GT 008. Antropologia da cidadania
Marcus André de Souza Cardoso da Silva (PPGEF/UNIFAP) - Coordenador/a, Luís Roberto Cardoso de Oliveira (Universidade de Brasília) - Coordenador/a, Lenin dos Santos Pires (Universidade Federal Fluminense) - Debatedor/a, Luiz Eduardo de Lacerda Abreu (Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília) - Debatedor/a, Juliana Gonçalves Melo (Professora adjunta IV da Universidade Federal do Rio Grande do Norte) - Debatedor/aA terceira onda democratizante na América Latina não se mostrou capaz de suprimir desigualdades estruturais nem garantiu a efetivação dos direitos civis e sociais dos cidadãos. Isto representou um desafio às abordagens formalistas da teoria política, incapazes de explicar satisfatoriamente as especificidades que caracterizaram este processo.
Nesse cenário, a antropologia, com seu foco etnográfico, tem muito a contribuir para o debate sobre “direitos”, “cidadania”, “igualdade” e “justiça”. Ao deslocar a análise da dimensão formal da cidadania para como os direitos são vividos, concebidos e problematizados cotidianamente pelos atores sociais, abre-se espaço para perceber rearranjos e concepções distintas da formulação eurocêntrica. Ao fazer isso, os antropólogos têm desestabilizado abordagens que naturalizam o modelo liberal, demonstrando que não é possível compreender a “cidadania” como um status puramente legal que garante ao indivíduo um conjunto de direitos e deveres em sua relação com o Estado.
Tendo isto em mente, o GT busca comparar e debater trabalhos etnográficos que abordem: como a “cidadania” é significada por diferentes atores associados às agências do Estado, ONGs, movimentos sociais e outros coletivos; como se dão as relações que estes diferentes atores estabelecem entre si; quais são os desafios metodológicos dos estudos etnográficos sobre “cidadania”.
Resumos submetidos |
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"Direito machista, direito racista: etnografia das práticas de advocacia feminista e antirracista em Salvador (BA)" Autoria: Andressa Lídicy Morais Lima Autoria: Este work se propõe a apresentar uma etnografia com mulheres que se autoafirmam como advogadas feministas e antirracistas que hoje estão organizadas em coletivos, movimentos, organizações e redes. É parte de minha pesquisa de tese de doutoramento em antropologia social sobre a mobilização do direito por advogadas feministas e antirracistas realizada em Salvador, Bahia, Brasil entre 2016 e 2018. Para isso coloco em relevo as práticas de atuação dessas mulheres em diferentes contextos de atividade profissional dentro e fora do Poder Judiciário. Procurei não só conhecer seu "modos operandi", isto é, suas práticas e modos de ação, como também mapear as “gramáticas morais” que guiam suas estratégias de produção e atuação na defesa judicial em contextos múltiplos de ação, tanto nas atividades de audiência como na produção de teses feministas, bem como entender de que modo este engajamento jurídico feminista vêm sendo alavancado dentro do Direito e do Poder Judiciário por essas interlocutoras. Teoricamente informada por autores como Cardoso de Oliveira (2011; 2018), Honneth (2003; 2015) e Allen (2015; 2016) reflito sobre as experiências suscitadas pela investigação da atuação, engajamento e participação dessas advogadas na formação de uma rede de mobilização do direito que considera “fazer justiça” a luta pelo reconhecimento das mulheres, caracterizada pela forte tradição de resistência política e social e pela emergência de novas formas de associativismo e ação coletiva que marcam a busca por direitos e cidadania potencializados pela noção de interseccionalidade.
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A arte e o esporte na segurança pública em Minas Gerais Autoria: Márcio Bonesso Autoria: O objetivo geral do work é apresentar o uso do esporte e da arte como dispositivos de prevenção à criminalidade, executado pelos gestores, técnicos sociais e oficineiros da Secretaria de Estado e de Defesa Social/MG (SEDS), no município de Uberlândia. O work também tem como intuito apresentar a criação das políticas de segurança pública amparadas na articulação dos eixos da proteção social e repressão qualificada. Tem como destaque as políticas culturais do Programa Fica Vivo e sua atuação na chamada Rede Leste – conjunto de ações sociais empreendidas por organizações locais e supralocais fomentadas no setor. Os procedimentos metodológicos foram: observação etnográfica, interpretação de livros de ata das reuniões, entrevista com gestores, técnicos sociais e oficineiros. O município de Uberlândia conta com a segunda maior população de Minas Gerais, com aproximadamente 680.000 habitantes, e está situado na região do Triângulo Mineiro, a mais de 550 km da capital mineira. A criação deste desenho normativo teve como base metodológica a articulação do eixo da proteção social, cujo foco está na realização de oficinas culturais e redes de assistência social para jovens habitantes das chamadas áreas de risco, e o eixo da repressão qualificada, executado pelo Grupo Especializado de Policiamento de Área de Risco (GEPAR). Em síntese, o artigo deseja responder a seguinte pergunta: o compromisso das ações governamentais em criar um padrão científico de políticas de segurança pública, que envolve o uso da arte e do esporte enquanto dispositivos de prevenção ao crime, gerou uma eficácia simbólica no município de Uberlândia? Os resultados obtidos na pesquisa demonstram em Uberlândia uma primazia do eixo da repressão qualificada sobre o eixo da proteção social, com a expansão do policiamento especializado nas áreas de risco sem a inclusão compatível dos funcionários ligados aos programas preventivos, gerando assim, nos últimos anos, um processo acelerado da população carcerária no município. Ademais, apesar de residual, apresentaremos como algumas narrativas de performances públicas se materializam na rede leste. É inegável como as ações dos técnicos, gestores e oficineiros, sobretudo pelo uso dos atendimentos psicossociais, das oficinas de artes e esportes são experiências que possuem dimensões capilarizadas que colaboram, em certos casos práticos, de forma qualitativa, para uma melhor condição de vida dos jovens dessas localidades pobres. Todavia, como vimos, em termos macrossociais, a política estadual de segurança pública segue no município a tendência de várias cidades e unidades federativas, ao estabelecer estratégias governamentais que engrossem o caldo do racismo institucional e do encarceramento massivo brasileiro.
