GT 034. Estudos etnográficos no mundo dos psicoativos
Edward John Baptista das Neves MacRae (Universidade Federal da Bahia) - Coordenador/a, Regina de Paula Medeiros (Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais) - Coordenador/aNos últimos anos, o campo do estudo do uso de substâncias psicoativas, até recentemente apanágio quase exclusivo dos estudos em saúde ou direito, vem também se desenvolvendo de forma muito rápida na antropologia. A nova, mas não inédita, atenção dada aos seus aspectos culturais traz uma série de implicações teóricas, metodológicas, políticas e éticas. Destacam-se aí conflitos entre abordagens teóricas baseadas no interacionismo simbólico e as norteadas pela teoria ator-rede e as questões metodológicas relacionadas a uma maior ou menor participação nas práticas pesquisadas e na militância de diferentes movimentos sociais. Surgem diversas indagações. Pode/ deve o pesquisador usar substâncias psicoativas em campo junto com seus interlocutores? Qual o lugar da autoetnografia? Tampouco podem ser deixadas de fora questões éticas relacionadas ao estudo de populações com práticas ilícitas ou socialmente estigmatizadas. Que proteção se oferece aos sujeitos da pesquisa? E aos pesquisadores? Pensando nestas, propõe-se um grupo de trabalho para refletir sobre instrumentos metodológicos-teóricos- éticos que possibilitam a compreensão dos contextos sociais onde pesquisadores investigam distintas práticas de uso de psicoativos, sejam eles lúdicos, espirituais ou terapêuticos possam trazer à discussão os vários dilemas encontrados em seus estudos.
Resumos submetidos |
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(Sobre)vivência no tráfico de drogas: Trajetórias de mulheres Autoria: Ivonete Pinheiro, Edna Ferreira Alencar Autoria: Nos últimos anos o aumento do número de mulheres envolvidas no tráfico de drogas tem apontado para questões relacionadas a marcadores de gênero, raça e classe social. Considerando isso, esse work analisa a trajetória de mulheres no tráfico de drogas partindo de duas premissas: a primeira que considera gênero, raça e classe como indissociáveis e a segunda que parte da problematização do pressuposto de que a presença de mulheres em atividades criminosas seria decorrente da imposição de seus companheiros afetivos sobre suas vidas. Buscamos através de suas narrativas conhecer como elas explicam/percebem sua atuação/inserção nesse tipo de atividade, e como os marcadores de gênero, raça e classe aparecem em suas falas – discriminadas como mulheres, negras e pobres -, na medida em que as atingem em conjunto com outros elementos, e configuram suas trajetórias de vida. Para viabilizar o estudo nos servimos da metodologia qualitativa baseada em entrevistas semiestruturadas com quatro mulheres que moravam na época no bairro da Sacramenta-Belém, que se envolveram em algum momento com tráfico de drogas, independente da função que desempenharam, para analisar como elas justificam suas escolhas e os motivos que as levaram a enveredar na “vida bandida”. As conclusões apontam para o modo como elas negociam com as expectativas sociais acerca do “ser mulher” que transparece principalmente quando se referem a maternidade e as justificativas sobre sua inserção em atividades ilícitas pautadas nos discursos sobre manutenção familiar.
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A medicalização dos sofrimentos sociais: Reflexos do período da internação compulsória para tratamento da hanseníase no Brasil Autoria: Thiago Pereira da Silva Flores Autoria: As análises que serão apresentadas nesse artigo é um recorte da dissertação do curso de mestrado em Ciências Sociais concluído em 2018 na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC Minas com o título “OS EQUÍVOCOS QUE SE REPETEM. Um estudo etnográfico sobre os efeitos da internação compulsória para tratamento da hanseníase e a legislação que determina a mesma medida para os usuários de crack”. Nosso objetivo foi aprofundar no estudo legislativo da internação compulsória para hanseníase e crack, destacando seus danos na construção social das identidades daqueles que passaram pelo isolamento compulsório.
No Brasil, até o ano de 1986, as pessoas com hanseníase eram obrigadas a viverem isoladas em Sanatórios e Colônias espalhadas pelo país. A política pública de internação compulsória para os acometidos pela hanseníase teve início com o decreto 16.300 de 1923, sendo substituído pela lei 610 de 1949 e revogada pela lei 5.511 de 1968. No entanto, na prática, as internações compulsórias continuaram acontecendo até o ano de 1986. Foram 18 anos de extensão da política pública higienista sem uma legislação que a permitisse. Desde 2007 o Estado brasileiro reconheceu como crime a internação compulsória das pessoas com hanseníase.
