Cinque Terre
GT 030. Eleições e Política
Marcos Otavio Bezerra (Universidade Federal Fluminense) - Coordenador/a, Wilson José Ferreira de Oliveira (Universidade Federal de Sergipe) - Coordenador/a, Christine de Alencar Chaves (UnB) - Debatedor/a
O GT se propõe a receber trabalhos que abordem etnograficamente como sujeitos, famílias, grupos e coletividades se organizam, agem e pensam a política. As eleições aparecem como evento marcante para tomada de posição e organização de concepções sobre política e seu funcionamento. Seguindo possibilidades abertas por trabalhos do Núcleo de Antropologia da Política (NuAP), o período eleitoral é um momento profícuo para analisar como a política se relaciona com espaços da vida cotidiana, seja através do engajamento dos sujeitos nas disputas eleitorais ou definindo coletividades que, enquanto tais, as evitam. Simultaneamente, dimensões da vida cotidiana (como relações entre vizinhos e disputas entre famílias) são muitas vezes pensadas e elaboradas tal qual uma política, oferecendo igualmente, elementos que compõe o funcionamento mais geral da política. Cabe especialmente discutir os possíveis deslocamentos do processo eleitoral na conjuntura atual. O golpe de Estado e a crescente intervenção de decisões judiciais na definição de ocupantes de cargos públicos põe em cheque o significado usualmente atribuído às eleições. Trata-se também de uma disputa eleitoral onde se dão, simultaneamente, definições em relação a questões nacionais, polarização entre esquerda e direta, demarcação de posicionamentos em relação a temas cotidianos, padrões estéticos, corpos e identidades. Esse quadro abre um amplo espectro para (re)pensar e ampliar a reflexão da antropologia em relação à política.
Resumos submetidos
#Lulalivre: emoções, ritmo e estratégia em movimento
Autoria: João Vicente Marques Laguens
Autoria: O presente work pretende analisar alguns dos elementos envolvidos nos movimentos deflagrados contra a prisão do presidente Lula em 7 de abril de 2018. Para tanto, toma por base três conjuntos de informações etnográficas: 1)impressões e formas de engajamento de um grupo de militantes de São Bernado do Campo; 2) a organização e ações desenvolvidas no cotidiano da vigília Lulalivre, estabelecida em Curitiba, em frente ao prédio da polícia federal onde o ex-presidente está preso; e 3) conjunto de eventos e manifestações públicas divulgadas em redes sociais e sites de esquerda, incluindo festivais culturais, manifestações de artistas, ações da defesa, deliberações institucionais, resultados de pesquisas de opinião e ações do Partido dos Trabalhadores, que, em conjunto, marcam ritmos da mobilização e produzem os desdobramentos da campanha. O discurso feito por Lula no evento que antecedeu sua prisão teve enorme repercussão, tendo diversos de seus elementos relembrados pelos participantes nos três universos de mobilização analisados. Em São Bernardo, os militantes destacam o aprendizado adquirido em experiências vividas com o ex-presidente para orientar suas estratégias e tomadas de posição numa luta pela qual sentem-se responsáveis. Na Vigília, seguindo a forma enunciada por Lula, os participantes narram em suas falas elementos da própria biografia que os vinculam à trajetória do ex-presidente ou à ações dos governos petistas. A solidariedade ao ex-presidente e o desejo de retribuir o impacto da trajetória de Lula em sua própria vida compõe as explicações frequentes para seu engajamento na mobilização. A mobilização nesses dois universos é pontuada por uma série de eventos que produzem pontos de encontro, ondas de engajamento, reações e debates que comunicam-se intensamente com a campanha nacional, através de notícias, vídeos, mensagens de Whatsapp e redes sociais. Através da campanha assim desencadeada, a prisão do ex-presidente, ao invés de provocar seu isolamento, colocou-o como marcador central do ritmo de desenvolvimento da política nacional.
A participação dos índios guajajara nas eleições de 2018
Autoria: Florbela Almeida Ribeiro
Autoria: Pela primeira vez uma indígena é candidata a vice presidência da República. Da etnia Tenetehara, mais conhecida como Guajajara, denominação esta inclusive adotada como sobrenome pela também ativista nascida na Terra Indígena Araribóia, no estado do Maranhão. O discurso utilizado por ela durante a campanha política engloba as populações indígenas e suas demandas como um todo. Sônia Guajajara fala sobre a urgência das demarcações de terras, mas também fala sobre direitos humanos para outras minorias que não os indígenas, com intuito de angariar votos não só de “parentes” para sua chapa declaradamente de esquerda. Para além dessa candidatura ao cargo executivo, 2018 é marcado por forte participação indígena no pleito por vagas do legislativo. Candidaturas de variadas etnias a deputados e deputadas estaduais e federais foram registradas, em partidos de posições distintas, e esses políticos buscam votos indígenas e não indígenas. A participação do índio na “política dos brancos” é ainda discreta, mas está em uma crescente considerável no país. Contudo, será que a noção de representatividade apresentada pelos candidatos é incorporada pelos indígenas no momento de definirem seus votos? Outro elemento marcante dessa eleição é o uso de redes sociais no debate político. Em tempos de wifi nas aldeias, a comunicação via whatsapp é muito comum também entre os indígenas, que utilizam do recurso da criação de grupos para conversar com amigos e familiares próximos e distantes, dentro e fora da terra indígena. Nesses grupos os assuntos são variados, mas no período de campanha política a divulgação de preferências, a conversa sobre candidaturas se faz presente. A partir da etnografia com eleitores indígenas guajajaras da TI Cana Brava, do Maranhão, pretendo apresentar como o debate político foi realizado entre eles, virtual e presencialmente, sobre as candidaturas indígenas em contraposição às dos brancos candidatos em 2018. Como foi definida a escolha dos possíveis representantes, qual o peso da preferência dos caciques na decisão individual dos integrantes de cada aldeia, quais os arranjos entre famílias, lideranças e candidatos que influenciam o voto, como se deu a campanha no interior das aldeias, são questões observadas em campo que compõem uma percepção localizada que auxilia na compreensão do resultado final das urnas.