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Acessando o espaço judicial: reflexões sobre acesso a direitos, cidadania e justiça cível no Brasil Autoria: Elizabete Pellegrini Garcia Autoria: O processo judicial é, inicialmente, um ritual. Organizado em torno de um palco, tal como qualquer outra representação, o primeiro gesto da Justiça consiste em delimitar um lugar, circunscrever um espaço propício à sua realização. O presente artigo tem como pano de fundo os itinerários percorridos pelos cidadãos que procuram o “espaço judiciário” (Garapon, 1997).
Ao descrever esse percurso, minha intenção foi olhar para o acesso à Justiça para além das práticas e interações, considerando a experiência proporcionada pelo ”espaço judiciário” na esfera da justiça informal cível. Como o "ritual judicial” aparece nas práticas informais? Não havendo acusados e crimes, como a pressão do tempo acontece no ritual da justiça cível? O que o ”espaço judicial” das salas de audiências informais comunica? São essas algumas das reflexões que pretendo fazer nesse artigo, originário de uma pesquisa de mestrado que buscou analisar quais os sentidos de consenso e de justiça estão sendo construídos e evocados pelas pessoas envolvidas nas práticas de conciliação judicial.
Nem todos experimentam da mesma forma o “espaço judiciário”. O mesmo itinerário, quando percorrido por indivíduos diferentes, não tem o mesmo valor. O espaço judiciário exerce um efeito inibidor que induz a submissão à instituição. Essa inibição atinge o seu ápice na sala de audiências, onde o espaço favorece o controle direto dos funcionários da justiça e reforça a sujeição dos cidadãos às regras judiciais e controle estatal.
Os dados etnográficos apontaram que, ainda que as políticas judiciais prometam um “novo acesso à justiça”, as práticas discriminatórias e desiguais do sistema de justiça ainda guiam o atendimento ao público nas práticas informais. A mediação impositiva e autoritária dos funcionários, a linguagem jurídica, as formalidades processuais e o tratamento diferenciado dispensado a advogados e ao público em geral proporcionam um acesso a direitos que não atinge a todos da mesma forma.
Notadamente, os “espaços judiciais” reservados à execução das políticas públicas em prol de métodos informais reproduzem desigualdades econômicas, sociais, raciais e de gênero, tal como apontam as vantagens processuais dos “repeat players” (Galanter, 1974; Gabbay et. al., 2016), o tratamento recebido pelas vítimas de violência doméstica e a presença do racismo institucional. Essas reflexões apresentam uma atuação forte do Estado em políticas repressivas, regulatórias ou atuariais que controlam e reproduzem as condições sociais e econômicas de competição e, portanto, de desigualdade (Garapon, 2008; Dardot & Laval, 2016; Foucault, 2008).
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Cidadania e direito à cidade entre três gerações de trabalhadores periféricos de São Paulo Autoria: Leonardo de Oliveira Fontes Autoria: A partir de uma pesquisa etnográfica realizada entre 2015 e 2016 em dois distritos periféricos de São Paulo, pretende-se elaborar algumas reflexões a respeito das distintas concepções de cidadania e “direito à cidade” formuladas ao longo de três gerações. Argumenta-se que a cidadania deve ser entendida como estratégia política (Dagnino, 1994) e, desse modo, deve ter seu conteúdo formulado a partir dos modos de vida e das dinâmicas concretas de luta política travadas em cada contexto histórico e social concreto.
Para a primeira geração analisada, que ocupou as periferias da cidade ao longo das décadas de 1970 e 1980 e que constituiu os primeiros movimentos sociais a partir de organizações locais gestadas no seio das Comunidade Eclesiais de Base, a ideia de cidadania e de direito à cidade estava intimamente relacionada com a conquista de direitos políticos de participação popular e de direitos sociais ausentes nas precárias periferias urbanas.
Ao longo do processo de formação da segunda geração, nas décadas de 1990 e 2000, observam-se importantes mudanças no modo de vida dos que habitam as periferias urbanas, sobretudo no que se refere a processos de individuação. Essa geração ainda é formada em parte por migrantes, mas já é constituída, em boa medida, por pessoas nascidas e criadas nas próprias periferias. Paralelamente, os movimentos sociais surgidos no período anterior passaram por um processo de institucionalização, o que acabou por concentrar as lutas pela cidadania em espaços públicos abertos pelo próprio Estado. Em larga medida, a concepção de cidadania para esta geração se mantem alinhada com as concepções da geração anterior uma vez que a conquista e consolidação de direitos políticos e sociais seguem como principal meta da luta política.
