejo de formação de uma família homoafetiva, o projeto foi alterado de modo que tomou um caráter de parceria civil, discorrendo apenas sobre questões patrimoniais e previdenciárias. Mesmo assim não foi votado (UZIEL et al, 2006). Em 2015, foi aprovado o projeto de lei 6583/2013 que coloca em questão o conceito de unidade familiar ao criar o Estatuto da Família. A proposição delimita o núcleo familiar à união de um homem com uma mulher, por meio do casamento ou da união estável, e comunidade formada pelos pais e seus descendentes. Em maio de 2011, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), através do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, reconheceram a legalidade da união estável formada por casais do mesmo sexo, entendendo que constitucionalmente não fora coerente limitar este direito conforme o sexo dos cidadãos em questão. Em maio de 2013, sendo 15º país no mundo e o 3° na América Latina, o Brasil passou a legitimar o casamento entre pessoas do mesmo sexo por meio da resolução nº 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Atravessando essas controversas produções do estado brasileiro, nossa pesquisa procura investigar, a partir de narrativas biográficas (FERRAROTTI, 2013; BERTAUX, 2010; KOFES, 2001), que estratégias as pessoas que vivem a experiência da homoconjugalidade desenvolvem para negociar seu modo de vida com o Estado, a religião, o work, a comunidade onde residem e, ainda, com suas famílias de origem. Em especial, procuramos entender em que medida essas configurações se afastam ou se aproximam de um modelo estético preconcebido que convencionamos chamar de imago de família.

LOUCURA E MATERNIDADE SUBVERSIVA: uma análise dos processos de destituição do poder familiar de mulheres diagnosticadas com transtorno mental no Rio de Janeiro
Autoria: Iara Duque Soares
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A problemática central deste work está em identificar uma possível relação entre as opressões de gênero, o sofrimento mental e a raptura da maternidade de mulheres diagnosticadas com transtornos mentais pelo Poder Judiciário. A partir de uma análise de conteúdo dos processos de destituição do poder familiar que tramitam na cidade do Rio de Janeiro entre os anos de 2016 e 2018, pretende-se verificar como o Judiciário se apropria (ou não) dos instrumentos jurídicos formais que garantem o direito à singularidade da mulher em sofrimento mental – em especial a Constituição Federal de 1988, a legislação infraconstitucional desinstitucionalizante (Lei nº 10.216/2001), a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (internalizada pelo Decreto nº 6.949/2009) e, mais recentemente, a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015). Como resultado, a análise dos referidos processos demonstra, ao contrário, que a prática do Poder Judiciário reforça os processos de normalização e estigmatização das mulheres nas múltiplas opressões interseccionais do gênero, especialmente as de raça, classe social e capacitismo. Avaliações sobre temas como “histórico familiar”, “reputação moral” e “cuidado feminino” (especialmente relacionado ao uso de medicamentos, neste caso de mulheres diagnosticadas com transtornos mentais) são eleitos como contributos de uma “boa” maternidade e excluem toda a diversidade e multiplicidade de formas de existência (por si e em família) que comportamentos não estereotipados – aqui chamados de subversivos – podem conter. Diante disto é que afirmamos que a prática do Poder Judiciário, longe do que o mito da legalidade e da imparcialidade fazem crer, revela-se absolutamente política, moral e orientada pela manutenção e hegemonia dos privilégios (especialmente os patriarcais, capitalistas, racistas e normatizantes).

Nuevas familias: Dinámicas interculturales e interraciales en Santiago de Chile .
Autoria: Dra. Pamela Jorquera, Dra. Gloria Zavala V.
Autoria:

Chile ha sido, es y será un país de migraciones. Actualmente, se ha generado una gran discusión con respecto al tema, visto que la cantidad de migrantes ha aumentado de forma considerable, tanto de población regular como irregular. Se evidencia, desde el año 2010, un aumento de los permisos en las nacionalidades colombiana, venezolana y haitiana. Junto al aumento de la migración, también han crecido ideas erróneas sobre esa población. Éstas, muchas veces son hostiles y responsabilizan a la población inmigrante de algunos problemas sociales presentes en el país tales como; el desempleo, la falta de servicios, habiendo una tendencia a vincularla a la pobreza y a la delincuencia. Esto no corresponde a una discusión nueva y se relaciona con la construcción social del extranjero o de lo ajeno. El Estado chileno ha construido una identidad chilena que desmerece el valor de lo indígena o de lo considerado como bárbaro, buscando la constitución de una sociedad chilena civilizada. En ese contexto, se entiende la deseabilidad de aquel extranjero que represente aquellos valores, como los europeos u otros y la hostilidad hacia quienes ponen en riesgo los mismos, como puede ser la inmigración de determinados países. La construcción blanqueada del Estado nación chileno se ha estructurado en torno a la desigualdad, la que es evidenciada en el color de la piel y en el origen indígena de la alteridad. No obstante, la revisión de estas investigaciones evidencian una escasez de trabajos que profundicen en la discriminación racial en específico. Esto se debe, según Viveros (2009), a la existencia de una hegemonía de un discurso racial que promueve una blanquitud que no es pensada en tanto raza, sino a partir de la ausencia de ella. En este sentido señala Tijoux (s/f) se produce una deshumanización del cuerpo del migrante, como un cuerpo susceptible de extraer trabajo, depredar o incluso aniquilar (pág, 1). Tal como menciona Stefony (2017, pág. 119), es posible pensar la alteridad como un potencial subversivo, ya que tensiona las certezas y ayuda a redefinir los contornos y los fundamentos de la construcción del Estado-nación en un contexto contemporáneo. La presente investigación intenta tratar las fronteras corporales como un potencial, donde pueden estar construyéndose nuevas formas de aproximación o comprensión entre lo propio y ajeno. Se ha planteado un estudio exploratorio que observe las dinámicas específicas entre las "nuevas familias" (interracial) y sus relaciones con el resto de la sociedad a a fin de identificar espacios de inclusiones y exclusiones cotidianas y las agencias que generan en ellas. En dicho contexto, esta ponencia mostrará y problematizará los primeros resultados de esta investigación, presentando los avances del trabajo con las familias.

O tempo do mutirão: algumas reflexões sobre sentidos e arranjos de família e casa
Autoria: Carlos Roberto Filadelfo de Aquino
Autoria:

Este artigo tem como foco etnográfico a análise de narrativas de famílias pertencentes a um movimento de luta por moradia: o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra Leste I. Esse movimento historicamente organizou e mobilizou famílias em condições precárias de habitação na zona leste da cidade de São Paulo na “luta” pelo sonho da casa própria. Obteve atendimento para famílias militantes via mutirão autogestionário, mecanismo de construção de empreendimentos habitacionais que conta com a mão de obra das próprias famílias no controle e execução das obras, com recursos municipais, estaduais e federais. “Família” é um termo constante e fundamental para a Leste I. De maneira geral, “famílias” é utilizado para se referir genericamente à base social e política do movimento, que nele ingressam visando obter casa própria. Paralelamente, os empreendimentos e unidades habitacionais obtidos costumam ser nomeados “conquistas”. Cada “conquista” costuma ser definida pelo número de unidades habitacionais ou de “famílias” atendidas, tornando, nesse plano específico, “casa” e “família” sinônimos. Por outro lado, pude constatar etnograficamente enormes variações a essa sobreposição entre casa e família ocorridas durante todo o processo dos mutirões. Nesse sentido, há uma marcação temporal por parte dos mutirantes do período de duração do mutirão, desde o alcance da pontuação necessária e a decisão em de fato integrar uma “demanda” específica, passando por todo o processo de obra e chegando à mudança para a nova casa. A esse período poderíamos chamar de ‘tempo do mutirão’. O tempo do mutirão pode ser definido a partir de algumas características: a demora do atendimento, o sofrimento, conflitos e solidariedades intrafamiliares e a série de atributos e reputações, pessoais e coletivos, necessários para a luta e a permanência no mutirão. Durante esse processo, o termo “família” adquire uma multiplicidade de sentidos e de usos. Ele corresponde a uma série de unidades, situacional e processualmente apreensíveis, mas cujas fronteiras raramente são discerníveis. Portanto, foi possível perceber que família, mas do que um termo polissêmico que é continuamente ressemantizado, corresponde também a arranjos concretos que estão em contínua mudança, que nunca são estanques e estáveis, ou seja, há também uma acentuada mutabilidade morfológica de família. Com efeito, este artigo pretende discutir as inter-relações entre os termos “família” e “casa” a partir de narrativas de mutirantes da Leste I, sobre seus arranjos familiares e domésticos durante o mutirão e depois do atendimento habitacional a fim de realizar algumas reflexões sobre as relações entre Estado e movimentos de moradia no atendimento habitacional a essas famílias.