A prática escapa à regra? Um estudo sobre mídia, trajetória e política no cotidiano
Autoria: Alexandre Aparecido dos Santos
Autoria: Tendo em vista a centralidade que pode ser atribuída aos discursos midiáticos em relação às dinâmicas políticas de nossa contemporaneidade, assim como a especificidade que esta relação pode assumir em um ano eleitoral, este work apresenta uma análise sobre as relações entre os campos da mídia e o da política construída a partir de uma etnografia das práticas discursivas dos agentes que, enquanto eleitores e consumidores dos bens simbólicos produzidos pelos dispositivos do campo midiático nacional, conferem materialidade a estas relações. A ideia apresentada se justifica pelo grande número de works que, ao refletirem sobre a relação entre mídia e política, encaram de maneira uniforme os possíveis efeitos dos discursos midiáticos sobre seus consumidores, deixando assim de olhar para o ponto aqui proposto: o discurso político do eleitor. Por isso, nosso objetivo central é estabelecer uma reflexão sobre as possíveis disposições que podem estar presentes neste discurso, em um movimento que visa entender se as práticas políticas de eleitores que não dominam as regras de funcionamento do campo político nacional escapariam ou não às agendas políticas apresentadas pelos dispositivos do campo midiático. Neste sentido, apresentamos o momento inicial de nosso estudo etnográfico, construído a partir de um olhar relacional sobre as homologias contemporâneas entre poder e discurso, junto ao eleitorado do município de Américo Brasiliense – cidade localizada entre três importantes centros econômicos e políticos do interior paulista: Araraquara, São Carlos e Ribeirão Preto – apresentando a ideia de que, partindo das práticas políticas cotidianas e considerando as mediações entre os conteúdos midiáticos e as trajetórias de seus agentes consumidores, podemos encontrar um caminho possível para entender as distintas agencias dos eleitores, diante das relações estabelecidas entre o campo da mídia e o da política no país.
Eleições sob o olhar da Antropologia Política
Autoria: Irlys Alencar Firmo Barreira
Autoria: O work pretende fazer uma revisita nas produções da rede de investigação do NUAP, caracterizadas por uma abrangencia de situações pesquisadas, tendo como chave de leitura uma reflexão sobre as eleições, para cargos de representação política, observando formas de abordagem, aportes conceituais e empíricos. Tomará por referencia o material produzido por pesquisadores do NUAP publicado em livros, artigos e apresentação em congressos. A depender das possibilidades de acesso, a proposta incluirá algumas teses e dissertações que tiveram as eleições como referente de pesquisa, sob a abordagem da antropologia da política. O objetivo fundamental do work repousará sobre a montagem de um quadro das questões provenientes desses materiais, verificando achados etnográficos, problemáticas explícitas e implícitas e investimentos empíricos e analíticos. É importante ressaltar que o conjunto de works que enfocou as eleições incorporou questões empíricas bastante variadas. Essa perspectiva não é surpreendente, considerando-se que a própria noção etnográfica de política como atividade não separada da vida social, tornada mais visível em um tempo especifico, fez com que a produção de material sinalizasse múltiplos registros de pesquisa. Embora de natureza mais retrospectiva, o work pretende ainda verificar as contribuições e possibilidades do tratamento teórico e metodológico do Nuap para pensar o cenário eleitoral atual no Brasil.
Estado ou governo? O Ipea em período eleitoral
Autoria: Bruner Titonelli Nunes
Autoria:

“O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é uma instituição de Estado, não de governo”. Essa frase resume o entendimento que vários Técnicos de Planejamento e Pesquisa (TPPs), a principal categoria de work da instituição, têm sobre o instituto. Entretanto, as fronteiras entre as práticas classificadas como de Estado (promovidas por instituições neutras e perenes) ou de governo (parciais e vinculadas diretamente ao chefe do executivo) são negociadas constantemente. Apesar dessa definição ser clara enquanto uma interpretação consciente da instituição, os works produzidos pelos TPPs podem ora ser classificados (positivamente) como próprios de Estado ou (negativamente) como próprios de governo. Essas diferentes interpretações estão em disputa e podem ser encontradas em matérias jornalísticas, em declarações de políticos do cenário nacional ou mesmo pelos próprios TPPs. O ponto de partida do work é um caso em que um TPP sentiu-se constrangido a não publicar um texto durante o período eleitoral de 2014. Esse episódio resultou, inclusive, em um dos processos de impeachment abertos contra a ex-presidenta Dilma Rousseff. O objetivo desse work é olhar para o modo como os TPPs interpretam o Ipea a partir de aproximações e distanciamentos dessas categorias. Em meio às restrições eleitorais, as possíveis classificações de publicações como propaganda de governo ou não abrem espaço para dilemas vivenciados por pesquisadores de uma instituição sui generis.