Finalmente, a partir de meados da década de 2000 e com mais força nos anos 2010 é possível observar a emergência de uma nova geração de sujeitos políticos que buscam entrar em cena a partir da organização de movimentos e coletivos culturais. Esses movimentos de cunho fortemente identitário têm nos saraus de poesia seu principal espaço de expressão. A partir de uma luta pela valorização do que consideram ser a “cultura periférica”, esses sujeitos lutam não apenas pelo direito à igualdade, mas também pelo direito à diferença de forma a romper com a lógica excludente com que a cidadania historicamente se estabeleceu no Brasil. Desse modo, para além de uma luta centrada na conquista do direito à cidade essa nova geração busca conquistar o direito à periferia, entendido a partir da articulação entre luta política e a luta cultural de modo a reconhecer uma relação intrínseca e não oposta entre a igualdade e a diferença.
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Cidadania e judicialização das relações sociais no campo da "violência de gênero" Autoria: Theophilos Rifiotis Autoria: A constante ampliação da pauta de reivindicações sociais por "direitos" no Brasil, especialmente na chave dos "direitos humanos", e a sua tradução em termos morais e na judicialização das relações sociais são as questões centrais da apresentação. Numa primeira parte, trago para o debate uma análise dos modos de produção da justiça nos casos de "violência de gênero" a partir de uma releitura de works etnográficos realizados, anteriormente à Lei 11340/2006, no âmbito da Delegacia da Mulher, focando especialmente o que pode ser chamado - numa expressão paradoxal -como "mediação policial". Num segundo momento, apresento uma reflexão sobre as práticas de produção de justiça no âmbito da aplicação da Lei 11340 observadas entre 2008 e 2014 em Florianópolis, destacando a adoção do "perdão judicial" nas chamadas "audiências de ratificação" e os "estilos"e moralidades de juizes. Finalmente, proponho uma sistematização de um conjunto de questões colocadas para a pesquisa etnográfica sobre a produção de justiça no campo da "violência de gênero" e proponho uma reflexão sobre a dimensão moral e política das lutas por direitos e sobre o tipo específico de judicialização que se estabelece nesse processo.
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Direito `a moradia: os sentidos da autogestão e da mobilização comunitária de famílias trabalhadoras Autoria: Michelle Lima Domingues Autoria: Este work é resultado parcial de pesquisa intitulada “Helping the Poor Stay Put: Affordable Housing and Non-Peripheralization in Rio de Janeiro, Brazil” que integra uma equipe interdisciplinar de pesquisadores dos E.U.A, Reino Unido e Brasil, da qual faço parte como antropóloga. A pesquisa visa compreender processos coletivos diversos de demanda e engajamento pelo direito a moradia popular, centralizados na região portuária da cidade do Rio de Janeiro e em suas adjacências. Tais processos objetivam a permanência de famílias de baixa renda em um espaço imbricado por competições pelo território que é foco de projeto de revitalização urbana subsidiado pelo Estado, o chamado projeto Porto Maravilha.
Tendo em vista um importante cenário de correlações de força que integra as possibilidades abertas pelos usos dos dispositivos legais de consolidação do Plano de Habitação Social do Porto, contrapartida social do projeto, a pesquisa visa estudar, de forma comparativa, experiências distintas de mobilização comunitária, sejam autônomas ou fomentadas por ações de movimentos sociais, com a finalidade de concretizar moradia popular neste espaço e de nele permanecer as classes trabalhadoras.
O work proposto trata especificamente de análise etnográfica do processo de implementação do projeto habitacional federal Minha Casa Minha Vida Entidades cujo grupo de 116 famílias trabalhadoras, denominado Quilombo da Gamboa, figura como beneficiário. O grupo é representado pelos movimentos sociais União Nacional por Moradia Popular e Central de Movimentos Populares e pela ONG Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião que é a Entidade Organizadora do projeto.
Considerando um dos eixos temáticos da pesquisa em andamento, “politics and citizenship”, o work pretende discutir os agenciamentos institucionais deste grupo de famílias pelas lideranças locais e idealizadores do projeto que se articulam em determinados sentidos e significados para a promoção do direito à moradia e de outros direitos sociais que integram o direito `a cidade.
A partir de etnografia acerca dos processos de mediação de valores, princípios morais e representações de ações coletivas dos quais as famílias são objeto, o work busca problematizar as potencialidades e limites de tais arranjos culturais que se dão nos espaços político-pedagógicos de formação e mobilização comunitária para a autogestão. A autogestão é concebida como princípio fundamental orientador das práticas e representações de luta pelo direito a moradia e, por extensão, por outros direitos sociais, em contexto de concorrência institucional pela legitimidade da representação de setores pobres da população, que abriga, em determinados sentidos, perspectivas convergentes e divergentes das lideranças locais.