Neste artigo, serão apresentadas análises sobre a internação compulsória como política pública no Brasil. Estaremos centrados no instituto “internação compulsória” como consequência no uso de medicamentos destacando o papel da instituição como um lugar heterônimo de rotulação dos “doentes” e legislador sobre a vida dos sujeitos mesmo após décadas do fim da medida. Mesmo a internação compulsória para hanseníase ser considerada um equívoco de política pública no Brasil, na contra mão deste reconhecimento, vem crescendo a internação compulsória para as pessoas que fazem uso de crack, importante destacar que as internações atingiram e atingem diferentes públicos que possui em comum a classificação de grupos marginais.
Em síntese, a internação compulsória em locais hospitalares foi e continua sendo medida de saúde, utilizada pelos governos, cumprindo o papel de separar os sujeitos do convívio social, com a justificativa de tratamento de determinadas “doenças”. A etnografia realizada na antiga Colônia São Francisco de Assis localizada no município de Bambuí Minas Gerais, apontou que os moradores e seus familiares se identificam e são identificados externamente como “doentes”, “filho de doente”, “neto de doente”. O rótulo “doente” é um elemento essencial na construção da identidade dos moradores. Nas narrativas dos interlocutores dessa pesquisa, muitos foram os relatos de uso de medicação para aliviar a tristeza, ansiedade e depressão, as quais aprofundaremos no decorrer deste artigo.
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AS "DROGAS DA INTELIGÊNCIA": apropriações e subjetividades no uso de psicofármacos para potencializar o desempenho cognitivo Autoria: Igor Fidelis Maia, Rômulo da Nóbrega Evangelista Autoria: Esta pesquisa procura explorar e analisar as alterações subjetivas produzidas nos usuários de medicamentos psiquiátricos utilizados com a finalidade de aprimorar o desempenho cognitivo em atividades de estudo. Assim, pretende-se discutir como o uso dessas substâncias altera a autopercepção dos indivíduos que se engajam numa carreira (BECKER, 2008) que frequentemente resulta num consumo regular, atentando também para como é influenciada a relação que eles estabelecem com os controles sociais próprios ao setting (ZINBERG, 1984) em que estão inseridos. Denominadas popularmente como “drogas da inteligência”, são oficialmente indicadas para doenças como o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Narcolepsia , mas utilizadas de forma não prescrita para aumentar os rendimentos cognitivos. São usualmente consumidas com o intuito de potencializar o desempenho em atividades de leitura e escrita, geralmente entre universitários ou pessoas que estão buscando a aprovação em processos seletivos para cargos públicos. Essas substâncias, como a Ritalina e Modafinil, prometem a seus usuários estudar durante longas horas com concentração acentuada, facilitando atingir, dessa forma, um desempenho superior ao normal em provas, concursos, works acadêmicos, etc. A prática de utilizar esses medicamentos para estudar é relativamente comum nos EUA, porém, de acordo com dados coletados em pesquisas recentes (LAGE et al, 2015), estão sendo cada vez mais consumidas no Brasil. Porém, existem poucas pesquisas nas ciências humanas que tenham como objetivo elucidar o contexto cultural e subjetivo que envolve o consumo desses remédios. Para além das questões farmacológicas, os aspectos socioantropológicos podem contribuir para uma melhor compreensão de tal prática, considerando aspectos como as motivações individuais, a percepção dos usuários sobre esse cenário e o próprio contexto social marcado pelo desenvolvimento de sanções e rituais. O presente work é um recorte da pesquisa de doutorado em Ciências Sociais em andamento e tem como objetivo apresentar e discutir um caso de uso de psicoativos que desloca de forma inusitada a orientação médica do consumo de fármacos estimulantes. Através de relatos extraídos da aplicação de entrevistas semi-abertas com pessoas que se inserem nesses grupos, esse work tem como objetivo compreender como a experiência com as "drogas da inteligência" reatualiza a existência social de seus usuários. Como essa experiência produz subjetividade e qual o modo de vida que ela incita?