Quando a família não é da família? reflexões sobre parentesco por afinidade nas relações contemporâneas
Autoria: Sílvia Monnerat Barbosa
Autoria:

Com base em pesquisas sobre relações familiares desenvolvidas na última década (tendo como foco instituições psiquiátricas e militares), esta comunicação tem como objetivo analisar o peso que determinadas instituições, consideradas como totais por Goffman, assumem para os indivíduos que dela fazem parte, notadamente no que diz respeito ao pertencimento social e a construção da ideia de família. Considerando a restrita circulação por outras redes e o afastamento de suas famílias de origem, observou-se que meus interlocutores tendem a enfatizar os laços sociais desenvolvidos dentro da instituição, levando-os a caracterizar pessoas dessa rede como pessoas da família. Assim, o parentesco por afinidade será discutido como categoria de análise para o estabelecimento da noção de parentesco entre meus interlocutores de pesquisa.

Sofrimento, homossexualidade e família: um estudo com estudantes universitários da UFRB
Autoria: Thiago Barcelos Soliva, Marcus Vinícius Silva Santiago Silva Marcos Vinicius Nery Damasceno
Autoria:

Este estudo se ocupa da relação entre homossexualidade, sofrimento e relações familiares. Buscamos analisar a produção de narrativas sobre sofrimento psíquico relacionados à gestão da homossexualidade na trajetória de vida de jovens estudantes universitários da UFRB, universidade presente na região do Recôncavo da Bahia. O foco analítico recaiu sobre as relações familiares e a forma como esses jovens manejam seus projetos de vida em meio a dinâmicas de violência e tentativas de silenciamento de suas sexualidades. Os dados produzidos para a construção deste work foram obtidos por meio de entrevistas em profundidade realizadas com jovens de 18 a 24 anos, que se autoidentificam como gays, e são estudantes do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, localizado no município baiano de Santo Antônio de Jesus.

Um impacto na Unidade Materno Infantil - RJ: Maternidade no cárcere ou prisão domiciliar para mães-presas preventivas?
Autoria: Letícia Mara Sales
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Ao estudar maternidade no cárcere a partir de pesquisa etnográfica feita na Unidade Materno Infantil, Penitenciária Talavera Bruce, me deparei com uma instituição que recebe as presas de todo o estado do Rio de Janeiro que se encontram grávidas, de maneira que, após o parto sejam para lá conduzidas. Mesmo que lembre uma creche, não faz o papel da mesma, portanto, dado os seis meses de vida dos bebês, estes são desligados das mães/presas e podem ter três destinos: ficar com a família extensa (avós maternos, paternos e tios, tanto da mãe quanto do pai), ir para as casas de acolhimento ou para "Família Acolhedora”, ou em último caso, ser encaminhados para a adoção (após processo de DPF da mulher/mãe presa). Ao longo deste percurso o objetivo era apreender as formas de gestão em relação a estas famílias. Dessa forma, visei analisar em campo o que as "internas" pensavam sobre suas penas, sobre a convivência com seus filhos dentro da unidade e sobre a separação com seu bebê, conhecida como “desligamento”. Ao final do campo, percebi que temos um Estado que busca vinculação entre mãe e filho, mas produz incessante violência na medida que os vínculos são rompidos. Para uma nova proposta a partir deste campo, o foco principal é repensar as múltiplas formas de violências, moralidades, enquadramentos, vulnerabilidades, vínculos e “(re)existências” em que essa díade está condicionada. E para isto pretendo entender de que forma a decisão do Supremo Tribunal Federal em fevereiro de 2018 sobre prisão domiciliar para essas mulheres impacta diretamente na unidade. A decisão deu início após o pedido de uma mulher presa em São Paulo que teve seu filho na prisão e ainda não tinha sentença definida. Segundo o STF esta lei está em vigor desde 2016 e determina que essas mulheres possam cumprir prisão domiciliar ao invés de ficarem esperando sentença nas penitenciárias. O habeas corpus coletivo não aplica a crimes de “grave ameaça” e crimes contra filhos ou situações julgada excepcionais e pode ser dado a mulheres presas que sejam gestantes, mães de crianças de zero a doze anos, ou de pessoas com deficiência, em todo território nacional. A prisão domiciliar dependia da interpretação do juiz caso a caso, e agora a intenção é de que haja um coletivo nos estudos de caso para que possa haver mais habeas corpus. Porém, as questões que ficam à minha pesquisa são: há políticas públicas suficientes para atender essas mães ao saírem da prisão (a maioria delas gestantes e lactantes)? A Unidade Materno Infantil que garante os direitos básicos dos bebês nos seis primeiros meses de vida, deixaria de existir? É justo que o habeas corpus coletivo seja dado a muitos casos parecidos sem conhecimento da situação da díade mãe-bebê?