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Dramatizando julgamentos, socializando leis e multiplicando saberes: pedagogias jurídicas em uma ONG no Timor-Leste contemporâneo Autoria: Miguel Antonio dos Santos Filho Autoria: Este texto toma como foco algumas práticas e atividades do Forum Komunikasi Untuk Perempuam Lorosa’e – FOKUPERS , organização não governamental (ONG) de expressiva participação no combate à violência doméstica em Timor-Leste. As atividades às quais me direciono neste texto são voltadas aos principais públicos da ONG: as mulheres atingidas diretamente pela violência doméstica e os sujeitos engajados com a luta pela igualdade de gênero no país. Tomo-as aqui para discutir os modos como elas são projetadas para estes sujeitos, analisando seus elementos constitutivos, suas potencialidades, implicações e demais aspectos políticos e simbólicos. Isso permitirá, por um lado, uma discussão atenta do que elas representam enquanto recursos de participação social e política entre os sujeitos que as compõem e, por outro, discutir igualmente o que elas podem nos dizer sobre a sociedade leste-timorense mais ampla – ou pelo menos sobre o modo como esta sociedade e seus valores são representados desde o ponto de vista dos materiais e dos discursos mobilizados pela equipe da ONG. A partir da descrição das práticas e das atividades, prossigo com a discussão, propondo que elas figuram como formas ou estratégias de pedagogias jurídicas, explicitando a razão para a utilização desta categoria. O ensaio toma, portanto, as atividades e as práticas de pedagogias jurídicas da FOKUPERS, como núcleo em torno do qual gravitam fenômenos como: a reorientação de comportamentos e de práticas de mulheres atingidas pela violência doméstica e de outros sujeitos; a instrumentalização de mecanismos legais como trunfos políticos e como ferramentas pedagógicas; ampliação ou espraiamento dos reconhecimentos sobre os insultos morais (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2008; 2011a) causados pela violência contra a mulher; e, entre outros, o acirramento de disputas (desde o ponto de vista da ONG) sobre sistemas concorrenciais de resolução de conflitos. Deste modo, o ensaio se dedicará a compreender alguns fenômenos que envolvem procedimentos adotados para resolver conflitos e “fazer valer direitos e interesses” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011b), especificamente aqueles adotados por mulheres que têm suas práticas (re)orientadas pela ONG com a qual dialogaremos daqui em diante.
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Judicialização e as relações entre sujeitos, direitos, justiça e cidadania Autoria: Camilla Felix Barbosa de Oliveira Autoria: Clifford Geertz (1997) compreende que o direito constrói a vida social e é uma das instâncias constitutivas das formações culturais, instaurando representações normativas de como devem ser as coisas em comparação ao que elas são. Nesse sentido, os fenômenos que estão na interface entre antropologia e direito precisam ser considerados a partir da problematização de práticas sociais e lógicas que produzem novos conceitos, objetos, políticas e, em especial, novos modos de subjetivação.
Destarte, a presente proposta surge a partir dos estranhamentos suscitados pelo movimento de regulação dos poderes judicial e legislativo sobre os modos de vida, as relações sociais e os direitos humanos, o que vem sendo designado como judicialização. O interesse por essa temática deriva, ainda, da observação da associação entre a garantia dos direitos e o acesso à Justiça, fazendo com que o Judiciário ocupe um lugar central nas políticas públicas e no exercício da cidadania, de modo que o sujeito reforça sua própria menoridade e vai abdicando do seu protagonismo, abrindo espaço para um protagonismo de Estado, especialmente do jurídico (Rifiotis, 2014).
Vale ressaltar que a judicialização é aqui analisada não apenas como um contexto, mas como uma lógica que possibilita, constrói e sustenta a centralidade jurídica e legislativa, a intervenção estatal e a abordagem normativa das relações sociais, configurando-se como uma matriz fundamental para a compreensão das subjetividades contemporânea, conforme indicado por Rifiotis. Destaca-se, ainda, na atual conjuntura, o conjunto de práticas, discursos e valores centrados nos direitos e sua preponderância, especialmente quando referente ao campo das violações. Cumpre salientar que a abordagem em tela não se ancora em uma concepção de sujeito de direitos essencializada, pré-determinada, eurocêntrica, homogênea e universal. Ao contrário, propõe-se uma crítica de um sujeito que não é dado, mas que se constitui atuando e operando cotidianamente com a lógica judicializante.
Nesse cenário, com base nas primeiras aproximações com o campo de pesquisa, o presente work buscará analisar as relações entre os sujeitos de direitos e os aparatos jurídicos e legislativos do Estado por duas vias: (1) as formas como os direitos são acionados através de demandas e reinvindicações cada vez mais traduzidas em pautas judicializantes; (2) as políticas judiciais e legislações que capturam diferentes aspectos da vida, das relações sociais e dos processos vinculados à cidadania.
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Literatura entre feminismo(s) e reconhecimento: notas sobre o #leiamulheres Porto Alegre Autoria: Mariah Torres Aleixo Autoria: Em 2015 surgiu o clube de leitura #leiamulheres Porto Alegre, na capital gaúcha. Ele está atrelado a um projeto nacional que teve início em São Paulo, também em 2015, a partir da hashtag #readwoman2014, criada por uma jornalista britânica. O projeto reúne mulheres e homens mensalmente a fim de debater uma obra, geralmente literária, de autoria feminina. Assim, o work busca refletir sobre o clube de leitura #leiamulheres Porto Alegre por meio da observação participante do encontro do mês de junho de 2018 e da análise de entrevistas realizadas com cinco participantes. Busco compreender o processo das reuniões presenciais, quem são os participantes, como significam o projeto e o que é partilhado entre eles. Utilizando como rota de compreensão a antropologia das relações de gênero e a antropologia que pensa cidadania e reconhecimento, sugiro que o clube elabora feminismos, promove reconhecimento de maneira específica e inovadora, desloca a noção tradicional de cidadania – especialmente a feminina – e, desse modo, confere renovadas funções sociais à literatura e, também, engendra olhares diferenciados na relação entre antropologia e literatura.