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Circuitos legalize: descrição e analise da categoria Autoria: Fabiano Cunha dos Santos Autoria: Este artigo foi resultado de uma pesquisa antropológica, entre os anos de 2012 a 2016, cujo escopo foi a análise do uso público e explícito de drogas em espaços de lazer em cidades contemporâneas. Desta forma, o recorte etnográfico buscou descrever a dinâmica do uso de substâncias lícitas e ilícitas nacidade, sendo o work de campo realizado de forma espontânea, e a escolha dos equipamentos urbanos feita mais aleatória possível, simulando a real interação entre os nativos e a cidade. Neste work, pretendo traçar algumas linhas gerais sobre as regras, controles, rituais, agenciamentos e outros elementos simbólicos específicos do fenômeno do uso de drogas contemporâneo. Os dados de campo demonstraram elementos simbólicos sobre o consumo entre grupos de usuários e como eles se comportam diante dos obstáculos para consumir as drogas ilícitas. A categoria legalize, portanto, guarda lacunas semânticas ainda não resolvidas. Como é possível o modelo político ser de criminalização de determinados circuitos legalize, apesar de também contribuir para a legitimação destas territorialidades? Porque há a prioridade em criminalizar os circuitos legalize mais vulneráveis? Os resultados apresentados demonstram a ineficácia do modelo proibicionista que não prima pela prevenção, mas sim pela simples repressão, acarretando em sérias consequências sociais.
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Controvérsias sobre a comoditização do Santo Daime na diáspora mundial da ayahuasca Autoria: Glauber Loures de Assis, Beatriz Cauiby Labate Autoria: Esta apresentação aborda as controvérsias em torno da comoditização do Santo Daime. A expansão global do Santo Daime é marcada por um processo fragmentado e pouco institucionalizado, onde as comunidade daimistas adotam diferentes estilos de manutenção de sua vida religiosa. A partir de nossa experiência de campo no Brasil, USA e Europa, fornecemos um relato etnográfico sobre variados modelos de organização das congregações daimistas ao redor do mundo. Categorizamos e analisamos suas políticas e estratégias de sobrevivência, incluindo: meios de acesso à ayahuasca (seja importando-a do Brasil ou de outro país, ou produzindo-a através do ritual do feitio); mensalidades e taxas de contribuição para participação nas cerimônias religiosas (tanto de membros filiados como de visitantes); o modus operandi das assim chamadas “comitivas” (grupos de experts brasileiros que viajam mundo afora periodicamente); o espaço litúrgico dos works religiosos (casa de membros da comunidade, salões alugados ou espaços privados construídos estritamente para tal). Argumentamos que há uma grande variação no interior da religião do Santo Daime, onde alguns grupos se estruturam no intuito de formarem comunidades auto-sustentáveis, enquanto outros se orientam para um modelo mais comercial e um formato de workshop. Exploramos aqui as controvérsias que existem dentro desse campo, como: o mito de origem do Mestre Irneu como curador que não pode ser pago; os primeiros seguidores do P. Sebastião que se opunham a institucionalização do CEFLURIS; os contrastes presentes nas interpretações da ayahuasca enquanto um sacramento ou com uma mercadoria. Observamos criticamente a visão ortodoxa que opõe religião a dinheiro, bem como as perspetivas nativas que falham em reconhecer os aspetos problemáticos no movimento de transformação do Daime e da expertise religiosa daimista em produtos a serem comercializados. Para tanto, levamos em conta tanto a necessidade de grupos amazônicos ribeirinhos e marginalizados em criar meios de vida alternativos, como também os impactos que o processo de comoditização do Santo Daime pode produzir no interior dessa religião.
