GT 012. Antropologia da Saúde e Direitos Humanos: políticas públicas e agenciamentos sociais em saúde
Sônia Weidner Maluf (PPGAS/UFSC) - Coordenador/a, Érica Quinaglia Silva (Universidade de Brasília) - Coordenador/a, Marcos Aurélio da Silva (Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso) - Debatedor/a, Jaqueline Teresinha Ferreira (Instituto de Estudos em Saúde Coletiva - UFRJ) - Debatedor/a, Sílvia Maria Ferreira Guimarães (DAN/UnB) - Debatedor/aA Antropologia da Saúde no Brasil, além de enfatizar questões clássicas da pesquisa etnográfica, com foco em práticas e saberes locais, tem se debruçado mais recentemente sobre as políticas públicas, o cotidiano dos serviços e das instituições, buscando compreendê-las a partir do Estado “visto de baixo”, o que envolve também os saberes técnico-científicos que sustentam essas políticas. A convergência dessas diferentes perspectivas potencializa a pesquisa etnográfica, sobretudo quando feita no que podemos denominar de zona de confluência entre práticas do Estado e políticas públicas, de um lado, e sujeitos sociais, práticas e saberes locais, de outro, em um contexto em que o tema dos direitos humanos, e da saúde como direito humano que deve contemplar as especificidades sócio-econômico-culturais dos sujeitos, comunidades e populações, torna-se central. A proposta do GT é de, a partir de diferentes perspectivas etnográficas, proporcionar um espaço de reflexão sobre a relação entre Antropologia da Saúde e Direitos Humanos, em um contexto em que de modo geral há um retrocesso nos direitos e na democracia no país, particularmente nas políticas públicas de saúde, com o corte nos orçamentos e mudanças substantivas nos princípios que sustentam o Sistema Único de Saúde e as políticas de saúde mental no país. A articulação de diferentes abordagens etnográficas visa pensar os desafios e os diálogos possíveis entre a Antropologia, Estado e Direitos Humanos no campo da saúde.
Resumos submetidos |
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"Eu não sou drogada, eu sou louca": questões polissêmicas entre Narcóticos Anônimos e Políticas Públicas Autoria: Tatiane Vieira Barros Autoria: Localizando-se na discussão que a "questão das drogas" é entendida como território de políticas de saúde e de segurança, este work se propõe a apresentar um breve cenário sobre como os grupos de ajuda mútua Narcóticos Anônimos (NA) estão inseridos nas Políticas Públicas brasileiras; privilegiando as políticas de saúde. Os NA aparecem como uma rede de apoio que agem além dos serviços oferecidos na rede pública de saúde. Considerados redes de apoio, entram nas diretrizes para garantir e promover articulação e integração entre os programas de saúde e as redes de reinserção social e ocupacional. Nesse contexto, a fim de entender como essas políticas atuam na vida das pessoas e perceber como estes discursos de verdade são articulados nas experiências e constituem formas de ser, será apresentada a cena etnográfica que traz a história de Eliza. Uma garota de dezenove anos que passou a frenquentar o grupo de Narcóticos Anônimos após ser internada em uma clínica contra sua própria vontade. Neste processo de perceber as relações com as políticas e os equipamentos de tratamento, ela constrói sua concepção de adoecimento e trajetória de recuperação a partir das experiências vividas e das compreensões entre o ser 'louca' ou ser 'drogada'.
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A Atuação da Burocracia de Nível de Rua na Implementação de Novas Tecnologias de Prevenção ao HIV/Aids em Porto Alegre/RS Autoria: Andréa Fachel Leal, Bruno Silva Kauss Autoria: O campo das políticas públicas de HIV/Aids tem passado por recentes transformações, em parte, decorrentes do processo de incorporação de novas tecnologias biomédicas de prevenção ao HIV. É o caso da Profilaxia Pós-Exposição ao HIV ou simplesmente PEP, uma tecnologia indicada após relações sexuais consensuais em que há falha, rompimento ou não uso de qualquer forma de prevenção para o HIV. A PEP está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2010. Apesar disso, a implementação da estratégia ainda carece de estudos qualitativos, principalmente com enfoque na atuação dos profissionais de saúde. O presente work busca investigar os desafios enfrentados pelos profissionais de saúde no campo de implementação de novas tecnologias biomédicas, a partir da análise do caso da PEP num serviço especializado em IST/HIV/Aids de Porto Alegre/RS. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, com o emprego de técnicas de observação de cunho etnográfico e entrevistas em profundidade. O referencial teórico pôs em diálogo os campos da Antropologia da Saúde, Políticas Públicas, notadamente na literatura da Burocracia de Nível de Rua, de Lipsky (1980) e Direitos Sexuais. Durante seis meses de campo, entre 2015 e 2016, foram entrevistados profissionais de diversas áreas de formação. A maioria dos entrevistados foi unânime em reconhecer os benefícios da PEP na prevenção ao HIV. No entanto, compreendem que a oferta da estratégia deve ser realizada com cautela, pelo receio do abandono de métodos tradicionais de prevenção ao HIV. Constatou-se a percepção dos entrevistados de uso reiterado da PEP pelos usuários do SUS, o que é considerado negativo pelos profissionais. Além disso, a partir de pré-concepções dos profissionais, identificou-se a construção de significados sobre os sujeitos e as práticas destes no uso de PEP, o que pode gerar dificuldades no acesso à estratégia, bem como ao exercício de direitos sexuais no âmbito dos serviços públicos de saúde. Conclui-se que as novas tecnologias de prevenção ao HIV para além da ampliação dos benefícios em saúde, promovem mudanças no curso das respostas locais à epidemia de HIV/Aids. Portanto, é fundamental se voltar para o universo dos profissionais de saúde, responsáveis pela mediação entre as políticas públicas e o cidadão e, por consequência, ao exercício de direitos sexuais no contexto dos serviços de saúde.
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A materialização da raça nas controvérsias institucionais: notas etnográficas acerca das disputas em torno de uma política de saúde com recorte racial Autoria: Tatiane Pereira Muniz Autoria: A partir das narrativas da genética médica acerca da noção de raça e na perspectiva de compreender como esta categoria se materializada na prática dos profissionais da área, tenho desenvolvido um work etnográfico a partir de dois laboratórios de Genética no Rio Grande do Sul. Uma vez que as categorias de classificação racial empregadas são informadas por outras áreas que não a das ciências naturais, e co-produzidas por distintos campos do conhecimento em um constante processo de disputa e retroalimentação, o work etnográfico em andamento durante a minha pesquisa de doutorado tem consistido em rastrear diferentes versões por meio das quais raça tem sido materializada em diversos espaços institucionais, quais sejam o da pesquisa técnico-científica (a partir dos laboratórios), o dos movimentos sociais e de instâncias jurídico-administrativas do Estado (a partir de eventos e audiências públicas). Para pensar as conexões que o work de campo tem evidenciado inspiro-me na abordagem teórico-metodológica dos Estudos Sociais de Ciência e Tecnologia. Particularmente neste work, com base no debate sobre o modelo analítico denominado de “modos de sincretismo” por John Law, proponho-me a discutir as controvérsias que emergem quando diferentes versões raça entram em contato no debate sobre políticas públicas de recorte racial no Brasil, a partir da etnografia de uma audiência pública em torno da implementação da atenção por equipe interdisciplinar aos pacientes com doença falciforme, conforme as diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias.