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Mulheres que militam pelos direitos dos idosos Autoria: Beatrice Cavalcante Limoeiro Autoria: Este work é um recorte da minha pesquisa de tese de doutorado em andamento. A pesquisa tem como objetivo compreender as trajetórias de mulheres idosas que, a partir de seus contextos sociais e históricos específicos, se tornam militantes da causa do idoso e defensoras dos direitos dos mesmos.
A pesquisa se desenvolve a partir da tentativa de traçar uma rede de relações entre espaços de criação, discussão, aplicação e acompanhamento de políticas públicas e direitos para pessoas com 60 anos ou mais na cidade do Rio de Janeiro. Um dos objetivos iniciais da pesquisa era compreender que valores, normatividades e concepções sobre o que é a velhice (ou o que ela deveria ser) estão em jogo nesta rede de instituições que tem como foco políticas para pessoas consideradas idosas.
O Fórum Permanente da Política Nacional e Estadual do Idoso no Estado do Rio de Janeiro (Fórum PNEIRJ) surge como espaço central para compreender a participação de representantes da sociedade civil nesta disputa de legitimidade sobre quem sabe e quem pode dizer qual é a demanda da população idosa. Dentro deste espaço destacam-se mulheres com históricos e trajetórias singulares que as tornam lideranças da sociedade civil pela causa dos idosos, atuando em espaços como o Fórum, mas também no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa – CEDEPI e Associação Nacional de Gerontologia – Rio de Janeiro (ANG-RJ).
Utilizando como metodologia de pesquisa a teoria ator-rede (LATOUR 1998), investigando os caminhos percorridos, bem como a atuação, participação e redes de relações estabelecidas por estas mulheres, esta pesquisa busca compreender quem são estas mulheres, onde e como atuam militando pelos direitos dos idosos, com que outros espaços e agentes disputam, que discursos produzem sobre a velhice e suas necessidades e como se relacionam com a população idosa de maneira geral.
Além do marcador social da idade, na investigação destas trajetórias outra característica se faz presente: o gênero feminino. Ao mesmo tempo em que estudos apontam que há uma feminização da velhice (NERI, 2007), apontando para uma maior presença feminina em grupos de convivência, viagens, atividades de lazer e works voluntários, em relação aos homens idosos; existem também estudos que sustentam a tese de que os homens são figuras mais presentes e atuantes nos movimentos sociais ligados às causas dos idosos (SIMÔES, 2006). De maneira distinta ao que apontam estes estudos, as mulheres idosas desta pesquisa contrariam a ideia de que apenas os homens são ativos politicamente e de que a mulher idosa está presente apenas nos espaços de saúde e lazer.
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Para além da migração: haitianos contestando a categoria de “imigrante” no pleito ao reconhecimento Autoria: Marcelo Giacomazzi Camargo Autoria: No atual contexto de migração haitiana para o estado de Santa Catarina, as organizações públicas, ONGs e voluntários independentes buscando contribuir materialmente para melhorias nas condições de vida dos haitianos rotineiramente os enquadram dentro da categoria de “imigrantes”. Esta denominação orienta os esforços feitos, direcionando-os para demandas reconhecidas como imediatamente relevantes para imigrantes recentes no Brasil: o aprendizado do português enquanto idioma, o acesso ao mercado de work formal, a compreensão das leis trabalhistas e de migração nacionais, o auxílio na entrada e permanência no sistema educacional e a divulgação de formas expressivas culturais, onde se vê uma oportunidade tanto de um esforço por maior aceitação ampla da diversidade quanto de promoção de oportunidades de empreendedorismo. Neste work, busco analisar como diferentes atores haitianos na Grande Florianópolis aceitam ou recusam a categoria de “imigrante”, mobilizando-a para acessarem determinados recursos mas rejeitando-a, ou problematizando-a, quando buscam entrar em discussões políticas das quais a categoria os exclui. Nestes casos, por vezes se opera uma oposição entre a categoria “imigrante” e a categoria “negra” ou “negro”, por um reconhecimento de certos sujeitos haitianos de que a existência brasileira da raça os contempla – positiva ou negativamente – de uma maneira diferente da categoria de “imigrante”. Além disso, diversos sujeitos haitianos ressentem a categoria de “imigrante” por considerar que os esforços decorrentes de seu emprego apagam as diferenças entre os haitianos e outras comunidades de origens diferentes, como sírios, senegaleses e venezuelanos; em seus pleitos à cidadania, muitos destes haitianos reconhecem que existem dinâmicas de vida próprias da existência haitiana no Brasil que acabam por não receber a devida atenção quando o apoio é voltado para uma ideia mais ampla de “integração de imigrantes”. O work é resultado de etnografia conduzida ao longo de 2017 na Grande Florianópolis, com interlocutores haitianos e brasileiros, e busca traçar formas êmicas de aceitação ou rejeição da ideia de migração como marcador social. A hipótese é que, para além da ideia de migração, existem outras disputas sociopolíticas e identitárias no Brasil que são estrategicamente acionadas por sujeitos vindos de outros países conforme seus interesses e seus modos de viver.