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Cultura cannábica, fluxo de pessoas e políticas nacionais de drogas: migração, residência e turismo cannábico de brasileiros em Montevidéu, Uruguai Autoria: Filipe Augusto Couto Barbosa Autoria: Este work busca iluminar o fenômeno que tem intensificado o fluxo de brasileiros para o Uruguai desde a legalização da cannabis neste país, cujo marco é a Lei nº 19.172 de 10 de dezembro de 2013. Desde então, a regulamentação avançou com decretos dispondo sobre a lei trabalhista, o uso industrial e medicinal de cannabis, e com a criação de órgãos e agências reguladoras, despertando o interesse de pesquisadores das leis e políticas de drogas pelo mundo. Este fenômeno despertou também o interesse de brasileiros e, nos últimos 5 anos, esteve acompanhado de uma intensificação da residência e do turismo destes no Uruguai. Para compreender de forma abrangente tal fenômeno e identificar os perfis desses brasileiros, realizei uma pesquisa exploratória em diferentes níveis e meios: documental, com os textos legislativos sobre drogas nos dois países; bibliográfico, em diálogo com os pesquisadores dedicados ao tema; empírico, com work de campo realizado em Montevidéu, entre 1º e 10 de dezembro de 2017, e na internet, com foco nas mídias sociais de brasileiros e canais importantes para a cultura cannábica regional, observadas desde setembro de 2017. No campo, optei por realizar uma ‘participação observante’, assumindo a condição de brasileiro, estranhando e me familiarizando com o dia a dia na cidade, visitando locais emblemáticos, como o Museo del Cannabis e as grow shops e head shops (lojas de artigos de cultivo e consumo de cannabis, e da cultura cannábica em geral), e indo à Expocannabis Uruguai 2017, evento mais importante da indústria cannábica no país; onde ocorreram: conversas informais, coleta de materiais (objetos, informativos [flyers, revistas, livros...], fotografias e vídeos) e entrevistas com 20 brasileiros. Esta pesquisa exploratória mostrou uma diversidade de relações entre brasileiros, cultura cannábica e o Uruguai: de ativistas de coletivos pró cultura cannábica (como a Marcha da Maconha no Brasil) àqueles que se mudaram para o Uruguai no intuito de montar negócios cannábicos ou simplesmente para desfrutar de morar em um lugar onde não mais sofreriam repressão, de turistas bem informados e frequentes (que cogitam se mudar para o país) a turistas desinformados (que não conhecem a política de drogas uruguaia, que não prevê a compra de cannabis por estrangeiros não residentes). Estes brasileiros criam redes que vão do mercado negro (com cannabis ilegal) ao mercado cinza (a partir da comercialização ilegal de cannabis legal entre amigos e conhecidos, advinda de produção própria ou de clubes, ou de cota individual retirada em ponto de venda do governo), do “presente de amigo” (de um uruguaio ou brasileiro residente) à ‘residência’, que dá acesso ao direito de comprar ou produzir e os inclui na comunidade cannábica de brasileiros no Uruguai.
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Entre a mora e a rua: o visitante familiar. A relação entre a pesquisadora e os sujeitos da pesquisa na análise de crianças e adolescentes em contexto de rua usuárias de solventes no Rio de Janeiro e em São Paulo. Autoria: Danielle de Carvalho Vallim Autoria: O presente work analisa a multiplicidade de influências socioculturais envolvidas na relação entre sociedade, sujeito, contexto sociocultural, drogas, uso e abuso em crianças e adolescentes em contexto de rua no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Foi utilizado método qualitativo de pesquisa que reuniu a observação participante, diários de campo e história de vida. A observação participante é indicada para assinalar problemas ou impasses que necessitam ser analisados em maior detalhe e penetrar no mundo dos sujeitos da pesquisa, o que implica relação mais próxima entre o pesquisador e sujeito pesquisado no local onde o último está. Nesse processo, o pesquisador deve focar-se nos significados, visão de mundo e concepções ideacionais dos sujeitos. Faz-se necessário, neste percurso, tomar conhecimento sobre a linguagem e os padrões de comportamento do grupo analisado. Contudo, para que isso seja dado, é necessário que o pesquisador mergulhe na cultura analisada, mas fique atento para que não se permita converter para a cultura estudada o que afetaria o lugar do pesquisador que se torna um “viajante” (mas não um turista acidental), intermediário de passagem entre dois mundos, que constrói uma ponte entre dois mundos do qual, um ele pertence, e outro ele conhece. Com isso, ele traduz, interpreta e explica “o outro para o um”. Como o work em questão analisa crianças e adolescentes, sendo um grupo tão sensível, em contexto de rua e usuários de drogas, pretende-se abordar a relação entre pesquisador e sujeitos da pesquisa com todas suas nuances, dificuldades, práticas e acessos no processo de execução do campo.