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A meta 90-90-90 e o “fim da AIDS”: Política de saúde global e as intervenções à brasileira Autoria: Ricardo Andrade Coitinho Filho Autoria: A meta 90/90/90 se insere numa perspectiva global de controle da epidemia da AIDS. Por meio desta, estabeleceram-se percentuais de controle e cuidado que deveriam ser traduzidos em medidas constituídas e operadas pelos Estados nacionais. Tal medida configura-se enquanto estratégia de política de saúde para o ‘fim da Aids” e envolve diferentes atores políticos, como a ONU, UNAIDS, OMS e países diferencialmente vinculados com o enfrentamento da epidemia. Tomo por referência analítica o caso brasileiro. Neste sentido, por um lado, problematizo o alcance proposto pela meta 90/90/90 face as articulações e ações promovidas pelo governo federal para atingi-las. Por outro lado, me aproprio de questões demandadas por atores do movimento social, isto é, pessoas que engajam suas experiências sorológicas enquanto narrativas públicas, para problematizar o alcance promovido através da “meta”. Para tanto, (i)faço análise da política de saúde global que “dá forma” à meta; (ii)apresento dados preliminares da pesquisa etnográfica que venho desenvolvendo ao longo de dois anos, relativos às ações governamentais, críticas políticas do movimento social e narrativas experienciais de Pessoas que Vivem com HIV/Aids usuárias dos serviços de saúde; e, (iii) conjugo a análise à perspectiva dos estudos interseccionais, com ênfase na articulação entre classe, juventude, gênero e sexualidade. A atenção às experiências interseccionais complexifica a meta enquanto política pública que se propõe de amplitude global e contribui para compreender os agenciamentos, individuais e coletivos, frente ao cenário nacional “pós-golpe” de “desmonte do SUS”, “congelamento dos investimentos públicos em educação e saúde”, popularidade de pautas “conservadoras” relativas a direitos sexuais etc, que implicam diretamente na qualidade de vida da Pessoa Vivendo com HIV/Aids.
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A Política Nacional de Saúde LGBT no Brasil. Produção Biopolítica de uma População? Autoria: Moisés Alessandro de Souza Lopes Autoria: O objetivo dessa comunicação é desenvolver algumas problematizações sobre a Política Nacional de Saúde para LGBTs no Brasil. Tais questões estão sendo levantadas no contexto da pesquisa intitulada "Violências, resistências e subjetividades de travestis e transexuais na Baixada Cuiabana" que desenvolvi em meu estágio de pós-doutorado junto ao Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina. O foco da pesquisa é analisar as trajetórias de transexuais e travestis pelo sistema de saúde em busca do processo transexualizador, bem como as reivindicações que envolvem a criação de um ambulatório transexual no estado de Mato Grosso, bem como, buscarei compreender a constituição da subjetividade e da identidade travesti e transexual, a construção das performances de gênero e a construção de diferenças, hierarquias, preconceitos, discriminações e violências no contexto do estado de Mato Grosso. Assim, neste texto, parto das discussões sobre a constituição histórica das políticas públicas de saúde para a população LGBT no Brasil, e de modo específico, questiono o(s) modo(s) pelos(nos) quais a população LGBT está definida na Política Nacional de Saúde para LGBTs instituída por meio de uma portaria do Governo Federal em 2011 e reorganizada em 2017.
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Controlando a loucura no Amapá: uma política de saúde ou segurança? Autoria: Davi Oliveira da silva, Thais Malheiros Autoria: Trata-se de uma pesquisa acadêmica que procura cotejar os conceitos foucaultianos de loucura, crime e controle social com o cumprimento de medidas de seguranças motivadas por comprometimentos mentais. Neste sentido, foi realizada entrevistas com os profissionais dois únicos lugares no Amapá onde são cumpridas tais medidas, o HCAL e o CCNH (Centro de Custódia da Zona Norte) do IAPEN (Instituto de Administração Penitenciária), ambos disponíveis unicamente na capital Macapá. Foram entrevistados (entrevista aberta) 50% de todos os profissionais que trabalham nestes lugares, desde médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, psicólogos, Assistentes Sociais, coordenadores, diretores, agentes penitenciários e presos em regime de colaboração e etc). Trata-se, portanto, de uma pesquisa de campo, com estudo de caso, crivado por um esforço etnográfico na captação dos discursos dos profissionais que estão vinculados ao presente recorte da política de saúde do Estado do Amapá. Assim sendo, a pesquisa bibliográfica é articulada com a documentação disponível e, assim, cruzada com os discursos dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Amapá (TJAP) no que se refere a jurisprudência e o desenho legal da referida política e as violações de Direitos Humanos lá encontradas. Cumpre destacar o esforço descritivo enquanto essencial para "radiografar" a política, principalmente na sua estrutura, organização e recursos humanos-materiais. A questão norteadora deste work passa por analisar se o "louco" é tratado a partir de uma perceptiva da saúde pública ou da segurança e do controle.