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Passos etnográficos pela “cidadania violenta”: jovens nas periferias e territórios negros de Porto Alegre-RS através de experiências da violência estatal Autoria: Alexandre Peres de Lima Autoria: Pode se considerar como parte fundante do exercício da cidadania a garantia de direitos fundamentais. Principalmente aqueles da inviolabilidade física, psíquica e moral dos cidadãos, o que impede aos agentes do Estado a perpetuação de violações destes direitos. Contudo, o quê vem a ser a cidadania para os segmentos da população que tem estes direitos reiteradamente violados por agentes públicos, do Estado, especificamente a polícia? O Brasil possui hoje a conformação não declarada de políticas públicas de segurança de alta letalidade. Conforme o perfil delineado pelos dados quantitativos atualmente existentes (Weiselfiz, 2016), os jovens homens negros de 17 a 24 anos estão no topo do índice de Homicídios por Armas de Fogo (HAF). Às instituições de segurança pública é imputada uma série extensa de acusações e denúncias nas esferas públicas e judiciais de perpetuar estes tipos de violação, não somente pelo índice dos HAF – violência física, apreensões indevidas, detenções mal justificadas, violação de domicílio sem mandado judicial, dentre outras. Seria esta a experiência de uma “cidadania violenta” (Coelho, 2006), contexto onde os sujeitos possuem direitos, mas, passam por reiterados processos de intervenção e ocupação, para assim, conformarem-se as hegemonias nacionais e/ou coloniais? Pretendo através de uma etnografia junto a homens jovens negros, em territorialidades quilombolas e de periferias de Porto Alegre (RS), compor alguns sentidos da experiência de cidadania no contexto de ações e intervenções violentas do Estado. Darei especial destaque às formas narrativas que expressam as intervenções do Estado pelas corporalidades, e igualmente por atitudes (anti) éticas, outras violações morais. A partir disso, apresento resultados parciais da pesquisa sobre os efeitos nestes jovens homens negros e o que extraem destas experiências violentas. E de que forma o cotidiano vivido é retomado após estas circunstâncias violentas. Este campo permite indagar sobre como visões de Estado e cidadania ficam nestas situações. A partir deste conjunto também discuto não apenas uma “cidadania violenta”, mas, uma cidadania liminar: aquela que oscila entre a garantia de direitos e as formas do estado de exceção (Agamben, 2006), e o necropoder/necropolítica (Mbembe, 2016) como a política fomentadora desta condição liminar. E igualmente analisar o racismo (institucional) como o operador desta forma de experiência de cidadania.
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Povos indígenas: democracia e cidadania ou democracias e cidadanias? Autoria: Meire Adriana da Silva Autoria: O presente artigo tem como objetivo a análise de uma parcela das políticas indígenas e indigenistas brasileiras, tendo como foco questões relativas à cidadania e democracia. Busco relacionar esses aspectos com situações propiciadas pelo direito diferenciado dos povos indígenas, em especial os povos Guarani e Kaiowá e os Galibi Marworno, Palikur, Galibi Kalinã e Karipuna. Nesse sentido, essas questões serão evidenciadas por meio de ações referentes a educação escolar indígena e sua relação com o direito ao território. Para tanto, abordo os conceitos de redistribuição e reconhecimento, estabelecendo um diálogo entre esses conceitos e relacionando-os com contextos vividos pelos povos indígenas citados, em territórios homologados e não homologados. Entre outras, as seguintes indagações nortearam as reflexões propostas: a garantia do território aos povos indígenas tem surtido redistribuição e reconhecimento, no tocante as políticas públicas relacionadas a educação? Como podemos relacionar essas possibilidades de reconhecimento com democracias e com cidadanias? Dessa forma, entende-se que a garantia do território aos povos indígenas, embora seja fundamental para o bem viver desses povos, não pressupõe a conquista da totalidade de processos democráticos diferenciados, bem como seu pleno reconhecimento, mas, cria condições mais favoráveis ao acesso às políticas diferenciadas, que podem gerar democracias e cidadanias.
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Que cidadania para que povo? Dissidências de gênero, sexualidade e raça e o acesso à direitos humanos no Brasil contemporâneo Autoria: Vitor Pinheiro Grunvald Autoria: Neste artigo pretendo pensar alguns aspectos das teorias da cidadania e dos direitos humanos quando vistos a partir de corpos marcados por dissidências de gênero, sexualidade e raça para evidenciar o processo de distribuição diferencial de direitos e acesso à cidadania e problematizar a existência de um sujeito de direito universal, liberal e incorporal.
Movimentos sociais ligados à questões de gênero, sexualidade e raça tem insistido no processo de corporificação da política através de uma negação do sujeito abstrato do direito ocidental. Ademais, a partir dessa perspectiva, o espaço público como espaço democrático da política e do encontro entre pares – aqueles pares que a noção de cidadãos com direitos iguais perante a lei supõe – já se coloca, portanto, como resultado da instauração de uma determinada práxis e de uma linguagem a ela associada a partir de um processo que Chantal Mouffe e Ernesto Laclau (1986) chamam de “exclusão constitutiva” por meio da qual qualquer noção particular de inclusão é estabelecida.