Etnografia do Discurso: Rituais e Símbolos na Campanha Eleitoral para Governador do Estado do Mato Grosso do Sul em 2018
Autoria: Filipe Wisley de Matos Rosa
Autoria: A proposta que segue é fruto de uma iniciativa de pesquisa ainda em andamento, cujo objetivo é observar o processo de construção do discurso de candidatos concorrendo ao cargo de governador do Estado de Mato Grosso do Sul durante a campanha política do ano de 2018, através de uma abordagem antropológica e etnográfica, visando poder captar os fenômenos simbólicos e ritualísticos que permeiam este evento. Não sendo possível presenciar o andamento da campanha de todos os partidos, inicialmente o foco da observação se concentrará no desenvolvimento da campanha do atual governador, candidato a reeleição, Reinaldo Azambuja do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), sendo considerada observação da campanha dos demais partidos a título de comparação. Utilizar o discurso como objeto de investigação se justifica por ser este o meio através do qual se dá a conquista da confiança e do voto do eleitorado, bem como por ser através dele que se configuram as lógicas de reconhecimento entre partidos e eleitores. Parte das inquietações que levam a esta pesquisa decorrem da necessidade de se investigar os processos de articulação e interação no interior dos partidos, primeiro, dada a importância desta instituição para o cumprimento da democracia, depois, por ser comum na literatura a respeito da política analisar esta relação a partir dos eleitores, haja vista, a grande quantidade de escritos acerca da identificação e preferência partidária. Dada às impossibilidades de se percorrer todos os municípios do Estado, a cidade de Campo Grande foi escolhida para se observar o desenvolvimento das campanhas políticas, por este ser o maior reduto eleitoral do Estado de Mato Grosso do Sul, concentrado 591.374 dos eleitores, o que representa um terço do total de 1.877.982 eleitores do Estado. Acredita-se, portanto, que boa parte das reuniões, convenções, passeatas e comícios ocorrerão nos limites da capital. A instabilidade política crescente desde o impeachment da ex-presidente Dilma Roussef do Partido dos Trabalhadores em agosto de 2016 reverbera por todo o país e influencia a dinâmica da disputa eleitoral no interior dos Estados. Somado a isso, as mudanças na lei de Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), que regulamenta a distribuição de recursos (Lei 13.488/2017), inserem a atual conjuntura política e eleitoral em um contexto atípico fazendo dessas eleições um momento especialmente favoráveis à observação e análise.
Facções militares e disputas pela representação política no Ceará
Autoria: Antonio Sabino da Silva Neto, Leonardo Damasceno de Sá
Autoria:

Este work tem por objetivo analisar os engendramentos e reorganizações nas facções políticas cearenses durante os anos de 2010 e de 2018 no estado do Ceará, tendo como prisma central para esta análise as práticas dos policiais militares candidatos e de seus apoiadores. No decorrer de quase uma década, realizamos entrevistas com candidatos e suas equipes, incursões em comícios, passeatas e atividades de campanha de policiais militares. Lideranças, a exemplo do capitão Wagner de Sousa e do cabo Flávio Sabino, deflagraram várias lutas discursivas e disputas morais pela consolidação de um capital político alicerçado num discurso “em defesa dos trabalhadores da segurança pública” e posteriormente por “mais segurança”, em detrimento da facção liderada por Ciro e Cid Ferreira Gomes. A costura destas demandas foi iniciada com uma greve geral da PM cearense no ano de 2011, ocasionando uma paralização de vários serviços públicos e privados no estado por seis dias. A referida paralisação teve como mote a demanda por consideração e por reconhecimento de cidadania e direitos dos policiais militares do Ceará. A partir deste cenário, as lideranças grevistas galgaram notoriedade social, conseguindo eleger capitão Wagner como o vereador mais votado em Fortaleza em 2012 e em 2014 como o deputado estadual mais votado do Ceará. Não obstante, ainda em 2014, cabo Sabino consegue uma vaga na Câmara Federal. Nesta eleição Wagner e Sabino intitularam-se a “dobradinha da segurança pública”, aproximando-se do senador Tasso Jereissati, notório político cearense, que se configurava até então como único contraponto a facção liderada por Ciro Gomes, seu antigo aliado. Em 2016 capitão Wagner, apoiado por Jereissati, concorre no segundo turno à prefeitura de Fortaleza, sendo derrotado por Roberto Cláudio, representante da facção liderada pelos Ferreira Gomes, contudo elege dois vereadores de seu grupo, um PM e um Policial Civil. Em 2018 surgem novas reconfigurações nas facções estaduais, apontando para mudanças de discursos dos candidatos, que se deslocaram do início da década quando a representação da categoria “trabalhadores da segurança pública”, para se adaptar a um discurso por “mais segurança no Ceará”, até interpelar nestas eleições pela “moralização” da sociedade cearense. A facção liderada pela “dobradinha da segurança pública” inicia uma ruptura pela disputa de votos, que só foi devidamente anunciada após a aproximação do pleito eleitoral, estando Cap. Wagner e Cb. Sabino como pré-candidatos a Câmara Federal, como também disputam a representação do eleitorado do presidenciável Jair Bolsonaro. Neste contexto, optamos por uma análise que visa entender como as facções, que não são permanentes, movimentam seus capitais para costurar a vitória na representação política.

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Autoria: Pâmella Synthia Santana Santos, Arthur Ives Nunes da Mota Lima Fagner dos Santos Bomfim
Autoria:

Este artigo tem como objetivo central analisar a relação entre política institucional e não institucional no que concerne ao cotidiano da política. Percebida enquanto um elemento não estático ou que não se configura meramente no ato do voto e no período eleitoral, a “política” pode também ser contemplada por uma visualização mais fluida, ou seja, em que se abarque as constantes relações de sociabilidade entre os indivíduos, em seus fluxos de trocas (sejam esses favores ou ajudas), ou ainda, na esfera de influência das redes de relações de base familiar enquanto quesito que respalda os indivíduos em disputa neste cenário. Dessa maneira, pretende-se entender a relação entre política profissional, a parentela e as redes de relações dentro e fora do “tempo da política”. Para tal, o objeto de estudo consiste no conjunto de vereadores de duas câmaras municipais do interior do Estado de Sergipe, uma situada no agreste, com 17 atores, e a outra encontra-se no leste sergipano, com 11 atores. Além disso, será verificada também a atuação desses vereadores enquanto cabos eleitorais em dois pleitos, de 2014 e 2018, sendo essas as eleições para o governo. A metodologia utilizada para dar conta desse estudo é a etnografia política, onde o acompanhamento através da observação participante é de fundamental importância, pois é por ela que será possível compreender a atuação profissional e a ativação das redes de relações, que contribui diretamente para o jogo político. Assim, partindo da perspectiva da Antropologia da Política, ver como a dinâmica eleitoral depende diretamente desse ator político, vereador/cabo eleitoral, que ocupa a posição mais baixa da hierarquia de cargos políticos, possibilita uma circulação maior das parentelas, além de ser peça chave para os grupos políticos. Além disso, partimos da premissa de que é necessária a compreensão da dinâmica política tendo o município como base para tal, visto que é nele que as relações se encontram mais próximas, tanto pela base eleitoral dos candidatos, como é o espaço de atuação do vereador/cabo eleitoral.