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Da medicina de família à medicina de favela: uma etnografia sobre saúde e desigualdade Autoria: Natália Helou Fazzioni Autoria: Esta apresentação tem como objetivo descrever um conjunto de consultas médicas acompanhadas na Estratégia Saúde da Família, em um serviço de atenção básica à saúde, no Complexo do Alemão, conjunto de favelas na zona norte do Rio de Janeiro. A partir dessas situações, busca-se discutir e atualizar, sobretudo etnograficamente, duas questões já presentes nas pesquisas sobre o setor público de saúde no Brasil: a primeira tem relação com a formação médica no país e a escassez de médicos brasileiros interessados em atuar no sistema público e, a segunda, diz respeito às especificidades do work realizado por esses profissionais em contextos de forte desigualdade social. A relação entre medicina e pobreza já foi tematizada por diversos autores na antropologia e ao dialogar com essa literatura, a pesquisa busca trazer essa reflexão para uma realidade atual, após quase duas décadas de novas políticas sociais no país, marcadas pela confluência entre um projeto cada vez menos democratizante e mais neoliberal. Nesse contexto, a partir de 2017, a maior parte do quadro de médicos do serviço de saúde pesquisado, passou a ser composto por profissionais recém-formados ou com pouca experiência e interesse de atuação na atenção básica. Isso se deu, sobretudo, pela não renovação do contrato dessa unidade de saúde com o governo federal, no âmbito do Programa Mais Médico para o Brasil (PMMB), ocasionando a saída dos médicos cubanos que ali atuaram por mais de dois anos. A partir do acompanhamento das consultas com os novos médicos, dois principais problemas tornaram-se evidentes: o excesso de usuários atendidos por cada um dos médicos diariamente, intensificado pela dificuldade de encaminhamento para outros serviços do sistema e a condição de saúde dos usuários, agravada pela situação de “violência estrutural” do local onde vivem. Diante disso, procurou-se destacar, por um lado, agenciamentos e arranjos criativos de profissionais e usuários para manejar essa situação cotidianamente e, por outro, a desistência por parte de alguns médicos de permanecerem ali. Distantes do desejo de atuarem no SUS e de uma formação mais voltada para o setor público ou em Medicina de Família e Comunidade, a maior parte dos novos médicos terminam por não suportar a rotina de work e abandonam seus postos. Tal situação precariza ainda mais a dinâmica do serviço, pela ausência constante de profissionais e pela dificuldade na criação de vinculo com os usuários, devido ao pouco tempo de permanência ali. Revela-se, assim, uma prática médica “própria” da favela e de áreas periféricas; ora precária, ora inventiva e resistente, que desafia e lança interrogações às políticas públicas, a formação médica e ao contexto de crise enfrentado pela saúde pública no Brasil hoje.
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Doenças Negligenciadas nas políticas públicas e no cotidiano do cuidado: uma etnografia multissituada na assistência à pessoas com hanseníase em serviços de saúde em Cuiabá, MT. Autoria: Lidiane Mara de Ávila e Silva, Jaqueline Teresinha Ferreira Autoria: O termo “negligência”, remete à “falta de vigilância”, “descuido”, “desinteresse”. No campo da saúde as Doenças Tropicais Negligenciadas (DTN) envolvem populações historicamente vulnerabilizadas, recursos escassos dos países e da indústria farmacêutica em termos de inovações e investimentos. Seus impactos (re)produzem um ciclo de pobreza. Entre as DTNs, a hanseníase afeta nervos periféricos e requer longo período de tratamento – o que a torna crônica, além de um potencial incapacitante, especialmente quando o diagnóstico é realizado tardiamente. Os dados mostram que ainda hoje as pessoas que a tem carregam “marcas” e sofrem preconceitos que se expressam em negativas de direitos de diversas ordens. Acordos e estratégias políticas têm sido firmados entre a OMS e os países endêmicos para que a doença seja controlada. No Brasil mesmo com tratamento gratuito em Unidades Básicas de Saúde, a hanseníase ainda é um problema de saúde pública apresentando regiões de elevada endemicidade. No estado de Mato Grosso, um dos líderes nesse ranking, parte dos pacientes obtém diagnóstico tardio e quando o exame é realizado, já possuem algum grau de incapacidade, reforçando a estigmatização e impactando a vida social e econômica. A etnografia realizada permitiu incorporar o cotidiano das relações e serviços de saúde no cuidado a essa doença. Trata-se de um estudo etnográfico, multissituado, cujos dados foram produzidos através de observações participante em diversos contextos: Unidades Básicas de Saúde, Policlínica, Serviço de Referência, Hospital Universitário, além de capacitações oferecidas aos profissionais e eventos públicos relacionados ao tema oferecidos em Cuiabá. Os resultados evidenciam a ausência ou insuficiência de diagnósticos e tratamentos seja por questões referentes à formação dos profissionais bem como estigma da doença. Igualmente observa-se insuficiências relacionadas à reabilitação como a falta de materiais e a centralidade dos serviços que não se articulam em Redes para promover a continuidade do tratamento. Não raro, há uma visão que o cuidado desses pacientes está relacionado com a benevolência dos profissionais. Atos e discursos como esses: seja da "benesse" como o do descaso dos profissionais e gestores, desconsideram o direito à saúde dentro da lógica estruturante do Sistema Único de Saúde. É fundamental compreender os entraves e as barreiras à atenção a esses pacientes em uma perspectiva que contemple a relação desses com os profissionais de saúde bem como nos processos de work dos serviços. Igualmente importante é que a negligência seja considerada de forma ampliada que começa pelas políticas públicas e se capilariza no cotidiano dos serviços de assistência.
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Efeitos de uma cura controversa: hanseníase, sapatarias e políticas locais-globais Autoria: Glaucia Cristina Maricato Moreto Autoria: Desde o advento da Poliquimioterapia (PQT) na década de oitenta, o seguinte slogan é interpelado em campanhas nacionais e globais: ‘a hanseníase tem cura’. Todavia, conforme apontam hansenologistas, apesar da PQT conter a infecção eliminando os bacilos do organismo, após o tratamento a hanseníase pode passar de uma doença infecciosa para uma doença imunológica. Em torno da metade dos pacientes que recebem alta-por-cura retornam aos hospitais devido aos chamados episódios reacionais hansênicos (eventos imunoinflamatórios). Ironicamente, são esses eventos os principais responsáveis pelas conhecidas e severas sequelas irreversíveis em hanseníase. Ou seja, na prática, pacientes considerados curados são internados no pós-cura devido a complicações agudas (os quais a comunidade científica não tem respostas consideradas eficazes, e busca controlar com do uso de drogas com graves efeitos iatrogênicos). Ao longo de 2018, uma comissão do Ministério da Saúde, composta por ativistas de um movimento social, funcionários públicos e pesquisadores acadêmicos, tem viajado para diferentes regiões brasileiras a fim de mapear a oferta de serviços de sapataria e órtese/prótese para pessoas que foram atingidas pela hanseníase. A partir da minha inserção nessa comissão - em visitas a estados como Pará, Rio de Janeiro e São Paulo – bem como da minha experiência de campo mais ampla nesse universo de pesquisa, irei examinar a impressionante e inquietante falta de serviços de sapatarias e órteses/próteses para hanseníase. Em diálogo com autores da antropologia médica e dos estudos da deficiência, irei refletir sobre como a controversa cura da hanseníase, tal como moldada pela OMS e implementada pela política local, performa uma ‘fábula do fim’ fundamentada na eliminação de bacilos em detrimento da necessidade dos sujeitos. Meu objetivo final é discorrer sobre a relação entre hanseníase e sapatarias, e a forma como a política global-local desloca essa questão para um segundo plano que, cada vez mais, se torna um plano negligenciado.