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Hierarquias e consumo de cocaína: um estudo etnográfico em um bar da zona norte da cidade de Niterói - RJ Autoria: Victor Cesar Torres de Mello Rangel Autoria: O presente texto tem por objetivo discutir discursos e conhecimentos sobre o uso de cocaína a partir de consumidores da substância. De maneira mais específica, analiso como os próprios usuários de cocaína se classificam entre os tipos de consumidores e como também classificam os tipos de usos. Procuro demonstrar como as classificações hierárquicas estabelecidas pelos usuários muitas vezes não são baseadas em relação à substância em si, mas em justificações relacionadas a fatores socioculturais e econômicos, como exemplos. A honra aparece como uma categoria nativa também valorizada nesse contexto de consumo, do mesmo modo que algumas instituições sociais - como a família e o work. A pesquisa empírica foi confeccionada entre os anos de 2014 e 2017, durante meu período de doutoramento, em um bar situado em um dos bairros da região norte da cidade de Niterói – RJ. Junto ao universo de consumo, também realizei um work de campo com peritos da polícia civil e entrevistas com peritos da polícia federal que trabalham em laboratórios de análise de entorpecentes. Busco na tese, então, estabelecer algumas comparações entre esses distintos universos a partir do exame de três diferentes saberes: o nativo (consumidores), o tecnocientífico e o policial. Contudo, nesse presente texto me apoio somente na pesquisa com usuários realizada no bar. Este estabelecimento, portanto, reúne uma considerável quantidade de consumidores de cocaína e outras drogas, podendo ser caracterizado como um típico bar de subúrbio. Seus frequentadores vão desde vendedores de balas que trabalham em sinais de trânsito da região e moram em favelas próximas ao bar a comerciantes de classe média. A escolha desse bar justifica-se pelo fato de já frequentá-lo antes da pesquisa e conhecer os donos, funcionários e clientes, muitos destes usuários de cocaína, o que possibilitou realizar a pesquisa em um universo, por assim dizer, “familiar”. Contudo, uma faca de dois gumes: por um lado, era alguém conhecido e confiável, por outro, o exercício de estranhamento foi certamente bem mais espinhoso.
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La Abuela Julieta. Chamanismo contemporáneo en Huautla. Autoria: Gabriel Omar Alvarez Autoria: En este artículo analizamos el chamanismo contemporáneo en Huautla a partir del estudio de caso de la Abuela Julieta Casimiro, una de las más destacadas chjota-chjine de la ciudad, con la cual tuve la oportunidad de trabajar por más de siete meses durante el trabajo de campo. Nuestra presentación se desdoblará en tres secciones en las que presentamos datos de naturaleza diferente. En la primera sección presentamos una síntesis de la trayectoria de la Abuela Julieta. La segunda sección sistematiza informaciones que son fruto de la observación directa, de haber acompañado decenas de rituales con los niños santos y de haber participado como auxiliar en varias oportunidades. En la tercera sección abordo mi propio aprendizaje a lo largo de esta experiencia etnográfica, una etnografía a partir de los estados de conciencia en los rituales con “niños santos”.
In this article we analyze the contemporary shamanism in Huautla from the case study of the grandmother Julieta Casimiro, one of the most outstanding chjota-chjine of the city, with which I had the opportunity to work for more than seven months during the fieldwork. Our presentation will be divided into three sections in which we present data of a different nature. In the first section we present a synthesis of the trajectory of the Grandmother Julieta. The second section systematizes information that is the result of direct observation, of having accompanied dozens of rituals with the holy children and of having participated as an auxiliary in several opportunities. In the third section I approach my own learning throughout this ethnographic experience, an ethnography from states of consciousness in rituals with "holy children."
Este artigo analisa o xamanismo contemporâneo em Huautla baseado no estudo de caso da abuela Julieta Casimiro, uma das mais conhecidas chjota-chjine da cidade, com quem tive a oportunidade de trabalhar por mais de sete meses durante o work campo. Nossa apresentação será dividida em três seções que apresentam dados de natureza diferente. Na primeira seção, apresentamos um resumo da história da avó Julieta. A segunda seção sistematiza informações que resultam da observação direta, tendo acompanhado dezenas de rituais sagrados com “niños santos” e participado como assistente em algumas ocasiões. Na terceira seção me aproximo do meu próprio aprendizado ao longo desta experiência etnográfica, uma etnografia dos estados de consciência em rituais com "niños santos".