Os usos políticos do desenvolvimento no Brasil: crise e disputas antes das campanhas eleitorais de 2018
Autoria: Guilherme Radomsky
Autoria: Neste artigo examino eventos relacionados às eleições de 2018 no Brasil em sua fase pré-campanha observando como as disputas sobre as orientações na política econômica servem de apoio a candidaturas. O objetivo é demonstrar como o crescimento econômico do último ano tem sido discursivamente disputado e, mesmo inexpressivo, é ponto de conflito no período pré-eleitoral. Desenvolvimento, em um momento de tensão, pode significar muitas coisas e atua na política performatizando relações, sugerindo também sua possibilidade para encenações de poder por atores que perseguem visibilidade. Por se tratar de uma investigação sobre o panorama brasileiro e não localizado a um território específico no país, fiz a escolha de diversas fontes midiáticas para a análise, com foco para plataformas na web de conhecidos jornais do país e com a disputa do executivo federal em questão. São examinados depoimentos de pessoas do mundo político brasileiro em várias fontes e a opção pelo período pré-campanha objetivou entender o processo que aos poucos foi articulando pessoas, ideais, lemas, partidos e como o assunto ‘desenvolvimento’ também se aqueceu como tema de eleições. Atores do governo (federal) apostam em uma rede de relações discursivas em torno da “recuperação do crescimento”, com discursos que se pretendem ter lastro em dados econômicos e estatísticos; opositores constituem suas argumentações em torno do “desenvolvimento” brasileiro nos governos anteriores ter sido perdido ou que algo radical deve ocorrer. No caso governista se percebe uma tendência ao argumento técnico mesmo que os indicadores econômicos estejam com variações no período, e focado no empresariado como agente principal. No caso dos grupos considerados mais à esquerda, o efeito é articular desenvolvimento e um caráter “social” e/ou estatal das ações públicas. Há, portanto, clivagens e atores elegem suas propostas de desenvolvimento, tendo efeitos no modelo de país desejado e entrelaçam-se práticas de governo, técnica e política. Crises emergem e intervenções se apresentam como soluções articulando autoridade, ordem e seus efeitos no combate à corrupção e na alavancagem da economia. O desenvolvimento se apresenta, então, como uma linguagem disseminada e iniciativas liberais, estatistas ou autoritárias se valem de sua capacidade mobilizadora. Observa-se que, sendo polissêmico, desenvolvimento pode ser mote para vários tipos de ação e, ainda que possa despertar sentimentos e anseios de “progresso”, muitas das vezes é ponto crítico para desencadear mudanças conservadoras.
Poder e tempo de fala: Uma reflexão sobre jogos discursivos em disputa numa Comissão Permanente do Congresso Nacional
Autoria: Lígia de França Carvalho Fonseca
Autoria: Esse work é resultado de reflexões incitadas pelo processo etnográfico no espaço público do Congresso Nacional em Brasília – DF, mais especificamente a Câmara dos Deputados na Comissão Permanente de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural – CAPADR, com foco nas situações de elocução em que parlamentares têm demonstrado concepções que questionam política e publicamente grupos e temas que tradicionalmente têm ocupado as esferas de atuação e reflexão da antropologia. Tal esforço é devedor de desdobramentos metodológicos dentro da antropologia brasileira, a qual tem realizado investimentos de recolocar o campo da política como objeto para as pesquisas antropológicas (PALMEIRA & GOLDMAN, 1996; TEIXEIRA, 1998; BEZERRA, 1999). A incorporação de olhares específicos sobre as relações entre política e Estado, entre antropologia e Estado (LIMA, 1995, 2002), apontam para um espaço de pesquisa que pode fornecer importantes contribuições para o conhecimento do mundo atual. Para tanto, o direcionamento na presente discussão visa realizar um recorte específico do momento etnográfico desta pesquisa, para refletir como parlamentares e participantes gerenciam a produção e recepção de elocuções numa Audiência Pública e suas implicações e subjetividades no ritual de fala. Nos ateremos ao exercício da análise das condutas de fala, mais precisamente, dentro de um evento comunicativo formal com regras anunciadas para o uso controlado da palavra, o modo como os locutores se ajustam e fazem uso de distintos recursos para se comunicar ou impedir a comunicação (como interrupções e acentuações prosódicas). Tomando também como caminho a discussão de Pierre Bourdieu (1996) sobre a relação entre linguagem e poder, ao que chamou atenção para atos elocucionários, sublinhando as disputas sociais em jogo pela legitimidade da competência discursiva, que vai engendrar o que o autor chama de mercado de capital de expressões, mercado cujo fim é a produção e objetificação da realidade.
Política ou “politicagem”?: rearranjos sociais para a concessão de cargos comissionados em um município no interior de Pernambuco.