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Estado, cidadania e acesso à saúde num contexto de desigualdades, no Baixo Sul da Bahia Autoria: Patrícia de Souza Rezende, Cecilia McCallum (FFCH/ISC/UFBA) Autoria: Trata-se de uma reflexão sobre a presença do Estado na vida social local do Riachão – ilha no Baixo Sul da Bahia – onde realizamos uma etnografia, em pesquisa de Doutorado em Saúde Coletiva, no ano de 2013. A tese teve como um de seus argumentos, o papel ambíguo que o Estado exercia, como um dos principais sujeitos de intervenção, próximo nas relações sociais e engajado no processo reprodutivo: ao mesmo tempo em que oferecia cuidado e viabilizava a melhora de condições de vida da população local, também sustentava desigualdades de poder historicamente constituídas no país, que exerciam importante influência no cotidiano dos moradores do Riachão, provocando violências, reforçando assimetrias e vulnerabilizando a população. Remanescente de quilombola, a população de Riachão se manteve e se mantém até hoje, com a extração de recursos naturais – a pesca e a piaçava. A partir da etnografia, ficou claro que, para os moradores, a presença do Estado teve papel central na melhoria da qualidade de vida. Embora não usassem estes termos, sempre pontuavam as mudanças positivas desde que algumas medidas foram realizadas, sobretudo protetivas, através da seguridade social (Saúde, Assistência e Previdência Social). Além do Programa Bolsa Família (PBF), muito impactante para a vida local, outra medida também contribuiu para as melhorias apontadas, e conformou o processo de transformações pelo qual passava Riachão: a ampliação do Programa de Saúde da Família (PSF). A cobertura do PSF foi ampliada no município após 2004. Também na área da saúde, os investimentos com a aquisição de uma lancha rápida e a Casa de Apoio na cidade vizinha, afetaram diretamente a vida dos locais, sobretudo no que diz respeito à locomoção e acesso à atenção hospitalar, desde 2010. A população do Riachão experimentava a ampliação do acesso aos serviços, ao mercado consumidor, além das tecnologias e saberes. Tais transformações tinham no Estado, o agente principal de fomento. Mesmo assim, observava-se a persistência de desigualdades e hierarquias sociais, nos processos de busca e oferta de cuidados à saúde, nas histórias cotidianas de moradores e no acesso a determinados direitos. Para esta discussão, usamos de uma história presenciada em campo, recuperando alguns processos pelos quais as pessoas se relacionam com as agências estatais e as contradições que emergem nas suas interações. Trata-se do caso de Amália – uma menina com cinco anos, à época – que teve de peregrinar por diversos serviços até descobrir que estava com câncer ósseo. A avó foi sua principal cuidadora e pôde detalhar toda a luta enfrentada pela família atrás de um diagnóstico, revelando diversos tipos de violações: negligência, descaso e desrespeito.
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Etnografia da "loucura": uma reflexão de dentro dos muros. Autoria: Sabrina Melo Del Sarto Autoria: Por compreender que questões relativas à saúde e à doença devam ser estudadas a partir de considerações a respeito de aspectos sociais mediados pela cultura que conferem sentidos às experiências (LANGDON & WIIK, 2010), utilizo as reflexões desenvolvidas pela Antropologia da Saúde para tecer um estudo etnográfico no interior de um hospital psiquiátrico e espírita. Denominado de “Hospital Espírita de Marília”, mas mais conhecido pela sigla “HEM”, este hospital foi fundado em 1948 em Marília-SP e, desde então, destina-se ao tratamento de pessoas diagnosticadas com doenças mentais. É uma instituição espírita (Kardecista), psiquiátrica e asilar. Abriga, entre suas sete alas, moradores permanentes e temporários. A instituição é subdividida em alas médicas e, neste estudo, escolhi para a pesquisa empírica a ala denominada “Lar-Abrigado”, conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS) e em funcionamento desde janeiro de 1996. Este ambiente está localizado na Vila da Boa Vontade, um anexo ao hospital que possui cinco casas e tem capacidade máxima para trinta moradores, porém, atualmente, possui apenas vinte e dois. As moradias apresentam algumas limitações, como a proibição de fogões, aparelhos eletrodomésticos e objetos pontiagudos. Há ainda, na composição espacial do local, um quintal coletivo, um refeitório e uma sala para artesanatos. A rotina hospitalar envolve uma dinâmica de tratamento medicamentoso e religioso, ambos obrigatórios.
Embora o ambiente psiquiátrico condicione atitudes e interpretações dos pacientes que são modeladas pelo ambiente hospitalar, a cotidianidade asilar demonstra diferentes formas de resistências que subsistem para além da proposta institucional. Neste sentido, proponho, a partir da experiência etnográfica, compreender como esses moradores do Hospital Espírita de Marília, interpretam, vivenciam e experimentam o ambiente em que vivem. Busco observar as auto-organizações daqueles que habitam o local institucional e, assim, reconhecer as motivações, preocupações e anseios que permeiam suas cotidianidades. Em tempos de retrocessos no campo da saúde mental brasileira, compreender essas formas de resistência e lançar luz à ideia de agência em indivíduos institucionalizados permanentemente torna-se fundamental para (re)pensar questões que tangem as políticas públicas e as cotidianidades institucionais.
Referência:
LANGDON, E. J. &. WIIK, F. B. Antropologia, saúde e doença: uma introdução ao conceito de cultura aplicado às ciências da saúde. Rev. Latino-Am. Enfermagem, 2010.
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Loucura e ressocialização: o modelo de atendimento às pessoas com transtornos mentais na República Terapêutica de Passagem (RTP) e o direito à saúde mental Autoria: Patricia Queiroz Freitas Autoria: A perspectiva organicista, que encara a loucura como efeito de um distúrbio fisiológico, e psicofuncional, que a entende como uma desorganização da personalidade é insuficiente para contemplar a história e os desdobramentos desse conceito. Na visão antropológica, para além de uma suposta localização no corpo ou na mente, entende-se a loucura a partir de uma conexão relacional com a realidade: é um estado que se contrapõe ao ideal de normalidade. Em função desse afastamento das normas, pessoas que violam o código penal em situação de sofrimento mental são tidas como loucas e enclausuradas em manicômios judiciários. São, então, desumanizadas e têm seus corpos estigmatizados pela cultura da normalidade. A mudança dessa realidade, bem como a garantia dos direitos humanos de pacientes egressos do Hospital Geral Penitenciário (HGP) no estado do Pará, visa a estabelecer modelos substitutivos de internação, como preconiza a reforma psiquiátrica no Brasil. Observar a trajetória de violação desses pacientes é entender a necessidade de estabelecer modelos de ressocialização que fortaleçam os serviços residenciais terapêuticos, os centros de atenção psicossocial, entre outros serviços que propõem o resgate da autonomia e da dignidade humana, medidas de auxílio psicossocial e socioassistencial. A Lei 10.216/2001, que dispõe sobre os direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, é a garantia institucional principal para fomentar esse debate dentro do campo da justiça e dos direitos humanos. Especificamente a República Terapêutica de Passagem aproxima-se do que é legalmente preconizado ao oferecer um serviço substitutivo à internação no já citado HGP e proporcionar uma digna reinserção social de uma população negligenciada pela execução penal que impossibilita, com retrocessos na política de saúde mental, o pleno desenvolvimento de ações decisivas para o benefício da coletividade.