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O “Tráfico Simbólico” e as propostas de regulação não-proibicionistas para a produção, circulação, venda e consumo da Cannabis sativa L. Autoria: Marcos Alexandre Veríssimo da Silva Autoria: O objetivo da presente proposta é retomar a discussão sobre o conceito de “tráfico simbólico”, que procurei desenvolver em pesquisa de doutorado recentemente publicada sob o título de “Maconheiros, Fumons e Growers: um estudo comparativo sobre o consumo e o cultivo caseiro de canábis no Rio de Janeiro e em Buenos Aires”. Com base no contexto etnográfico em questão, defini ali “tráfico simbólico” como um conjunto de práticas e representações culturais, politicamente articuladas ou não, realizadas através de metáforas, paródias, filosofias, apropriações linguísticas imprecisas de idiomas estrangeiros e outros deslizes semânticos contidos nas ações e representações envolvendo o uso da planta Cannabis sativa L. (popularmente conhecida no Brasil como maconha) e seus derivados. Uma vez que a regulação de alinhamento proibicionista em relação a “drogas” no Brasil pôe na ilicitude os cultivos, mercados, consumos e sociabilidades da chamada “cultura canábica”, aqueles que a despeito da lei a esta resolvem aderir por motivos diversos, acabam por reinterpretar simbolicamente aquilo que fazem, em arranjos originais que demonstram ao olhar etnográfico, não meramente estratégias reativas ao controle legal, mas principalmente lógicas vivas e atuantes de produção e reprodução da cultura. Aí reside a justificativa desta proposta: contribuir para a atualização dos estudos sobre os processos de reprodução da chamada “cultura canábica” no Brasil, pondo em foco o caso do Rio de Janeiro. De que maneira o conceito de “tráfico simbólico” é pertinente para interpretar a descrição que é possível fazer daquilo que se convencionou chamar no contexto carioca de “cultura canábica” ? Desse modo, a metodologia empregada será de caráter etnográfico, a partir da interlocução com empreendedores e ativistas estabelecida por ocasião do work de campo do doutorado (2010-2013), e que depois teve sequência.
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Pode um estudo etnogáfico se realizar sem ética na pesquisa? Autoria: Jaína Linhares Alcantara Autoria: Há uma série de estudos realizados por cientistas sociais que levam em conta a noção de “pesquisas com seres humanos” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2004) na produção acadêmica implicada com uma ética em pesquisas sociais. Nestas pesquisas estão presentes um tipo de interação ao longo da pesquisa e posteriormente a sua realização resultando em dados publicados que implicam em levar em conta riscos e danos sob os quais tanto pesquisadores como interlocutores de pesquisa estão imersos naquele momento como estarão num futuro próximo. Muitas destas se realizaram a partir do interesse de pesquisa em populações estigmatizadas e operacionalizaram-se através uma lógica de trocas em campo mediada por discursos e forças que perpassaram desde anteparos de poder eminentes, evitar a truculência forças policiais, por ex., até retornos materiais. Para interlocutores, a interação na pesquisa vai desde o tempo investido na companhia de alguém com quem pode falar sobre algo que poucas pessoas se dispõem a conversar, passando pelo interesse em uma interação prazerosa onde ser ouvido e ter sua versão de histórias registradas em um work acadêmico faz algum sentido, ou ainda aquelas resultantes de retorno no trato das sociabilidades num cálculo não muito preciso onde “capital social e simbólico” (BOURDIEU, 1989) entram em jogo, até o lanche compartilhado no momento da conversa. Para alguns pesquisadores há uma expectativa de que a partir dos dados analisados novas perspectivas críticas se abram para compreensão de fenômenos ainda em disputas sobre como podem ser afirmados. Na perspectiva de pensar como pesquisas etnográficas realizadas no Brasil entre usuários de substâncias psicoativas – especialmente ilícitas – vêm trazendo resultados inovadores ao focar em três âmbitos na interação de sujeitos com as substâncias de uso, “self, setting e set” (ZINBERG, 1984) proponho apresentar uma revisão bibliográfica de works recentes destacados numa análise comparativa entre estes.