Coletivos artivistas de inspiração queer e interseccional como A Revolta da Lâmpada serão etnograficamente trazidos à discussão para sugerir que a “lampadada” realizada por inspiração homofóbica e que serve de marcação ao nome do grupo foi apenas mais uma materialização dessa violência que é, em muitos sentidos, também distribuída diferencialmente entre quem conta e quem não conta como “sociedade” e como “povo”.
Trata-se de postular, como o faz Judith Butler em seu Corpos em aliança e a política das ruas: Notas sobre uma teoria performativa de Assembléia, que as noções de povo e sociedade são antes performativas que entidades com suposta natureza dada enquanto coletividade e que os “espaços de aparição” da teoria arendtiana se construíram historicamente justamente a partir da exclusão de corpos e sujeitos tomados como proto ou infrasociais – o que, simultaneamente, “desconsidera e desvaloriza estas [outras] formas de agência política que emergem precisamente nesses domínios considerados pré-políticos ou extra-políticos” (2011), onde poderíamos, a propósito, colocar a própria arte e as investidas recentes do artivismo político.
Essas reflexões, portanto, permitem recuperar questões já elaboradas por conceitos como os de necropolítica (Achille Mbembe) e homo sacer (Giorgio Agamben) para pontuar que cidadania e violência são coexistências políticas e não princípios excludentes de ação social, para além ou aquém do propõe certa teoria política clássica que, tal como discutido por autoras/es como Renato Janine Ribeiro e Vera da Silva Telles, associa, de maneira inexorável, democracia e exercício da palavra não violenta.
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Reivindicações de direitos e arenas anti-racistas no Rio de Janeiro e em Paris. Autoria: Yolanda Gaffrée Ribeiro Autoria: A partir de uma perspectiva comparada e contrastiva, proponho analisar as reivindicações de direitos e por justiça e a confecção de arenas anti-racistas, no Brasil e na França. Parto da etnografia sobre processos de reconhecimento de comunidades remanescentes de quilombo, no estado Rio de Janeiro, e acerca das mobilizações de combate à discriminação, em Paris (PDSE/CAPES). Em ambos os contextos, é possível observar a elaboração de uma ‘questão racial’. No primeiro caso, a afirmação da pluralidade de grupos étnico-culturais que compõem a nação acompanha as reivindicações de direitos e processos e políticas de reconhecimento, além de demandas de reparação histórica, principalmente relacionadas à população negra. A conformação de arenas públicas plurais na França contemporânea, acompanha mobilizações de combate à discriminação. Em Paris, os distintos vínculos aportados pelos atores no espaço público sejam eles religiosos, nacionais, étnicos ou raciais colocam à prova a concepção de cidadania republicana, em princípio alheia ao reconhecimento, inclusive do ponto de vista jurídico, de minorias étnico raciais. As arenas em torno do tema ‘controle de identidade’ ou “controle au faciès”, dão visibilidade à problemática da abordagem policial, notadamente em relação aos jovens negros e de “origem árabe”. As reivindicações de direitos e por justiça envolvem, ainda, mobilizações de combate à discriminação e condições de acesso a habitação e ao emprego, além de usos diferenciados do espaço público. Estão relacionados, por sua vez, às trajetórias e processos migratórios, principalmente de pessoas oriundas das ex-colônias francesas. As associações e coletivos, por sua vez, elaboram repertórios distintos para a reivindicação de direitos e por justiça. Os engajamentos, então, ora sustentam, ora evitam o acionamento de categorias étnico-raciais, ao elaborar gramáticas de generalização e de acesso universalizável a direitos. No estado do Rio de Janeiro, as reivindicações de direitos e os processos de reconhecimento de comunidades remanescentes de quilombo acompanham a elaboração de arenas anti-racistas e a criação de dispositivos jurídicos e procedimentos administrativos, no âmbito de processos de construção de direitos em curso. Em contextos urbanos, os engajamentos em torno de uma luta contra a discriminação e o racismo assumem centralidade, a partir de categorias como “igualdade” e “respeito”. Em contextos rurais, tem peso as narrativas históricas em torno de uma memória da escravidão, vinculadas às condições de subalternidade e controle vividas. Busco, nessa comunicação, apresentar a conformação de arenas plurais, chamando atenção para as concepções de cidadania e de direitos, bem como para as noções de público elaboradas nos contextos estudados.