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Micropolíticas no Atendimento Psicossocial em saúde mental: O CAPS II de Araraquara Autoria: Luiz Ricardo de Souza Prado Autoria: O presente work é resultado de uma pesquisa de Mestrado em andamento que visa analisar os impactos concretos das atuais políticas públicas de saúde mental no Brasil nas formas de concepção da subjetividade e doença mental por parte dos familiares dos usuários de um serviço de atenção psicossocial. Para isso, realizamos etnografias no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) II de Araraquara, em especial no grupo de familiares da instituição e nas reuniões da equipe técnica, no intuito de apreender como (ou se) o envolvimento nas atividades se efetiva em alguma forma de mudança.
Como resultados parciais, foi observado que a presença na instituição fomenta a possibilidade de pensar relações sociais em termos médicos por parte dos familiares, que ressignificam os comportamentos socialmente indesejados dos usuários da instituição na forma de doença, traduzindo os saberes e práticas veiculados na instituição para suas realidades locais. Desta forma, aponta-se que a participação dos chamados familiares no CAPS II constitui-se em um entrecruzamento entre o projeto ético-político de cuidado veiculado pelos profissionais enquanto equipe técnica que é traduzido nas formas cotidianas de cuidado elaboradas pelos familiares de acordo com seus desejos e possibilidades culturais, sociais e econômicas.
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O Sistema de Regulação do Ministério da Saúde (SISREG) como experiência de violação do direito ao acesso à saúde por pacientes de um Ambulatório de Nutrição no Rio de Janeiro Autoria: Jaqueline Teresinha Ferreira, Gláucia Figueiredo Justo
Jaqueline Ferreira Autoria: Desde agosto de 2012, na cidade do Rio de Janeiro, os médicos de família que atuam como responsáveis técnicos de cada unidade são os responsáveis pela regulação por meio do Sistema de Regulação do Ministério da Saúde, o SISREG. Esse sistema de marcação, cujo objetivo é democratizar o acesso aos serviços de saúde, ocorre de maneira on-line, estando disponíveis as consultas para especialistas e exames para apoio diagnóstico em toda a rede. Através da etnografia da sala de espera de um ambulatório de nutrição de uma policlínica pública na cidade do Rio de Janeiro, buscamos analisar como tais percebiam o direito a saúde e interpretaram essa nova forma de reorganização dos agendamentos. Observou-se que o SISREG não foi percebido como facilitador de acesso pelos interlocutores, ao contrário: a demora na fila de espera para o agendamento de consultas e exames, a lentidão na entrega de resultados de exames clínicos e o longo tempo entre a marcação e a consulta foram apontados como violação ao direito à saúde. Observou-se que a satisfação e o direito garantido perpassam pela noção de sair da consulta ou da unidade de saúde com a data do atendimento com o médico especialista ou do exame. A ideia de meritocracia na batalha de garantia de vaga nos serviços nas antigas e longas filas são totalmente legítimas por esses usuários na lógica de “nada na vida se tem sem esforço”. Passar horas na fila, perder um dia de work, pagar pela reserva de vaga, lutar pela senha eram atitudes que permitiam ao usuário “conquistar” o seu direito. Dentro dessa lógica, a antiga forma de acesso às vagas seria restrita àqueles que se empenhavam em alcançá-las, e isso foi relatado como uma forma mais justa do que ficar em casa esperando nessa “fila invisível”. O SISREG foi interpretado como estar “abandonado em filas invisíveis”, estar sob os cuidados de um médico desconhecido, sem perceptivas sobre o resultado de exames e de marcação de cirurgias. Isso implicava com que os usuários se sentissem abandonados, diante de lógicas que não atendiam suas necessidades e, consequentemente, com seus direitos violados. A abordagem antropológica etnográfica permitiu vislumbrar o protagonismo do usuário, dele ser ouvido não como o “paciente” oprimido pelo poder institucional, mas como usuário observador, reflexivo e crítico, capaz de avaliar as relações com os profissionais de saúde e as políticas públicas de acesso à saúde.
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O Sujeito na Loucura em Conflito com a Lei: Esquemas Narrativos de Subalternização, Agência e Racialidade no Brasil Autoria: João Vinicius Marques Autoria: Neste work me proponho a analisar as invisibilidades e os rastros dos sujeitos considerados loucos e em conflito com a lei nas medidas de segurança no Brasil. Para tanto, recorro inicialmente às construções jurídicas modernas da medida de segurança e do manicômio judiciário como textos através dos quais comumente o sujeito considerado louco em conflito com a lei é representado. Encaradas como representações textuais através das quais esse sujeito é evocado e simultaneamente proscrito sob o estigma do louco infrator, recorro ao perfil demográfico dessa população, de maioria negra, pobre e segregada das políticas de saúde e cidadania (Débora DINIZ), com o propósito de contextualizar a subalternização e a invisibilidade do sujeito considerado louco em conflito com a lei no interior dos desdobramentos históricos e políticos da racialidade no Brasil.
Subsequentemente, retomo o surgimento dos manicômios judiciários e do sujeito considerado louco infrator no Brasil do início do século XX (Sérgio CARRARA) sob o tempo e espaço das convulsões sociais e políticas pós-abolição da escravatura. Sob esse contexto, em que se sobrepõem o desenvolvimento das políticas punitivas e disciplinares no Brasil sob os projetos científicos raciológicos (Lilia SCHWARTZ) e sob o medo branco da insurgência negra (Cecília AZEVEDO; Sidney CHALHOUB), os manicômios judiciários e a biopolítica brasileira (Roberto MACHADO) são recontados tomando por referência uma conexão cultural e histórica com uma matriz negada da modernidade ocidental (Louis DUMMONT, Paul GILROY), cuja persistência é uma hierarquia da racialidade (Sueli Carneiro).