Autoria: Aline Neves Aguiar
Autoria: Nas cidades do interior, para além do comércio, a principal fonte de emprego é a prefeitura. Ao conceder um emprego, o vínculo pessoal passa a ser de relações de trocas mútuas, pois a pessoa que obteve o cargo se sente na “obrigação moral” de retribuir através do voto, por exemplo, gerando uma aliança maior por meio de acordos e ajudas recíprocas. Dessa forma, os serviços e favores são trocados nas relações que deixam de ser institucionais, dando destaque às relações de interesses pessoais. Assim, as práticas políticas são fundamentadas por aspectos morais e pessoais, dando ao sistema um caráter personalista das relações sociais. No contexto do município de “Mascarena”, cujo codinome considero aqui para fins de preservação de identidade dos sujeitos pesquisados, a noção de “politicagem” tornou-se recorrente durante as entrevistas realizadas com os funcionários de cargos comissionados da secretaria de saúde, sobretudo, ao considerar o monopólio das atividades políticas por sujeitos que dominam as regras do jogo político, isto é, aqueles que direcionam a ocupação de cargos comissionados de acordo com suas redes e amizade e parentesco. De modo geral, a noção de “politicagem” diz respeito aos procedimentos de como os indivíduos são convocados para trabalharem em cargos comissionados, visto que envolve relações de poder na forma de conduzir a política e na distribuição dos cargos públicos do município. Tal sistema também é mediado por redes de reciprocidade e lealdade conjugadas aos aliados políticos e aos amigos. As relações de favorecimento conduzidas pelos vínculos políticos tornam possíveis análises acerca dos valores culturais e morais a fim de compreender os argumentos e artifícios envolvidos para a concessão de cargos comissionados. Dessa forma, é possível identificar que os rearranjos sociais são repletos de intencionalidades que interferem na forma pela qual os indivíduos tomam as decisões políticas, principalmente no que tange à ocupação dos cargos comissionados no município do interior. Portanto, os vínculos políticos são reduzidos e seletivos, repercutindo no engajamento dos indivíduos no processo eleitoral. A metodologia do work, de cunho qualitativo exploratória, consistiu na realização de entrevistas individuais semiestruturadas com os funcionários de cargos comissionados da secretaria de saúde do município de “Mascarena” no primeiro semestre de 2018.
Quando ser da família é ser da política: uma análise da atuação das fações políticas família 12 e família 14 em um município do extremo oeste cearense.
Autoria: Lorena Leite Aragão
Autoria:

Segundo os moradores de Barroquinha, cidade de quinze mil habitantes localizada ao extremo oeste do litoral cearense, o período eleitoral consiste num momento em que muitas relações são postas à prova:amigos tornam-se inimigos, familiares que outrora gozavam da união, agora contam com a desunião desencadeada pelas eleições.É o momento em que a união da família é desestabilizada e dá lugar à união dentro das facções políticas locais.Não coincidentemente, em Barroquinha, as duas facções políticas rivais são nomeadas de família 12 e família 14.No caso de Barroquinha,a existência de pessoas de uma mesma família na política municipal ocorre desde 1988,quando da emancipação do município,apoiada pelos irmãos Veraldina e Pedro Veras,que,nesse ano, disputaram um contra o outro,as primeiras eleições do município para o cargo de prefeito. Segundo membros da família Veras,o pleito de 1988 inaugurou consecutivas intrigas e consequentes disputas pelo cargo de prefeito do município,o que culminou,desde então,em disputados pleitos entre parentes de primeiro (entre irmãos) e segundo graus (entre primos).Desta corrida familiar pelo poder da administração pública, a família Veras é sinônimo de duas facções políticas rivais identificadas como família 12 e família 14 e que, nos dias de hoje,possui como maiores representantes os primos legítimos Jaime(filho de Veraldina) e Ademar Veras(filho de Pedro). Ao passo que esse tipo de fazer política se consolida como uma prática legítima,que é replicada e ampliada ao longo do revezamento entre parentes da família 12 e família 14 na administração municipal, surge nesta localidade, além do monopólio do acesso e à distribuição aos recursos públicos, a ‘fabricação’(VILLELA,2009:209)de parentes pela política e, reciprocamente, de políticos pela família.O que aqui identifico como ‘fabricação’ mútua de parentes pela política,em outros contextos pode ser entendida como relações clientelistas e nepotismo. Assim, pensando nas maneiras pelas quais os moldes constituintes de família são replicados nos quadros da política e vice-versa, proponho analisar, nesta apresentação, uma revisitação das teorias clássicas de formas muito tradicionais de entender as relações entre política e família.Ao me debruçar sobre assuntos que envolvam política e família no semiárido nordestino,surgem imperativos teórico-metodológicos que merecem tratamento pormenorizado pois, quando pensadas em um contexto nacional, família e política despertam a impossibilidade de uma ser entendida pela outra. Assim,a incompatibilidade de tal junção me leva a pensar que os usos de conceitos tradicionalmente abordadas por Nunes Leal(1948 [2012]),Maria Isaura P.de Queiroz(1976) e Linda Lewin(1993), podem e devem ser repensados à luz de teorias e contextos empíricos contemporâneos.

Um Enxame de Camisas Legando o Mel até as Rainhas: Futebol, Política e a Guinada Conservadora no Brasil
Autoria: Alisson Diôni Gomes
Autoria: Um fato que chamou a atenção nos protestos que tiveram como alvo a figura da ex-presidente Dilma Rousseff, deposta em 2016 em meio a um conturbado processo de impeachment, foi o uso, por parte de participantes seus, de camisetas da seleção brasileira de futebol. Compreender fenômenos como este, bem como as razões que levaram ao uso destas indumentárias por estas pessoas, é fundamental para que se possibilite uma compreensão adequada da política brasileira nestes últimos anos, sobretudo a onda ultraconservadora que vem ganhando grande força no país, ao ponto de colocar em risco até mesmo a estabilidade do sistema de representação política vigente desde a Constituição de 1988. Este work tem por objetivo a realização de um esforço de compreensão neste sentido, ao mesmo tempo em que busca apontar perspectivas em meio a estes processos, a partir das discussões relacionadas à constituição da esfera (HABERMAS, 2014), bem como das questões associadas à internet, às redes sociais e sua condição enquanto elemento engendrador de novas formas de ação política (CASTELLS, 2003, 2013). A análise aqui realizada traz uma perspectiva pela qual o advento destas redes sociais tem integrado em si um conjunto de transformações na esfera pública, na medida em que tem se constituído em uma interface entre os conteúdos existentes nas esferas privadas dos sujeitos sociais e a própria esfera pública, fazendo com que conteúdos anteriormente restritos à primeira fluam com um grau de intensidade e sistematicidade cada vez maior para a segunda. Em meio a estes conteúdos, encontram-se perspectivas altamente conservadoras e estigmatizantes em relação aos grupos sociais minoritários, perspectivas essas que tendem, por sua vez, a fazer um uso sistemático de símbolos associados à nacionalidade do país para dar vazão às suas concepções, ao mesmo tempo em que buscam legitimá-las por meio destes mesmos símbolos, sendo esta uma marca histórica dos movimentos associados a estas concepções. No caso das camisetas, o que se tem é uma extensão deste processo, na medida em que uma indumentária associada a um esporte é alçada a um outro patamar, agora político, em razão da popularidade deste mesmo esporte no país. A compreensão deste processo a partir de uma perspectiva interdisciplinar é imprescindível para que se torne possível a concepção de meios pelos quais o lide com estas circunstâncias possa se tornar mais efetivo, de modo que assim seja possível evitar situações ainda mais inquietantes no que diz respeito à organização política brasileira.