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Quando o psicanalista vai a rua: reflexões ética-metodológicas de uma etnografia com usuários de drogas em situação de rua Autoria: Gustavo Satler Cetlin Autoria: O artigo visa explorar os efeitos de formação, repercussões teóricas e controvérsias metodológicas produzidos pela pesquisa etnográfica quando conduzida pelo pesquisador de outra formação que não a antropologia; especificamente, quando um psicanalista trabalhador em uma instituição especializada no tratamento a usuários de drogas adentra o universo do consumo de substâncias psicoativas na população em situação de rua. Fruto da experiência do mestrado em Ciências Sociais, pretende-se discutir como a pesquisa de campo, ao situar o profissional fora de seu contexto institucional, ponto de ancoragem de discursos pré-estabelecidos dos quais se torna porta-voz e ao qual vê-se subordinado, permite a abertura do campo ético que coloca seu próprio fazer em questão, ao mesmo tempo em que opera o deslocamento das relações de poder que até então operavam no setting terapêutico. Especialmente no que toca os estudos sobre o uso de drogas, a etnografia se mostra como método privilegiado para acessar a particularidade cultural associada a essa prática no momento em que desmistifica a marginalidade que normalmente se atribui, no campo da saúde, ao consumo desregrado e compulsivo, artificialmente homogeneizado no conceito de dependência. Atravessados os desencontros e receios iniciais e uma vez desfeitas as precauções, a trajetória de pesquisa revela que o etnógrafo, tal qual o psicanalista, trabalha ciente de que suas referências pessoais (história, cultura, linguajar), entram em cena não como protagonistas, mas como elementos de um encontro que deve, sobremaneira, produzir algum esclarecimentos sobre a singularidade do modo de existência do outro. O Encontro etnográfico serve, nesse sentido, como conceito que aproxima a ética da antropologia e a ética da psicanálise e aponta para a possibilidade de uma interlocução que, nos estudos no mundo dos psicoativos, promove o debate sobre como o sujeito em situação de sofrimento social e psíquico deve ser abordado e como sua realidade deve ser compreendida. Depreende-se do esforço de diálogo entre os dois campo a produção de um conhecimento à altura da complexidade inerente ao tema. Defende-se, ao final, que mesmo advindas de diferentes fontes epistemológicas, os discursos psicanalítico e etnográficos podem se encontrar no entendimento de que são campos interdependentes.
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Quando seu work de campo é o work de campo dos outros: etnografia e outreach Autoria: Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues Autoria: O outreach (“alcançar aqueles que estão fora”, numa tradução livre) é um conjunto de abordagens que busca fornecer, através de um work (“de campo”, “de abordagem de rua” ou “de proximidade”), serviços ou assistência à população que, de outra forma, não teria acesso a eles. O emprego de suas técnicas e metodologias tem longa história tanto no campo sanitário quanto no do work social, especialmente no work preventivo realizado junto aos usuários de substâncias psicoativas. Privilegiando o contato direto com os usuários, seu ambiente, seus problemas, suas condições sociais, visando compreender seus estilos de vida e se valendo da experiência prática deles para poder elaborar ações e intervenções, esta abordagem tem diversos pontos em comum com o work de campo etnográfico realizado pelos antropólogos: encontrar as pessoas onde elas vivem, estabelecer contato, vínculos e relações de confiança, aprender seus códigos, suas lógicas, suas linguagens, suas normas coletivas, aprender o que pode ser dito ou não em determinado contexto, os significados das palavras, das ações e das práticas. No caso específico do work de outreach direcionado aos consumidores de psicoativos, a abordagem procura explorar, graças ao contato e à troca de saberes com os usuários, o surgimento de novas substâncias, de novos modos de consumo e as dinâmicas de assunção de risco em diferentes contextos e em populações específicas. Além disso, busca elaborar em conjunto e (idealmente) em pé de igualdade com os atendidos, as propostas de prevenção e redução de riscos. A partir do work de campo realizado pelo autor em instituições de prevenção de riscos e danos que utilizam técnicas e metodologias de outreach em Paris (FR) e São Paulo (BR), esta apresentação propõe relatar brevemente a história desta abordagem, descrever suas técnicas e metodologias, e repensar suas proximidades e distâncias com o fazer etnográfico.
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Xamanismo, Psicoativos e Metodologias Autoria: Myriam Martins Alvares Autoria: Essa proposta parte do campo das pesquisas em etnologia das Terras Baixas da América do Sul, campo no qual venho trabalhando e de onde sinto mais possibilidade de tentar contribuir, dado o meu pouco conhecimento do campo específico dos psicoativos. Gostaria aqui de refletir sobre as analogias entre esses dos campos, o xamanismo e os psicoativos, para além de suas relações inevitáveis enquanto tema, mas também como uma possibilidade propriamente metodológica ao tratar da multiplicidade das experiências visionárias, dentro das quais a visão xamânica seria apenas um caso. Calavia Saez ao analisar o contexto da produção acerca do xamanismo ameríndio, afirma que se esse tem sido descrito como um modo de prover a saúde e a segurança, também pode significar formas de percorrer e ver o universo através de experiências da mesma ordem dos sonhos e de outras tantas modalidades de visões. As pesquisas têm concebido o termo “xamanismo” como uma estrutura básica do conhecimento e da prática, um modo nativo de descrição do universo que é adotado também pelos próprios pesquisadores. O xamã assimila visões e práticas de todas as fontes e o seu poder pode estar identificado exatamente na exterioridade de seus saberes e na sua inovação, como uma forma de aprendizado sem intermediários no mundo dos espíritos. A socialidade abrange também as relações entre seres humanos e o mundo dos espíritos, incluindo aí animais e plantas como os psicoativos – como artefatos ou como espíritos são eles próprios, xamãs. O xamanismo ainda fornece a estrutura para as metamorfoses dos processos de constituição e transformação do corpo e da pessoa e garante o acesso a outros mundos compostos por regimes subjetivos.