Tomando por diagnóstico uma certa exaustão das grandes narrativas ocidentais para a inteligibilidade do outro subalterno na sua diversidade (Gayatri SPIVAK), proponho a necessidade do reconhecimento da incorporação de outros parâmetros interpretativos (e de outros intérpretes) da realidade e da existência subalterna dos sujeitos considerados loucos e em conflito com a lei sob as múltiplas realidades brasileiras. Valendo-me da contribuição da tragédia literária de Ponciá Vicêncio (Conceição EVARISTO), acerca da subjetividade e do conflito com a ordem enredada no cotidiano subalterno afro-brasileiro, proponho como conclusão uma abordagem da existência do sujeito que reconheça a multiversidade de pertencimentos e trajetórias subscritas à subalternidade e a sua irredutibilidade à experiência do cárcere ou do asilamento psiquiátrico, tomando por referência uma arquetipia de humanidade subalterna negra e dissidente, em contraste às matrizes humanísticas dominantes de universalidade, eurocêntricas e brancas.
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Redes de atenção à saúde, Integralidade e o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena: notas etnográficas Autoria: Amanda Silva Rodrigues Autoria: Embora os povos indígenas do Brasil só tenham sido ‘incluídos’ no Sistema de Saúde anunciado pela Constituição Federal de 1988 um ano depois, quando foi criado o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, os elementos que norteiam e regulam o ‘desenho’ e a implementação desse Subsistema – sua organização, o funcionamento e planejamento dos serviços –, são aqueles pensados na referida carta magna e nas Leis Orgânicas da Saúde. A implantação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas – principal mecanismo utilizado pelo Ministério da Saúde para operacionalizar o serviço de saúde indígena – foi marcada pela irrupção de conflitos entre conceitos norteadores como a territorialização, a lógica de financiamento dos serviços e as descontinuidades no funcionamento deles. Todavia o modo de funcionamento do Subsistema de Saúde Indígena – ancorado no modelo de distritalização; no planejamento de programas e ações de saúde definidos em consonância à Política Nacional de Saúde – não oferece condições para se contemplar a diversidade dos povos indígenas. O próprio SUS e o modelo de saúde adotado por ele já contém uma série de limites no que diz respeito à integralidade da assistência à saúde que logra oferecer à população. Questões como essa emergem quando se analisa as Redes de Atenção à Saúde que permeiam e organizam o work das equipes de saúde que atuam nesses distritos. Desejo pensar sobre essas questões, tomando como fio condutor situações vivenciadas por indígenas que necessitam de atendimento à saúde fora da comunidade, a partir de vivências junto ao povo Tupinambá de Olivença-BA.
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República Terapêutica de Passagem: um dispositivo que transforma a exclusão em afetos e (re)conexões Autoria: Ítala Suzane da Silva Figueiredo, Érica Quinaglia Silva, UNB, UFPA Autoria: A República Terapêutica de Passagem é um serviço de acolhimento temporário que abriga pessoas com transtornos mentais que tiveram um conflito com a lei. Essa instituição tem como finalidade a ressocialização dos egressos do Hospital Geral Penitenciário (HGP) que cumpriram uma medida de segurança no estado do Pará. Este estudo objetivou analisar as vivências desses egressos dentro desse contexto e evidenciar as potencialidades que esses sujeitos têm de ser e se reinventar após a mortificação sofrida em uma instituição total. Para tanto, foi realizada uma etnografia mediante entrevistas com essa população e observação participante das/nas atividades cotidianas. Durante as observações e interlocuções com os egressos, funcionários e gestor, pode-se perceber que, apesar do longo período de enclausuramento no HGP, há uma capacidade de resiliência e a consequente troca de afetos, o desenvolvimento da autonomia e o resgate de identidades enquanto seres possuidores de direitos. Conclui-se que esse serviço é de suma importância para o fortalecimento dos vínculos familiares e reinserção desses egressos no meio social.
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Saúde Mental e Direitos Humanos: uma abordagem histórica das acepções sobre a loucura Autoria: Flávia Siqueira Corrêa Zell, Flávia Siqueira Corrêa Zell
Érica Quinaglia Silva Autoria: Este artigo remete de forma crítica às lutas emblemáticas que atravessam o campo psiquiátrico no tocante ao tratamento social desprendido aos indivíduos acometidos de doença mental, enfocando as dialéticas contemporâneas sobre a (não) observância ao princípio da dignidade humana. Para a abordagem histórica será considerado o marco da Revolução Francesa como divisor do encargo social que a loucura incidia na sociedade, já que o período pós-revolução é demarcado com o culto da razão, pela relação contratual e pela livre circulação de mercadorias, o que caracterizava o louco como incapaz de produzir, já que não trabalhava, acarretando uma segregação social, não exercendo, portanto, a cidadania plena. A tutela desses indivíduos foi chancelada à figura do psiquiatra, onde podemos citar o surgimento da Medicina Social, difundida por Pinel, com a necessidade do controle do desvio do louco. O isolamento era justificado pela busca da cura. É neste cenário, a partir dos meados do século XX, que duas inflexões históricas marcantes surgem como fomentadora para o crescimento do debate sobre o tratamento a ser investido nos indivíduos com transtornos mentais: as conquistas em termos de direitos humanos e sociais pós-Segunda Guerra e a progressiva globalização neoliberal em curso. No campo da Saúde Mental, os movimentos de reforma psiquiátrica foram fortalecidos em virtude do crescimento econômico, reconstrução social, movimentos civis de luta contra as exclusões e preeminência de ideologias libertárias, e foram ratificados pela popularização da Psicanálise e o nascimento da “Saúde Pública”. Dessa forma, se fez necessário traçar um compêndio histórico a cerca da loucura trazendo os pontos convergentes e as discrepâncias no que se refere a dicotomia Saúde Mental versus Direitos Humanos, para que possamos refletir sobre a dificuldade de ser firmar os direitos humanos em uma sociedade excludente, onde os indivíduos com transtornos mentais são inseridos como cidadão de forma utópica (inserir por inserir), já que a confirmação da cidadania intrínseca, de se sentir parte da sociedade, não ocorre efetivamente.