Visita e voto: composições relacionais da festa, da casa e da política
Autoria: Ana Carneiro Cerqueira
Autoria: Com base em dados etnográficos coletados em uma localidade de agricultores familiares do Sertão norte-mineiro, exploramos as implicações conceituais da associação, percebida localmente, entre “a política” e as “visitas”. Tal articulação leva-nos a uma comparação entre “o tempo da política” e “o tempo das festas”, quando também se intensificam as práticas de “fazer visita”. Observamos esses “tempos” como momentos de “ruptura do cotidiano” (Palmeira e Heredia, 1997), mas cujos acontecimentos produzem efeitos importantes nas dinâmicas do dia-a-dia, modulando arranjos relacionais através dos tempos. Durante “as festas”, os parentes em visita instigam no anfitrião a promessa de retribuição: visitar aquele que o visitou (“pagar a visita”). Com isto, a circulação de parentes conecta casas nas quais se reforçam, se reconfiguram e se desfazem vínculos, em uma constante recomposição de formações coletivas. No tempo da política, a dádiva da visita instaura outra modalidade de relação. Nesta, candidato/as a vereadora/es fazem a visita esperando do anfitrião uma retribuição que sabem ser incerta: o voto. Por este caminho, cabe questionar: como se delimitam ou se cruzam as composições relacionais desses dois diferentes “tempos” e quais suas repercussões na vida cotidiana? Que continuidade se espera da relação estabelecida na troca entre eleitores/anfitriões e políticos/visitantes? Como se conectam as dinâmicas da “casa”, da “festa” e da “política”? Como as mudanças na conjuntura nacional se refletem nessas relações políticas locais? Tais questões ganham peso e relevância em uma região economicamente dominada pelos “gaúchos” do agronegócio.
“Como Funciona a Democracia em Moçambique? - Um Estudo Etnográfico do Funcionamento da Democracia em Moçambique a partir das Deserções dos Membros dos Partidos Políticos”
Autoria: Miguel Muhale
Autoria: Este resumo decorre do interesse da minha pesquisa de doutorado intitulada: “Como Funciona a Democracia em Moçambique? - Um Estudo Etnográfico do Funcionamento da Democracia em Moçambique a partir das Deserções dos Membros dos Partidos Políticos”. Neste work, pretendo através de uma abordagem etnográfica entender como funciona a Democracia em Moçambique, privilegiando especialmente uma análise às cíclicas e constantes deserções em período pré-eleitoral dos membros dos partidos políticos (geralmente da oposição) para o partido no poder, a Frelimo. Assim, impõe-se necessário demonstrar como se efectivam esses recorrentes processos de deserção e adesão do antigo ao novo partido, recorrendo à uma descrição exaustiva de todo enredo envolvendo tais fenómenos; elaboração de uma genealogia que demonstre as trajectórias dos desertores desde a comunidade aos partidos, cartografando seus percursos políticos e socias (tanto antes quanto depois da fuga) de modo a perceber as reconfigurações das relações desses indivíduos e suas subjectividades. Desta forma, é imperioso perceber a concepção que os actores políticos locais têm de Democracia. Preciso segui-los de perto nas suas práticas diárias de modo a entender o que consideram política, e como a separam (e depois voltam a conjugá-la) das demais esferas sociais e outras actividades do quotidiano. Compreender os comportamentos, práticas, representações e significados atribuídos a Democracia por militantes de diferentes partidos políticos, ajudar-me-á a encontrar suas expectativas, seus anseios, narrativas discursivas e não discursivas que expliquem o motivo da deserção de um partido para o outro. É na especificidade da abordagem e procedimentos metodológicos oferecidos pela antropologia que enfoco a realização deste work de modo a perseguir as práticas banais e quotidianas bem como sua análise minuciosa com vista a alcançar os objectivos propostos. A abordagem da Democracia na Antropologia tem como base a recusa de aceitação dos modelos padronizados da democracia liberal. Afasta-se de noções preconcebidas do que é ou deveria ser a democracia. A antropologia analisa de forma crítica as diferentes formas como a democracia se configure nos variados contextos. É necessário identificar em cada contexto as variações associadas ao termo democracia, bem como entender as formas como a democracia tem sido conceptualizada na prática e no discurso público (GOLDMAN & PALMEIRA, 1996).
O PATRIMÔNIO SERVE À CIDADE COMO NEGÓCIO? O caso do Museu Cais do Sertão, em Recife, Pernambuco.