As "tradições xamânicas" podem então ser concebidas como métodos ou como procedimentos epistemológicos. Polo de um contínuo cujo outro extremo estaria representado de um lado pelo positivismo, e de outro pelo relativismo ocidentais. O xamã um contra positivista e contra relativista percorre um mundo composto principalmente por sujeitos, dotados de agência e intenção (Viveiros de Castro) e age como um tradutor ou um diplomata entre essas diferenças (Carneiro da Cunha). Uma epistemologia que propõe um valor positivo a esse caráter transformacional das subjetividades como modalidades para a descrição xamânica, visionária ou etnográfica.
A arte é um dos campos privilegiado para a descrição do xamanismo e dessas experiências visionárias, como teorias nativas da figuração, da perspectiva ou da percepção. Há um número significativo de works que abordam as relações entre a obra plástica ou os cantos e danças que constituem o âmago do saber e da prática xamânica e que constituem também a forma narrativa desses sujeitos e de suas experiências visionárias.
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“A boca de fumo tem que ser tombada”: Etnografando e Construindo a Marcha das Favelas Pela Legalização no RJ Autoria: Monique Fernanda de Moura Prado Autoria: O artigo proposto, descreve a construção e realização da “Marcha das Favelas pela Legalização”, a primeira marcha antiproibicionista a ocorrer em uma favela dominada pelo tráfico de drogas, em junho de 2018 no Rio de Janeiro. Também irei expor as dificuldades metodológicas que encontrei durante a minha dupla função de pesquisadora e ativista, em um espaço de militância localizado dentro de um território, que é um dos principais alvos das políticas de segurança pública e de combate ao tráfico do estado. Tendo como foco norteador, a análise dos discursos de ativistas e pesquisadores “da pista”, que demandam e enfatizam a necessidade de uma “reparação histórica” para os moradores das favelas, vinculada a uma regulamentação da Maconha (e eventualmente de todas as drogas). Contrastando essas reinvindicações, com os discursos e demandas dos jovens ativistas “das favelas”. Que historicamente são os mais afetados pelas operações policiais, como demonstram estatísticas que revelam que os jovens negros periféricos, e moradores de favelas, são os que mais morrem de forma violenta no Brasil, principalmente em decorrência do que se convencionou chamar de “Guerra às Drogas”.
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“Tá na mente, senhor”: Uma descrição das práticas entre policiais e “maconheiros” no estado do Rio de Janeiro Autoria: Perla Alves Bento de Oliveira Costa, Yuri José de Paula Motta Autoria: Este artigo apresenta como proposta principal analisar, a partir da comparação por contraste, as perspectivas nativas que circundam policiais e usuários de maconha. Buscaremos discutir as práticas e estratégias que envolvem essas relações e como estas são construídas, o que será feito a partir da observação participante, considerando a posição e o papel social que desempenham os autores: uma policial militar e um usuário de maconha.
Portanto, o presente work propõe um diálogo entre os saberes práticos policiais associado aos dos usuários de drogas, ou vice-versa. Desta forma, pretendemos apresentar um work onde as práticas caracterizadas por um “currículo oculto” presente no cotidiano de ambos os atores se encontram nas perspectivas de pesquisadores nativos.
Para isso, essa análise será explicitada ressaltando que a cannabis também conhecida popularmente como maconha, foi proibida pioneiramente pelo Brasil em 1830 no estado no qual realizamos a pesquisa, Rio de Janeiro. Sendo assim, consideramos que a adaptação das práticas de uso dos usuários de maconha é reflexo do processo de formação dos policiais que não é pautada pela reflexividade e sim pela repressão legal, através de uma lógica onde a discricionariedade frente ao usuário com a droga, seja um atributo do poder de policia que decide quem será abordado ou não.
Cabe neste work apresentar as moralidades envolvidas no enlace policial e usuário de drogas pontuando seus saberes tácitos quando a ocorrência não termina na delegacia com o registro.
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