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Terra, work e direitos: a busca por cidadania em um quilombo do recôncavo da Bahia Autoria: João Rodrigo Araújo Santana Autoria: A problemática de pesquisa aqui formulada emerge do fato das comunidades negras rurais terem enfrentado dificuldades históricas para a conquista do direito à terra e para permanecerem no campo. Na atualidade, estas comunidades estão engajadas em uma luta por reconhecimento, em defesa dos seus direitos territoriais e por políticas redistributivas que reparem as injustiças sócioraciais que historicamente enfrentaram. Nesse sentido, recontar a trajetória das comunidades negras rurais pode ser reveladora de uma face importante do processo de construção da cidadania no Brasil. Na presente comunicação, apresento os primeiros resultados de uma pesquisa que objetiva analisar a trajetória histórica da comunidade negra rural quilombola de Dom João, localizada no município de São Francisco do Conde, Bahia. Parto do suposto de que essa trajetória é marcada pela busca por cidadania, que se manifesta através da luta pela terra, da realização de um “projeto camponês” (ligado a autonomia de vida, domínio do processo de work e formação da família) e da luta por reconhecimento étnico. Buscarei aqui analisar a cidadania a partir das práticas dos sujeitos, ou melhor, das experiências coletivas nos inúmeros processos de mobilização, negociação e conflito vivenciados pela comunidade. Dessa forma, o objetivo é então o de perceber de que forma essas experiências coletivas são promotoras de uma identidade social, que no caso das comunidades quilombolas se traduz numa identidade étnica. A comunidade de Dom João é composta por cerca de 50 famílias, e está localizada numa região de mangue da zona rural do município de São Francisco do Conde, Bahia, distante 4 km da sede. Os quilombolas de Dom João contam que a área que ocupam hoje era anteriormente utilizada pelos ancestrais das suas famílias. Estes moravam e trabalhavam nas fazendas e usinas da região, e iam à atual região do quilombo para pescar, mariscar e plantar pequenas roças. Segundo a memória social dos moradores de Dom João, portanto, a área do quilombo era onde, ainda no tempo da escravidão, e mesmo após a abolição, os escravos, ex-escravos e seus descendentes buscavam formas autônomas de vida. Contar a trajetória da comunidade de Dom João é interessante porque vemos que esta foi uma comunidade que viveu as margens das riquezas produzidas pelos ciclos econômicos regionais (açúcar e petróleo), e que vivenciou uma série de ameaças quanto a posse do seu território, incluindo despejos forçados. Atualmente, a comunidade está em meio a uma intensa luta de reconhecimento da sua identidade étnica, bem como em defesa dos seus direitos territoriais, assegurados pela Constituição de 1988.
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“Sem bandeira, relaxa e goza”: cidadania, carnavalização e crise de representatividade no "23º Debate Público / Jogo Ágora" do ERRO Grupo Autoria: Camila Horbatiuk Dutra Autoria: Diante da onda de conservadorismo, moralismo e extremismo religioso que tem provocado a disseminação de ideais reacionários e atitudes discriminatórias (lgbtfobia, racismo, machismo, xenofobia, entre outros), muitas democracias têm sido impactadas e, consequentemente, também o exercício de direitos humanos básicos (entre eles, o direito à vida, à liberdade de pensamento, expressão e locomoção). A performance "23º Debate Público / Jogo Ágora", do ERRO Grupo (Florianópolis – SC) abre uma brecha para perceber como a cidadania e os papeis de eleitores e representantes políticos estão sendo vistos pelos cidadãos, ao instiga-los a sugerir, justificar e defender novos lemas para a substituição da frase positivista “Ordem e Progresso” na bandeira do Brasil. Trabalhando nas fronteiras entre realidade e ficção, essa performance de rua – por mim acompanhada em três dias e espaços diferentes em Florianópolis, e uma vez no centro de Curitiba, entre outubro de 2016 e abril de 2017 – cria um espaço de deliberação de amplo alcance e diversidade no qual a expressão de opiniões, reivindicações e proposições não é restrita por convenções, formalidades ou regras de conduta rígidas. O artigo se desenvolve a partir das questões que surgiram no work etnográfico, referentes à forma como a cidadania está sendo exercida e pensada, e à crise de representatividade que transparece na carnavalização das falas e discursos dos cidadãos sobre temáticas políticas.
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“Somos cidadãos do céu”: concepções de cidadania e batalha espiritual na Marcha para Jesus Autoria: Raquel Sant'Ana da Silva Autoria: Entre as muitas mudanças ocorridas no Brasil nos últimos 30 anos, o crescimento evangélico tem sido uma das mais impactantes. O recuo numérico dos que se identificam com o catolicismo e a inauguração de um regime jurídico de pluralismo religioso, a partir da constituição de 1988, foram acompanhados de iniciativas cada vez mais freqüentes de grupos que se apresentam ao debate público enquanto evangélicos.
A despeito da heterogeneidade que marca o protestantismo brasileiro, esse processo foi acompanhado pela formação de grandes frentes de atuação conjunta entre diferentes setores, como a Frente Parlamentar Evangélica, a consolidação de um mercado gospel, que ultrapassa as igrejas, e a construção interdenominacional de manifestações e “atos proféticos” nas ruas.
Neste work, analiso a mobilização de ideias de cidadania nas disputas por constituir uma ação “evangélica” no Brasil. Utilizo como via de acesso para esse problema o caso da Marcha para Jesus, evento público de visibilidade evangélica organizado pelos setores mais poderosos da indústria cultural e da política parlamentar evangélica brasileira. A “Marcha” ocorre anualmente em diversos municípios e consiste em grandes caminhadas por locais centrais da cidade, acompanhadas por músicas evangélicas entoadas em alto som pela multidão.
Baseando-se na lógica da batalha espiritual, pela qual, o mundo seria permeado pelos impactos de uma guerra entre Deus e o Diabo,o evento opera com a ideia de que para que sejam superadas as mazelas sociais, seria necessário expulsar o demônio dos espaços públicos e de poder. Assim, para superar problemas como a miséria, a fome e a violência, seria necessário “retomar o Brasil para Jesus”, ocupar postos de relevância no Estado, no mercado e na cidade.
Procuro aqui, a partir da análise da operação dessas noções no evento evento, explorar as implicações da operação desse entendimento de que ser cidadão seria atuar nessa “batalha espiritual” e um contexto jurídico fundado a um só tempo em noções de laicidade, pluralismo religioso e valorização da diversidade.
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