Autoria: Francisco Sá Barreto, Izabella Medeiros
Autoria: Este work é parte de projeto de pesquisa que desenvolvemos desde o final de 2014, a partir do qual procuramos entender a simbiose entre os discursos de modernidade e tradição em três recortes temporais específicos na cidade de Recife, Pernambuco. O terceiro recorte trata dos embates entre o Projeto Novo Recife e as iniciativas de resistência a ele, mas não somente a ele. Foi possível observar, ao logo dos estudos que já realizamos, o funcionamento das estratégias para tradução da resistência pontual ao Novo Recife a um debate sobre a cidade e suas políticas de gestão como um todo. É o que procuramos observar quando nos dedicamos a compreender a atuação do Movimento Ocupe Estelita ou do Grupo de Direitos Urbanos nesse cenário. No outro lado da querela, por sua vez, encontra-se um conjunto de políticas de intervenção sobre as regiões do centro antigo da cidade do Recife (Bairros do Recife, São José e Santo Antônio), as quais funcionam como paradigma para um tipo de operação sobre a cidade que já vigora desde o próprio projeto urbano de modernização do Recife, ainda no final do século XIX e início do XX. Procuramos observar o funcionamento desse conjunto de intervenções para além do interesse em tornar “novamente disponíveis” para a habitação zonas inteiras há muito abandonadas na cidade. O que, contudo, os textos do PNR (Projeto Novo Recife) chamam de zonas abandonadas? O que significam, nesse contexto, “tornar novamente disponíveis”? Mais do que investir na construção de grandes edifícios, que estimulam firmemente a especulação imobiliária na região, alimentando as demandas das grandes construtoras locais, o conjunto dessas intervenções identificou, desde o princípio, na “reforma da cultura” o mais destacado empreendimento no tempo da revitalização urbana do Recife. Desde os anos 1990, a construção de um “novo” habitus cultural para a região procura estimular a zona como objeto do interesse do mercado do turismo global, bem como uma alternativa economicamente promissora de entretenimento da cidade. Na primeira década do século XXI, esse conjunto de intervenções ganha o reforço de grandes edificações dedicadas ao consumo cultural, especialmente dois equipamentos que celebram parcerias entre a gestão do Estado e a iniciativa privada: no Paço do Frevo e o Museu Cais do Sertão. Totalizando mais de R$ 50 milhões em investimentos públicos, os dois equipamentos representam, antes de um interesse da gestão em estimular a divulgação e preservação do patrimônio local, um promissor negócio da cultura em sintonia com tendência verificada em todo o globo. A essa altura, serve ao negócio da cultura as contemporâneas políticas de preservação do patrimônio cultural nas cidades contemporâneas? Essa é a questão que, neste work, pretendemos desenvolver.
Projeto do novo Edifício São Pedro - Uma nova dimensão de preservação na Cidade da Fortaleza?
Autoria: Marcelo Mota Capasso
Autoria: Esta contribuição faz parte de pesquisa em desenvolvimento no âmbito da Geografia Urbana e Patrimônio Cultural, com ênfase nos aspectos que orientam as decisões em planejamento urbano e suas implicações na preservação dos monumentos históricos e suas paisagens envoltórias. Alguns casos na cidade de Fortaleza-CE, chamam a atenção pelo discurso patrimonializante associado aos interesses do mercado imobiliário. Apesar da inclusão de novos bens imóveis e criação de um zoneamento urbano especial de patrimônio cultural edificado para a cidade, no fim dos anos 2000, a política municipal de preservação entrou em estancamento, aparentemente injustificado, encontrando o discurso patrimonial pouco lugar na mídia formal. O avanço da inserção da cidade no capital financeiro imobiliário internacional, alavancado pela indústria do turismo, influiu na recente alteração da legislação urbanística, aumentando-se o direito de construir em mais de 20% do município. É emblemático o caso do Edifício São Pedro, de arquitetura histórica, na Praia de Iracema. Tombado, já há alguns anos, pelo conselho local de patrimônio cultural, o COMPHIC, até hoje a medida não encontrou respaldo em decreto do prefeito. A negociação entre poder público, representantes da sociedade civil e proprietários levou à apresentação de um projeto de “recuperação”, cuja realização se justificaria economicamente apenas com a implantação de uma nova torre envidraçada por sobre o edifício São Pedro, e cuja possibilidade construtiva apenas se efetivaria com a sua destruição material (quase) total, substituído por um simulacro. Em uma cidade onde a manutenção dos ícones memoriais urbanos (sociotransmissores) encontra pouca representação entre movimentos sociais, reféns de necessidades emergenciais de moradia, pela titulação da posse e enfrentamento do trator imobiliário, é importante notar como o discurso da preservação do São Pedro se converte em oportunidade imobiliário para seus incorporadores. Serão dadas quase três vezes o direito de construir permitido em lei, forma simbólica de compensação àquele proprietário “amaldiçoado” pelo tombamento, atropelando todo o marco jurídico-urbanístico que rege a preservação do edifício e seu entorno, seja o Decreto Federal 25/1937 ou o Plano Diretor da cidade. A não inclusão do edifício no zoneamento especial de patrimônio histórico reflete a estratégia (Certeau) concertada em torno da justificativa, de visão totalizante, que inclui um “novo” São Pedro no “novo” espaço planejado da frente marítima, junto com uma roda gigante, um aquário público e uma operação consorciada imobiliária entre a Praia Formosa e a Praia de Iracema, sem ainda oferecer destino à comunidade do Poço da Draga, ocupação residencial remanescente entre a praia e a cidade formal.
Turismo e esporte na peregrinação do Caminho de Santiago de Compostela.
Autoria: Rômulo Bulgarelli Labronici
Autoria: O presente work busca discutir a partir de uma experiência etnográfica realizada durante a travessia do “Caminho de Compostela”, situado na região da Galícia/ Espanha, o seu processo de caminhar como uma atividade que engloba uma tríplice perspectiva de sentidos: turísticos, religiosos e esportivos que se reconfiguram continuamente. Um caminho que se estrutura a partir de uma “malha” circuncêntrica que cobre grande parte da península Ibérica. Apesar disso, a chegada na basílica de Santiago não pode ser entendida como o objetivo último do caminhante, já que o processo de andar o caminho é que vai permitir que ele ultrapasse tais fronteiras liminares (TURNER, 2005, 2008). Ao peregrino, a fronteira da busca pela aproximação do sagrado, para o esportista a fronteira da superação individual do corpo e mente, e para o turista a fronteira da experiência habitual e do desconhecido. A viagem pode ser entendida como uma forma de ritual, na qual o viajante sai de sua rotina e tem uma experiência “extraordinária”, liminar e, após esse período, retorna ao seu mundo cotidiano de certa forma transformado. Se por um lado, a noção de “Turista” absorve no campo uma conotação negativa, relacionada a esfera do consumo, sendo sua figura apresentada como “superficial” ou “inautêntica”. Por outro, a noção de “peregrino” é exacerbada devido não só ao caráter de ruptura do cotidiano, mas, principalmente, devido à maneira “crítica” de se colocar, que é característica, na qual o despojamento material é condição para vivenciar a experiência. Por fim, trago na inspiração no conceito de “peregrinação”, tal qual abordado por Tim Ingold (2015) como um processo de crescimento dentro de um campo de relacionamentos, no qual o Caminho de Santiago mimetiza o movimento da vida que cada indivíduo realiza com seus próprios pés.