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Seguindo os fios de Ariadne: Uma etnografia sobre as narrativas de indígenas Guarani e Kaiowá em seus itinerários pelas redes do SUS Autoria: Jéssica Camile Felipe Tivirolli, Jéssica Camile Felipe Tivirolli (PPGAnt/UFGD)
Esmael Alves de Oliveira (FCH/PPGAnt/UFGD) Autoria: O presente work faz parte da pesquisa intitulada “Uma etnografia das narrativas e das experiências: redes de narradores indígenas, vozes e silêncios no Subsistema de Saúde Indígena em Dourados-MS”, desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Grande Dourados, onde buscamos compreender por meio das narrativas dos sujeitos indígenas das etnias Guarani e Kaiowá, localizados no município de Dourados-MS, seus itinerários em torno do Sistema Único de Saúde (SUS). Ao mesmo tempo em que observamos alguns marcos legais no que se refere à política de saúde diferenciada para as populações indígenas do Brasil, e que certamente representam avanços, por outro lado, no que tange à efetividade dos serviços de saúde, nos deparamos com vários impasses e contradições. Constata-se que os direitos garantidos no âmbito político-jurídico nem sempre são reconhecidos, e muitas vezes são violados no cenário prático do SUS, sendo perceptível uma desarticulação entre o modelo de ação/gestão proposto e a experiência real. Tais rusgas e brechas expõem uma trama complexa, passível de ser pensada e, dessa forma, instiga-nos a indagar: Será que tais serviços buscam, de fato, atender as demandas desta população considerando suas especificidades? Assim, acreditamos que, ao acompanhar os itinerários dos sujeitos indígenas que acessam os vários pontos da rede de atenção, em especial CASAI (Casa de Assistência da Saúde Indígena), ESF (Estratégia de Saúde da Família) e CONDISI (Conselho Distrital de Saúde Indígena), em sua busca por acesso à saúde e suas distintas mobilizações políticas, será possível compreender não apenas os impasses existentes, mas também, e principalmente, suas estratégias de mobilização e resistência. A partir dessas considerações delineia-se a proposta de realizar uma etnografia das narrativas, ancorada pelas teorias da performance, considerando as diferentes dinâmicas de sentido e agenciamento dos espaços relacionais narrados e vivenciados pelos indígenas. Desta forma, percorrendo esses itinerários permeados por vozes e silêncios, tecidos e experienciados pelos indígenas na condição de usuários, intenta-se traçar e percorrer algumas “linhas de fuga” que permitam uma compreensão ampliada dos processos coletivos de busca e produção de uma saúde diferenciada para os povos indígenas.
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Suporte mútuo e participação na produção de conhecimento: uma iniciativa de pesquisa com usuários e usuárias da rede de saúde mental do Rio de Janeiro. Autoria: Angela Pereira Figueiredo Autoria: O presente work é referente ao processo de uma pesquisa de doutorado que se encontra em andamento e que propõe a realização de um estudo com usuários e usuárias de grupos de ajuda e suporte mútuos, feitos dentro de serviços de saúde mental no Rio de Janeiro. Este pretende dar continuidade à minha dissertação de mestrado, que teve como foco a análise dos processos de recovery e de empoderamento de usuários e usuárias de um grupo de ajuda e suporte mútuos, para, junto com esses atores, construir uma pesquisa que conte principalmente com suas participações desde a sua elaboração inicial. Por recovery, temos principalmente um amplo processo no qual o usuário e a usuária passam para enfrentar as limitações que o sofrimento psíquico trouxe às suas vidas, a fim de que possam desenvolver seus protagonismos e cidadanias na sociedade, a despeito das dificuldades associadas ao diagnóstico. Nos grupos de ajuda e suporte mútuos, liderados pelos próprios usuários e usuárias, é realizado o compartilhamento de experiências de cada participante, sendo, assim, importantes dispositivos para a lida com suas questões cotidianas.
Por meio da prática com os grupos, e da convivência a longo prazo desenvolvida com os usuários e as usuárias durante a pesquisa de mestrado já realizada, propus este estudo no intuito de contar principalmente com suas experiências de vida de lida cotidiana com o sofrimento psíquico e com os dispositivos de cuidado da nossa rede pública de saúde mental. Para tanto, foi formado um coletivo de pesquisa com três usuários e três usuárias que fazem parte do grupo de ajuda e suporte mútuos, e/ou dos serviços de saúde mental do Rio de Janeiro, para que os objetivos da tese sejam construídos conjuntamente desde o início. São fundamentais, desse modo, os saberes locais que se baseiam principalmente em suas experiências pessoais com o manejo de seus tratamentos em meio aos vários dispositivos de cuidado da nossa rede de saúde mental.
Os exercícios da autonomia e da cidadania, pressupostos da Reforma Psiquiátrica, são fundamentais quando visamos a inserção de pessoas com sofrimento psíquico na sociedade, lutando contra o estigma e a exclusão de que ainda sofrem. Para além da defesa do protagonismo no âmbito dos serviços, são igualmente importantes as suas participações na produção de conhecimento em torno das políticas públicas que sustentam as práticas na saúde. Com esta iniciativa, busco contribuir para a sustentabilidade da Reforma Psiquiátrica por meio do incentivo ao protagonismo de usuários e usuárias da saúde mental também na produção do conhecimento que seja implicado com os avanços na área e, sobretudo, com a manutenção dos fazeres democráticos, considerando os retrocessos e as graves ameaças que circundam o SUS e as políticas sociais.
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Transmasculinidades, corpo e biolegitimidade: de uma política das identidades às políticas públicas em Saúde em Mato Grosso Autoria: Marcos Aurélio da Silva Autoria: A partir de relatos de experiências e narrativas de homens trans de Cuiabá, o work busca refletir sobre as políticas de identidades e suas movimentações sociais recentes na cidade com a criação da sessão local do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades, na produção de contextos possíveis e habitáveis na produção desses sujeitos. O objetivo central é discutir esse contexto a partir do conceito de biolegitimidade (cf. Sonia Maluf e Didier Fassin) como um “dispositivo de produção de direitos, de reconhecimento e de acesso a serviços por parte do Estado” (MALUF, 2018), num momento em que o Estado de Mato Grosso está sendo cobrado pelo Ministério Público a prover os serviços ambulatoriais decorrentes do processo transexualizador do SUS – ao mesmo tempo em que se assiste nacionalmente um desmonte desse sistema. A pesquisa etnográfica busca assim a reflexão sobre as políticas públicas de saúde quando estas se dirigem ao campo dos direitos humanos ou do direito à vida, compreendendo aí as identidades sexuais e de gênero, o que coloca em conflito os saberes biomédicos e as experiências de vida desses homens trans, em que a ideia patologização se constitui num limiar que tanto pode significar preconceitos e violências simbólicas, quanto a possibilidade de subjetivar e ser reconhecido pelo Estado. Ainda no campo dos conflitos entre saberes, a pesquisa também questiona em que medida o processo ambulatorial desafiará e será desafiado pelos itinerários terapêuticos dos homens trans, pois o Estado não aterrissa no vazio, ou seja, já há uma série de práticas de saúde e autocuidado que esses sujeitos perseguem e não podem ser ignoradas pelos gestores públicos da área da saúde, tampouco serem simplesmente proibidas por força de lei, como os processos de hormonoterapia. É possível o diálogo entre os diferentes saberes e essas diferentes experiências político-corporais? A pesquisa faz parte do projeto “Territórios marginais, políticas da vida e conflitos de saberes: itinerários terapêuticos da população LGBT da Baixada Cuiabana”, coordenado por mim, junto ao Instituto de Saúde Coletiva e ao Núcleo de Antropologia e Saberes Plurais (NAPlus) da Universidade Federal de Mato Grosso. A pesquisa também está ligada à rede de pesquisa Saúde: Práticas Locais, Experiências e Políticas Públicas do INCT Brasil Plural (UFSC/UFAM/ UFMT), dentro do projeto Cuidados de si e políticas da vida: políticas públicas e experiências sociais no campo da saúde e da cidadania no Brasil, coordenado pela Profª. Drª. Sônia Weidner Maluf.