“É como se fosse da família”: relações entre patroas e trabalhadoras domésticas remuneradas nas políticas afetivas e negociações familiares e trabalhistas cotidianas
Autoria: Thays Almeida Monticelli
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Ter uma trabalhadora doméstica remunerada que é “parte da família” já foi analisado como um fetiche por Kofes (2000), como uma forma de poder senhorial por Farias (1983), como formas simbólicas servilistas por Saffioti (1978), como forma de proteção e obediência por Graham (1992) e denunciada como uma prática abusiva pelas sindicalistas da categoria. Essa frase é uma constante nos estudos sobre o tema e por mais que ela já tenha sido demasiadamente problematizada, suas críticas vinculadas em diversas mídias, ainda foi possível escutá-la nas narrativas nas patroas entrevistadas na pesquisa de doutorado realizada em Curitiba (2013-2017). O anacronismo da frase “quase da família” nos desperta, por um lado, para um conservadorismo ao supor que as relações afetivas e de lealdade fizesse com que as diferenças de classe, étnico-raciais e as explorações derivadas de uma relação trabalhista pudessem “desaparecer”, ou ao menos, não fazer sentido frente a todo o afeto construído por anos, gerações entre a trabalhadora e a família empregadora e, por outro lado, nos faz questionar os pressupostos de intimidade que são construídos nessa relação, já que a trabalhadora acessa uma extensão simbólica do “eu” da patroa ao adentrar o campo “familiar”. (FESKI, 2000). O ato de cuidar, observar, dar atenção envolve muitas interações entre os sujeitos, o preparo dos alimentos, a atenção ao detalhe para agradar, o toque corporal, o abraço entre a criança e a trabalhadora doméstica remunerada, o chá servido na cama quando a patroa está doente, os medicamentos doados pela patroa quando a trabalhadora precisa, as compreensões de faltas e atrasos por motivos pessoais, moldam as percepções dos sujeitos frente ao contexto do work doméstico remunerado. No entanto, é preciso lembrar que essas interações afetivas estão inseridas em relações de poder. Se as trabalhadoras agenciam os afetos em prol de melhores condições de work, onde são respeitadas e não passam por determinados tipos de opressões, diferenciações e hierarquizações, as patroas entrevistadas ainda o veem como uma forma de estabelecer laços extremamente fortes, onde estes fazem mais sentido do que propriamente alguns direitos trabalhistas, configurando um quadro de obediência e servilismo. Nesse sentido, esse artigo tem por objetivo analisar as narrativas de empregadoras e trabalhadoras domésticas remuneradas perante a ideia do pertencimento e posicionamento familiar, compreendo as intimidades, os afetos, a nostalgia, as doações, apadrinhamentos, filhos de criação, direitos na rede de negociações cotidianas familiares, compreendendo assim toda uma gama de interações e desigualdades a partir do cuidado e de uma “cultura da domesticidade”.

“Não transicionamos sozinhos”: corpo, gênero e conectividade entre homens que engravidam
Autoria: Anne Alencar Monteiro
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“Você sabe né amigo? Que não transicionamos sozinhos. Nossa família também transiciona junto.” Essa foi uma frase que ouvi em campo enquanto dois homens trans conversavam sobre o fato da mãe de um deles ter “aceitado” sua condição de pessoa trans. Esse work de campo foi resultado da minha pesquisa de mestrado que buscou compreender, os sentidos, significados e relacionalidades sociais produzidos a partir da gravidez gerada em corpos transmasculinos, seguindo a trilha aberta pelas antropólogas da abordagem conhecida como novo parentesco (FONSECA, 2003). Para tal, se tornou necessário explorar a formação da identidade de sexo/gênero, já que a experiência da gravidez gerada em corpos transmasculinos, bem como as relacionalidades que a contorna, é marcada fortemente pelos processos identitários e pelas modificações corporais decorrentes do processo de transição. Utilizei três estratégias metodológicas entrevistas semiestruturadas; observação participante em espaços de convivência de homens trans em Salvador/BA; e exploração na internet. Trago aqui reflexões sobre a relação entre as transformações corporais resultantes do processo de “transição de gênero” entre homens trans e as pessoas que são consideradas por eles como parte da família. Argumento que tais transformações não são vivenciadas sozinhas. Nesse sentido, a transgeneridade aqui não aparece como um fenômeno desassociado da relação com outros, ou seja, há uma participação dos familiares no processo de transição. Assim, os processos corporais não são desassociados das relações com os outros. Isto não é exclusivo das experiências e vivencias trans, mas é pertinente pontuar para não pensarmos na transgeneridade como um processo somente individual, subjetivo e egocêntrico. “Transicionar junto” significa dar um outro sentido ao corpo o que pode afetar outras pessoas tensionando as relações de parentesco. Nesse sentido, as relações de parentesco não são fixas e o corpo passa a ocupar um lugar central nessas relações.