“ENTÃO BRILHA!” BLOCO DO CARNAVAL DE RUA DE BELO HORIZONTE: aproximações entre a cidade e o design
Autoria: Wânia Maria de Araújo, Henrique de Oliveira Neder
Autoria: Este work buscará investigar as aproximações entre a cidade e o design a partir do estudo do bloco de carnaval de rua “Então Brilha” que desfila na região denominada de Baixo Centro em Belo Horizonte. A cidade é pensada aqui como um texto a ser lido como forma de compreensão das interações sociais que nela têm lugar e dos sujeitos que delas fazem parte. Observar a cidade durante o carnaval torna possível que fiquemos diante de novas cenas sociais, de reconfigurações espaciais, de uma diversidade ainda maior de atores sociais presentes nos espaços da cidade. Os blocos de carnaval independentes de Belo Horizonte surgiram a partir de 2009 e um destes blocos é o “Então Brilha!” que inicia o percurso do desfile na Rua dos Guaicurus, “também conhecida como a zona do baixo meretrício” (AMÉLIO, 2015, p. 238). As cores contratantes do bloco: o dourado e o rosa, remetem ao clima alegre e criam a impressão de que todos, de alguma forma, podem brilhar. Propõe questionamentos acerca das minorias e traz à tona também a diversidade ao reunir as diferenças de maneira sobreposta num mesmo lugar: a rua. O design nesta pesquisa será compreendido como uma intervenção cultural no espaço. Isso implica pensar o design como mais um elemento que propicia mudanças no espaço e que essas mudanças podem ser lidas, compreendidas como a construção da cultura que tem a cidade como cenário e como ator. Partindo desse pressuposto já torna possível articular a cidade e seu espaço urbano com o design e, por fim, ainda conectar essa relação com o conceito de cultura. Cultura aqui compreendida como uma teia de significados, tal como enunciado pela antropologia interpretativa de Geertz (1989). Com efeito, a proposta da investigação é verificar em que medida e de que forma o design está presente na cena urbana contemporânea do Baixo Centro de Belo Horizonte durante o carnaval, em especial no bloco “Então Brilha!”. Como este bloco de carnaval, considerado também uma intervenção cultural que faz seu desfile no Baixo Centro, tem se constituído, buscado se expressar e como tem impresso marcas na urbanidade de Belo Horizonte. Para tanto, pretende-se caminhar e observar o Baixo Centro (antes e durante o carnaval) para remontar o percurso do bloco realizando anotações e registros imagéticos em relação ao design urbano, às características do percurso, aos atores sociais, às atividades presentes antes e durante o carnaval. Com isso pretende-se verificar como o Baixo Centro de Belo Horizonte se remodela em virtude da passagem do Bloco “Então Brilha” a partir das diferentes atividades, interações e atores sociais, adereços, alegorias presentes dentro do bloco, nas ruas e espaços por onde desfila contribuindo para a modificação da relação dos sujeitos urbanos com os espaços da cidade.
“Visit Margate”: turismo, memória e nacionalismo no litoral inglês
Autoria: Ana Carolina Barreto Balthazar
Autoria: A partir de mais de dois anos de pesquisa etnográfica, o presente work discute o uso da memória e de narrativas sobre o passado para a transformação da cidade de Margate no litoral inglês em um conhecido destino turístico internacional. Em meados do século XX, as classes trabalhadoras de Londres costumavam ir para Margate passar as férias. Com as mudanças econômicas e, consequentemente, socio-geográficas sofridas pelo país no final do século passado, Margate passou a enfrentar uma forte crise. Buscando “regenerar” a cidade, o governo local e alguns habitantes atualmente investem em um plano estratégico para reposicionar a região enquanto importante destino turístico internacional. O presente artigo discute como tais estratégias envolvem “regimes de historicidade” (Hartog 2003) bastante específicos que desafiam a sensação de “pertencimento” (Cohen 1981; Degnen 2012; Edwards 1998; Lovell 1998; Strathern 1981) de alguns moradores aposentados da região. Para atrair turistas estrangeiros, uma galeria de arte contemporânea foi inaugurada em 2011 e nomeada Turner Contemporary, em homenagem ao famoso pintor inglês. Além disso, associações locais investiram na reforma e reabertura do histórico parque de diversões da cidade, a Dreamland. Ainda que ambas as iniciativas se conectem com elementos importantes do passado britânico e da memória dos habitantes locais, enquanto produto para consumo de turistas internacionais esse passado se torna desconectado da rotina dos moradores de Margate. Em outras palavras, celebrar o passado se torna um elemento de um longo calendário de eventos turísticos ao invés de compor os ritos cotidianamente experimentados e reforçados pelos habitantes. Diante de tal conjuntura, esses moradores estranham o investimento em instituições “feitas para outras pessoas” – os estrangeiros – e atuam politicamente para defender as suas próprias apropriações e narrativas sobre o passado – por exemplo, através do voto pelo “Brexit” (a saída do Reino Unido da União Européia). Em Margate o passado não é apenas um imaginário vendido a turistas estrangeiros, mas compõe as narrativas nacionalistas que permeiam as casas, lugares e “materialidades” (Gonçalves 2013; Ingold 2000; Keane 2007; Miller 1987).