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Vulnerabilidade e exclusão social no contexto da Fístula Obstétrica em Moçambique Autoria: Lucia Helena Barbosa Guerra Autoria: Tem se registrado um crescente interesse dos pesquisadores das Ciências Sociais, particularmente da antropologia em investigar temáticas relacionadas com saúde e doença, estabelecendo-se como um campo em pleno processo de consolidação, incluindo seus desdobramentos específicos. Segundo a antropóloga moçambicana Esmeralda Mariano (2010:75), estes estudos emergiram no contexto do crescimento das doenças sexualmente transmissíveis, especialmente o HIV/AIDS. Atualmente as abordagens sobre gênero e saúde, tem se restringido quase que em sua totalidade às questões de saúde sexual e reprodutiva, cidadania e políticas públicas (Maluf, 2010). Neste panorama, torna-se particularmente relevante o papel que as investigações antropológicas desempenham na construção social do corpo feminino, uma vez que estudos empíricos bem conduzidos, sobretudo em contextos africanos, constituem a contraparte essencial do work teórico (James & Prout, 1990).
A proposta de artigo que ora apresento é um recorte da minha tese de doutoramento e tem por objetivo discutir algumas experiências sobre exclusão e vulnerabilidade no contexto da Fístula Obstétrica em Moçambique, a partir de uma abordagem da antropologia da saúde. Nessa perspectiva, as questões que norteiam as discussões dizem respeito à submissão feminina desencadeada pelo processo de construção social de gênero em Moçambique, e que tem influência direta sobre a vulnerabilidade feminina durante o casamento, gestação, parto, sobre as práticas preventivas à infecção do HIV e o uso de métodos contraceptivos.
Para tanto, desenvolvo uma análise dos dados da etnografia realizada no ano de 2015, nas cidades moçambicanas de Nampula, Beira e Maputo, capital do país, que teve como sujeito da pesquisa mulheres que procuraram tratamento cirúrgico nos três hospitais de referência para tratamento da doença no país. Ao todo, foram aplicados 162 questionários e entrevistadas vinte pacientes que trazem consigo diferentes trajetórias familiares, conjugais e reprodutivas, mas com um ponto em comum: são mulheres marcadas pela Fístula Obstétrica.
A Fístula Obstétrica é uma doença incapacitante, decorrente de uma comunicação anormal entre a bexiga e a vagina em virtude da destruição dos tecidos moles por compressão da cabeça do feto durante o work de parto. Causando perda constante de urina e em alguns casos fezes pela vagina, e impossibilidade de locomoção. Estas mulheres enfrentam dificuldades para conviver com família, amigos e em muitos casos são abandonadas pelos maridos, passando a viver como “dead women walking”, isoladas devido ao odor fétido que exalam (Ahmed e Holtz, 2007). A doença só pode ser reparada através de intervenções cirúrgicas, o que dentro da realidade moçambicana pode gerar anos de espera e sofrimento.
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“Se eu responder, é porque eu sou nega, burra, mal educada, sou isso e sou aquilo” Uma análise acerca da experiências das “mães de micro” negras recifenses, seus direitos e o racismo Autoria: Gabriela da Costa Silva Autoria: Este work tem como intuito observar as experiências de “mães de micro” negras no Recife, ponderando sobre suas difíceis trajetórias, mediante a epidemia de Zika vírus em seu estado, sua relação com a noção de cuidado e a perspectiva da maternidade atrelada às mulheres negras, nesse contexto. Através da leitura e análise dos diários de campo produzidos no Projeto “Síndrome congênita do vírus Zika em Recife/PE: uma antropologia dos ímpetos maternos, científicos e políticos”, serão selecionados relatos e histórias de mulheres negras, tomando-as como base para essa pesquisa, com intuito de salientar suas trajetórias e ressaltar suas experiências no âmbito da epidemia do Zika vírus. Nesse sentido, este pretende realizar apontamentos acerca dos aspectos raciais nos estudos recentes sobre as “mães de micro”, a presença ou ausência dessa categoria e sua relevância nessas análises temáticas, visando apontar a restrição de direitos a qual estão submetidas, o reduzido acesso a saúde de qualidade para seus filhos e elas mesmas, e por fim, a urgência da construção de políticas públicas direcionadas a esse público especificamente, no que tange a saúde pública.
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“Uma saúde que não é plena mas é possível”: comentários acerca do V Fórum Catarinense sobre Doenças Raras. Autoria: Everson Fernandes Pereira Autoria: A proposta deste work tem como pano de fundo uma experiência etnográfica em um evento sobre doenças raras que contou com a participação de pacientes, representantes de associações de pacientes com doenças raras, médicos de diferentes especialidades, políticos, familiares de pacientes, pesquisadores, e interessados em geral. O V Fórum Catarinense sobre Doenças Raras foi realizado pela Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (ALESC), pela Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência e a Escola do Legislativo Deputado Lício Mauro da Silveira. Também contou com o apoio da Federação de Apaes do Estado de Santa Catarina, a Fundação Catarinense de Educação Especial, o Conselho de Apaes da Grande Florianópolis e o Hospital Infantil Joana de Gusmão.
A partir das falas dos participantes, este work discute as interlocuções que as associações de pacientes com doenças raras mantém com diversos outros atores envolvidos, como médicos de diferentes especialidades, representantes da indústria farmacêutica, políticos e entre as próprias associações. Ainda, a partir das narrativas, busca-se discutir como as políticas públicas de saúde impactam as vidas de seus usuários. Para isso, são mobilizadas noções de biossociabilidades, cidadania genética, biopolítica e outras.
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